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4 A REPRESENTAÇÃO SOBRE O LETRAMENTO E A ESTRUTURA

4.1 Os elementos do campo de representação

4.1.1 A emergência dos termos

Objetivando realizar o levantamento dos elementos que compõem o núcleo estruturante da RS dos professores de Fortaleza sobre o letramento, utilizamos a técnica da

61 evocação livre de palavras. Para tal foi solicitado aos 147 (cento e quarenta e sete) professores presentes no encontro formativo que ocorreu no mês de agosto, 4 (quatro) palavras ou expressões que se apresentassem imediatamente à memória naquele momento, a partir do próprio termo “letramento”. As evocações foram registradas na mesma ordem em que os sujeitos repondiam ao estímulo do termo indutor. Com este a execução deste procedimento, obtivemos um total de 588 (quinhentos e oitenta e oito) evocações, compreendendo 149 (cento e quarenta e nove) palavras diferentes.

Destas 149 palavras, optamos por levar em consideração apenas as que obedeceram a uma frequência de evocação igual ou superior a 10 (dez) vezes. Isto se justifica pelo fato de que todo o resto obteve menos de 6 evocações, portanto, não as consideramos relevantes para a identificação do núcleo central, uma vez que o princípio básico para que um elemento seja considerado central é o de que ele tenha uma certa saliência quantitativa. Somente 10 (dez) palavras diferentes obedeceram a esse critério, correspondente a 371 (trezentos e setenta e uma) evocações. Em termos percentuais, isso representa, respectivamente, 6,71% das 149 palavras diferentes e 57,7 % do total das 645 evocações. A Tabela 1 abaixo disponibiliza as 10 palavras selecionadas e suas respectivas frequências.

Tabela 1 - Evocações com frequência acima de (10)

Evocações Frequência Evocações Frequência

Leitura 101 Fazer uso social 28

Compreensão 59 Aprendizagem 19

Escrita 44 Decodificação 19

Alfabetização 36 Interpretação 19

Conhecimento/leitura de mundo 36 Gêneros textuais diversos 10 Fonte: Elaborada pela autora.

De acordo com o quadro acima, leitura foi a evocação mais presente, apresentando quase o dobro de frequência da evocação subsequente, a compreensão. Pelo critério quantitativo, estas duas evocações, certamente, pertencem ao núcleo central da RS dos professores sobre o letramento. Contudo, durante a análise, questionamo-nos se os três elementos subsequentes também não poderiam ser considerados centrais na RS. Isso se justifica pelo quantitativo de evocações desses termos estar próximo dos três termos consecutivos.

Para responder aos nossos questionamentos, decidimos seguir as orientações de Abric (apud SÁ, 1996, p. 120-121) sobre a hierarquização dos itens evocados. Para elucidarmos a distribuição das cognições dentro da RS, optamos por uma adaptação do método das triagens hierarquizadas sucessivas, desenvolvido por ele mesmo em uma pesquisa sobre a RS do artesão e do artesanato. Conforme descrevemos na metodologia, solicitamos que os professores

62 hierarquizassem os quatro termos evocados na TALP, enumerando-os de 1 a 4, considerando a ordem de importância para uma melhor definição sobre o letramento. Assim, os professores deveriam escrever 1 para o elemento mais importante e 4 para o menos importante na caracterização do termo indutor.

A partir desse levantamento, realizamos uma segunda hierarquização considerando a classificação elaborada pelos professores. Dentre os dez elementos com maior número de evocações, identificamos aqueles que mais receberam a ordem 1, ou seja, aqueles que para o grupo seriam as cognições mais representativas em relação ao letramento, conforme podemos visualizar na Tabela 2.

Tabela 2 - Hierarquização dos termos mais evocados

Evocações Ordem (1) Evocações Ordem (1)

Leitura (36) Fazer uso social (12)

Compreensão (12) Aprendizagem (6)

Escrita (2) Decodificação (5)

Alfabetização (7) Interpretação (3)

Conhecimento/leitura de mundo (17) Gêneros textuais diversos (0) Fonte: Elaborada pela autora.

Conforme podemos observar no quadro acima, mais uma vez o termo leitura se sobressaiu diante das outras cognições, mantendo-se como a evocação que mais vezes apareceu em primeira ordem, destacando-se quantitativamente em relação aos termos seguintes. Posteriormente, aparecem conhecimento/leitura de mundo, sendo posto na primeira ordem por 17 (dezessete) vezes, seguidos de compreensão e fazer uso social postos, cada um, 12 (doze) vezes em primeiro lugar.

Curiosamente, os cinco termos em destaque pelo grupo emergem da dimensão da leitura, o que poderia nos suscitar inferências sobre a influência do contexto sócio-histórico da alfabetização no estado do Ceará, mais especificamente sobre o Programa Alfabetização na Idade Certa (PAIC) e a formação de professores alfabetizadores. Os elementos emergentes nas duas primeiras técnicas têm forte relação com a perspectiva teórico-metodológica apresentada pelo programa, o qual “propõe alfabetizar na indissociabilidade do letramento” (SIMONETTI, 2008, p.18) com base em atividades estruturantes e atividades alimentadoras, conforme explicitamos no esquema didático apresentado na Figura 1.

63 Figura 1 - Esquema didático da base teórico - prática da Proposta Didática

para Alfabetizar Letrando (PDAL)

Fonte: SEDUC (2019)

Tal afirmação, ainda se baseia nos relatos de influências reverberadas pelo PAIC na atuação desses docentes, conforme relata P2 nesse trecho da entrevista concedida pelo participante:

Na minha experiência de 20 anos de alfabetizadora, o PAIC foi fundamental para a minha prática de alfabetização e de letramento. Me ajudou muito a entender como alfabetizar as crianças (P2).

Essas influências emergem do contexto de ciclo de formação do qual os professores têm participado desde a implementação desta política, no início dos anos 2000. Pudemos observar que muitos termos evocados na TALP, por exemplo, têm relação semântica com o contexto formativo e as temáticas abordadas de acordo com a agenda proposta pela Secretaria Municipal da Educação de Fortaleza, possibilitando-nos refletir sobre a intervenção desses movimentos e a elaboração dos “saberes agidos” desses docentes (JODELET, 2001).

Em outros termos, isso nos permitiu identificar, por exemplo, o lugar que cada um desses elementos ocupa na RS, além da profundidade de alcance das formações continuadas. Sobre essa inferência, destacamos a relação feita entre as formações continuadas e o ensino do letramento na fala de P3 a seguir:

Na prefeitura tem um ponto que eu julgo muito importante, que é a nossa formação. Então, essa formação, às vezes a gente chega lá com um pensamento e já sai de lá com uma outra ideia. Isso é muito importante dentro do nosso planejamento aqui. Então

você vai trabalhar o livro do PAIC, aí você já traz ideias, eu acho assim, a formação é primordial pra gente. Então assim, a gente já traz ideias, aí no

planejamento a gente já consegue, por exemplo, colocar o PAIC três vezes na semana, e nos outros dois dias a gente atrela atividades que a gente já faz aqui, xerocadas, leitura de textos, interpretação textual. Nessa época, eu já estou trabalhando dessa forma. Então eu acho que o letramento acontece dentro desse contexto todo: vem

64 partir daí você já passa a colocar cada atividade dentro daquela, do nível das crianças da sala, a gente passa a conhecer a sala, né? Os alunos, o nível e tudo...então, a formação eu acho que parte daí, eu acho muito importante. (P3). (grifo nosso). Como podemos perceber, a construção imagética que a professora vincula ao letramento tem a ver com o nível de aprendizagem das crianças e com as atividades que compõem o planejamento, como a leitura, as quais foram orientadas durante a formação continuada. Nesse sentido, ainda considerando os dados mostrados no Quadro 2, baseado em critérios quantitativos, entendemos que leitura, conhecimento/leitura de mundo, compreensão e fazer uso social, possivelmente podem fazer parte do núcleo central da RS dos professores sobre o letramento, pois continuam em maior evidência nas evocações. Estes elementos são considerados pelos professores como muito importantes, em uma escala hierárquica, ao pensarem sobre o letramento.

Entretanto, faz-se necessária a verificação da centralidade qualitativa dessas cognições, através da análise dos próprios sujeitos, pois ela oferece uma descrição mais próxima da real significação que os sujeitos dão ao objeto representado. Isso se justifica porque apenas os critérios quantitativos não sustentariam a suposta centralidade desses elementos na RS, sendo necessário testar se estes termos são mesmo imprescindíveis para a representação sobre o letramento construída por esses professores. As duas seções a seguir irão abordar a verificação dessa centralidade.