Famílias
não dão
corpos
à
ciência
Ocorpo de Badaró foi entregue
àFaculdade de Ciências
Médi-casparaestudo.
A
maioria dasfamílias não entrega corpos. Portugal, pág.11
Estudo.
Badaró
quis que
oseu corpo fosse entregue
àciência,
desejo que
ofilho
fez questão
de
cumprir.
Os
responsáveis
pelas faculdades
de Medicina
contam
que nem
sempre
éassim
eapelam
aos
familiares
para colaborarem.
Mas quem preside
eorganiza
osfunerais
diz
que
há
sinais
de
mudança
Famílias
não
respeitam
doações de
corpos
em
vida
Ohumorista, que morreu sábado, doou ocorpo para estudos científicos
|
sI
Corpo de Badaró
na
Faculdade de Ciências
Médicas
CÉU NEVES
Ohumorista ecomediante Badaró doou oseu
cor-popara aciência, umdesejo manifestado em vida equeofilho, Ruben Badaró, cumpriu nasua mor-te. Ontem houve missa de corpo presente e o
cor-po seguiu directamente paraaFaculdade de Ciên-cias Médicas da Universidade Nova de Lisboa. "É
agenerosidade desta família" que permite queos futuros médicos possam estudar ocorpo humano, aplaudem os professores. Mas isso raramente acontece, lamenta opresidente da Faculdade de Medicina da Universidade doPorto (FMUP),
sa-lientando que há muito mais doações do queos ca-dáveres entregues.
"É um problema básico danossa sociedade. Há uma certa relutância em doar ocorpo e,quando isso acontece, aparece depois afamília a impedi-lo", diz Agostinho Marques, opresidente daFMUP. Até porque senãofor afamília ainformar as
institui-ções, nãoháforma de saberem queapessoa
mor-reu.
Asituação chegou aum ponto queopresidente
doInstituto deAnatomia daFMUP, Manuel
Bar-bosa, apelou há um anoao"filantropismo dos por-tugueses". Isto porque as"aulas deanatomia e a
in-vestigação médica com recurso àdissecção
ca-dáveres humanos" estavam "seriamente
com-prometidas."
Agostinho Marques diz que a situação não
mu-dou desde então, acrescentando que nãosão ape-nasosestabelecimentos deensino superior portu-guesesateresteproblema.Eaconsequênciaéque,
cada vez mais, asfaculdades deMedicina recorrem
abonecos. "Mas nãoéa mesma coisa", refere, jus-tificando: "Émuito importante para alguém que vemdo12.eano estar em contacto com ocadáver, nãosócomo material deensino edeinvestigação,
mastambém como processo educativo porque o confronta com amorte eisso éfundamental paraa
prática clínica."
Ocorpo de Badaró jáestánaFaculdade de
Ciên-cias Médicas. E, tanto quando oDN apurou, não foi caso único noúltimo mês,embora nãotenha sido possível saber seestão areceber mais cadáveres.
Os responsáveis pelo departamento de Anato-miadaquela faculdade remeteram oDNparao
si-te com informação sobre otema. Entre esta há um alerta paraofacto das "instituições deensino
mé-dicoseverem confrontadas comum claro défice de cadáveres, para muitos efeitos indiscutivelmente insubstituíveis, não chegando aatingirem, em
al-gumas, amédia deumcadáver porano".
Razões religiosas eculturais impedem queas
doações seconcretizem eque outras venham a rea-lizar-se, segundo osclínicos. Umasituação que oD.
Januário Torgal diz quetem tendência aalterar-se, dando oexemplo dacremação, vista com "indigni-dade há dezanos".
E
salienta: "Vejo cada vezmais pessoas adoarem osórgãos eocorpo. AIgreja nãotem nadaa opor, pelocontrário, louva ogesto de
ge-nerosidade ede solidariedade. Desde que, claro,
não sejafeito comointuito decomercialização ou para práticas bárbaras."
Ecomo équereagemasfamílias? "Deinício mal,
masasgentes simples ehumildes são asquereagem melhor após umaexplicação. Osfidalgos de
Poucos
assistiram
à
missa
Oscolegas de profis-são eamigos
desco-nheciam
queohumo-rista tivesse entregue
ocorpo àciência, mas
ogesto nãoos
sur-preende. "Condiz
muito com ele, era
uma pessoa
genero-sae muito mais culta doque se
pensa-va.Sabia quetinha uma doença terminal e deu ocorpo. Éum
gesto muito altruísta e
quetem tudo aver com ele", conta a
actriz AlinaVaz. Mas
acaba por reconhecer
que, se tivesse havido
funeral, talvez fosse a
essaúltima
homena-gem.Assim, nem sequer foi àmissa,
sente quenão éa
mesma coisa.
Também Raul Solnado faltou, atéporque se
encontra longe de Lisboa. Badaró teve apenas alguns
familia-res,amigos e curiosos
nadespedida.
INVESTIGAÇÃO
Uma família pediu oacondicionamentoMÉDICA
deADN para estudar doença raraUma família pediu ajuda à agência funerária para acondicionar oADNdo
falecido deforma a que, nofuturo, fossem estu-dadas asrazões dasua morte. Isto na esperan-ça de que a investigação venha aencontrar mais respostas. Éum
exem-plo que dá Paulo Carrei-ra, director comercial daagência Servilusa,
para explicar quetem sentido uma maior sen-sibilidade para as
doa-ções paraaciência.
Ti-vemos uma meia dúziadecorpos doados no úl-timo ano", diz,
salien-tando que as famílias
"têm um respeito muito grande por aquilo queo
falecido pede emvida".
Edáoexemplo das cre-mações, mesmo quan-doosfamiliares não concordam. Aagência faz 550Ofunerárais por ano, 5,5% do mercado.
P&R
Como é que se pode doar o corpo? Adoaçãoexigeadeclaração escrita da pessoa emcomo o seucadáver pode
serutilizado para fins de ensino e
in-vestigação. Éodecreto-lei n 247/99,9
de22de Julho, queregula a "disseca-ção de cadáveres ou departe deles, de cidadãos nacionais, apátridas ou es-trangeiros residentes em Portugal, bemcomo a extracção de peças, teci-dos ou órgãos".
Como éque sefaz adoação?
Basta preencher omodelo de declara-ção nos institutos de anatomia das
fa-culdades edar dela conhecimento a quemavise oinstituto quando do fale-cimento. Háfaculdades quefazem um pré-registo naInternet
A
declaraçãoérevogável.
Éiguala doação de órgãos? Não, aqui funciona oprincípio inver-so,ouseja,não é necessária a autoriza-ção prévia. Quem nãoquiser doar os
órgãos deveinscrever-se noRegisto
Nacional deNãoDadores.
Quem temlegitimidade para recla-maro corpo do falecido?
O testamento. Ocônjuge ou apessoa que viva em união de facto, os
ascen-dentes, descendentes, adoptantes,
adoptados ou parentes atéo3.Q
grau. Não há velórios nestes casos? Hávelório, etambém missa, sea famí-liaoentender. Oque nãoháéfuneral.
E
oscorpos não levam preparaçãopa-ra melhopa-rapa-raaparência.
Oqueéque acontece aos restos mortais findos os estudos?
Devem ser cremados ouinumados (enterrados), "nos termos dalei, pela entidade que procedeuàrespectiva de
dissecação ou extracção".
Que garantias dão as faculdades?
As instituições garantem a"máxima
consideração pela dignidade pessoal esocial do falecido edos seus
familia-res".
A
Faculdade deCiênciasMédi-cas, por exemplo, celebra todos os
anos uma missa pelas cadáveres que dissecam paraestudo.
Há quantos anos usam cadáveres nas aulas de medicina ?
Adissecação de corpos éuma prática
dehámaisde30anosemPortugaL Era feitaemcadáveres de sem-abrigoecu-jos corpos nãoeram reclamados, oque deixou de acontecer comalei de99.Na primeirametade doséculo
XX,afacul-dade do Porto tinha umamédia de 130 corpos porano, passando a200na
se-gunda década. EmLisboa,amédia era de325cadáveres, números queforam descendo, até serem 20 porfaculdade
em1977.Entre 1996 e2000,o Institu-todoPorto não recebeu corpos. 1