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3 METODOLOGIA

3.3 A montagem dos corpora e a análise das evocações

Com o intuito de atingir os objetivos propostos para esta investigação, fizemos uso de procedimentos metodológicos dentro do quadro epistemológico usualmente intitulado por abordagem qualitativa de investigação, mas também lançando mão do uso de dados quantitativos. Sobre isso, Minayo e Sanches (1993) afirmam que não compartilham de uma perspectiva que recomende a integração dessas abordagens, mas que, na realidade, elas se complementam, conforme as peculiaridades da pesquisa. Nesse sentido, a escolha que fizemos

53 se justifica ainda em função das orientações teóricas e metodológicas que geralmente conformam as pesquisas em representações sociais, uma vez que as estas não são elaboradas apenas individualmente. Tais representações são ao mesmo tempo coletivas e sociais, porque são frutos de partilhas e de relações de comunicação entre os sujeitos (ABRIC, 2003; JODELET, 2001; SÁ, 1998).

Como exemplo, citamos o movimento de encontro entre os dados coletados a partir dos instrumentos sugeridos pela TNC, os quais serão descritos detalhadamente nesta seção, assim como a subjetividade proveniente das entrevistas, o que nos possibilitou a compreensão de várias facetas da realidade a que nos propusemos estudar. Além disso, a multiplicidade de desdobramentos teóricos e as propriedades dos objetos de representação social, bem como sua complexidade, possibilitam as condições para o uso de vários instrumentos e abordagens metodológicos ou mesmo para a criação de novos instrumentos. Sobre isto, Almeida (2001, p.16) considera que,

[...] efetivamente, não temos, até o momento, uma única técnica que permita elucidar, ao mesmo tempo, todas as informações que envolvem o objeto de uma representação. Por esta razão, muitas vezes, sua metodologia de estudo tem sido considerada frouxa, quando efetivamente o que ocorre é que ela se abre para todas as possibilidades necessárias para compreender e explicitar o fenômeno investigado.

Em contrapartida às críticas sofridas por Moscovici, referentes a não-preocupação com o rigor conceitual e metodológico da TRS, Abric e seus parceiros criaram estratégias específicas de metodologia para a TNC. Segundo o grupo de pesquisadores da Universidade de Aix-en-Provence, os componentes do núcleo central são mais facilmente identificados através da técnica da associação livre de palavras. Em acréscimo às técnicas estabelecidas pelo grupo, Vergès (2001) sugere que se analise as frequências e a ordem em que as palavras aparecem, isto é, analisar quantas vezes elas são evocadas pelos sujeitos da pesquisa e em qual ordem de importância eles as classificam. Assim, analisando a combinação desses dois aspectos, revelar- se-ia ao pesquisador o grupo de elementos simbólicos que dão “vida” à representação: o seu núcleo organizador.

Diante disso, com os objetivos de descrever a estrutura organizacional dos elementos que compõem os sistemas central e periférico da representação social dos professores sobre o letramento, além de estabelecer significações para os elementos da representação social dos professores sobre o letramento a partir da posição que eles ocupam nos seus sistemas central e periférico, detalharemos os procedimentos adotados nesta pesquisa, para que o leitor possa acompanhar a sequência de técnicas recomendadas pela Teoria do Núcleo Central, no intuito de captar a distribuição dos elementos identificados. Esse objetivo foi iluminado pelas

54 contribuições de Abric (2001; 2003), que apontam para o entendimento de que o núcleo central atribui significado à RS, sendo esse núcleo formado essencialmente pelos elementos de caráter mais sócio-histórico e sociocultural.

Após recebermos parecer favorável do Conselho de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará, solicitamos à Secretaria Municipal da Educação de Fortaleza autorização para a realização da pesquisa nos espaços de formação continuada para os professores. Ao recebermos a permissão, e de posse dos contatos telefônicos, entramos em contato com as formadoras responsáveis pelas turmas, por meio de aplicativo de mensagens, explicando-as o motivo de nossa futura presença, além de descrevermos o que realizaríamos no local. Esse contato foi positivo, pois, ao nos deslocarmos na segunda semana do mês de agosto para o polo, fomos recebidos de maneira amistosa pela assistente da formação do DE-6 e pelas duas formadoras responsáveis pelas turmas.

Após o horário de intervalo para o lanche, fomos apresentados aos docentes em processo formativo e explicamos o motivo de nossa presença, bem como os procedimentos que seriam adotados. Neste momento, fizemos a leitura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) e realizamos o convite de participação em nossa pesquisa. Houve receptividade por parte dos grupos e, de maneira geral, quase todos se dispuseram a participar. Observamos que apenas três professores optaram por não responder aos instrumentos. Com o intuito, então, de realizarmos o levantamento dos elementos que compunham o núcleo estruturante da RS em estudo, solicitamos ao quantitativo inicial de docentes, atuantes no ciclo de alfabetização do DE-6 e presentes naquele dia, que evocassem quatro palavras ou expressões que lhes viessem à memória, a partir do termo indutor letramento, ou seja, aplicamos a Técnica da Associação Livre de Palavras (TALP).

Segundo Sousa (2011), essa técnica, ao ser articulada com outras, permite conhecer os elementos do núcleo central da RS. Ela consiste em solicitar que os sujeitos registrem palavras, frases ou expressões a partir de um termo indutor apresentado pelo pesquisador, ou seja, o indivíduo evoca cognições e registra o que lhe vem à mente ao ouvir a expressão ditada. Com base nessas orientações, realizamos essa técnica com oito turmas de professores alfabetizadores, sendo quatro turmas de 1º ano na segunda-feira e quatro turmas de 2º ano na terça-feira. Solicitamos, então, que evocassem palavras, termos ou expressões que aparecessem em suas mentes ao ouvirem a palavra letramento. Foi solicitado, então, que as registrassem, individualmente, em um instrumental composto por quatro linhas e quatro pares de parênteses. Durante esse primeiro momento, pedimos que os docentes usassem apenas as linhas e, apesar da aceitação inicial ter sido composta por um número bem maior, conseguimos a devolução

55 apenas de 147 sujeitos, sendo 72 professores do 1º ano e 75 professores do 2º.

No mesmo instrumento, seguindo as orientações de Abric (apud SÁ, 1996, p.120- 1) sobre a hierarquização das cognições e agora utilizando os parênteses, solicitamos, como uma segunda técnica que os sujeitos enumerassem, de 1 a 4, as palavras que haviam evocado a partir da ordem que as consideravam mais importante ou mais representativa em relação ao termo indutor. Orientamos que eles deveriam utilizar o número 1 para a ordem de maior importância e o número 4 para a de menor importância. Nesse sentido, buscamos apreender, pela ordem de importância, os elementos que possivelmente estariam mais próximos do Núcleo Central da representação devido ao grau de representatividade do objeto.

Há pesquisadores que optam por realizar os dois procedimentos em momentos distintos, entretanto, em nosso caso, aproveitamos o momento de aplicação da TALP para também fazermos a hierarquização dos itens. Nossa opção se baseou na oportunidade do encontro do grupo de professores alfabetizadores nos espaços de formação. Segundo a agenda da SME de Fortaleza, no segundo semestre de 2019, quando iniciamos a construção dos dados, só aconteceriam mais dois encontros de formação: um em agosto e o último em setembro. Realizar os dois procedimentos no mesmo momento, no mês de agosto, garantiu a presença do mesmo grupo responsivo e otimizou o tempo de produção dos dados, já que esses grupos só apresentariam essa composição até o mês de setembro. No mês de outubro, os docentes participariam de um seminário de práticas exitosas, com uma dinâmica de palestras e apresentações de trabalhos, o que não nos permitiria a aplicação dos instrumentos com a mesma eficiência.

Com base nessas orientações, organizamos os dados construídos na primeira aplicação dos instrumentos, a fim de conhecermos os termos evocados e a hierarquização feitas pelos sujeitos. Realizamos uma tabulação das cognições evocadas por meio da TALP e elencamos, de acordo com o número de evocações, os termos de maior frequência. Com isso, identificamos 10 (dez) cognições que se destacaram em quantidade de registros por parte dos professores e que se distanciavam, em número de frequência, dos termos subsequentes.

Isso posto, realizamos uma segunda técnica a partir da hierarquização feita pelos professores, identificando, dentre os 10 termos mais evocados, quais os que mais receberam ordem 1 de importância, ou seja, os que mais se aproximavam semanticamente do termo letramento. Dado isso, de posse dos termos que mais receberam a ordem 1, identificamos os possíveis elementos do núcleo central da RS.

Embora os procedimentos citados anteriormente pudessem descrever os elementos da representação com base em critérios quantitativos, fez-se necessária a verificação da

56 centralidade qualitativa dessas cognições, através da análise metacognitiva dos próprios sujeitos. A centralidade qualitativa, como afirma Dieb (2004), disponibiliza uma descrição mais aproximada da real significação que os sujeitos dão ao objeto representado. Tal aproximação nos permitiu fazer uma associação entre os termos evocados no qual, segundo a literatura existente sobre o núcleo central (ABRIC, 1994; SÁ, 1996), pode conter critérios variados, conforme a realidade de que o pesquisador dispõe naquele contexto.

A partir disso, bem como para uma maior compreensão do funcionamento e organização do núcleo central, e consequentemente da representação, fez-se necessária a aplicação da técnica do “questionamento”. Esta técnica foi elaborada a partir de cinco elementos que foram identificados na hierarquização dos itens como sendo os mais significativos em relação à ideia de letramento entre os professores. Para Bonardi e Roussiau (1999), a técnica do “questionamento” é relativamente simples: basta que se construa, com as evocações associadas ao objeto de representação, um pequeno texto a ser submetido à leitura dos sujeitos, questionando tais elementos com o objeto. Coloca-se, desta maneira, a associação “em cheque” para verificar a sua inegociabilidade, ou seja, para tornar evidente o valor simbólico conferido pelo grupo à associação entre o termo evocado e o objeto da representação.

Seguindo essas orientações, deslocamo-nos para o polo formativo Ateneu, no mês de setembro de 2019, para um segundo encontro com o grupo de professores do ciclo de alfabetização do DE-6. Mais uma vez, aproveitamos o horário após o intervalo e pedimos aos professores que respondessem perguntas que questionavam a “presença” dos cinco elementos para a representação sobre letramento, construída pelo grupo de professores (ANEXO A). Nesse dia, conforme nossa programação, contamos com o mesmo quantitativo de docentes do primeiro encontro, ou seja, 147 professores participantes. Todos responderam com a mesma disponibilidade observada durante a aplicação dos primeiros instrumentos.

Dando continuidade aos nossos procedimentos, para atingirmos o terceiro objetivo de relacionar a estrutura organizacional dos sistemas central e periférico da representação dos professores com os posicionamentos destes acerca do ensino do letramento, optamos pela entrevista semiestruturada. Amparamo-nos na afirmação de Codol (1988, p. 483) quando afirma que,

[...] quaisquer que sejam as múltiplas mediações das representações sociais, em suma são sempre os indivíduos que as veiculam e exprimem. Por isso, é perfeitamente legítimo tentar captar os reflexos nas condutas individuais por meio da observação e

interrogando as pessoas. Ademais, os processos de elaboração e comunicação das

representações sociais só podem ser observados nas relações entre grupos e entre indivíduos. (grifo nosso)

57 Este procedimento nos ajudou na interpretação dos dados referentes à representação dos professores sobre o letramento e suas relações com o posicionamento acerca do ensino do letramento. Essa decisão se justifica por dois motivos. O primeiro deve-se ao fato de que buscamos ser coerentes com o quadro teórico que assumimos, uma vez que Moscovici (1998) demonstra uma posição favorável em relação ao uso dessas técnicas nas pesquisas sobre RS. A decisão também foi motivada em virtude que esse procedimento metodológico tem dado contribuições importantes ao campo educacional, especialmente dentro de uma abordagem qualitativa, já que as pesquisas nesse campo são envolvidas geralmente pelas subjetividades e os processos de significação produzidos pelos sujeitos que participam das pesquisas. Dessa forma, as entrevistas foram gravadas, através de aplicativo de gravação de voz em smartphone, e transcritas para posterior análise, conforme detalharemos mais adiante.

Utilizamos um roteiro de entrevistas semiestruturadas (ANEXO A), com a atenção devida para direcionar, no momento oportuno, os professores no caminho de volta ao tema da entrevista, a fim de que não se afastassem em demasia desse tema e dos objetivos pretendidos. Os critérios na escolha de professores para participar das entrevistas foram dois:

a) A demonstração de concordância, já que em alguns, por conta da ideia de a entrevista estar sendo gravada, fazia-se presente algum sentimento de vergonha, mesmo que em proporções pequenas;

b) Atuar por mais de 10 anos no ciclo de alfabetização.

O segundo critério estabelecido se justifica pelo fato desses professores já terem participado de mudanças de ordem teórico metodológica de ensino da alfabetização no município de Fortaleza, com a implementação de programas e projetos para o avanço dos índices de alfabetização. Além disso, eles participaram, ao longo desse tempo, de orientações para uso de materiais estruturados, o que poderia trazer elementos importantes para os objetivos de nosso estudo.

Em relação ao número de entrevistados, é relevante pontuar que enfrentamos alguns obstáculos para executarmos essa etapa da pesquisa. De posse dos dados iniciais dos professores, construídos a partir do primeiro instrumento, a TALP, organizamos em uma tabela os nomes e contatos telefônicos de todos aqueles que atuavam no ciclo por mais de 10 anos. Em uma ordem decrescente por tempo de atuação, tabulamos os contatos de 22 professores que tinham entre 10 e 33 anos de docência no ciclo. Entramos em contato com esses sujeitos via telefone e aplicativos de mensagens, convidando-os a participarem dessa fase da pesquisa. Algumas

58 recusas começaram a surgir e fizemos uma importante observação sobre o período em que estávamos entrando em contato com os professores: os meses de outubro e novembro têm intensa atividade envolvendo esses docentes por conta da avaliação externa do Sistema Permanente de Avaliação do Estado do Ceará (SPAECE- Alfa). Diante deste cenário, alguns docentes recusaram o convite de participação nessa etapa da pesquisa por considerarem a imersão, nesse contexto da escola, muito desgastante e que não tinham muito tempo disponível por estarem trabalhando com grupos de reforço e preparação para o dia da aplicação da prova agendada pelo SPAECE - Alfa.

Embora tenhamos enfrentado dificuldades, oito professores se disponibilizaram a participar dessa etapa da pesquisa, o que consideramos um bom quantitativo para entrevistas. Todas as entrevistas aconteceram na própria escola de cada um dos participantes, que preferiram realizar as entrevistas na sala dos professores ou nas salas de aula, por se sentirem mais confortáveis nesses espaços. Estivemos em 7 (sete) escolas do DE-6, pois 2 (dois) dos professores participantes estavam lotados na mesma escola e realizamos as entrevistas em conjunto, por solicitação desses sujeitos.

No início das entrevistas, os participantes demonstraram um pouco de desconforto em responder aos questionamentos. Essa percepção se deu pelos recorrentes usos de termos conceituais relacionados ao termo letramento aliados à reincidente fala dos pesquisados, ao afirmarem frases como “não saber se era isso mesmo que (nós – pesquisadores) queríamos saber”. No decorrer da entrevista, percebemos que eles foram ficando mais à vontade, principalmente quando os relatos faziam menção às suas práticas em sala de aula. Alguns dos entrevistados nos mostraram materiais de uso em sala, como jogos de alfabetização, caixas de leitura e textos produzidos pelas crianças. Consideramos que os oito professores, correspondentes a 5,5% do total dos sujeitos envolvidos neste estudo, contribuíram de maneira qualitativa para o alcance de nossos objetivos.

Podemos ainda afirmar que esse número de entrevistas foi suficiente por ter obedecido ao critério da “saturação”, o qual é apontado como o definidor do número de entrevistas a serem realizadas em uma pesquisa sobre RS. Sá (1998, p. 92) diz que, por intermédio desse critério, no momento em que “os temas e/ou argumentos começam a se repetir isto [significa] que entrevistar uma maior quantidade de outros sujeitos pouco acrescentaria de significativo ao conteúdo da representação”. Além do mencionado critério, ao seguir a mesma orientação de Bock (1995, p. 283) em relação aos psicólogos, acreditamos que a declaração de cada professor “em sua singularidade carrega características da totalidade da categoria, que só se apresenta como um todo por estar presente em cada um”. Por esse motivo, as oito entrevistas

59 foram utilizadas como uma das fontes de análise da RS dos professores do ciclo de alfabetização sobre o letramento relacionando isso a seus posicionamentos sobre o ensino do letramento.