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Tradutores in memoriam : memórias de tradução e um sem-fim de reaproveitamentos na tradução moderna

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

MARIANA ORMENESE DIAS

TRADUTORES IN MEMORIAM:

MEMÓRIAS DE TRADUÇÃO E UM SEM-FIM DE

REAPROVEITAMENTOS NA TRADUÇÃO MODERNA

CAMPINAS 2019

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TRADUTORES IN MEMORIAM:

MEMÓRIAS DE TRADUÇÃO E UM SEM-FIM DE

REAPROVEITAMENTOS NA TRADUÇÃO MODERNA

Dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem, da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestra em Linguística Aplicada, na área de Linguagem e Sociedade.

Orientadora: Profa. Dra. Érica Luciene Alves de Lima

Este exemplar corresponde à versão final da Dissertação defendida pela aluna Mariana Ormenese Dias e orientada pela Profa. Dra. Érica Luciene Alves de Lima

CAMPINAS 2019

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Ormenese, Mariana,

Or5t OrmTradutores in memoriam : memórias de tradução e um sem-fim de reaproveitamentos na tradução moderna / Mariana Ormenese Dias. – Campinas, SP : [s.n.], 2019.

OrmOrientador: Érica Luciene Alves de Lima.

OrmDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem.

Orm1. Tradução e interpretação Processamento de dados. 2. Tradutores -Produtividade - Responsabilidade. 3. Tradução mecânica. I. Lima, Erica Luciene Alves de, 1968-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Translators in memoriam : translation memories and an endless

reuse in modern translation

Palavras-chave em inglês:

Translating and interpreting - Data processing Translators - Productivity - Responsibility Machine translating

Área de concentração: Linguagem e Sociedade Titulação: Mestra em Linguística Aplicada Banca examinadora:

Érica Luciene Alves de Lima [Orientador] Ana Maria de Moura Shäffer

Rodrigo Esteves de Lima Lopes

Data de defesa: 30-04-2019

Programa de Pós-Graduação: Linguística Aplicada

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)

- ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0003-0768-4233 - Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/8792497757485653

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Érica Luciene Alves de Lima

Rodrigo Esteves de Lima Lopes

Ana Maria de Moura Schäffer

IEL/UNICAMP 2019

Ata da defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria de Pós Graduação do IEL.

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Uma máquina pode fazer o trabalho de cinquenta pessoas comuns. Nenhuma máquina pode fazer o trabalho de uma pessoa extraordinária. (Filósofo Elbert Hubbard, 1856-1915)

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À Professora Doutora Érica Luciene Alves de Lima, por todos os conhecimentos transmitidos ao longo deste percurso acadêmico, que orientaram minhas leituras e direcionaram minhas inquietações profissionais até chegarmos ao resultado final deste trabalho.

À professora Ana Schäffer, por suas palavras de encorajamento que me fizeram acreditar que seria possível integrar minha experiência profissional aos Estudos da tradução.

Ao professor Rodrigo Esteves de Lima-Lopes, pelas generosas críticas e sugestões, na banca de qualificação.

À professora Marileide Dias Esqueda, pelas críticas e sugestões muito construtivas, na banca de qualificação.

Ao CNPq, pelo apoio financeiro dado por meio do processo nº 133764/2017-6.

Aos meus pais, Maria Inês e Antonio, pelo apoio e incentivo incondicionais durante todo o trajeto de estudos e de vida que me trouxe até aqui.

Ao meu marido, Vinícius, por sua compreensão e apoio também incondicionais durante as muitas horas de estudo que culminaram na escrita desse trabalho. Sem seu companheirismo e suporte, não teria sido possível chegar até aqui.

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O objetivo desta dissertação é discutir o uso das memórias de tradução e algumas de suas implicações para a área, além de problematizar a relação dos tradutores com a produtividade e a responsabilidade na produção de textos em que são usadas memórias eletrônicas. Levando em conta que muitos profissionais que atuam em agências geram e usam arquivos de memória em seu dia a dia, sem a oportunidade de discutir com seus clientes sobre as implicações que essa prática abarca, nem receber remuneração por aproveitamentos de memórias, questionamos se seu uso traz ou não prejuízos aos profissionais de tradução, a partir do contraste com a visão de tradutores, agências e desenvolvedores de programas de memórias. Portanto, temos como hipótese que em tempos em que vemos a tecnologia e a automatização do trabalho ganharem cada vez mais força, há a necessidade de repensar algumas questões, considerando o uso massivo das memórias e o tratamento dado aos profissionais nela envolvidos e atentando para as implicações dessa nova realidade. Para a abordagem, inicialmente recorreremos ao estudo do percurso histórico que levou à criação de programas de memórias. Em seguida, usamos materiais publicitários disponíveis em sites de desenvolvedores desses programas e de uma agência que os usa, além de um blog de tradutores que discute o assunto para contrastar a posição dessas três bases da cadeia produtiva de traduções usando memórias. Como fundamentação teórica, recorremos a conceitos discutidos por nomes como Michael Cronin (2003, 2013), José Ramón Biau Gil (2006) e Anthony Pym (2006) para tratar de tecnologia e tradução e também a Mal do Arquivo, (DERRIDA, 2001) para problematizarmos a questão do arquivo. Além disso, nos valemos de Farmácia de Platão (DERRIDA, 2005) para refletirmos sobre a inerente existência de um lado positivo e um negativo para tudo, logo, o mesmo vale para as escolhas relacionadas à produção de tradução usando memórias. Por fim, recorremos a O Capital (MARX, 2012) para abordarmos questões como os benefícios e malefícios que a produção industrial traz à classe trabalhadora, fazendo um paralelo entre as reflexões propostas por Marx e a forma de trabalho à qual muitos tradutores estão submetidos atualmente.

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The purpose of this dissertation is to discuss the use of translation memories and some of their implications for the area, as well as to problematize the translator's relationship with productivity and responsibility when producing texts using these electronic memories. Taking into account that many professionals working in agencies generate and use memory files in their daily lives, without the opportunity to discuss with their clients about the implications of this practice, nor receiving remuneration for memory use, we question whether their use brings or not damages to professional translators, contrasting the view of translators, agencies and CAT Tools developers. Therefore, our hypothesis is that as soon as technology and automation of work gain more and more force, there is a need to rethink some issues, considering the massive application of memories and the treatment given to the professionals involved in it, also paying attention to the implications of this new reality. For such approach, we start studying the historical path that led to the creation of memory programs. Then we use advertising materials available on the websites of those program developers and of an agency that uses them, as well as a translator's blog that discusses the subject in order to contrast the position of these three bases in the translation production chain that uses memories. As a theoretical basis, we use concepts discussed by names such as Michael Cronin (2003, 2013), José Ramón Biau Gil (2006) and Anthony Pym (2006) to deal with technology and translation, and also the Archive Fever: A Freudian Impression (DERRIDA, 2001) to problematize the archive issue. In addition, we use Plato's Pharmacy (DERRIDA, 2005) to reflect on the inherent existence of a positive and a negative side to everything, so the same goes for the choices related to the production of translated texts using memories. Finally, we turn to Capital (MARX, 2012) to address issues such as the benefits and harms that industrial production brings to the working class, drawing a parallel between the reflections proposed by Marx and the form of work to which many translators are currently subjected.

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Figura 1: Captura de tela – layout do MemoQ e segmentação do texto ... 41

Figura 2: Captura de tela – site do Memsource definindo memória de tradução ... 46

Figura 3: Captura de tela – site do Memsource apresentando memória de tradução ... 47

Figura 4: Captura de tela – site do Memsource citando tradutores ... 48

Figura 5: Captura de tela – site do Memsource aconselhando a usar memórias ... 49

Figura 6: Captura de tela – site do SDL Trados e suas opções de idioma para leitura ... 50

Figura 7: Captura de tela – site do MemoQ e suas opções de idioma para leitura ... 52

Figura 8: Captura de tela – descritivo de produtos no site do MemoQ ... 53

Figura 9: Captura de tela – descritivo de produtos no site do MemoQ ... 53

Figura 10: Captura de tela – descritivo de serviços do MemoQ ... 55

Figura 11: Captura de tela – descritivo de serviços do MemoQ ... 55

Figura 12: Captura de tela – página inicial do site do Smartling ... 57

Figura 13: Captura de tela – descritivo comercial do Smartling... 59

Figura 14: Captura de tela – página inicial da Lionbridge ... 67

Figura 15: Captura de tela – referências à qualidade para a Lionbridge ... 70

Figura 16: Captura de tela – Tradução e Localização para a Lionbridge ... 71

Figura 17: Captura de tela – postagem no Blog “Velior”... 73

Figura 18: Captura de tela – site do MemoQ, aba “help” ... 77

Figura 19: Captura de tela – site do MemoQ, aba “help” ... 78

Figura 20: Captura de tela – site do MemoQ, aba “help” ... 79

Figura 21: Quadro ilustrativo de reaproveitamentos do SDL Trados... 81

Figura 22: Captura de tela – Reaproveitamentos do SDL Trados ... 81

Figura 23: Captura de tela de análise de reaproveitamentos no SDL Trados 2017 ... 83

Figura 24: Captura de tela de análise de reaproveitamentos no SDL Trados 2011 ... 83

Figura 25: Captura de tela – Segmentos com números no MemoQ ... 94

Figura 26: Captura de tela – Exemplo de texto com acrônimos ... 98

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Figura 30: Captura de tela – Exemplo de números no Microsoft Excel ... 101

Figura 31: Captura de tela – Exemplo de números no MemoQ ... 102

Figura 32: Captura de tela – Exemplo de repetição de números no MemoQ ... 103

Figura 33: Captura de tela – Exemplo de repetição na janela de memória MemoQ ... 104

Figura 34: Captura de tela – Exemplo de repetição na janela de memória MemoQ ... 110

Figura 35: Captura de tela – Tutorial do Microsoft SQL Server ... 115

Figura 36: Captura de tela – Tutorial do Oracle ... 116

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INTRODUÇÃO ... 12

CAPÍTULO I ... 21

1.1 Uma breve contextualização histórica da relação tradução-tecnologia e algumas reflexões .... ... ..21

1.2 A evolução da tecnologia voltada à tradução e a nova face do mercado consumidor de traduções... 33

1.3 A importância de problematizar as relações entre tradução, tecnologia e produtividade ... 35

1.4 Além dos números e códigos de programação: humanos operando CAT Tools ... 38

CAPÍTULO II ... 43

2.1 Conquistando adeptos e clientes usuários: vendendo CAT Tools e suas promessas de facilidades ...45

2.2 Vendendo serviços de tradução para girar as engrenagens da globalização ... 62

2.3 Os (supostos) recursos vendidos junto com as ferramentas de tradução ... 72

2.4 As ferramentas de tradução e a tradução transformada em números ... 76

2.5 Analisando exemplos de relatórios de aproveitamento gerados por CAT Tools ...80

CAPÍTULO III ... 85

3.1 Arquivar: apagar ou eternizar? ... 87

3.2 A automatização e algumas de suas nuances ...93

3.3 Um pharmakón chamado automação: remédio ou veneno na tradução? ... 105

3.4 A tradução, o digital e a mais-valia ... 111

CONCLUSÃO ... 120

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INTRODUÇÃO

Partindo de uma experiência pessoal de mais de 10 anos de atuação como tradutora1 e revisora prestadora de serviços para agências de tradução, revisito agora alguns textos dos Estudos da Tradução e de estudiosos do comportamento humano e da conjuntura social buscando aprofundar leituras e embasar questionamentos sobre a área na qual atuo. Faço isso a partir da visão de quem está no mercado de trabalho e procura na academia algumas respostas para suas inquietações profissionais.

Tais inquietações, que foram provocadas por situações cotidianas em meu trabalho e por comportamentos que têm se mostrado recorrentes nos espaços em que atuo, me instigaram a buscar discussões teóricas que pudessem aprimorar minha postura diante de circunstâncias que considero desafiadoras na profissão, além de ampliar minha consciência de classe como trabalhadora do setor da tradução. A partir deste trabalho, pretendo poder ajudar também colegas já atuantes e aqueles que planejam iniciar sua carreira como tradutores a refletirem sobre a atividade que desenvolvemos, evitando que aceitemos imposições sobre a nossa profissão sem qualquer questionamento, e agindo de forma crítica e não mecanizada. Isso porque acredito que lançar um olhar mais atento sobre aquilo que fazemos em nosso cotidiano – e nos é dado como sendo prática recorrente do setor – sempre nos leva a refletir sobre nosso papel social como trabalhadores e como indivíduos, formulando perguntas e buscando as respostas antes de simplesmente aceitar o statu quo.

Dessa forma, elegi, como objeto de pesquisa, as memórias de tradução, inspirada inclusive em um artigo de minha autoria, intitulado “O tradutor e as memórias de tradução” (ORMENESE, 2015), publicado no livro “Temas de Tradução - Tecnologias, Tradutores, Mercado de Trabalho”, organizado por Schäffer e Torres (2015). As memórias são arquivos (ou bancos de dados) eletrônicos gerados e atualizados sempre que um texto é inserido e traduzido em uma ferramenta de tradução assistida por computador com a finalidade de armazenar em formato específico todo o trabalho realizado durante a tradução. “Toda memória de tradução é construída passo a passo desde o início e todas as informações terminológicas, inclusive sobre as línguas com as quais se trabalhará com a ferramenta,

1 Neste trabalho, optei por usar a primeira pessoa do singular e o termo tradutora, no feminino, apenas quando

estiver me referindo especificamente a experiências profissionais pessoais. Nos casos mais gerais, serão usados tradutor/tradutores, embora esteja me referindo a ambos os gêneros, e terceira pessoa do plural.

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necessitam ser fornecidas ao sistema a partir do momento que o tradutor começa a empregá-lo. Em outras palavras, é basicamente o tradutor-usuário que “fabrica” a memória com que trabalhará em traduções futuras” (STUPIELLO, 2014, p. 77). Essas memórias são reaproveitadas conforme for conveniente durante a produção de novas traduções2.

A escolha de tal escopo se deve ao fato de eu, durante todo meu percurso profissional, sempre ter sido usuária de diversas CAT Tools, utilizando, diariamente, os sistemas de memórias de tradução que há nelas. As CAT Tools são “ferramentas de tradução assistida por computador usadas para dar suporte ao tradutor, eliminando o trabalho repetitivo, automatizando atividades de pesquisa terminológica e reciclando textos previamente traduzidos" (ESSELINK, 2000, p. 359, tradução minha).

Aprendi a operar e a entender o funcionamento das CATs e das memórias logo que iniciei minha carreira como tradutora e revisora dentro de uma agência de traduções especializada em textos da área da Tecnologia da Informação. Desde então, praticamente todos os projetos nos quais atuei foram realizados usando uma CAT Tool e tiveram aproveitamentos de memória, já que, na agência, nunca trabalhávamos com textos fora de CATs.

Após ser funcionária de agência por alguns anos, passei a atuar como tradutora freelancer, ou seja, passei a trabalhar por conta própria sendo eu mesma minha própria empresa de traduções, atendendo a vários clientes ao mesmo tempo, podendo eles serem agências ou não. Como freelancer, passei a ter mais liberdade para atuar com uma variedade maior de clientes e temas, porém ainda usando CAT Tools em todos os trabalhos realizados, pois trabalhar com os formatos de textos gerados por elas e também usar as memórias de tradução e os glossários integrados a essas ferramentas sempre fora mandatório para a realização dos serviços de tradução nos quais estava alocada. Além disso, conhecer diversas CAT Tools e saber usá-las com os diferentes formatos de texto fora constantemente um diferencial para a conquista de novos clientes e novos projetos de tradução.

Como freelancer, passei a fazer meus próprios horários e meu salário, já que esse tipo de prestação de serviços não mantém vínculo empregatício com nenhum cliente, cabendo ao tradutor decidir com quem e com o que trabalhará. Diferentemente dos direitos e obrigações que se tem como funcionário de uma agência, como freelancers podemos escolher os textos

2 Esta e outras definições apresentadas brevemente nesta introdução serão retomadas durante o trabalho, por isso

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com os quais trabalharemos e negociar as condições de pagamento pelo trabalho, porém recebemos por produção, ou seja, quanto mais volume e mais rápido produzimos, mais lucramos. No entanto, ainda que autônomos, é comum não termos independência para decidir como realizaremos nosso trabalho e precisarmos nos adequar às exigências dos clientes, por exemplo, quanto ao uso das CAT Tools e das memórias de tradução determinadas por eles. Tal situação implica, inclusive, negociar e aceitar a política de pagamento por aproveitamentos de memória adotada pelo cliente. Tais aproveitamentos acontecem quando trechos ou frases inteiros já traduzidos e salvos no arquivo de memória da CAT Tool em um momento anterior são reciclados e usados novamente durante a produção de novos trabalhos de tradução. Esse procedimento é empregado com a finalidade de automatizar a tradução de repetições e ganhar tempo evitando retraduções de trechos já traduzidos anteriormente.

Além da mudança nas obrigações e na forma de recebimento pelo trabalho realizado, quando trabalhamos em agências temos conosco toda uma equipe de profissionais atuando nas diversas etapas que envolvem a produção de uma tradução: desde a equipe de vendas e captação de clientes até a equipe de formatação e financeiro, passando por colegas tradutores, revisores, de apoio técnico de informática, dentre vários outros profissionais. Já como freelancers, cuidamos de várias dessas etapas sozinhos.

Nas agências, diversos profissionais participam do trabalho com o texto nas várias etapas de produção. Os primeiros são os gerentes de projeto. Esses profissionais gerenciam todas as fases do processo de tradução de um novo projeto – desde a chegada do material para tradução até a entrega do arquivo final pronto – e são normalmente os responsáveis pela preparação do material para edição na CAT Tool escolhida para o trabalho. A preparação do material consiste na conversão dos arquivos do formato enviado pelo cliente para o formato (extensão) que pode ser editado em uma CAT Tool. Consiste em transformar, por exemplo, um PDF em um arquivo *.ttx para poder editá-lo usando uma CAT Tool que aceite esse formato e que possibilite, além da edição, o aproveitamento dos arquivos de memória de tradução que também sejam compatíveis com aquela mesma CAT Tool, cuja escolha não é aleatória. A decisão sobre qual CAT usar é tomada com base nas facilidades que oferece aos seus usuários e principalmente considerando se aceita arquivos de memória no formato que o cliente ou a agência de tradução já os tem salvos. Isso porque se não houver compatibilidade com o arquivo de memória, não será possível fazer reaproveitamentos de trabalhos anteriores, conforme o gerente de projetos considerar adequado.

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Ainda em relação aos gerentes de projeto, cabe observar que também respondem pela atribuição de glossário(s) específico(s) e da memória que será integrada ao pacote de tradução criado na CAT para ser aproveitada e também para armazenar os segmentos produzidos durante aquele trabalho. Tais segmentos de texto são delimitados nas CATs e, em geral, são caracterizados por trechos que vão desde a letra maiúscula inicial de um parágrafo até o primeiro ponto final. Esses segmentos, chamados unidades de tradução, podem ser frases, parágrafos ou unidades textuais (cabeçalhos, títulos, uma lista de elementos, etc.) salvos na memória por já terem sido traduzidos por tradutores humanos em um momento anterior.

Sobre os gerentes de projeto, cabe dizer ainda que esses profissionais também são responsáveis por passar informações específicas sobre o projeto, como o guia de estilo de cada produto e os materiais de referência e apoio para serem usados para consulta durante o trabalho. Conforme os padrões adotados pelas agências de tradução, os Guias de Estilo são conjuntos de regras que definem convenções estilísticas e linguísticas para determinados idiomas. Geralmente, essas regras incluem diretrizes gerais para tradução, instruções sobre estilo linguístico e uso em publicações técnicas, além de informações sobre formatos de dados específicos para o mercado3. Já os materiais de referência e apoio são documentos que podem auxiliar o tradutor durante o seu trabalho, trazendo, por exemplo, referências visuais sobre o produto que está sendo traduzido. Esses materiais vão desde capturas de tela demonstrativas sobre o produto até o arquivo inteiro em seu formato original para que o tradutor possa ter uma visão completa do texto, sem a divisão em segmentos feita pela CAT Tool. Esses materiais ajudam também o tradutor a identificar particularidades do texto que merecem atenção especial, por serem mais sensíveis a imprecisões, como títulos ou legendas em figuras.

Na sequência, o gerente de projetos envia o material para o tradutor interno ou a um tradutor freelancer que preste serviços para a agência. Esse profissional fará seu trabalho seguindo com rigor todas as instruções dadas pelo gerente de projetos, usando obrigatoriamente a CAT, os glossários e a memória já designados. Depois disso, o texto traduzido chegará ao revisor interno ou freelancer que também preste serviços para a agência. Esse profissional – usando a mesma CAT, memória e glossários já designados – fará o cotejo4 da tradução. Ao fazer o cotejo, essa pessoa fará a comparação entre o texto original e o traduzido em busca de saltos, imprecisões ou inadequações na tradução do conteúdo do

3 Referência: https://www.microsoft.com/pt-br/language/StyleGuides. Acesso em 06 de abril de 2019. 4 Referência: http://www.tradwiki.net.br/Cotejo. Acesso em 06 de abril de 2019.

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documento; esse tipo de procedimento é uma das primeiras etapas da revisão de uma tradução. Concomitantemente, o revisor também verificará a escrita na língua alvo, sua adequação à norma culta e o seguimento de todos os materiais de referência e das instruções fornecidos pelo gerente de projetos. Após a revisão, a equipe de qualidade interna da agência verificará o material revisado, fazendo uma segunda conferência em todos os pontos já verificados pelo revisor, utilizando também softwares específicos para verificações de padrão de qualidade em textos traduzidos.

Concluídas as etapas mencionadas acima, o texto é encaminhado para o setor de formatação, que converte o documento já pronto do formato usado na CAT Tool para o formato final solicitado pelo contratante da tradução, ou seja, *.pdf ou *.ppt, por exemplo. Quando necessário, como em casos de tradução de websites, há ainda a figura do proofreader, que fará uma última leitura do texto, porém já em seu formato final e diretamente no website, buscando por inconsistências terminológicas, além de erros de formatação que estejam visíveis somente nessa etapa do processo. Proofreading5 é “a terceira fase do trabalho. Primeiro se traduz, depois se revisa (cotejando original e tradução) e, por fim, quando o texto já está diagramado, faz-se a leitura de provas, verificando se algo menor, como a falta de um acento gráfico, uma divisão interlinear defeituosa, um hífen incorreto, passou despercebido em alguma das etapas anteriores”.

Feito tudo isso, o projeto de tradução estará pronto para ser entregue ao cliente. Grandes projetos de tradução, como um novo jogo de videogame, por exemplo, normalmente são traduzidos por uma equipe de tradutores trabalhando de forma simultânea, visando agilizar a produção e cumprir os prazos de entrega do texto final. Nesses casos, todos os tradutores passam a usar a mesma memória de tradução como base para manter os aproveitamentos e a consistência textual no projeto como um todo, visando não deixar marcas de estilo pessoal que possam tornar o resultado final inconsistente, inclusive em termos de estilo de escrita.

Obedecidas todas as etapas de um projeto, finaliza-se, então, o chamado backlog de trabalho da agência. Sendo assim, dá-se baixa no registro que mostra o acúmulo das requisições de trabalho a serem realizadas em um determinado período de tempo pela equipe da agência de traduções.

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Basicamente, as organizações prestadoras de serviços de tradução, ou simplesmente agências de tradução, funcionam da maneira descrita acima. Sendo assim, todos que trabalham nela atuam como operários alocados para atuar em um estágio da linha de produção de um produto final comum.

Tamanha subdivisão é notável quando se atua dentro de uma agência, porém os tradutores freelancers a veem ainda mais intensa. Isso porque, quase sempre, ao finalizarem sua etapa na linha produtiva, já são alocados em outro projeto, começando um novo ciclo, tendo pouco ou nenhum retorno (feedback) sobre as próximas etapas de produção daquele produto ao qual dedicaram seu tempo e conhecimentos para ajudar a produzir. Em decorrência desse formato com moldes industriais de produção e divisão de trabalho, gerando a sensação de produção fordista6, e também por experiência pessoal, passei a observar que o uso de CAT Tools deixou mais exposta esta forma de produção de projetos em série.

Toda essa contextualização sobre os motivos que me trouxeram até aqui permite entender a proposta desta pesquisa: o estudo das CAT Tools e, mais especificamente, as implicações do uso de memórias de tradução.

Buscando refletir sobre como as CAT Tools e, especialmente, como as memórias têm sido usadas na rotina do tradutor, este trabalho analisa situações cotidianas para discutir possíveis alternativas de uso que sejam plausíveis e realistas. Fazendo isso, pretendo propor perspectivas que permitam aliar os aspectos sobre o uso dessas correspondências que elenco como positivos aos aspectos que tocam os profissionais envolvidos e que valorizam as condições de trabalho, uma remuneração justa e um resultado final de qualidade para os consumidores de tradução.

Para tal, trabalharei de forma específica partindo de um percurso histórico, passando pelas opiniões expressas publicamente por agentes envolvidos de forma direta com o uso das CATs até chegar a exemplos fictícios criados considerando minha vivência profissional. As amostras apresentadas ao longo desse estudo foram formuladas a partir de experiências cotidianas de quem atua junto a agências de tradução e visam ilustrar com mais clareza o funcionamento prático das CATs. Portanto, partindo de três pontos de vista distintos e

6 O fordismo se baseia na produção em massa de produtos homogêneos, utilizando a tecnologia rígida da linha

de montagem, com máquinas especializadas e rotinas de trabalho padronizadas [...] Consegue-se uma maior produtividade através das economias de escala, assim como da desqualificação, intensificação e homogeneização do trabalho. Referência: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-64451991000200007&script=sci_arttext. Acesso em 07 de abril de 2019.

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dividindo o trabalho em três momentos: histórico, comercial e prático, pretendo triangular aspectos e visões distintos tendo como embasamento não somente minha própria experiência, mas também a fala de estudiosos da tradução e do comportamento humano e da conjuntura social.

Com isso, pretendo disponibilizar informações que mostrem aos leitores como as CATs surgiram, quais seriam os prováveis motivos para sua popularização e porque alguns espaços de atuação dos tradutores profissionais exigem o seu uso. Com as amostras, pretendo aproximar da reflexão proposta inclusive aqueles que não (ou ainda não) são usuários de CATs, além de mostrar que ampliar o debate considerando o ponto de vista dos envolvidos pode fortalecer a discussão e, espero iniciar mudanças. Por tais razões, considerei também trazer aqui informações sobre como as CATs são vendidas por seus desenvolvedores e usadas pelas agências de tradução. Além disso, considerei relevante trazer um recorte para ilustrar que além do comercial, há tradutores usando essas CATs e que eles também têm algo a dizer sobre elas7.

Este trabalho divide-se em três capítulos. No capítulo 1, é feita uma contextualização, com o objetivo de recuperar informações históricas sobre as pesquisas, as especulações e as tentativas feitas com o intuito de automatizar por completo o processo de tradução. Esse percurso histórico visa ilustrar como as CATs usadas hoje são uma espécie de meio-termo alcançado após a tecnologia dar sinais de que não seria a solução definitiva para os anseios daqueles que estavam ávidos por uma automatização absoluta. Embora não ela fosse a solução, era sabido que poderia contribuir bastante sendo uma aliada do ser humano e não o excluindo do processo.

Neste capítulo inicial foi usada a metodologia de pesquisa bibliográfica, recorrendo especialmente a autores que discutem aspectos da evolução das tecnologias em geral, como Michael Cronin (2003, 2013), passando pelas tecnologias de tradução automática, como Carolina Alfaro de Carvalho e Maria Carmelita Pádua Dias (1998), até chegar às memórias de tradução, abordadas por autores como José Ramón Biau Gil (2006) e Anthony Pym (2006).

No capítulo 2, são apresentadas análises de alguns websites de venda de CAT Tools, escolhidos devido à popularidade dos softwares dessas empresas desenvolvedoras entre os tradutores e agências brasileiros. Além disso, os websites selecionados trazem informações e

7 Por questões éticas, optei por trazer opiniões de tradutores não brasileiros, evitando expor colegas que, como

eu, atuam no mercado nacional. Pelos mesmos motivos, optei por não trazer exemplos de nenhuma agência de traduções nacional ou com a qual já tenha tido qualquer tipo de contato profissional.

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demonstrações sobre CATs com as quais tenho uma boa familiaridade, logo, posso fazer um contraponto mais detido unindo meus conhecimentos profissionais e os dados apresentados nas propagandas. Do mesmo modo, apresento também a análise de um blog escrito por um tradutor com o propósito de demonstrar os pontos positivos e negativos das CATs conforme a visão de um usuário delas. O objetivo dessa abordagem foi mostrar que há vários aspectos envolvidos no uso desse conjunto de ferramentas, as CATs, que é o enfoque principal nesse instante. Nesse capítulo, ainda opto por olhar esse software como um todo, não me detendo somente nas memórias de tradução.

A metodologia usada no capítulo foi de coleta e análise de informações públicas disponibilizadas em websites e blogs de agências de tradução, tradutores e empresas de desenvolvimento de CATs. Destacando os pontos que considero relevantes como trabalhadora, procuro analisar como são abordados os ditos benefícios das CATs no intuito de conquistar mais usuários. Busco também entender como as agências de tradução abordam o uso de CATs na publicidade de seu trabalho e como um colega tradutor se sente diante da necessidade de uso de CATs da forma como está comercialmente estabelecido hoje. Para isso, recorro a estudiosos do comportamento humano e da conjuntura social, como Karl Marx ([1867] 2012), e a sociólogos, como Manuel Castells (1999), para tecer uma análise mais coletiva, não voltada somente para a experiência de uma só pessoa. Neste ponto, sondo possíveis caminhos para que a integração entre o tradutor e a máquina possa novamente encontrar um meio-termo, assim como acontecera no passado.

No terceiro capítulo, proponho um aprofundamento sobre a função do arquivo e do ato de arquivar. Para convidar o leitor à reflexão, esse momento apresenta exemplos de situações corriqueiras que desafiam as promessas de automação sem a necessidade de revisão humana. A partir dessas demonstrações, o intuito é mostrar que, assim como ocorrera no início dos estudos para a criação da tradução automática, podemos estar apostando demais somente na tecnologia e deixando de considerar que o homem e a máquina trabalhando juntos pode ainda ser a melhor opção.

A metodologia usada neste capítulo foi a de produção de exemplos a partir de experiências pessoais em que situações como as relatadas foram motivo de discussões profissionais com agências na tentativa de encontrar soluções que garantissem a satisfação do cliente e a qualidade textual sem prejudicar o trabalhador nem a linha de produção na qual ele estava inserido. Nesse terceiro momento, proponho pensarmos as memórias e o arquivamento

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que elas promovem recorrendo especialmente a autores que discutem aspectos sobre a luta dos trabalhadores por uma remuneração justa e melhores condições de trabalho, como Karl Marx (2012), e filósofos como Jacques Derrida ([1995]2001, [1985]2006), que nos convida a uma reflexão sobre o arquivo e suas vicissitudes, dando subsídios para uma análise mais detida sobre os aspectos positivos e negativos que podem estar presentes em uma mesma ação.

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CAPÍTULO I

A tradução e a busca por novas tecnologias de auxílio ao trabalho do tradutor

1.1 Uma breve contextualização histórica da relação tradução-tecnologia e algumas reflexões

Aliar conhecimento linguístico à tecnologia existente e ter domínio dos mais variados tipos de ferramentas são situações que fazem parte da história da evolução humana; o que antes eram pedras e metais, hoje são a internet e a tecnologia da informação, por exemplo. Nesse trabalho, empregamos o termo “ferramenta” conforme definição do dicionário Aulete, ou seja, como conhecimento, habilidade, instrumento de que alguém se serve para trabalhar. Quando nos referimos à tradução, essas ferramentas fazem alusão a dicionários, glossários, canetas, papéis, dentre outros. Isso porque o uso de ferramentas auxiliares ao tradutor não é novidade. A tradução evoluiu aproveitando os mais variados artefatos já criados pela humanidade, desde o papiro até os modernos editores de texto e softwares que usam recursos como as memórias de tradução, e continua evoluindo conforme as demandas globais mudam.

Ainda em relação às ferramentas, cada uma, à sua época, possibilitou melhorias nas condições de produção das tarefas realizadas e o alcance dos objetivos que eram estabelecidos pela comunidade, fossem esses objetivos relacionados à rapidez de execução do trabalho, à qualidade do produto final ou à facilidade de produção, dentre tantas outras possibilidades. Logo, as demandas sociais sempre ditaram os rumos da evolução humana e a comunicação é parte fundamental nesse processo, ocorrendo em grande medida graças ao contato e à interação entre culturas.

Sendo a comunicação entre culturas (que inclui falantes de idiomas distintos) algo fundamental para a evolução da sociedade humana, o processo intermediário que permite que tal aproximação aconteça se torna igualmente fundamental. E traduzir é permitir comunicar, é aproximar culturas, aproximar épocas diferentes e povos distintos. Sendo assim, a história da humanidade está relacionada a um esforço permanente na tentativa de estabelecer comunicação entre os povos. E a nossa concepção atual de sociedade está bastante relacionada à variedade e à riqueza da comunicação humana, sendo esse o grande valor

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agregado pela classe trabalhadora dos tradutores à Aldeia Global, termo desenvolvido pelo filósofo canadense Herbert Marshall McLuhan (1964) para explicar a tendência de evolução do sistema midiático como elo entre os indivíduos em um mundo que ficava cada vez menor perante o efeito das novas tecnologias da comunicação.

Consequentemente, a comunicação humana, a história e o uso da tradução estão relacionados à história das interações entre as culturas do mundo. Essas aproximações culturais, em especial por meio dos produtos e serviços comercializados globalmente, são a principal característica da globalização e um dos grandes fatores potencializadores do crescimento da demanda por tradução ao longo dos séculos.

Assim como a impressão representou um avanço gigante no século XV com a invenção da prensa por Johannes Gutenberg, a máquina de escrever significou um ganho de tempo nos trabalhos ainda no século XIX. Já na segunda metade do século XX, os computadores foram os grandes responsáveis por uma profunda transformação na forma como uma parcela dos tradutores trabalha, envia e recebe arquivos, bem como tem acesso às ferramentas de consulta durante o seu trabalho. No entanto, isso também alterou a urgência inerente ao processo, com a exigência de textos traduzidos quase instantaneamente, notícias em tempo real e lançamentos mundiais de produtos.

Desta forma, a necessidade da existência de tradutores e serviços de tradução tem crescido vertiginosamente após a consolidação da Aldeia Global, do aumento exponencial da circulação de mercadorias pelo globo, além dos serviços e informações distribuídos pela rede mundial de computadores. A World Wide Web foi disponibilizada para o público em geral no início dos anos 1990, sendo hoje a grande responsável pela demanda e distribuição rápida, e em quantidades quase imensuráveis, de conteúdos a serem traduzidos nos diversos idiomas falados no mundo contemporâneo. No século XXI, ela está bastante pautada em conteúdo traduzido, sendo também muito usada pelos próprios tradutores como ferramenta auxiliar para suas pesquisas de trabalho.

Mesmo considerando que sempre houve ferramentas que auxiliassem o tradutor em seu ofício, hoje o uso de recursos tecnológicos se tornou mais latente e vem sofrendo transformações e aperfeiçoamentos constantes, mudando com mais rapidez o modo de trabalhar dos tradutores. Tudo isso graças às novas tecnologias da informática que têm surgido em maior número e com maior abrangência nessa era digital, em resposta à demanda

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por agilidade e eficiência8. Isso porque, no século XXI, a tradução de conteúdos técnicos e informativos passou a ser crucial para a manutenção da circulação dos mais diversos tipos de produtos e serviços entre as nações.

Historicamente, com o advento dos computadores e da era digital no século XX, a ideia de utilizar essas novas máquinas como ferramentas de auxílio ao trabalho do tradutor surgiu rapidamente.

Na década de 40, a tradução automática teria sido a primeira aplicação não numérica proposta para a nova área da ciência da computação. Ela ganhou um grande impulso com o início da Guerra Fria, sendo patrocinada pelos governos americano e inglês com o objetivo praticamente único de obter informações da inteligência soviética à distância e da maneira mais rápida possível (ALFARO e DIAS, 1998, p. 25).

O surgimento da internet, logo após a segunda Guerra Mundial, se confunde também com as tentativas de automação da tradução, ainda na década de 1940. Porém, as semelhanças aqui não são mera coincidência, pois diante das experiências e necessidades de compreensão e escrita em diversos idiomas, que foram explicitadas pelo conflito mundial, nasceu a ideia de uma rede de comunicação (a internet). Além disso, surgiu também a ideia de explorar a tecnologia para traduzir textos que pudessem ser interceptados e transmitidos aos aliados de forma compreensível. Essas ideias foram tomando forma em meio ao surgimento das pesquisas na área da cibernética e foram encabeçadas também por militares entusiasmados com a possibilidade do uso prático de sistemas de tradução automatizada (rápida, sem a necessidade de interferência humana) em contextos de guerra.

Em 1946, foi desenvolvido um computador denominado ENIAC (Electronic Numerical Integrator And Computer, Computador e Integrador Numérico Eletrônico), a pedido do exército dos Estados Unidos para seu laboratório de pesquisa balística. Ainda em 1949, um novo campo, chamado “tradução automática”, apareceu no Memorandum on Translation (1949), de Warren Weaver, e o primeiro pesquisador na área, o linguista austríaco Yehoshua Bar-Hillel, iniciou sua pesquisa no Massachusetts Institute of Technology (MIT), em 1951, organizando a primeira Conferência Internacional sobre Tradução Automática, em 1952. Hoje, ele é reconhecido por seu trabalho pioneiro com a tradução automática e a linguística formal.

8 O termo “eficiência” é empregado aqui como sinônimo de “eficácia”, “produtividade” e também conforme

definição do dicionário Aulete: “Qualidade ou capacidade (de alguém, um dispositivo, um método etc.) de ter um bom rendimento em tarefas ou trabalhos com um mínimo de dispêndio (de tempo, recursos, energia etc.)”.

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Os experimentos com a tradução automática se tornaram realidade em 1954, por meio do “Georgetown–IBM experiment”, que foi realizado graças à parceria entre linguistas da Georgetown University Institute of Languages and Linguistics e a International Business Machines Corporation (IBM)9 para o uso do “701 Computer”. Na ocasião, esse computador enorme foi usado para realizar a tradução automatizada de mais de 60 sentenças do russo para o inglês e tornou-se uma demonstração da possibilidade de geração de traduções de forma automática entre idiomas bastante distintos em plena Guerra Fria. Com um vocabulário restrito e textos cuidadosamente selecionados, as traduções produzidas pelo “701 Computer” se mostraram bastante compreensíveis, sendo esse o primeiro aplicativo não numérico feito para computadores. Consequentemente, o público em geral e os possíveis patrocinadores das pesquisas sobre tradução automática acreditaram, em um primeiro momento, que os sistemas automáticos alcançariam uma boa qualidade textual em um período relativamente curto de tempo.

Na década seguinte, a pesquisa e a ambição em torno da tradução automática aumentaram, considerando que o objetivo deveria ser alcançar o desenvolvimento de sistemas totalmente automáticos que produzissem traduções de alta qualidade e completamente automatizadas. Nesse âmbito, o uso de assistência humana seria somente um input provisório, pois a pesquisa visava alcançar métodos para a realização de traduções “perfeitas”. No entanto, a evolução em qualidade foi muito mais lenta do que o esperado, e o resultado “perfeito” não deu sinais de que aconteceria, ao menos não em um curto prazo.

Em meados da década de 1960, devido à baixa qualidade final das traduções totalmente automáticas propostas pelos sistemas desenvolvidos até então, os investimentos migraram para pesquisas que produzissem sistemas que unissem a tecnologia aos tradutores humanos.

De modo geral, partia-se da ideia de que seria fácil calçar o processo computacional em uma técnica humana aparentemente simples [NIRENBURG, 1987, apud ALFARO e DIAS, 1998]. Ambos os pressupostos estavam equivocados: nem a técnica de traduzir é simples nem a sua simulação em um sistema computacional é fácil (ALFARO e DIAS, 1998, p. 28).

9 A história completa desse experimento é relatada em:

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Considerando o cenário de busca por perfeição na automação das traduções, Martin Kay nos lembra de que as expectativas geradas em torno do processamento de linguagem natural acabaram criando uma sensação de que a tradução automática “não estava à altura dos desafios apresentados pela tecnologia” (KAY, 2005, p. 76). O ápice do descrédito com a tradução automática ocorreu em 1966, quando um comitê formado por patrocinadores americanos de pesquisa – o Comitê Consultivo em Processamento Automático de Linguagem (ALPAC) – considerou que a Tradução Automática havia falhado de acordo com seus próprios objetivos. Isso porque não havia sistemas totalmente automáticos de tradução de boa qualidade e parecia haver pouca perspectiva de que tais sistemas seriam desenvolvidos em curto prazo. Como resultado, houve uma diminuição significativa nos estudos e nas pesquisas envolvendo a tradução automática.

Segundo Cronin (2003), a partir da década de 1970, devido ao desenvolvimento da área da tecnologia da informação, a matéria-prima mais valorizada no mercado passou ser a informação. Alfaro e Dias (1998) completam que

Os anos 80 trouxeram vários fatores que revitalizaram o interesse pela tradução por máquina: a explosão da informatização, o desenvolvimento e estabelecimento de teorias no âmbito da linguística formal (principalmente a gramática gerativa) e de teorias com ênfase na investigação semântica e a criação da Comunidade Econômica Europeia. (ALFARO e DIAS, 1998, p. 32).

Com essa crescente na circulação de informações, com a intensificação do processo de globalização e o aumento do consumo em escala mundial, além do início da popularização da informática para usuários domésticos, a tradução passou a ter novamente papel de destaque no intercâmbio de conhecimentos e de produtos entre os povos. A rapidez na produção passou a ser uma das palavras de ordem dessa época e a informática era considerada como uma possibilidade de solução para todos os problemas humanos, o que justifica o ressurgimento do interesse pela tradução por máquina.

No entanto, por mais que tivéssemos evoluído desde as primeiras tentativas de tradução totalmente automática, ainda não havíamos alcançado um patamar de qualidade aceitável para boa parte dos tipos de textos testados até então. Sendo assim, a criação de um banco de dados que pudesse automatizar a tradução, excluindo a necessidade de dedicar tempo de trabalho a tudo o que fosse repetição no texto, surgiu como um meio-termo para o

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ganho em agilidade e a não perda em qualidade no trabalho, pois o aproveitamento agora era feito com base em traduções produzidas por humanos e somente replicadas por meio da tecnologia. Esse meio-termo que une traduções humanas à tecnologia dos softwares é chamado de memória de tradução.

Uma memória de tradução, como já dito na introdução, é um banco de dados que armazena segmentos de texto, em geral, caracterizados por trechos que vão desde a letra maiúscula inicial de um parágrafo até o primeiro ponto final. Esses segmentos, também chamados unidades de tradução, podem ser frases, parágrafos ou unidades textuais (cabeçalhos, títulos, uma lista de elementos, etc.) salvos nesse arquivo por já terem sido traduzidos por tradutores humanos em um momento anterior. Portanto, a memória guarda todos os fragmentos já traduzidos e que vão sendo incorporados a ela no intuito de aproveitar todo tipo de pesquisa já feito para compor traduções anteriores sobre o mesmo assunto, para o mesmo cliente, arquivando a totalidade do trabalho realizado para que ele possa ser reaproveitado no futuro quantas vezes forem necessárias.

Como já mencionado, as CATs fazem parte do dia a dia de trabalho de muitos tradutores e evoluem constantemente oferecendo cada vez mais recursos e facilidades de uso em busca de novos adeptos. E, embora elas sejam cada vez mais populares entre os tradutores e as agências de tradução, ainda há muita confusão acerca delas. As imprecisões começam pela nomenclatura usada já que CAT Tool é uma abreviação de Computer Assisted Translation Tools e essa denominação é a mais difundida, inclusive no Brasil. Porém, em países como Portugal é também possível vê-las sendo chamadas de “TACs”, mesma sigla usada na Espanha. Além disso, por trazerem o termo “tools”, é comum que se faça referência a elas usando “ferramenta” como sinônimo em português, o que pode defini-las como um “instrumento de trabalho”.

Na verdade, as CAT Tools são, em sua maioria, um software ou uma plataforma online que permite a edição de arquivos a serem traduzidos, fornecendo a interface em que o tradutor visualizará o texto-fonte e digitará sua tradução desse texto. Essa mesma interface permitirá a integração de um (ou mais) arquivo(s) de glossário e de um arquivo de memória de tradução, ambos para serem usados na interface da CAT enquanto o tradutor trabalha. O glossário é um arquivo independente podendo ser criado em formato de planilha do Microsoft Excel, por exemplo, e importado na CAT para consulta durante a tradução, auxiliando no gerenciamento de terminologia do projeto. Já a memória de tradução é um terceiro arquivo, também

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independente, porém criado dentro da CAT Tool, utilizado e atualizado durante todo o trabalho do tradutor na produção de seu texto.

Outra imprecisão recorrente quando mencionamos CAT Tools é associá-las à tradução automática, que pode ser definida conforme Fracassi, como

uma operação com programas que utilizam algoritmos para analisar a estrutura da frase (ou parte dela) no idioma fonte e as funções dos termos na frase. Esses programas dividem o texto em elementos que podem ser identificados pelos algoritmos e são convertidos (traduzidos) para outro idioma (idioma de destino) com o auxílio de dicionários e regras gramaticais. (FRACASSI, 2000).

A tradução automática é, portanto, feita pelo computador sem a interferência direta do tradutor, sendo empregados sistemas linguísticos baseados em regras para criar automaticamente uma tradução do segmento-fonte, além de técnicas de aprendizagem estatística, baseadas em textos fonte e destino, construindo um modelo de tradução10. No entanto, diferentemente da tradução automática, as CAT Tools não realizam o trabalho de tradução em si, sendo assim usadas como, de fato, um espaço que auxilia na tradução e revisão de documentos, facilitando a visualização e edição dos textos. Primeiramente, esta ferramenta segmenta automaticamente o texto de partida, organizando-o em um layout dividido por segmentos e, a partir daí, é feita a tradução. Porém, a automação para por aí, cabendo ao tradutor construir seu texto.

Mais uma imprecisão comum acerca das CATs é a confusão (de nomenclatura e de finalidade) entre o arquivo de tradução e o arquivo de memória de tradução. No instante em que um texto é inserido na CAT para ser traduzido – podendo estar em diversos formatos, como um PDF (*.pdf), uma planilha (*.xls), uma apresentação de slides (*.ppt) – é gerado um arquivo bicolunado para a tradução dele na extensão característica editável na CAT Tool escolhida para o trabalho, ou seja, *.mqxliff (no MemoQ11), *.sdlxliff (no SDL Trados Studio12), *.mxliff (no Memsource13), para citar alguns exemplos. O arquivo é gerado em duas colunas porque apresenta o texto de partida na primeira e a tradução é inserida na

10https://omegat.sourceforge.io/manual-latest/pt_BR/chapter.machine.translate.html. Acesso em 27 de março de

2019.

11https://www.memoq.com/en/. Acesso em 27 de março de 2019. 12https://www.sdltrados.com/. Acesso em 27 de março de 2019. 13https://www.memsource.com/. Acesso em 27 de março de 2019.

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segunda. Esse formato bicolunado é visto somente na interface da CAT Tool e visa facilitar a tradução e a revisão colocando o texto de partida e a tradução lado a lado. Esse arquivo é de uso exclusivo dos tradutores, revisores e demais profissionais envolvidos no processo de tradução, não chegando ao cliente final na maioria das vezes. Ao cliente final é geralmente enviado somente o arquivo no mesmo formato no qual ele fora recebido para tradução. Esse arquivo final é gerado na própria CAT Tool que tem como um de seus recursos exportar os arquivos já traduzidos em sua extensão inicial, mantendo inclusive a formatação original. Além disso, há ainda a possibilidade de exportar uma cópia na extensão lida pela CAT para fins de arquivamento ou uso posterior.

Além desses, há um segundo arquivo, também gerado e executado na CAT, porém com extensão diferente do primeiro, chamado arquivo de memória de tradução. Este arquivo, que funciona como uma espécie de banco de dados, leva outra extensão, por exemplo, *.mdb (no SDL Trados Studio), *.mtm (no MemoQ) e *.tmx (no Memsource), sendo independente do arquivo a ser traduzido, o que permite que ele seja reaproveitado em mais de um projeto e que seja atualizado, tornando-se maior e mais complexo a cada nova utilização.

Normalmente, as agências optam por criar e manter os arquivos de memória de tradução separados por temática, cliente ou produto, dependendo da especificidade de cada um deles. Essa prática torna as memórias bancos de dados mais confiáveis em termos de adequação de glossário, estilo e até contexto. No entanto, estes bancos raramente são subdivididos por tradutor, sendo comumente um espaço que reúne segmentos traduzidos por mais de um profissional desde a sua criação. Essa mistura de trabalhos normalmente é mediada por padronizações – como aquelas definidas nos guias de estilo – que buscam minimizar inconsistências e homogeneizar a forma de escrita dos profissionais que traduzirão usando a memória. Tal padronização é estabelecida na tentativa de tornar esse banco de dados algo comum, sem marcas de autoria ou de estilo individual do tradutor, que possam gerar inconsistências quando as memórias forem usadas em textos novos.

Um mesmo arquivo de memória de tradução pode ser utilizado e atualizado quantas vezes seus usuários desejarem e seu uso implica necessariamente salvar tudo que fora traduzido em formato bilíngue. Sendo assim, serão automaticamente salvos o texto no idioma de partida e sua tradução correspondente no idioma de chegada de acordo com os pares de idiomas determinados no momento da criação da memória. Os dados referentes à tradução serão organizados seguindo o mesmo padrão de segmentação que vemos na interface da CAT

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Tool, ou seja, divididos em frases, parágrafos ou unidades textuais. Essa divisão facilita os aproveitamentos de memória, pois os divide em pequenas partes, aumentando a probabilidade de surgirem, em novos textos, trechos semelhantes ou idênticos àqueles já salvos.

Quando há semelhanças entre os segmentos, elas são chamadas de matches, ou seja, correspondências. Esses matches podem ser totais ou parciais, sendo chamados de correspondência 100% (ou 100% match) e correspondência parcial (ou fuzzy match), respectivamente. A partir dessa classificação, feita automaticamente pela CAT Tool cruzando e comparando as informações contidas no arquivo para tradução e no arquivo da memória, a ferramenta indica se cada segmento identificado como contendo semelhanças entre a parte nova (texto do arquivo a ser traduzido) e a memória (termo usado também para designar aquilo que está salvo no arquivo de memória de tradução) pode ser considerado um 100% match ou um fuzzy match e reaproveitado para que o segmento não precise ser traduzido do zero (from the scratch).

Aplicando uma comparação estatística, a CAT Tool atribui uma porcentagem de semelhança entre parte nova e segmento de memória, estabelecendo se o fuzzy match encontrado é 99%, 85%, 70% etc. Essa classificação é feita para sinalizar a probabilidade de relevância para aproveitamento entre os conteúdos. Essa proporção também ajuda o tradutor a identificar se será necessário fazer poucas alterações naquele segmento ou se a sugestão da memória poderá ser aproveitada apenas parcialmente. Quanto maior o match, maior a semelhança entre os segmentos e maior a probabilidade de aproveitamento, exigindo pouca ou nenhuma alteração naquilo que fora automaticamente sugerido pela análise da CAT. Essa mesma divisão percentual será usada como base de cálculo para a remuneração do tradutor, considerando a quantidade de palavras que o profissional terá que editar em cada segmento. A forma como esse cálculo será feito é normalmente apresentada ao tradutor no momento em que o trabalho é combinado, sendo aplicada conforme aceitação de ambas as partes. Além disso, ao atuar em um projeto que contará com o uso de memórias de tradução, o tradutor em geral assina um termo de confidencialidade se comprometendo a não reutilizar tais memórias sem autorização prévia do cliente que detém sua propriedade.

O princípio dos sistemas que deram origem às CAT Tools, cuja característica principal é ter o recurso de memória de tradução, começou a ser pensando no final dos anos 1970. A ideia inicial desse tipo de sistema é comumente atribuída ao estudo "The Proper Place of Men and Machines in Language Translation", realizado por Martin Kay e divulgado em seu artigo

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(de mesmo nome) publicado em 1980. Nesse trabalho, Kay demonstrou uma visão sobre o que seria o sistema de armazenamento, sendo aplicada até hoje nos softwares de tradução que criam e utilizam as memórias:

Se o trecho de texto a ser traduzido não for algo totalmente direto, o tradutor pode começar emitindo um comando, fazendo assim com que o sistema exiba qualquer coisa que esteja armazenada e que possa ser relevante ali. Isso destacará as decisões tomadas antes de a tradução começar; palavras e frases estatisticamente significativas e um registro de algo que tenha atraído a sua atenção em uma ocorrência anterior. Antes de prosseguir, é possível examinar fragmentos de texto anteriores e posteriores que contenham material semelhante. (KAY, 1980, p. 06, Minha tradução14).15

Apesar de descrever possibilidades que acontecem normalmente durante o uso de memórias de tradução, talvez seu pioneirismo ainda não o permitisse observar que generalizações poderiam ser imprecisas ou simplistas demais diante das muitas possibilidades de uso desses arquivos. Quando fala em trechos que não são “algo totalmente direto”, Kay não deixa claro a que tipo de situação ele se refere. Porém, mais adiante, o autor menciona “qualquer coisa armazenada”, o que pode levar a crer que ele esteja, mesmo que de forma ainda rudimentar, tentando explicar as situações nas quais aparecem fuzzy matches e como eles podem ser um ponto de partida para a construção de uma nova frase traduzida. Partindo desse pressuposto, os trechos ditos como não sendo “algo totalmente direto” poderiam ser trechos que geram dúvidas durante sua tradução. Porém, se houver um fuzzy match para mostrar como algo semelhante àquilo fora traduzido anteriormente, o tradutor teria um ponto de partida no qual se apoiar para produzir o seu próprio texto.

Já ao falar em “qualquer coisa armazenada”, Kay pode estar reproduzindo uma antiga crença de que quanto maior a memória – ou seja, quanto mais dados há no arquivo – maior seria a sua utilidade. No entanto, isso não tende mais a acontecer hoje, pelo menos não de forma a armazenar “qualquer coisa”, pois o uso de memórias enormes, misturando diversos assuntos e produtos, por exemplo, pode ser problemático, já que um fuzzy match totalmente deslocado de contexto pode trazer sugestões equivocadas ao tradutor e induzi-lo ao erro.

14 Esta e as demais traduções ao longo do presente trabalho em que o original é apresentado em nota são de

minha responsabilidade.

15 If the piece of text to be translated next is anything but entirely straightforward, the translator might

start by issuing a command causing the system to display anything in the store that might be relevant to it. This will bring to his attention decisions he made before the actual translation started, statistically significant words and phrases, and a record of anything that had attracted attention when it occurred before. Before going on, he can examine past and future fragments of text that contain similar material.

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Ainda considerando o percurso histórico – que possibilitou a criação das CAT Tools e aprimorou a automatização por meio das memórias, combinando o armazenamento que a máquina proporciona à intervenção humana visando o auxílio ao tradutor e não uma tradução completamente automática – recordamos que na década de 1980 foram lançadas várias empresas ligadas às tecnologias de automatização da tradução, incluindo a Trados16 (1984). Em 1989, a Trados foi pioneira no desenvolvimento e comercialização da tecnologia de memória de tradução integrada ao seu software de auxílio à tradução, a sua CAT Tool também chamada Trados. Já o primeiro sistema comercial de tradução automática para russo/inglês/alemão-ucraniano foi desenvolvido na Universidade Estadual de Kharkov, em 199117.

Por terem nascido de forma quase paralela, as atuais tecnologias de tradução automática e de memórias de tradução são frequentemente confundidas ou consideradas como tendo a mesma função. No entanto, elas diferem bastante em termos de uso e aceitação por tradutores, agências de tradução e clientes em geral, sendo a primeira geralmente ainda mal vista ou considerada inferior em termos de qualidade. Já as memórias de tradução, integradas às CAT Tools, caíram nas graças de muitos contratantes de trabalhos de tradução além de muitos tradutores profissionais, adeptos às facilidades de layout, de aproveitamentos internos, ganho de tempo e ganho de produtividade.

No século XXI, em face da intensificação da globalização, do aumento sempre crescente da demanda por textos traduzidos e das práticas que visem sempre o ganho de tempo e a possibilidade de aceleração do processo produtivo, muitos dos que trabalham com tradução passaram a usar com frequência a facilidade de arquivar em formato eletrônico e reaproveitar isso em seu dia a dia.

Usando tudo que fora guardado durante toda e qualquer tradução feita anteriormente (pelos próprios tradutores ou por outros que trabalharam antes deles em projetos semelhantes), os envolvidos no processo de tradução passaram a ganhar tempo na produção e a obter maior padronização e consistência nos projetos. Tudo isso recorrendo aos reaproveitamentos como base para não precisar verificar trechos idênticos ao longo do texto, aproveitando também as buscas terminológicas e demais pesquisas anteriores para embasar os

16 https://www.sdltrados.com/about/history.html . O SDL Trados Studio é uma CAT Tool e um software de

memória de tradução que fornece recursos auxiliares à tradução sendo a pioneira a oferecer tais funcionalidades aos seus usuários. Acesso em 15 de setembro de 2018.

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novos trabalhos. Com isso, os usuários de memórias passaram a incorporar no novo texto tudo o que era 100% match ou fuzzy match. Porém, apesar de usarem extensivamente o arquivo, deixavam de refletir sobre as especificidades que envolvem todo esse aproveitamento, como a adequação dos matches ao novo contexto.

Essa prática de reaproveitamento se intensificou ainda mais conforme as CAT Tools foram sendo aprimoradas. Cheias de funcionalidades, buscando criar layouts atraentes e práticos para que o tradutor desenvolva o seu trabalho, essas ferramentas, se valendo das funcionalidades proporcionadas pela memória, visam (e vendem como seu diferencial) o referido ganho de tempo durante a tradução e a redução de retrabalho ou trabalho repetitivo (como digitação de repetições presentes no texto, números ou símbolos e marcadores de formatação). Além disso, as CATs mais modernas oferecem a possibilidade de maior controle sobre o volume de trabalho a ser realizado, mostrando dados estatísticos sobre cada projeto de tradução, gerados a partir de uma análise feita tendo como base a memória. Fazendo um cruzamento de informações entre o documento a ser traduzido e o conteúdo salvo na memória, os relatórios podem apontar qual é o real volume de trabalho no qual se espera que o tradutor atue, excluindo as chamadas entradas de memória, ou seja, o que já está salvo nela, dentre outros recursos.

Nesse contexto, as CAT Tools passaram a interferir diretamente no trabalho dentro das agências, passando a ser um recurso amplamente utilizado para definir o pagamento de cada tradutor de acordo com a demanda e com a produção estimada pela análise feita pela CAT Tool para cada projeto. Esse tipo de cálculo leva em conta apenas aquilo que supostamente o tradutor traduziu, sem considerar as repetições (sendo elas lidas ou não), vistas como aproveitamentos de algo anteriormente traduzido.

Diante da promessa de tantas vantagens, a entrada das CAT Tools no mercado gerou uma profunda transformação na forma de trabalho de muitos tradutores, iniciada a partir da junção da tradução e das tecnologias digitais. Portanto, as discussões sobre elas devem levar em conta a tecnologia como um fator determinante que, ao mesmo tempo em que fez a demanda por tradução e tradutores crescer exponencialmente, aumentando a oferta de trabalho, alterou a relação do tradutor com seu texto, com os prazos aos quais é submetido, com seus clientes/contratantes e com os valores que recebe.

Hoje, a mesma tecnologia que permite a circulação de mercadorias e informações de forma rápida e intensa pelo mundo, também é a responsável pelo desenvolvimento de CAT

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Tools cada vez mais precisas destinadas a facilitar e acelerar o trabalho do tradutor. No entanto, ela também pode ser um fator de controle do trabalho e dos ganhos desses profissionais, de limitação da liberdade criativa de quem traduz e de demandas de produtividade que podem equiparar o trabalho do tradutor a um trabalho em linha de produção.

1.2 A evolução da tecnologia voltada à tradução e a nova face do mercado consumidor de traduções

Corroborando com Michael Cronin (2003), que afirma que a tecnologia não tem um papel somente auxiliar ao trabalho do tradutor, em 2006, José Ramón Biau Gil e Anthony Pym destacaram a importância das ferramentas de auxílio ao trabalho dos tradutores, afirmando que

A tecnologia não é mais uma opção no mundo profissional [...]; ela é uma necessidade. Há alguns anos, falava-se em Tradução Assistida por Computador (CAT). Hoje, isso parece uma redundância. Praticamente toda tradução é auxiliada por computadores. (GIL e PYM, 2006, p. 15).

Nessa mesma esteira, Daniel Argolo Estill (2017, p. 09) afirma que "as tecnologias específicas da tradução, como os sistemas baseados em memórias de tradução e a tradução automática, [são] um delimitador histórico para o novo lugar social da tradução". Portanto, para atender às novas demandas por excelência na qualidade, seguimento estrito das exigências de cada cliente e rapidez na entrega – algo que hoje tomou proporções industriais no mercado globalizado – o tradutor precisa de recursos que o tornem mais competitivo e eficiente diante da nova realidade da profissão, além das exigências do mercado consumidor desse trabalho.

Para quem, assim como eu, atua usando CAT Tools e fuzzies de memória conforme a solicitação dos clientes, é notável que as técnicas de aproveitamento e controle de trabalho – popularizadas por CATs como o Trados e mais recentemente pelas plataformas online de

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