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Psicopatia corporativa e os estilos de gestão transformacional, transacional

4 PSICOPATIA CORPORATIVA

4.5 Psicopatia corporativa e os estilos de gestão transformacional, transacional

O estilo de gestão tem raiz na personalidade, somada aos treinamentos recebidos e às experiências ao longo da vida (NOGUEIRA; COSTA; CLARO, 2015). É por isso que existem tantos tipos de líder. E na tentativa de compreender os gestores tóxicos, destrutivos, sombrios, propõe-se explorar a psicopatia corporativa como um fator subjacente na explicação dos estilos “negativos” de liderança.

Importante ressaltar que a gestão e seus resultados não serão alvos da presente tese. O que se pretende, neste momento, é apresentar um modelo teórico no qual a personalidade prediz a liderança por meio da influência da psicopatia no estilo de gestão.

Figura 1 – Modelo explicativo: personalidade, psicopatia e estilo de gestão

Fonte: Elaborado pela autora.

Dito modelo propõe associar a psicopatia à gestão, considerando um indivíduo com traços de personalidade normal (especialmente baixos níveis de amabilidade e conscienciosidade) e de personalidade sombria, resultando em tendências psicopáticas (manipulação, falta de ética, insensibilidade, frieza, desconfiança, falta de foco, intimidação e agressividade), o que, por sua vez, determina um estilo de gestão pouco efetivo, que vai de encontro à influência, motivação, estimulação e consideração, presentes no estilo transformacional. Na prática, líderes com características de psicopatia corporativa são executivos frios, chefes carrascos ou políticos corruptos. Ao mesmo tempo, a literatura vem apontando que o estilo de liderança laissez-faire não se trata apenas de ausência de liderança, mas de um estilo destrutivo que mostra relações sistemáticas com estresse laboral, intimidação e sofrimento psicológico (SKOGSTAD et al., 2007).

Escassos estudos empíricos avaliaram as relações que a psicopatia corporativa estabelece com a personalidade e os estilos de gestão e, portanto, é imperativo preencher essa lacuna teórica e empírica, especialmente no Brasil, onde não há qualquer análise nessa direção. Embora ainda preliminares, os resultados em geral apontam correlações negativas entre psicopatia corporativa e estilo de liderança transformacional, bem como correlações positivas entre psicopatia corporativa e o estilo de liderança passiva (laissez-faire) (MATHIEU et al., 2014; MATHIEU et al., 2015). Todas as relações propostas no modelo teórico serão exploradas empiricamente no Estudo 3, com amostra de gestores brasileiros.

O presente capítulo, talvez o mais representativo deste apartado, se propôs a explorar o fenômeno da psicopatia corporativa, construindo um corpo teórico que perpassa tanto elementos individuais quanto sociais. Esse enfoque abrangente é importante para entender como indivíduos psicopatas chegam às organizações, operam dentro delas e, em alguns casos, alcançam posições de liderança. Evidencia-se que os psicopatas corporativos

Personalidade “normal” (Big five) Personalidade sombria (Dark triad) Psicopatia corporativa Estilo de gestão (Full-range)

transitam por ambientes em que podem ganhar poder, dinheiro e prestígio (BODDY, 2010). Assim, é mais comuns encontrá-los em alguns tipos de organização e funções, incluindo os cargos de gestão (LILIENFELD; WATTS; SMITH, 2015; BODDY, 2017).

Segundo Landay, Harms e Credé (2019), indivíduos com tendências psicopáticas são, de fato, um pouco mais propensos a emergir como líderes, porém são líderes menos efetivos, pois eles possuam um número de características de personalidade altamente aversivas que são prejudiciais ao funcionamento eficaz no local de trabalho. Existe, potencialmente, um grande problema com a ética e o caráter dos líderes corporativos. Isso implica que há uma necessidade urgente de apreender os efeitos da presença de líderes psicopatas nas organizações.

Nesse contexto, o charme superficial dos psicopatas corporativos, juntamente com sua disposição de mentir e a capacidade de apresentar uma falsa aparência de competências e comprometimento, faz com que pareçam líderes ideais. Para Landay, Harms e Credé (2019), há, para além da personalidade e do estilo, um forte componente cultural; não é à toa, que o gênero modera a relação entre psicopatia e liderança, de modo que as mulheres são penalizadas por exibirem tendências psicopáticas, enquanto os homens podem ser recompensados por comportamentos semelhantes.

Pontua-se, a partir disso, que a intensa racionalidade e competitividade que caracterizam o ambiente corporativo, juntamente com um foco excessivo no lucro e pouca preocupação emocional ou empatia por outros, proporcionam o ambiente ideal para manifestação dos psicopatas corporativos, considerados úteis ao estilo de capitalismo vigente. Em termos simples, Pech e Slade (2007) sugerem que os líderes psicopatas são bem- sucedidos em organizações empresariais por causa dos significados culturais e estruturais que a sociedade atribui aos líderes ideais. De igual modo, as culturas ocidentais que favorecem o comportamento gerencial manipulador, egocêntrico e autocentrado são mais propensas a operar eficientemente, ainda que tenham líderes psicopatas sob a direção (BABIAK; HARE, 2006).

Que tipo de pessoa se almeja para administrar as principais organizações do mundo, tomando decisões sobre como elas afetam os negócios, o meio ambiente, a sociedade e a economia? (BODDY, 2017). É crucial, pois, atentar para a dinâmica específica do contexto organizacional vigente que permite que psicopatas alcancem posições de liderança. Para Irtelli e Vicenti (2017), a melhor maneira de evitar esse feito é tentar a identificação antes que os psicopatas corporativos adentrem a organização. Por meio de intervenções apropriadas, as organizações podem oferecer medidas preventivas, como programas

educacionais específicos (por exemplo, treinamento anti-bullying) e, principalmente, o desenvolvimento de uma cultura orientada para a equipe e para o aumento do bem-estar dos trabalhadores.

É crucial que pesquisadores e profissionais no campo da psicopatia ajudem a aumentar a conscientização acerca da existência e do potencial dano oriundo da ação de psicopatas corporativos e obtenham apoio para pesquisas que possam beneficiar não apenas a própria organização, mas também a compreensão da sociedade sobre esses “predadores” invisíveis, em vistas a uma melhor adequação do ambiente de trabalho e do ambiente social.

Por fim, depreende-se que se trata de um campo que, apesar de despertar grande interesse e da sua inegável contribuição tanto para o avanço científico quanto para o desempenho nas organizações, ainda apresenta grande espaço para avançar. E o Brasil certamente tem muito a contribuir para esse progresso, tanto em razão da sua extensão e diversidade cultural quanto pela posição que vem ocupando no cenário político e econômico contemporâneo.

Por todo o exposto, a seguir se apresenta a Parte II da tese, composta por três estudos empíricos. Os Estudos 1 e 2, de natureza psicométrica, objetivam a adaptação e construção, respectivamente, de instrumentos para medir a psicopatia corporativa, checando evidências de validade e consistência interna. O Estudo 3, por sua vez, verifica os correlatos da psicopatia corporativa com os traços de personalidade e os estilos de gestão, propondo, adicionalmente, um modelo explicativo e respondendo a proposições relevantes para a área.

5 ESTUDO 1: ADAPTAÇÃO DA VERSÃO BRASILEIRA DA ESCALA DE