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Aikido: a busca da verdade Por Rodrigo Mesquita (Dissertação para exame de Nidan)

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Academic year: 2021

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Aikido: a busca da verdade

Por Rodrigo Mesquita (Dissertação para exame de Nidan)

O Nidai Doshu, Kisshomaru Ueshiba Sensei, nos disse que de todas as artes marciais o Aikido talvez fosse a mais rígida, pois focalizava-se na busca da verdade. Para mim, isto define muito bem o Aikido. Mas, o que é a verdade? E como uma prática marcial pode conduzir uma pessoa à verdade?

Em muitas correntes esotéricas, filosóficas e místicas a verdade é considerada a realidade última, o Imanifesto, às vezes chamado de Deus. De forma geral e sintética, muitos desses conhecimentos se reafirmam: o Um gerou o Dois, o Dois gerou o Três, e daí por diante. A Unidade Transcendente manifestou-se de forma dual, e esse é um pilar da criação. Gosto de pensar que o estudo profundo do Aiki é o estudo da dualidade, e sua compreensão completa torna aquele que a possui realizador em potencial de todas as coisas. Especulo ainda, que aquele que atinge o âmago do binário, compreende (ou começa a compreender) a Unidade, uma vez que In e Yo são dois lados de uma mesma moeda; e a essência do binário é a unidade.

Agora, como uma simples pessoa pode atingir essa Unidade Transcendental através dessa prática marcial? Bom, vamos esboçar uma tentativa de resposta para essa pergunta... Um dos lemas do Aikido condensados por Ueno Sensei é "Conscientizar-se de que o Aikido é um dos caminhos que levam à Deus". É difícil para nós, ocidentais, imaginar como uma prática marcial pode conduzir uma pessoa à Deus, ou seja, à realidade última. Comecemos pela frase gravada no Oráculo de Delfos: "(...) homem, conhece a ti mesmo e conhecerás os Deuses e o Universo". Em seguida temos outro lema de Ueno Sensei: "Conscientizar-se de que a prática do Aikido tem por princípio o auto-conhecimento". Sabemos também que a maioria dos sistemas/práticas que tem por foco a evolução espiritual do ser humano, são inteiramente, ou parcialmente, baseados no auto-conhecimento. Começamos a divisar então, que no Aikido, a porta de entrada para este caminho que leva à Deus é o auto-conhecimento, embora, saliento, isto seja só a ponta do iceberg. A partir daí, vamos começar a montagem desse quebra-cabeças.

É bem sabido que o treino de Aikido, se conduzido de forma apropriada, aumenta exponencialmente a intuição e outras capacidades latentes do praticante, permitindo o desenvolvimento interno do mesmo de forma vasta e ininterrupta, concedendo-o, assim, ferramentas indispensáveis na busca da verdade. Quando atinge a faixa preta, o praticante deve começar a utilizar essas capacidades para trabalhar seu próprio desenvolvimento no caminho, percebendo, com esse auxílio e o direcionamento que o Sensei lhe dá, seus erros e acertos, e se auto-aperfeiçoando a partir daí. Agora, o que viria a ser essa "forma apropriada" de treinar Aikido? O O-Sensei nos diz que ao praticar devemos analisar o que estamos fazendo. Wagner Sensei diz que é necessário treinar buscando se conscientizar dos princípios e razões que fizeram com que aqueles exercícios e técnicas fossem criados. E estes são apenas alguns dos indicativos a seguir. Segue um excerto do O-Sensei sobre a forma apropriada de se praticar:

"O Aikido é um caminho para a verdade e seu treino deveria ser entendido como tendo o objetivo de encontrar a verdade. Na disciplina do Aikido, quando você treina arduamente, pratica sabiamente e analisa o que está fazendo, o Kami Waza surgirá.

No Aikido, quando você treina da maneira descrita a seguir, seu corpo absorverá o poder da verdade imutável:

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1.Treine para harmonizar sua mente com os movimentos do Universo;
 2.Treine para harmonizar seu corpo com os movimentos do Universo;


3.Treine para harmonizar seu Ki, que une mente e corpo, com os movimentos do Universo.


Somente aqueles que são capazes de treinar nesses três modos ao mesmo tempo, não na teoria, mas no dojo e em sua vida diária, podem ser chamados de praticantes de Aikido.

(...) Treinar o corpo requer primeiramente que a pessoa trabalhe e prepare tanto a mente como a alma de modo completo. Em seguida, ela deve polir, ou limpar, e purificar a vitalidade do Nen (sentido ou sentimento) e finalmente unir o corpo e a mente. Desse modo, cria uma base da qual pode surgir infinitas Waza (técnicas).

(...)Preferencialmente, o Nen encontra sua raiz na conexão apropriada do Ki da pessoa com o Ki do Universo, e cresce a partir daí. Nesse nível, o Nen dá origem a poderes mais que naturais. Como resultado, a pessoa adquire o poder de perceber claramente o menor movimento de seu oponente. Esse é o estado de Meikyo Shisui (uma mente clara que reflete como as águas calmas)."

Doravante, percebemos que a simples repetição das técnicas, e a simples freqüência ao treino, mesmo durante anos, não são suficientes para progredir corretamente no caminho. Claro, há sempre que se considerar que cada um tem seus motivos para treinar, embora isso me pareça, a priori, mais um subterfúgio, pois, se alguém não conhece algo e decide que quer aprender esse algo, mas utilizando apenas uma parte que julga saber ser o melhor para si - considerando ainda que essa pessoa muito provavelmente não conhece nem a si de forma razoável - isso me parece um simples caso de arrogância e impertinência. Por isso acredito que a postura daquele que busca é ser totalmente receptivo, sem "mas" nem "porém". Quem não sabe, e quer saber, não pode se arrogar o luxo de dar palpites em "como" virá a saber. Por isso a escolha de um bom mestre, a quem se possa confiar sua própria vida, é fundamental.

O Universo dotou o ser humano com diversas capacidades; se utilizamos e estimulamos apenas algumas delas, isso será um verdadeiro desperdício. Claro, não há dúvidas de que a intuição tem papel fundamental no desenvolvimento do praticante Yudansha, mas, também o têm a reflexão, e em menor grau, o raciocínio. Alguém disse uma vez "(...) é necessário conjugar o rigor do raciocínio com a intuição e a inspiração." É nossa mente objetiva, fazendo uso da lógica e do raciocínio, que é capaz de duvidar, equacionar, fundamentar, investigar aquilo que estamos fazendo. Um praticante que não tem dúvidas sobre sua própria técnica, que não se coloca em cheque, pára de evoluir. É necessário ter um sincero e ardente desejo de evoluir, de aprender tudo quanto seja possível, testar as mais variadas formas de uma mesma técnica e avaliar paulatinamente cada uma delas para conhecer seus pontos fortes e fracos. Repetir, repetir, repetir, até à exaustão. Não há que se confundir essa postura com insegurança, algo que do nível de Shodan para cima, tende a ir diminuindo com o progresso do praticante. Hoje em dia é comum as pessoas terem em alta conta suas próprias idéias e conceitos - inclusive sobre si mesmas - de forma que os defendem com "unhas e dentes", não pela verdade que possa haver nestes, mas por uma pura questão de ego. Uma pessoa razoavelmente madura deve ser capaz de abrir mão de suas próprias idéias quando percebe que existem idéias mais bem fundamentadas ou que correspondam melhor à verdade. Da mesma forma, é necessário pensar sobre nossa execução técnica e evolução no caminho com sinceridade, o que

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podemos melhorar, como podemos melhorar, o que está ficando razoavelmente bom, o que está ruim, por que está ruim, etc. Obviamente as coisas começam no nível físico, mas se expandem ao psicológico e emocional, e muitas vezes falhas cruciais que impedem uma execução e prática perfeitas (ou mais próximas à isso) têm sua origem nestes campos. Há ainda que se investigar e estudar cuidadosamente a literatura - que graças ao Sensei Wagner é bastante extensa em nossa língua - pois sem conhecer a origem do Aikido, a vida do Fundador, os princípios e origens por detrás de toda execução técnica, para apenas falar no básico, fica impossível se chegar a algum lugar. Bom, essas capacidades mentais, por estarem ligadas à mente objetiva e aos sentidos físicos, têm grande propensão ao erro, ao sofisma, embora, ao meu ver, não seja o erro/acerto por detrás delas o que verdadeiramente importe, e sim o simples fato de utilizá-las para auto-investigação, para o auto-conhecimento de que nos fala Ueno Sensei.

A consequência do exercício dessas capacidades da mente objetiva, de certa forma, é a reflexão. Reflexão é o movimento de volta sobre si mesmo, ou movimento de retorno a si mesmo. O praticante tem de ter a capacidade de refletir, ou, se não a tiver, ela deve ser estimulada pelo seu Sensei. Alguns encaram a reflexão como função da mente objetiva, outros, porém, a percebem de forma intermediária entre a mente objetiva e o inconsciente. Uma boa reflexão, ou até mesmo uma autêntica reflexão, ocorre quando focamos nossa atenção em algo em particular, mas ao invés de ativarmos a mente objetiva e suas funções, a relaxamos e entramos num estado de atenção sem tensão, atentos para qualquer canto de onde possam advir as respostas que buscamos, seja da inspiração, da intuição, ou do aparente "acaso" que permeia todo o Universo, e que, para aqueles em constante estado de atenção, são nada além da Providência. A reflexão, ao contrário do raciocínio, nos traz clareza, nos faz ver as coisas de forma mais real, como elas realmente são.

A inspiração é, assim como o ato de captar o ar que nos rodeia para dentro de nós, trazer algo de fora para dentro. Esse algo pode ser uma emoção, um pensamento, uma energia, etc. Digamos, por exemplo, quando uma pessoa se sintoniza com um Kami em específico, com uma força, ela está inspirada por essa força, e age com a influência dela. O praticante deve sempre procurar inspiração na natureza e no Universo, buscando o estado de união com todas as coisas de que nos fala o O-Sensei.

Já a intuição é o tão falado sexto sentido, que advém da conjugação da naturalidade, do relaxamento e da atenção. À bem da verdade, a intuição está sempre lá, mas devido à má educação que temos em nossas vidas diárias, somos forçados a não lhe dar atenção, e com o tempo deixamos de percebê-la. É preciso ser natural, ou seja, seguir e deixar a natureza seguir seu curso natural, evitando o atrito, buscando agir conforme a água, sempre abraçando e se adequando à todas as coisas sem lhes oferecer resistência. Para ser natural, é necessário estar relaxado; esse relaxamento, na verdade, está intrinsecamente ligado ao estado de naturalidade. Para captar as "ondas" de intuição que temos é necessário a atenção. Devido a nossa má postura mental, rechaçamos qualquer intuição que nos chegue, e se acaso a percebemos, encaramos-na como um pensamento tolo, fora de lugar, ou improvável. A mente objetiva tenta abafar a intuição. Somente quando aquela intuição se confirma pelo desenrolar dos fatos é que de imediato retrucamos: "nossa, acabei de pensar isso!"

Todos esses pilares são fundamentais para uma forma apropriada de treinar Aikido. O raciocínio, a reflexão, a intuição e a inspiração. Agora, partindo da idéia de que estamos praticando de forma apropriada o Aikido, ou seja, como o Fundador preconizou e idealizou este Budo, conseguimos aos poucos fortalecer essas capacidades, para em seguida

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utilizá-las em nosso próprio benefício, no nosso desenvolvimento no caminho. A partir daí a capacidade de auto-introspecção do praticante começa a fluir, e ele deve começar a exercitar o que chamamos de Naikan, a percepção interior. Naikan é olhar para dentro, procurar perceber nossos mecanismos internos, como funcionamos em um nível mais profundo. Esse é o começo de um verdadeiro auto-conhecimento. Conhecer as molas e engrenagens internas que movem nossas ações no dia-a-dia, de onde surgem nossas emoções, onde estão ancorados nossos pensamentos, etc. Este é o ponto da leitura, da percepção e refinamento da atenção. O passo seguinte é o trabalho sobre si mesmo. O praticante deve prosseguir com a "limpeza" e correção. Este é o ponto do Mitama Migaki e Chitsujo Migaki, o polimento do espírito e o polimento da nossa percepção quanto à verdadeira ordem natural das coisas. Este é um ponto extremamente delicado, pois o praticante que se aventura de forma despreparada aqui poderá incorrer em erros que acarretarão grave dano para si mesmo. Faz-se indispensável a condução e acompanhamento do mestre neste passo, uma pessoa que já chegou neste ponto e que está familiarizado com ele, sendo capaz de guiar de forma segura o praticante no caminho. Muitas vezes o aluno não compreende o comportamento do Sensei para com ele, porém, este sabe com precisão como trabalhar o ego de seu aluno.

O resultado do início deste trabalho é o desembaraçamento mental. O praticante enfim começa, aos poucos, a se libertar dos grilhões do ego, e vai se encaminhando para a Unidade. A harmonia começa enfim a se manifestar não apenas em sua técnica, mas em toda a sua vida. Uma coordenação altamente desenvolvida aparece como resultado direto  dessa harmonia, coordenação que abrange não somente o físico, mas o emocional e o psicológico, além do aperfeiçoamento da conjunção dos três. Este trabalho interno unido à prática constante, árdua e disciplinada leva ao equilíbrio dos corpos físico, emocional, mental e espiritual, como disse O-Sensei: "Ki no Myoyo (o uso elevado do Ki)

permite que os indivíduos harmonizem seu corpo e mente, assim como permite que alcancem a harmonia com o Universo mais amplo." Então, principiamos pela prática das

técnicas, que em si encerram princípios e mecanismos da verdade, e que embora possamos ignorá-los e desconhecê-los, ainda assim surtem seus devidos efeitos - embora seja indubitável que se conhecermos a realidade por detrás destes princípios e mecanismos, sua prática seja infinitamente superior em termos de benefício para o praticante. Essa prática desperta nossa sensibilidade interna, ao mesmo tempo que pacifica, equilibra e "alinha" nossos corpos, conduzindo-nos assim ao auto-conhecimento. Avançando com o auto-conhecimento, nos direcionamos à unidade de nosso próprio ser. Uma vez em unidade, ligamo-nos ao centro Universal, e começamos a reverberar com todo o Universo, e aí, em minha opinião, deve principiar a compreensão da Unidade. A partir disso, o caminho segue na dimensão espiritual.

O Aikido é um caminho tão vasto quanto o é a capacidade de desenvolvimento do ser humano. Sabemos por muitas histórias e exemplos do quão baixo e do quão alto o ser humano pode alcançar no curso de uma vida. O Kaiso foi, até agora, a pessoa a atingir o mais alto grau de desenvolvimento neste caminho, mas, como ele mesmo disse, não foi ele quem criou o Aikido, ele apenas nos apresentou-o. Como disse antes, conhecer tamanha dádiva e não realizá-la em todo o seu potencial (ou pelo menos se esforçar com esse intuito), seria um grande desperdício, uma pérola atirada ao lixo.

Agradecimentos

Gratidão devemos à tudo e à todos, mas gostaria de, nominalmente, agradecer: ao Sensei Wagner Bull, por ter empenhado sua vida para que hoje pudéssemos conhecer praticamente tudo o que se há para saber sobre Aikido, com a fundação do Instituto

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Takemussu, a criação da Confederação Brasileira de Aikido, tradução de todos os trabalhos importantes sobre Aikido, bem como pela autoria dos seus trabalhos literários, em principal o "Aikido: o caminho da sabedoria", a bíblia de cabeceira dos aikidoka brasileiros, além de todo ensinamento que nos dispensa pessoalmente. Domo arigato gozaimasu, Sensei.

Aos Shidoin Alexandre Bull, Márcio Miura, Tamotsu Kubo, Roberto Matsuda, Osmar Batista, Constantino Delis, e o Fukushidoin Edgar Bull, meu sincero agradecimento por todo o conhecimento que partilharam comigo, pelo que estarei sempre em dívida com vocês! Obrigado por serem o exemplo que são para os mais novos! Aos demais instrutores e colegas do Instituto com quem já tive a oportunidade de aprender, em especial ao Marcus Ucci, Claudineis Bezerra, Sidney Coldibelli, Wilson Umebala, Ademar Montenegro, domo arigato gozaimashita!

   

Por último, mas tão importante quanto os primeiros, um sincero obrigado aos meus colegas de treino, sem os quais não poderia evoluir no caminho: Henrique Catelli, Eduardo Barreto, Marcos Brito, Gabriela Zaidan, Henrique Serra e Moisés Santana! Que possamos continuar trilhando esse caminho lado a lado, com muito shugyo ainda por vir!!! Em especial gostaria de agradecer à minha esposa, Ísis Mesquita, pelos sacrifícios e por toda dedicação à minha pessoa e ao nosso Dojo, sem os quais eu não poderia dispensar toda a atenção que gostaria ao Aikido e ao Naikan Dojo. Domo arigato gozaimashita!

Referências

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