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A representação social de professores do ciclo de alfabetização sobre o letramento: analisando sentidos e posicionamentos.

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ELAINE VIEIRA DE ALMEIDA

A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DE PROFESSORES DO CICLO DE ALFABETIZAÇÃO SOBRE O LETRAMENTO: ANALISANDO SENTIDOS E

POSICIONAMENTOS

FORTALEZA 2020

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ELAINE VIEIRA DE ALMEIDA

A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DE PROFESSORES DO CICLO DE ALFABETIZAÇÃO SOBRE O LETRAMENTO: ANALISANDO SENTIDOS E POSICIONAMENTOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação. Área de concentração: Oralidade, leitura e escrita.

Orientador: Prof. Dr. Messias Holanda Dieb.

FORTALEZA 2020

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ELAINE VIEIRA DE ALMEIDA

A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DE PROFESSORES DO CICLO DE ALFABETIZAÇÃO SOBRE O LETRAMENTO: ANALISANDO SENTIDOS E POSICIONAMENTOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação. Área de concentração: Oralidade, leitura e escrita.

Aprovada em: ___/___/______.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Prof. Dr. Messias Holanda Dieb (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Profa. Dra. Adriana Leite Limaverde Gomes

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Prof. Dr. Lucineudo Machado Irineu

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Aos meus filhos, Helena e Levi, por me inspirarem uma evolução diária e afetuosa. Aos meus pais, Ari e Georgina, por sempre acreditarem em mim.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, que em sua infinita bondade, esteve ao meu lado nesta caminhada, me encorajando e me apoiando nos momentos de fraqueza.

À minha mãe, Georgina, que me ensinou sobre o amor e sobre amar. Sua força e fé me ampararam nesta trajetória e foram fundamentais para a conclusão deste tão almejado trabalho.

Ao meu pai, Ari, fonte de inspiração pela integridade e amor sempre demonstrados em sua história de vida.

Aos meus filhos, Levi e Helena, que me inspiram diariamente a ser a melhor versão de mim. Vocês me fazem acreditar nos sonhos!

Ao meu companheiro, Eduardo, pelo incentivo e apoio no enfrentamento das dificuldades advindas do cotidiano.

À minha sogra, Áurea Rodrigues, pelo suporte e incentivo diários, sempre vibrando com minhas pequenas conquistas.

Às minhas amigas Rayssa e Viviane, por me inspirarem desde a graduação sobre companheirismo e sororidade.

Às minhas parceiras de jornada na pós-graduação, Ana Néo e Larissa Almeida, pelo acolhimento e partilha de saberes. Obrigada pelas conversas esclarecedoras e os risos inerentes às amizades que engrandecem.

Aos meus colegas do grupo Grafí – Laboratório de Estudos da Escrita - pelas construções coletivas de fortalecimento do “eu” pela presença do “outro”. Em especial, ao meu companheiro de idas à campo, Matheus Mariano, pela parceria e compromisso demonstrados.

Ao meu querido orientador Prof. Dr. Messias Dieb, pela generosidade e afeto imbricados em cada ensinamento. Sou grata por tornar esta caminhada tão leve, inspiradora e cheia de beleza.

Aos professores Doutores Adriana Leite Limaverde e Lucineudo Machado Irineu pelas valorosas contribuições desde a elaboração inicial deste trabalho, e que se consolidam nesta honrosa banca examinadora.

Aos professores alfabetizadores do Distrito de Educação 6, pela disponibilidade, pelas conversas e partilha de olhares afetuosos sobre a experiência de ensinar a ler e escrever.

Às formadoras do Distrito de Educação 6, Michele Gomes e Suzy Barbosa por abrirem as portas de suas salas de aula me recebendo com generosidade e parceria.

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sensibilidade com que viabilizaram a construção da minha identidade de pesquisadora no cotidiano da escola.

Aos meus colegas da Célula de Formação de Professores, pelos ensinamentos diários sobre a importância do respeito ao professor.

À Secretaria Municipal da Educação de Fortaleza por oportunizarem a realização desta pesquisa.

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[...] Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 da tarde, que vai lá fora, que aponta lápis, que vê a uva etc. etc. Perdoai. Mas eu preciso ser Outros. Eu penso renovar o homem usando borboletas.

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RESUMO

O presente estudo buscou analisar a representação social sobre o letramento de professores do ciclo de alfabetização de Fortaleza - CE. Para isto, buscamos, inicialmente, descrever a estrutura organizacional dos elementos que compõem os sistemas central e periférico da representação social dos professores sobre o letramento, estabelecer significações para os elementos da representação social dos professores sobre o letramento a partir da posição que eles ocupam nos seus sistemas central e periférico, bem como relacionar a estrutura organizacional dos sistemas central e periférico da representação dos professores com os posicionamentos destes acerca do ensino do letramento. Baseamo-nos nos pressupostos da Teoria das Representações Sociais de Moscovici (1978), fundamentando-nos nas abordagens de Abric (1994; 2001), Flament (1994) e Doise (2001), recorrendo ainda, a alguns pressupostos de Denise Jodelet (2001). Também utilizamos contribuições de Soares (2005; 2017), Kleiman (2008) e Mortatti (2004) sobre o conceito de letramento e suas diferentes significações, sob a perspectiva dos Novos Estudos do Letramento – NEL (STREET, 1984; 2000; 2014). A investigação é de natureza qualitativa, ainda que tenhamos utilizado alguns procedimentos quantitativos para delinear cenários cujos dados numéricos contribuam de forma complementar. Os instrumentos e técnicas usados se baseiam na Teoria do Núcleo Central (ABRIC, 2001; 2003), sendo eles: a associação livre de palavras, a hierarquização de itens, a técnica do questionamento, além de entrevistas semiestruturadas com professores do ciclo de alfabetização de Fortaleza – CE. Os resultados obtidos sugerem que, para esses professores, ser letrado implica construir um conhecimento acerca do mundo social a partir da apropriação da leitura, enquanto atividade de apropriação das convenções do sistema de escrita alfabética. Essa compreensão se deu após identificarmos conhecimento/leitura de mundo como sendo o elemento principal dentro do núcleo central da RS e os termos fazer uso social e compreensão como seus elementos adjuntos, seguidos pelas evocações leitura e alfabetização como sendo a entrada do sistema periférico. A instabilidade desses dois últimos termos e as particularizações semânticas apresentadas pelos sentidos atribuídos distanciaram essas cognições da centralidade da representação. Com base nessa organização semântica, identificamos dois grandes posicionamentos trazidos pelos professores em relação ao ensino do letramento: letramento como “linha de partida” e letramento como “linha de chegada”. De acordo com o primeiro, o ensino do letramento se faz a partir da valorização dos conhecimentos prévios dos alunos, vistos como uma “caixa de elementos” necessários para a aprendizagem da escrita. Já o segundo, sugere o ensino do letramento como uma lente para ver o mundo, sendo isto uma linha de chegada na aprendizagem

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da escrita. Diante disso, concluímos que a representação social dos professores sobre o letramento, guiados pelo elemento central – conhecimento/leitura de mundo - atende às demandas funcionais relacionadas ao contexto de respostas às metas de proficiência estabelecidas pelo sistema de avaliação da rede municipal de Fortaleza - CE. Esses sentidos, particularizados pelos sujeitos, endossam um “alfabetizar letrando” constituído na dissociação entre os processos de alfabetização e letramento, sendo o domínio do sistema de escrita alfabética uma fase inicial e o uso social da leitura e da escrita algo a se alcançar no final do processo.

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ABSTRACT

This study aimed to analyze the social representation on the literacy of teachers in the literacy cycle of Fortaleza - CE. For this, we sought to describe initially describe the organizational structure of the elements that make up the central and peripheral systems of the social representation of teachers about literacy, establish meanings for the elements of teachers’ social representation about literacy from the position they occupy in their central and peripheral systems, as well as to relate the organizational structure of the central and peripheral systems of the representation of teachers with the positions of these about the teaching of literacy. We are based on the assumptions of Moscovici's Theory of Social Representations (1978), based on the approaches of Abric (1994; 2001), Flament (0000) and Doise (2001), also using some assumptions of Denise Jodelet (2001). We also used contributions from Soares (2005; 2017), Kleiman (2008) and Mortatti (2004) on the concept of literacy and its different meanings, from the perspective of the New Studies of Literacy – NEL (STREET, 1984; 2000; 2014). The research is qualitative in nature, although we have used some quantitative procedures to outline scenarios whose numerical data contribute in a complementary way. The instruments and techniques used are based on the Central Nucleus Theory (ABRIC, 2001; 2003), which is: the free association of words, the hierarchization of items, the questioning technique, as well as semi-structured interviews with teachers of the literacy cycle of Fortaleza - CE. The results obtained suggest that, for these teachers, being literate implies building a knowledge about the social world from the appropriation of reading, as an activity of appropriation of the conventions of the alphabetic writing system. This understanding occurred after identifying world knowledge/reading as being the main element within the central nucleus of RS and the terms make social use and understanding as its adjunct elements, followed by the evocations reading and literacy as being the entrance of the peripheral system. The instability of these last two terms and the semantic particularizations presented by the assigned meanings distanced these cognitions from the centrality of representation. Based on this semantic organization, we identified two major positions brought by teachers in relation to the teaching of literacy: literacy as "starting line" and literacy as "finish line". According to the first, the teaching of literacy is made from the valorization of the students' previous knowledge, seen as a "box of elements" necessary for the learning of writing. The second suggests the teaching of literacy as a lens to see the world, this being a finish line in the learning of writing. Therefore, we conclude that the social representation of teachers on literacy, guided by the central element - knowledge/reading of the world - meets the functional demands related to the context of responses to proficiency

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goals established by the evaluation system of the municipal network of Fortaleza - CE. These meanings, individualized by the subjects, endorse a "literacy literacy" constituted in the dissociation between the processes of literacy and literacy, and the mastery of the alphabetic writing system is an initial phase and the social use of reading and writing something to be achieved at the end of the process.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 − Esquema didático da base teórico-prática da Proposta Didática para

Alfabetizar Letrando (PDAL)... 63

Figura 2 − Organização prévia da RS sobre a formação docente... 65

Figura 3 − Distribuição conjunta do percentual das respostas de refutação... 70

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 − Evocações com frequência acima de (10)... 61

Tabela 2 − Hierarquização dos termos mais evocados... 62

Tabela 3 − Distribuição geral dos resultados do questionamento... 67

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADR Avaliação Diagnóstica da Rede BNCC Base Nacional Comum Curricular

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEALE Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita

DCRC Documento Curricular Referencial do Ceará

DE Distrito de Educação

EJA Educação de Jovens e Adultos

GEEMPA Grupo de Estudos sobre Educação, Metodologia de Pesquisa e Ação MEC Ministério da Educação

NEL Novos Estudos de Letramento

PAIC Programa de Alfabetização na Idade Certa PDAL Proposta Didática para Alfabetizar Letrando PCN Parâmetros Curriculares Nacionais

PNA Política Nacional de Alfabetização

RS Representação Social

SAEF Sistema de Avaliação do Ensino Fundamental SEA Sistema de Escrita Alfabética

SEDUC Secretaria de Educação do Estado do Ceará SME Secretaria Municipal de Educação

SPAECE Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará SPAECE - Alfa Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará com

ênfase na alfabetização

TALP Técnica da Associação Livre de Palavras TRS Teoria das Representações Sociais

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SUMÁRIO

1 APROXIMAÇÃO COM O TEMA... 14

1.1 Concepções de letramento e alfabetização... 20

1.2 Representações acerca do ensino e aprendizagem da língua escrita... 22

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA... 26

2.1 Letramento: a construção de um conceito... 26

2.2 Teoria das representações sociais: de Durkheim à Moscovici... 33

2.2.1 Afinal, o que é uma representação social?... 39

2.2.2 Representações sociais: construindo uma teoria... 41

2.2.2.1 Abordagem dimensional... 41

2.2.2.2 Abordagem processual, genética ou dinâmica... 42

2.2.2.3 Abordagem societal... 45

3 METODOLOGIA... 48

3.1 Tipo de pesquisa... 48

3.2 Os sujeitos e o lócus da pesquisa... 50

3.3 A montagem dos corpora e a análise das evocações... 52

3.4 A análise dos dados construídos a partir das entrevistas... 59

4 A REPRESENTAÇÃO SOBRE O LETRAMENTO E A ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DE SEUS ELEMENTOS CONSTITUINTES... 60

4.1 Os elementos do campo de representação... 60

4.1.1 A emergência dos termos... 60

4.1.2 A conexidade entre os elementos da RS... 64

4.1.3 O questionamento e o princípio de refutação: a inegociabilidade dos termos... 66

4.2 Os posicionamentos do grupo acerca do ensino do letramento... 78

4.2.1 Letramento como “linha de partida”... 79

4.2.1.1 Valorizando os conhecimentos prévios das crianças... 79

4.2.1.2 O ensino do letramento como “caixa de elementos” para a aprendizagem da escrita... 82

4.2.2 Letramento como “linha de chegada”... 86

4.2.2.1 O ensino do letramento é uma lente para ver o mundo... 87

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 94

5.1 Pontos essenciais do trabalho... 94

5.2 Implicações da pesquisa... 96

5.3 Sugestões de continuidade da pesquisa... 98

REFERÊNCIAS... 100

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1 APROXIMAÇÃO COM O TEMA

Nos últimos anos o Brasil tem avançado no acesso e democratização da escola, na qual políticas públicas têm sido implementadas no sentido de garantir que crianças tenham seus direitos educacionais garantidos. Entretanto, ainda não podemos nos orgulhar ao avaliar a qualidade da educação oferecida a esses estudantes, especialmente aqueles que compõem as classes populares. Portanto, pontos de inquietude nesse cenário se tornam sobressalentes no cotidiano de quem vivencia o processo de ensino da leitura e da escrita. Seria o ambiente escolar favorável para a aprendizagem da língua materna? Que métodos usar? Estamos explorando língua em todas as suas facetas, significados e sentidos? (SOARES, 2017)

Nesse contexto, entendemos que a escola, principal agência de letramento (KLEIMAN, 2007), ainda apresenta dificuldades em proporcionar a aprendizagem da leitura e da escrita como prática social (STREET, 1984), ou seja, nossas crianças ainda parecem não estar aprendendo a língua na perspectiva do letramento. Em meio a esta problemática, encontra-se o professor alfabetizador, um dos principais atores sociais desencontra-se processo e, por vezes, o menos ouvido quando mudanças são implementadas no ciclo de alfabetização1.

No Brasil, assim como em outros lugares do mundo, buscou-se, no final do século XIX, democratizar o acesso à educação na perspectiva de atender a agenda internacional de implementação de novas ordens sociais e econômicas. Logo, aprender a ler e a escrever tornou-se uma necessidade para garantir o bom funcionamento das sociedades e, contornou-sequentemente, os novos ofícios e a necessidade de comunicar-se com base na escrita trouxeram uma “nova roupagem” à alfabetização. Já não se concebia como alfabetizado apenas o sujeito que escrevia o próprio nome ou conhecia as sílabas simples de algumas palavras.

Diante deste cenário, tornou-se necessário que o indivíduo marcasse sua posição social através da escrita. Esperava-se desse sujeito que, por meio dessa tecnologia, compreendesse as demandas de seus pares e que modificasse, por vezes, a sua condição social, movimentando-se dentro de seus grupos (STREET, 1984). Fazia-se, portanto, necessário alfabetizar este sujeito na perspectiva do letramento ou, como sugerido por Soares (2011), alfabetizar letrando.

1 Os ciclos de alfabetização foram criados pelo Ministério da Educação (MEC) entre 2004 e 2006, tendo em vista a ampliação do Ensino Fundamental para nove anos em todo o país, em decorrência da Lei 11.274, de 06/02/2006. O ciclo de alfabetização nos anos iniciais do Ensino Fundamental é compreendido como um tempo sequencial de três anos, ou seja, sem interrupções, por se considerar, pela complexidade da alfabetização, que raramente as crianças conseguem construir todos os saberes fundamentais para o domínio da leitura e da escrita alfabética em apenas um ano letivo (SILVA, 2019).

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15 Diante dessas demandas, tornou-se papel da escola formar estes sujeitos. “Reformas”, decretos e planos de educação ganharam uma nova perspectiva epistemológica, baseada no diálogo entre campos, como a Psicologia do Desenvolvimento e a Linguística. Apresentou-se à comunidade educacional o conceito de linguagem escrita como uma prática de interação verbal (BAKHTIN, 1990; 1992) e, com base nos Novos Estudos de Letramento – NEL (New Literacies Studies), orientou-se que o ensino dessa modalidade da língua fosse conduzido a partir de uma perspectiva sociodiscursiva baseada nas interações.

Historicamente o Brasil vem apresentando mudanças no campo da educação com o discurso de alfabetizar as crianças de forma efetiva. Muitas dessas mudanças se realizaram de maneira impositiva com fins eleitoreiros, em alguns momentos, ou como mera transposição de experiências exitosas em outras realidades bem diferentes da nossa (MARCILIO, 2016). Essas “reformas” não levaram em consideração o preparo dos professores, principais agentes de aplicação dessas políticas. Sobre isso, Marcilio (2016, p. 17) aponta que “entre as imensas barreiras existentes [...] pesam a ignorância e/ou o despreparo dos agentes educacionais em relação às inovações decretadas, o corporativismo e a resistência a mudanças [...]” (grifo nosso).

Nesse contexto, surgem alguns questionamentos: como os professores têm se aproximado das novas contribuições da ciência da educação? De que maneira tem se garantido o acesso de maneira qualitativa às novas contribuições científicas que dialogam com a prática pedagógica do professor alfabetizador? Tem se buscado aproximar o professor alfabetizador das discussões e da produção científica acerca da aprendizagem da língua materna?

Retomando a citação de Marcílio (2016), refletimos sobre os termos em destaque: despreparo e resistência às mudanças. Nesta temática muitos discursos que buscam explicar o fracasso de políticas de alfabetização no Brasil são pautados nesse argumento. Entretanto, aproveitamos a oportunidade para questionar esse viés, e ampliar a reflexão: que espaços de escuta e construção coletiva dessas políticas estão sendo oferecidos a esses professores alfabetizadores?

Esse questionamento ganha mais força em um momento sensível da história da educação brasileira, que mais uma vez despeja sobre os professores alfabetizadores “fórmulas inovadoras” de ensino da língua escrita, dispensando assim qualquer diálogo com pesquisadores e professores da área de alfabetização. A exemplo disso, o Ministério da Educação instituiu, em 2019, por decreto presidencial de 11/04/2019 (BRASIL, 2019a)2 , a

2 A caracterização desta política de alfabetização pode ser acessada no “Caderno da PNA” (BRASIL, 2019b) e

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16 Política Nacional de Alfabetização (PNA). Não nos deteremos aqui à PNA e seus questionáveis argumentos sobre “alfabetização baseada em evidências”, mas destacaremos os caminhos antidemocráticos nos quais, mais uma vez, políticas educacionais são implementadas no Brasil. Mortatti (2019, p. 27) destaca, por exemplo, o caráter autoritário e antidemocrático da política ao infringir “[...] princípios estabelecidos pela Constituição Federal de 1988 ser instituída via decreto presidencial, além de ser apresentada por seus autores “como se fosse a verdade científica revelada [...]”. Esse caminho não dialógico afeta quem está na ponta do processo, os professores, pouco solicitados para escuta, mas muito apontados nos resultados insatisfatórios. É nesse contexto desgastante e silenciador que ratificamos a necessidade de entender o que acontece no momento do encontro entre professores alfabetizadores e os novos conhecimentos, que pregam mudanças teórico-metodológicas no “ensinar a ler e a escrever”. Portanto, ouvir os professores e considerar a necessidade de transformação na prática de cada um com a chegada do novo, se apresenta com uma abertura de diálogo para vislumbrarmos algo para além do binômio despreparo - resistência.

Isso torna-se muito evidente no caso da chegada do termo letramento e de todo o seu arcabouço conceitual no cotidiano desses professores. Muitos professores que atuavam no ciclo de alfabetização tiveram de rever suas práticas, e reinventar-se enquanto profissionais de docência responsáveis pela aprendizagem inicial da leitura e da escrita. Vale ressaltar que as práticas fomentadas pela perspectiva do letramento mostraram-se diferentes não só daquelas aprendidas em suas formações iniciais, nas licenciaturas, como também daquelas as quais foram submetidos enquanto alunos do ciclo de alfabetização. Nesse sentido, voltar o nosso olhar para esse movimento de aproximação a partir do encontro com o conhecimento científico oficialmente instituído, com a busca pela familiarização do novo e pela construção de novas maneiras de agir, pode nos ajudar a compreender como estes professores têm transformado esta situação de “tensão” em saberes que permitam a continuidade de suas ações e manutenção de suas identidades.

Exemplos destes momentos de tensão puderam ser observados em minha prática como professora alfabetizadora da rede municipal de ensino de Fortaleza e participante deste grupo de agentes educacionais, composto por docentes de várias gerações. Cotidianamente, nos deparávamos com questionamentos sobre a eficácia das metodologias e a incessante busca pela “melhor forma de alfabetizar”.

Nos espaços de formação, partilhamos saberes e experiências que servem como um Baseada em Evidências (Conabe) (BRASIL, 2019b) e pela Portaria nº 1.461, de 15/08/2019, que nomeia os 12 pesquisadores para compor o painel de especialistas da Conabe (MORTATTI, 2019).

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17 campo fértil de questionamentos sobre o nosso fazer docente. Muitos desses professores já passaram por mudanças institucionais de metodologias do ciclo de alfabetização e apontam, em suas falas e práticas, as nuances de cada uma dessas mudanças.

Um dos pontos que me chamou atenção, enquanto professora alfabetizadora da rede, e que suscitou as questões apresentadas neste estudo, foi a aparente “abolição” do termo alfabetização, assim como a exaltação do termo letramento. Tais situações puderam ser evidenciadas ao observamos professores se policiando quanto ao uso de tais termos para denotarem algumas de nossas práticas: não alfabetizamos mais, nós letramos. O uso da palavra letramento nos discursos, por vezes, parece evitar possíveis desgastes ou julgamentos por parte do grupo. Por outro lado, quando partilhamos experiências exitosas com esses mesmos colegas, poucos participantes se sentem à vontade de expor suas opções metodológicas. Como suposição para tal resistência, acreditamos na pouca segurança epistemológica em relação ao termo letramento para fundamentar suas práticas. Ao apresentá-las a seus pares, possíveis dissonâncias com as falas poderiam acarretar desequilíbrio com o grupo.

Neste contexto, nos questionamos sobre essa familiaridade com o termo letramento. Considerando o contexto histórico, podemos entender que o termo já não seria tão novo e não deveria causar tanto estranhamento por parte dos sujeitos, situação basilar de nosso problema, uma vez que já são quase três décadas de influência da perspectiva sociodiscursiva no ensino da língua materna. Seria o letramento algo ainda relativamente novo a ponto de causar estranhamento a esses professores? Aparentemente, algumas situações sugerem que sim.

Face ao exposto, nosso argumento se baseia em dois aspectos observados ao longo da minha inserção no grupo de professores do ciclo de alfabetização do município de Fortaleza. O primeiro se refere às pautas que compõem as formações continuadas oferecidas pela Secretaria Municipal de Educação (SME). Os temas discutidos e compartilhados têm, em sua grande maioria, a temática do ensino do letramento, buscando proporcionar aos professores fundamentos básicos da perspectiva sociodiscursiva de ensino da língua. Aparentemente, ainda existem fortes nuances de convencimento desse professorado. Se o termo letramento já não é tão novo, por que ainda pautamos nossos encontros formativos em aspectos superficiais e introdutórios desta proposta de ensino?

Como segundo aspecto, retomamos à relutância de uma parcela desses professores à exposição de suas práticas. Poucos parecem se aventurar na discussão, junto aos pares, acerca de suas opções teórico-metodológicas de ensino do letramento. Nesse sentido, é questionável se eles já estão realmente familiarizados com o conceito de letramento.

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18 pele a ruptura causada pela chegada do termo letramento. Esses docentes já utilizaram, nas últimas duas décadas, diversos programas com materiais estruturados disponibilizados pela Secretaria Municipal de Educação3, modificando assim as suas metodologias, principalmente para adequação e uso de materiais estruturados. Já outros professores apenas ouvem falar sobre como “antigamente os meninos aprendiam a ler e escrever melhor” e mantêm-se inertes.

É interessante ressaltar que alguns sujeitos, mesmo apropriando-se do termo letramento nas suas falas, parecem não ter subsídios suficientes para questionar as falas saudosistas dos colegas. Se nos pautamos na crença de que letramento e alfabetização são termos distintos, mas processos indissociáveis, por que nos policiamos ao usar tais termos ou, até mesmo, chegamos a hierarquizá-los? Por que não nos sentimos à vontade ao discutir sobre as facetas da alfabetização (SOARES, 2017) e expor nossas práticas aos colegas?

É neste ambiente de encontros e desencontros entre políticas educacionais, falas e ações, que surge o nosso objeto de pesquisa. Pautamos nosso estudo na necessidade de entender sobre a aproximação dos professores com o conhecimento científico em torno do letramento e a influência desse conhecimento em seus posicionamentos acerca do seu ensino. Tomando como base as contribuições da Teoria das Representações Sociais (TRS), entendemos que este encontro com algo novo e pouco familiar para os professores suscita uma representação sobre esse algo. Além de que esta representação é o que orienta as ações desses alfabetizadores quanto ao ensino do letramento. Nesse sentido, despontou a questão de pesquisa investigada neste estudo: Como os professores do ciclo de alfabetização em Fortaleza – CE representam o letramento?

Faz-se necessário esclarecer que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aprovada no final de 2017, diz que, como orientação, o processo de alfabetização nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental deve ser o foco da ação pedagógica no componente de Língua Portuguesa. O documento justifica esse posicionamento com o reconhecimento de que a apropriação do sistema de escrita alfabética tem especificidades que são enfatizadas nos dois anos iniciais desta etapa do ensino. Portanto, mesmo não havendo ainda um consenso sobre o tema, tomaremos como orientação a BNCC e consideraremos, ao citarmos ciclo de alfabetização, os dois primeiros anos do Ensino Fundamental. Nossa opção se justifica pela presente proposta de investigação basear-se naqueles professores que, de fato, têm como foco “apresentar a língua materna” de forma sistematizada, ou seja, possibilitar a apropriação do

3 Materiais estruturados do GEEMPA (Grupo de Estudos sobre Educação, Metodologia da Pesquisa e Ação) e

PAIC (Programa Alfabetização na Idade Certa) são os mais citados entre os professores como mudanças efetivas de metodologia no ciclo de alfabetização do município de Fortaleza.

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19 sistema de escrita de forma inicial.

Outro fator consolidador de nossa decisão é o fato do município de Fortaleza já seguir esta orientação, inclusive havendo a avaliação externa que avalia a proficiência leitora dos alunos – Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (SPAECE)- realizada com os alunos do segundo ano do Ensino Fundamental. Diante do exposto, as questões que nortearam esta investigação, desdobrando a questão central em aspectos específicos foram: Como se organizam os elementos da representação social dos professores sobre o letramento dentro de seus sistemas central e periférico? Que significações emergem a partir da posição que ocupam os elementos nos dois sistemas da representação social dos professores sobre o letramento? Como a estrutura organizacional dos sistemas central e periférico da representação social dos professores se relaciona com os posicionamentos destes acerca do ensino do letramento?

Com base nesses questionamentos, o objetivo geral desta pesquisa foi analisar a representação social sobre o letramento construída pelos professores do ciclo de alfabetização de Fortaleza - CE. De modo mais específico, buscamos descrever a estrutura organizacional dos elementos que compõem os sistemas central e periférico da representação social dos professores sobre o letramento, estabelecer significações para os elementos da representação social dos professores sobre o letramento a partir da posição que eles ocupam nos seus sistemas central e periférico, bem como relacionar a estrutura organizacional dos sistemas central e periférico da representação dos professores com os posicionamentos destes acerca do ensino do letramento.

No sentido de dialogar com pesquisas anteriores sobre o tema, realizamos um levantamento de estudos similares na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, assim como no Catálogo de Teses e Dissertações da Capes4. Portanto, para viabilizar nossa busca, elegemos previamente três eixos: representações sociais, letramento e escrita. As pesquisas foram agrupadas em dois eixos temáticos, de acordo com a proximidade do objeto desta investigação: o primeiro refere-se às concepções de letramento e de alfabetização e o segundo referente às representações acerca do ensino e aprendizagem da língua escrita. As pesquisas apresentadas a seguir se referem às concepções de letramento e de alfabetização.

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1.1 Concepções de letramento e alfabetização

Nesse eixo temático, identificamos seis pesquisas relacionadas às concepções de letramento e alfabetização (CORREIA, 2007; NOGUEIRA, 2009; STUEPP, 2010; BORDIGNON, 2016; MARTINS, 2018), todas trazendo importantes contribuições para nosso estudo.

O estudo de Correia (2007) tinha como objetivo verificar de que forma a questão do letramento e da alfabetização é abordada nos Parâmetros Curriculares Nacionais PCNs (BRASIL, 2000), bem como as representações sobre o trabalho do professor em relação ao letramento e a alfabetização construídas nesse documento. A justificativa da autora pela escolha do documento como objeto de análise deve-se ao fato de que o trabalho do professor é regido e influenciado por textos prefigurativos, nos quais as instâncias superiores lhe indicam o que deve realizar, e porque os PCNs constituem-se como o texto prefigurativo, que é referencial para organização curricular do Sistema Educacional no Brasil. Como resultados, a pesquisa apontou que o letramento é representado nos PCNs como produto de uma prática social relacionada à leitura e escrita. Entretanto, o termo não é recorrente nos PCNs, não sendo tratado como tema principal. Para o trabalho com letramento em sala de aula não há, nos segmentos analisados, a atribuição de um papel específico ao professor.

O estudo também aponta quea questão da alfabetização no documento é tratada de forma mais ampla, ora associada ao uso da linguagem em práticas de compreensão ativa, expressão e comunicação, ora relacionada à aquisição da escrita alfabética. O papel do professor, em relação à alfabetização, pode ser inferido quando se indicam as finalidades das práticas de ensino e algumas das funções do professor. Por outro lado, as diferentes fases possíveis do trabalho docente não são tematizadas, assim como o modo como ele deve desenvolver as atividades e nem os procedimentos a serem adotados para alcançar as finalidades tão bem explicitadas.

Nosso estudo converge com a pesquisa realizada por Correia (2007), especificamente na influência da construção e representação dos conceitos de letramento e alfabetização nos documentos que norteiam a prática do professor alfabetizador. Nossa pesquisa, entretanto, difere-se ao apresentar, como finalidade, apreender os sentidos em torno da representação social sobre o letramento construído pelos professores do ciclo de alfabetização. Nogueira (2009), através de sua pesquisa, buscou compreender os pressupostos teóricos e metodológicos que fundamentam as práticas de alfabetização com letramento, estabelecendo relações com as ações e os processos de formação inicial continuada e a serviço

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21 dos professores. Os resultados deste estudo evidenciaram que a prática de alfabetização e letramento pode ocorrer de modo integrado ou não. O autor também evidenciou que atividades específicas voltadas para a apropriação do sistema de escrita, ou seja, aquelas que possibilitam a análise da microestrutura da língua, nem sempre podem se sustentar nos textos disponibilizados em sala de aula. Além disso, Nogueira (2009) aponta que fontes distintas de saberes convergem para a construção dos conceitos de alfabetização e de letramento das professoras, mas, nesta investigação, a ênfase recaiu sobre a experiência profissional junto com os colegas de trabalho, professores mais experientes presentes no interior da escola. Consideramos que o enfoque dado pelo estudo se diferencia da presente pesquisa, já que buscamos compreender os sentidos em torno da representação social sobre o letramento construída pelos professores do ciclo de alfabetização.

Stuepp (2010) pesquisou sobre a compreensão das concepções de alfabetização e de letramento que permeiam os dizeres de professoras formadoras. Tratando-se de um estudo numa perspectiva histórica, de caráter qualitativo e interpretativo, a pesquisa teve como sujeitos professores responsáveis pela formação inicial, ou seja, docentes do ensino superior que lecionavam a disciplina de Alfabetização e Letramento de três universidades diferentes. Através da análise do discurso dos sujeitos, o estudo depreendeu que a concepção de alfabetização e letramento se aproxima de uma abordagem de letramento autônomo. A compreensão se fundamenta no domínio do sistema alfabético e no desenvolvimento de habilidades e competências para desenvolverem as atividades de leitura e de escrita.

Em consonância com nossa pesquisa, Bordignon (2016) contextualiza seu estudo a partir das mudanças, ocorridas na história da educação brasileira, dos conceitos e das práticas pedagógicas relacionadas à alfabetização e ao letramento. Com o objetivo de conhecer as concepções de escrita e de ensino da linguagem escrita presentes em cadernos de alunos pertencentes às classes de 1º ano do ciclo de alfabetização, o autor analisou qualitativamente o material de 31 alunos a partir do método de Análise de Conteúdo proposto por Bardin (2011). A partir disso, segundo Bordignon (2016), foi possível perceber que permanecem vigentes em salas de aula algumas atividades descontextualizadas, ainda baseadas nos métodos tradicionais de ensino, com atividades fundamentadas nos modelos cartilhescos, como atividades de repetição e cópia de sílabas e palavras. Por outro lado, em outros excertos foi possível perceber que as concepções pedagógicas utilizadas pelos educadores têm se modificado, buscando, assim, atender às necessidades educacionais atuais. O estudo aponta a perspectiva de alfabetização e letramento, concebendo a escrita e o ensino da escrita como instrumento de interação entre os sujeitos inseridos em contextos sociais e culturais.

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22 Já o estudo de Martins (2018) teve como objetivo investigar as representações de alfabetização e letramento de professores dos anos iniciais. Caracterizado como um estudo de caso, a pesquisa analisou os dados coletados por meio de categorias emergidas do referencial teórico sobre alfabetização e letramento. Portanto, como resultado, foi identificado que as representações concebidas pelas professoras acerca da alfabetização e letramento são muito semelhantes. De acordo com o estudo, o letramento apresentou-se muito próximo de uma concepção de processo de apreensão do sistema da língua, seja na leitura, seja na escrita, semelhante aos que as professoras reconhecem como sendo a própria alfabetização. Apesar da proximidade inicial do objetivo trazido pelo estudo de Martins (2018), nosso estudo se diferencia no universo da análise, posto que a pesquisa em destaque buscou alcançar seu objetivo com dados construídos a partir das práticas de letramento dos estudantes e familiares, entrevistas com professores dos anos iniciais e, ainda, observou o desenvolvimento de atividades docentes em uma escola específica.

Nesse sentido, considerando a delimitação deste eixo temático, apontamos como relevante a proposta de nossa pesquisa. A relevância de tal afirmação reside no fato de que os estudos até aqui apresentados, apesar de buscarem as concepções de letramento e alfabetização, ponto de proximidade com nossa pesquisa, apresentaram como contexto documentos norteadores, formação inicial, além de atividades de escrita e práticas de letramento. A seguir, serão apresentadas três pesquisas que trazem como temática representações acerca do ensino e aprendizagem da língua escrita.

1.2 Representações acerca do ensino e aprendizagem da língua escrita

Uma parte das pesquisas identificadas (BARRETO, 2006; SILVA, 2009; TORQUETTE, 2009; PINHEIRO, 2010) investiga as representações sociais sobre o ensino e aprendizagem da língua escrita.

Como exemplo, identificamos o estudo de Barreto (2006) que tinha como objetivo compreender as representações sociais dos professores de Educação de Jovens e Adultos (EJA) sobre leitura e escrita. Através das abordagens qualitativas e quantitativas, a pesquisa constatou que para o ensino da leitura e da escrita ser eficaz faz-se necessário, dentre outros fatores, uma mudança na prática do professor. Conforme explanado no estudo, esta mudança é sugerida a partir da inversão das prioridades que são dadas hoje no ensino de língua, em que o estudo da metalinguagem ocupa maior parte das aulas de português, sobrando tempo mínimo para a leitura e reflexão sobre os problemas por ela enfocados. Ao final do estudo, como resultado da

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23 investigação, Barreto (2006) mostra que as representações de leitura e escrita dos professores permaneciam ainda restrita a poucos textos. Também destaca que as práticas escolares deveriam orientar-se de forma mais refletida e sistemática para o fomento de atitudes favoráveis à leitura e ao seu aprendizado crítico, capazes de perdurar após o término da educação formal e resultar numa postura ativa na busca de oportunidades de desenvolvimento cultural e educação continuada.

Nosso estudo dialoga diretamente com a pesquisa da referida autora ao buscar compreender a representação social construída por professores, mas difere-se quanto ao segmento no qual esses docentes atuam, já que temos como sujeitos de nossa investigação docentes atuantes do ciclo de alfabetização. Isso se justifica porque a aprendizagem inicial da língua escrita pode ser apontada como fator importante para a permanência das crianças na escola, impactando o papel desempenhado pela escola, que é dentre vários, a sistematização do conhecimento. Portanto, pensar sobre esses professores que desempenham este papel inicial e tão impactante em toda a trajetória escolar dos nossos estudantes é de fundamental importância. Aproximando-se de nosso objeto, identificamos o estudo elaborado por Silva (2009), que analisou as representações sociais do ensino da língua escrita de professores das séries iniciais do Ensino Fundamental, considerando as concepções de linguagem que estão subjacentes a estas representações. Diferente da pesquisa que realizamos, Silva (2009) utilizou como termos indutores escrita e ensino da língua escrita, partindo do campo mais amplo para chegar à delimitação de seu estudo: o ensino da língua escrita. Os resultados indicaram que as representações sociais sobre o ensino da língua escrita estão ancoradas nas dimensões pedagógica, cognitiva, social e socioafetiva, prevalecendo as três primeiras dimensões, especialmente a pedagógica. Em suma, as representações sociais sobre o ensino da língua escrita estão sendo construídas considerando a apropriação inicial da escrita e as mudanças ocorridas neste ensino nos últimos anos.

Já a pesquisa desenvolvida por Torquette (2009) teve como objetivoanalisar as representações sociais de escrita e do seu ensino por alunos de primeiro e terceiro ano do Ensino Médio. Aproximando-se da proposta de Silva (2009), este estudo busca apreender as representações sobre escrita e seu ensino a partir da perspectiva dos alunos, o que também podemos apontar como outro fator de divergência a nossa proposta de investigação. Em termos de resultados deste trabalho, os dados analisados evidenciaram, num primeiro momento, que a RS de escrita é diferente entre os alunos das duas séries, adquiridas na escola, o que ratifica o mito do letramento (SIGNORINI, 1994). Com relação ao ensino da escrita, os alunos das duas séries apresentaram a RS de que ensinar a escrever é ensinar ortografia, caligrafia ou pontuação,

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24 através de exercícios estruturais/tradicionais.

Finalizando as pesquisas elencadas nesse eixo temático, apontamos o estudo de Pinheiro (2010), queinvestigou as representações sociais construídas por cinco alunas da educação de jovens e adultos do Projeto SESC Ler de Fortaleza. O estudo abordou o processo de aprendizagem formal e inicial da leitura e da escrita das alunas, bem como os aspectos que tal processo envolve, como, por exemplo, a vida sem saber ler e escrever.

Conforme transparece nas disposições anteriores, portanto, não foram identificados estudos que apreendam os sentidos em torno da representação social sobre letramento. Além disso, identificamos o número limitado de pesquisas sobre essas duas temáticas supracitadas. Uma grande parte dos estudos relacionados têm como foco as representações sociais sobre a formação docente, o ensino da Língua Portuguesa nos anos finais do Ensino Fundamental e na modalidade EJA, assim como os letramentos acadêmicos.

Ainda como elemento diferenciador de nosso estudo, apresentamos o foco na análise das representações sociais de professores que atuam no ciclo de alfabetização sobre o letramento, termo científico de grande amplitude na política educacional do país e suscitador de representações orientadoras da prática de professores alfabetizadores. A base teórico metodológica da TRS também se apresenta como elemento diferencial na busca de nossos objetivos, já que nos interessa compreender os sentidos que perpassam os elementos desta representação, assim como suas relações com o posicionamento dos professores frente ao ensino da escrita. Nesse sentido, acreditamos que surge, com nossa proposta de estudo, uma oportunidade de diálogo com os professores responsáveis pela aprendizagem inicial da língua escrita, com o foco nos saberes reificados e socialmente partilhados por este grupo.

Diante disso, afirmamos que este estudo se fez relevante, pois, assim como Soares (SEMIS, 2019), acreditamos que a política prioritária de alfabetização deve concentrar-se na formação dos professores. Por conseguinte, ouvir esses sujeitos e dialogar com suas necessidades pode ser considerado um passo importante na busca por um ensino da língua de qualidade. Também pautamos nosso entendimento de relevância desta pesquisa, no cenário político atual de nosso país que, mais uma vez, parece não possibilitar a fala docente, buscando através de medidas e decretos verticalizados, fortalecer um contexto de emudecimento desses agentes educacionais. Além disso, possíveis resultados podem ainda contribuir para o fortalecimento do diálogo entre professores, gestores e formadores, no sentido de atenuar possíveis tensões provenientes de mudanças contextuais.

Com o objetivo de apresentar os resultados de nossa pesquisa, a organização retórica da presente Dissertação, além desta introdução, obedeceu à seguinte sequência:

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25 Discorreremos brevemente sobre as origens do conceito letramento e suas diferentes significações (SOARES, 2005; KLEIMAN, 2007; MORTATTI, 2004), as contribuições advindas dos Novos Estudos do Letramento – NEL (STREET, 2014) além de suas implicações sobre o ensino da escrita (BAZERMAN, 2007). Posteriormente, apresentaremos as proposições teóricas fundamentais da Teoria das Representações Sociais (TRS) e seus desdobramentos, com base em Moscovici (1976; 2001), Denise Jodelet (2001), Willem Doise (2001) e Jean Claude Abric (1994; 2001; 2003).

No capítulo seguinte, descrevemos os caminhos que percorremos durante os processos de elaboração e realização desta pesquisa, na qual será realizada uma pequena incursão pelas proposições das abordagens quantitativas e qualitativas. Descreveremos, ainda, o cenário no qual aconteceram as nossas interações com os sujeitos, as observações realizadas e a construção dos corpora que nos serviram de base para a análise e para a interpretação da RS em estudo.

Posteriormente, no Capítulo 2, descrevemos a estrutura organizacional dos elementos que compõem os sistemas central e periférico da representação social dos professores sobre o letramento, além de estabelecermos significações para os elementos da representação social dos professores sobre o letramento a partir da posição que eles ocupam nos seus sistemas central e periférico. Em seguida, relacionamos a estrutura organizacional dos sistemas central e periférico da representação dos professores com os posicionamentos destes acerca do ensino do letramento. Por fim, na conclusão retomamos os pontos mais importantes discutidos durante a apresentação dos dados. Destacamos algumas implicações da pesquisa e, finalmente, apontamos sugestões de continuidade ao estudo.

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26

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O presente capítulo se destina a apresentar o arcabouço teórico no qual basearemos a pesquisa. Faremos uma breve exposição sobre as origens do conceito letramento e suas diferentes significações (SOARES, 2005; KLEIMAN, 2008; MORTATTI, 2004), as contribuições advindas dos Novos Estudos do Letramento – NEL (STREET, 2014), além de suas implicações sobre o ensino da escrita (BAZERMAN, 2007). Em um segundo momento, apresentaremos as proposições teóricas fundamentais da Teoria das Representações Sociais (TRS) e seus desdobramentos, os quais nos servirão de base epistemológica para esta pesquisa.

2.1 Letramento: a construção de um conceito

Numa sociedade dinâmica e marcada pela velocidade da propagação de informações, novas demandas relacionadas à leitura e à escrita emergem e impulsionam atitudes dos indivíduos e grupos sociais. A partir destes movimentos surgem termos necessários para explicar atitudes que vão além do simples “saber ler e escrever”. Neste contexto, tem se exigido dos indivíduos o uso social da língua de uma maneira abrangente, inserido nos contextos sociais de forma a atender e facilitar as práticas comunicativas. Soares (2005, p. 29) menciona que “Já não se quer apenas que dominem a tecnologia do ler e escrever, mas que também saibam fazer uso dela [...], transformando assim seu estado ou “condição”, como consequência do domínio dessa tecnologia.”

Neste sentido, ao considerarmos aquele que não somente se apropria do sistema de escrita, mas utiliza-a para inserir-se nas práticas comunicativas, por vezes, modificando sua condição social, tornando-se sujeito ativo no contexto individual e comunitário, nos remetemos ao que Soares (2005) chamou de alfabetismo. Rojo (2009, p. 13 apud IRINEU; ARAÚJO, 2019), salienta a noção de alfabetismo como “[...] a capacidade de acessar e processar informações escritas como ferramenta para enfrentar as demandas cotidianas”. O termo parece ter causado estranheza e acabou sendo pouco utilizado na literatura sobre a aprendizagem da língua e pode ser compreendido como o contrário do já bem estabelecido “analfabetismo”. Já esta expressão, por sua vez, bastante difundida na nossa língua, apoia-se no prefixo grego a(n) para negar algo, ou seja, analfabeto é aquele que não sabe ler nem escrever. Para Soares (2005 apud SILVA, 2009, p. 29), a reflexão sobre a difusão do termo analfabetismo no Brasil nos leva a refletir sobre um fenômeno semântico significativo, relacionando-o às condições sócio-históricas de ausência de políticas públicas voltadas para a efetiva difusão da leitura e da escrita

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27 no Brasil. Podemos inferir, portanto, que a nossa significativa ligação com a palavra analfabetismo está essencialmente ligada ao que nos falta enquanto nação: familiaridade com as práticas de escrita.

Em relação ao verbete alfabetização, que se refere ao processo de aquisição da leitura e da escrita, observamos a sua ligação etimológica com a apropriação do nosso sistema de escrita alfabético e das convenções para seu uso, o que poderia trazer incompletude em virtude das novas demandas sociais. No Brasil há uma estreita relação entre o conceito de alfabetização e a concepção de “[...] um primeiro movimento rumo ao reconhecimento dos princípios do sistema alfabético do Português Brasileiro, o que é alcançado mediante ensino sistemático” (BRAGANÇA; BALTAR, 2016, p.3-4). Segundo Soares (2018 apud. SILVA, 2019),

[...] ampliar o significado da palavra alfabetização, para que designe mais que o que tradicionalmente e correntemente vem designando, seria, como tem sido, uma tentativa infrutífera, pela dificuldade, ou mesmo impossibilidade, do ponto de vista linguístico, de intervir artificialmente em um significado já consolidado na língua. Refletindo sobre condições sócio-históricas, apontamos o também fenômeno semântico ocorrido na língua inglesa, no final do século XIX, com o aparecimento de termos como literacy, para designar a ampliação das habilidades e uso social da língua. Sobre isso, Grando (2012, p. 2) destaca que “O surgimento de uma nova palavra sempre está ligado à falta de uma palavra que possa explicar o sentido de algum fenômeno.”. Considerando aspectos etimológicos, literacy vem do latim litera (letra), acrescido do sufixo cy, que denota estado ou condição. Portanto, literacy é o estado ou condição que assume quem aprende a ler ou escrever. Este termo nos remete aos usos sociais da língua e suas implicações políticas, sociais, econômicas, culturais e linguísticas, no âmbito individual e nos grupos (SOARES, 2005).

Soares (2005, p.29) apresenta, em seu livro “Alfabetização e Letramento”, o termo literacy como sinônimo de alfabetismo, o que, segundo a autora, “[...] representou, certamente, uma mudança histórica nas práticas sociais: novas demandas sociais pelo uso da leitura e da escrita exigiram uma nova palavra para designá-las”. Posteriormente, o termo alfabetismo foi gradativamente sendo substituído por letramento numa tentativa de tradução da palavra inglesa literacy, para representar a necessidade de ampliação de representação dos processos de uso da leitura e escrita nas sociedades contemporâneas. Nota-se na disposição dos termos, conceitos e discussões, que o termo letramento se destaca pela evidência dada ao contexto sociocultural do indivíduo, bem como as possíveis mudanças ou impactos causados pelo ato de ler e escrever, ampliando assim o sentido até então dado, no Brasil, ao termo alfabetização.

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28 Segundo a literatura consultada, Soares (2011) aponta que a palavra letramento parece ter sido usada pela primeira vez o Brasil pela pesquisadora Mary Kato, em 1986, no livro “No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística.” O vocábulo, como tradução para o novo sentido de literacy, foi apoderado por dois principais campos: pelo da Linguística Aplicada e pelo da Educação. Estudiosas como Leda Verdiani Tfouni, Angela Kleiman, Magda Soares e Roxane Rojo foram as primeiras pesquisadoras brasileiras a demonstrarem interesse pelo campo buscando, portanto, definir os limites dos sentidos para esse novo termo (VIANA et al., 2016).

De acordo com as contribuições dos NEL – Novos Estudos do Letramento- (SOARES, 2004; 2009; BARTON, 1994), “no inglês o termo literacy refere-se tanto à ‘alfabetização’ quanto ao ‘letramento’, de forma que, no lugar de o Brasil ter cunhado o termo ‛letramento’, poderia operar também apenas com o termo ‘alfabetização’, ressignificando conforme o arcabouço epistemológico da área” (BRAGANÇA; BALTAR, 2016, p.4). Tal disposição de termos poderia, entretanto, causar desarranjos conceituais por não se ter clareza no sentido empregado: “[...] se está falando de ‘alfabetização’ no sentido de ‘domínio do código da língua escrita’ ou em “[...] condições sociais de uso da escrita?” (KLEIMAN, 1995, p.28). Este ponto de indagação pode se revelar como basilar para discussões referentes ao que seria apropriar-se da língua materna, assim como suas implicações sociais.

Essas discussões dão ênfase a um complexo e permanente debate sobre o uso e conceituação dos vocábulos ‘alfabetização’ e ‘letramento’. Há uma corrente teórica que defende a distinção conceitual entre o que seria considerado alfabetização e o que seria letramento, apesar de os considerarem vocábulos inseparáveis. Soares (1998) ainda define letramento como “resultado da ação de ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e escrita; o estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita e de suas práticas sociais”. Portanto, segundo o autor, seria considerado letrado aquele que faz uso social da leitura e da escrita, interagindo com seus pares e vivenciando situações de leitura e de escrita como mediadoras de práticas comunicativas. Considerando tais proposições, não poderíamos conceber um sujeito letrado, por apenas ter a capacidade de compreender o sistema de escrita, mas sim pelas suas interações sociais mediadas pelo uso desta tecnologia.

Em contrapartida, Ferreiro (2002) problematiza o uso dos dois conceitos alfabetização e letramento. A autora questiona a necessidade de uso do segundo termo, por considerar que tal processo – conforme conceituação – já se encontra contemplado no que considera alfabetização. Assim, Ferreiro “[...] rejeita a coexistência dos dois termos com o argumento de que em alfabetização estaria compreendido o conceito de letramento, ou

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vice-29 versa, em letramento estaria compreendido o conceito de alfabetização.” (SOARES, 2004, p. 15). É relevante considerar que Ferreiro (2002) não nega o termo letramento. Os questionamentos da pesquisadora têm uma relação com o quadro referente ao ensino e aprendizagem da leitura e da escrita no Brasil e suas insuficiências, ou seja, indica a necessidade dos países pobres se esmerarem, prioritariamente, com o analfabetismo.

As discussões acerca do termo letramento e todas as possibilidades de uso (e desuso) são complexas e amplas. Segundo o glossário CEALE (SILVA, 2019), "letramento é palavra que corresponde a diferentes conceitos, dependendo da perspectiva que se adote: antropológica, linguística, psicológica, pedagógica”5.

Outros autores contribuem com a discussão sobre a abrangência da palavra e do conceito letramento. Mortatti (2004, p.11), por exemplo, afirma que “[...] até por ser uma palavra recente, nem sempre são idênticos os significados que lhe vêm sendo atribuídos [...], assim como os objetivos com que é utilizada (a palavra letramento)”. Já Tfouni (2010) sugere que não pode haver a redução do seu significado ao significado de alfabetização e ao ensino formal. Para a autora, letramento é um processo mais amplo que a alfabetização e deve ser compreendido como um processo sócio-histórico. A mesma ainda ressalta a necessidade de não restringir a palavra letramento ao ambiente escolar ou mesmo ao processo de alfabetização. Sobre isso diz,

Em termos sociais mais amplos, o letramento é apontado como sendo produto do desenvolvimento do comércio, da diversificação dos meios de produção e da complexidade crescente da agricultura. Ao mesmo tempo, dentro de uma visão dialética, torna-se uma causa de transformações históricas profundas, como o aparecimento da máquina a vapor, da imprensa, do telescópio, e da sociedade industrial como um todo (TFOUNI, 2010, p. 23).

Considerando a abrangência do termo até aqui discutida, entender o conceito letramento como práticas de leitura e de escrita capazes de mudar condição do indivíduo e por consequência, bem como interferir diretamente no grupo o qual faz parte, nos leva a refletir sobre as várias dimensões sociais a serem atingidas por este processo. Estudos apontam a possibilidade de identificarmos os processos de letramento para além dos espaços escolares, sendo possível apontá-los como legitimadores de práticas e estratificações sociais, por exemplo. Sobre isto, Barton (1994) cita que diferentes culturas ou diferentes períodos históricos pressupõem diferentes usos da escrita, pois esses, além de estarem relacionados aos diversos domínios da vida dos sujeitos (familiar, religioso, escolar etc.), a depender de suas relações sociais, implicam também em diferentes ideologias.

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30 A partir destas reflexões, torna-se necessário estabelecer que o conceito de letramento toma formas proporcionais ao papel social da escrita em determinados grupos, sendo equivocado, portanto, classificar ou hierarquizar as práticas de letramento. Mesmo não podendo hierarquizar, portanto, é possível considerar que alguns usos da escrita podem ser mais importante ou gozar de mais prestígio que outros grupos, conforme se aproximem ou se distanciem dos letramentos dominantes. (STREET, 2014).

A partir desta compreensão, Street (2014) observou as múltiplas possibilidades de letramento em um grupo no qual desenvolvia sua pesquisa sobre migração. Percebendo os movimentos dos moradores locais e suas práticas de linguagem, o pesquisador identificou que essas atividades eram mediadoras de diversas formas de letramento. Não encontrando na literatura algo que conceituasse ou caracterizasse tais fenômenos, Brian Street elaborou a distinção entre dois modelos de letramento: o autônomo e o ideológico.

Para Street (2014), o modelo autônomo concebe a escrita como autônoma, e por si só composta de características desvinculadas do contexto sociocultural. Segundo o autor, este modelo é um forte representante da escola tradicionalista, que considera os processos de aquisição e uso da escrita como uma atividade individual e sem interferências externas, como por exemplo, as relações sociais do grupo ao qual o indivíduo pertence. Para Matte e Araújo (2012) este modelo “[...] ainda concebe a oralidade e a escrita como “faces da mesma moeda”, mas que concomitantemente se dividem, atribuindo à escrita uma ligação direta “de progresso, civilização e de mobilidade social” (2012, p.98).

Este modelo autônomo, apontado por Street, assemelha-se à “concepção tradicional de alfabetização”, que orienta o ensino da escrita pelos gestores de políticas públicas em educação no Brasil. Street (2003), citando caso análogo, trava um confronto com agentes governamentais, ao diagnosticar que as políticas educacionais se baseiam nesse modelo de letramento, o que contribui para fortalecer o atroz ‘mito do letramento6’ (GEE, 2008). Outra crítica apontada por Street (2014) a este modelo de letramento, relaciona-se a sua perspectiva epistemológica da escrita. Segundo o autor, a ideia de uma aprendizagem autônoma ou individual, “estava assentada em princípios (ainda evolucionistas) de uma grande divisão entre letrados e iletrados” (VIANA et al., 2016, p.29). Logo, é a partir destas reflexões que se inaugura a perspectiva sociocultural da escrita, chamada de New Literacy Studies (NLS) ou,

6 Conforme ressalta Gee (2008), o “mito do letramento”, ou a crença de que possuir habilidades letradas produz inúmeras consequências positivas para o indivíduo, hoje em dia está desacreditado, porque “o letramento, por si só, abstraído das condições históricas e das práticas sociais, não tem nenhum efeito ou, pelo menos, nenhum efeito previsível” (GEE, 2008, p. 45).

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31 como ficou conhecido no Brasil, os Novos Estudos do Letramento (NEL).

Em acordo com os apontamentos das pesquisas anteriormente citadas, Street (2014) apresenta o modelo ideológico de letramento. Sobre este modelo, o autor defende que as práticas de letramento estariam relacionadas às construções culturais e de poder da sociedade. Portanto, o letramento, sob este viés, concebe a escrita não como um processo individual, mas como uma ferramenta sociocultural, podendo esta ser contestada. A partir deste entendimento, instituições de poder, como a escola7 , podem utilizar a escrita para legitimar desigualdades sociais através da valorização de letramentos dominantes. Sobre isto, Street (1984, p.1) destaca: Vou tentar estabelecer alguns dos fundamentos teóricos para uma descrição de tais práticas e concepções e vou desafiar os pressupostos, implícitos ou explícitos, que atualmente dominam o campo do letramento. Devo afirmar que o que as práticas particulares e os conceitos de leitura e escrita são para uma dada sociedade depende do contexto, que já estão incorporados em uma ideologia e não podem ser isolados ou tratados como “neutros” ou meramente “técnicos”.

Considerando, então, as formas como os sujeitos constroem e ressignificam essas práticas, para Barton e Hamilton (2004, p. 109 apud VIANA et al., 2016, p.31) letramento,

[...] não reside simplesmente na mente das pessoas como um conjunto de habilidades a serem aprendidas, e não apenas jaz sobre o papel, capturado em forma de texto para ser analisado. Como toda a atividade humana, letramento é essencialmente social e se localiza na interação interpessoal.

Ancorados em proposições convergentes com as que apresentamos no parágrafo anterior, passamos a entender o conceito de letramento como o uso social da língua. Isso implica em uma aprendizagem da língua em sua modalidade escrita, mas também permeada pela oralidade, de modo que essa aprendizagem seja entendida como a introdução do indivíduo às variadas práticas sociais de uso da língua escrita ou, em outros termos, e de modo bem mais amplo, às culturas do escrito (FERREIRO, 2015).

Tomando por base essa concepção de letramento, torna-se inferível que o desenvolvimento do indivíduo como um cidadão, um profissional e um contínuo aprendiz passa, impreterível e imprescindivelmente, pela apropriação da prática social da escrita, uma vez que esta é, segundo Bazerman (2007), um dos mais importantes recursos dos quais dispomos para uma efetiva participação social e política. Nesse sentido, saber escrever implica o domínio de uma atividade social e de um saber por meio dos quais expressamos e compartilhamos com os outros nossas ideias e sentimentos, bem como os significados que atribuímos ao mundo e aos

7 As observações feitas a respeito da escola revelam uma reflexão ampla que se propõe generalista, mas reconhecemos o avanço desta agência no que se refere ao letramento.

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32 eventos que nos rodeiam (BAZERMAN, 2013).

Com isso, concordamos com Irineu e Araújo (2019), quando afirmam que se faz necessário pensar sobre o letramento não só como um conjunto de habilidades, conforme aponta Soares (1998), mas também como um agrupamento de práticas de uso da linguagem, com suas diversidades contextuais, subjetividades e ideologias presentes nas circunstâncias de produção e recepção de textos. Diante dessa reflexão, os autores ainda trazem à tona a necessidade de expandir o conceito de letramento, até então singular, para uma concepção pluralizada, ou seja, consideraríamos agora “os letramentos”, ou melhor definindo, os multiletramentos (ROJO, 2009).

Isso se justifica pelo julgamento de que em uma sociedade como a nossa, complexa e variada linguisticamente, não se deve falar em letramento. Deve-se falar, portanto, em multiletramentos, ou seja, considerar as práticas de linguagem em um contexto social e histórico, assim como culturalmente organizadas pelos sujeitos nas suas mais diversas dimensões de uso (IRINEU; ARAÚJO, 2019).

Aos considerarmos essas diversas dimensões alcançadas por meio da apropriação da escrita como prática social por parte do indivíduo, retomamos nossa reflexão sobre o papel da escola como propulsora da aprendizagem e domínio das habilidades relacionadas à leitura e a escrita, ou seja, como agência de letramento. A respeito disso, Rojo (2009, p.101 apud IRINEU; ARAÚJO, 2019) destaca que “um dos objetivos principais da escola é justamente possibilitar que seus alunos possam participar das várias práticas sociais que se utilizam da leitura e a escrita (letramentos) na vida da cidade, de maneira ética, crítica e democrática [...]”. Análises como estas apontam a necessidade de refletirmos sobre a articulação entre práticas sociais e a aprendizagem da leitura e da escrita. É neste cenário de possíveis distorções e contradições na educação brasileira, que nos propomos a pensar sobre a chegada e apropriação do conceito letramento por parte dos professores. Todo o arcabouço teórico proveniente dos novos estudos sobre a linguagem acarretou uma mudança conceitual sobre as formas de aprender e de ensinar a língua materna, mais especificamente em sua linguagem escrita, a partir da década de 1980. O que se concebia como alfabetização até então, do ponto de vista teórico e apesar de associado ao letramento, por vezes pareciam não coincidir. Além do mais, em torno deste dilema encontravam-se os professores alfabetizadores que tiveram que transformar este “novo saber” em algo familiar, repensando suas práticas a fim de que pudessem continuar atuando em seus espaços de trabalho.

A partir deste cenário de mudanças, inferimos que possíveis construções de saberes não científicos relacionados ao letramento podem ter se constituídos. Observando tal fenômeno

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