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Academic year: 2021

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Telicidade e Degree Achievements

Renato Miguel Basso(UNICAMP) Rodolfo Ilari(UNICAMP)

ABSTRACT: This paper aims at a more refined characterization of the verbal class known as "degree

achievements", in Brazilian Portuguese. Some approaches to those predicates, available in the literature are also evaluated.

KEYWORDS: degree achievements; telicity; durativity; actionality; verbal aspect

1. Introdução

A classificação de predicados de Vendler (1967) distingue, através de testes de compatibilidade morfo-sintática com adjuntos e através da possibilidade de certos acarretamentos, quatro classes de verbos, a saber: achievements, accomplishments, atividades e estativos.

Essa classificação não é, e não tinha a pretensão de ser, exaustiva. Assim sendo, novas classes de verbos, mais precisamente classes acionais, podem ser “descobertas” seguindo os mesmos critérios, a saber, “classes which exhibit a distinct and prominent behaviour w.r.t. elements (such as temporal adverbials) which are also relevant to the definition of tense-aspect categories” (Bertinetto e Squartini (1995)). Segundo os mesmos autores, “althought the ultimate domain of actionality is semantics, the licensing criterion is syntactic compatibility” (ibid.).

O objetivo deste trabalho é justamente buscar uma caracterização mais pormenorizada de uma classe acional que não encontra lugar na classificação de Vendler; trata-se da classe batizada por Dowty (1979) de “degree achievements”, doravante DA1.

Para proceder a tal caracterização, apresentaremos uma caracterização rápida dos DAs na seção 2, para na seção 3 compará-los com os accomplishments, com os achievements e com as atividades, diferenciando-os dessas duas classes.

Na seção 4, apresentamos algumas abordagens que visam a caracterizar os DAs: Dowty (1979), Bertinetto e Squartini (1995), e Hay (1998), Hay, Kennedy e Levin (1999) e Kennedy e Levin (2002). Por fim, na seção 5 será discutido o caráter télico e o durativo dos DAs.

2. Degree Achievements

Os DAs podem ser caracterizados como predicados que veiculam eventos que envolvem a aproximação gradual a uma meta. Vejamos alguns exemplos:

(1) João está engordando / engorda a olhos vistos. (2) Maria está alargando o buraco.

(3) Pedro está envelhecendo / ficando mais velho.

Assim, (1) significa que a cada dia João engorda alguns gramas ou quilos, em relação ao dia anterior. Na sentença (2), Maria pode alargar indefinidamente o buraco e pode fazer isso inúmeras vezes, sem nunca

1

Muitos autores ainda usam o termo “degree achievement” por razões “históricas”. Contudo, muitos outros autores já propuseram termos diferentes para nomear essa classe, visto que, se ela tem alguma relação com outra classe vendleriana não é apenas com os achievements, mas também com os

accomplishments e com as atividades. Entre os termos propostos há “incrementais”, Bertinetto (1986), e

“Ø-bounded”, por Declerck (1979).

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atingir um limite2. Para a sentença (3), temos que Pedro é mais velho num instante t, em relação a um instante anterior t-1, e essa dinâmica vai continuar ocorrendo enquanto Pedro viver.

Um exemplo que ilustra a aproximação gradual a uma meta é (4):

(4) O nível da água subiu. (5) O nível da água está alto. (6) O nível da água está mais alto.

Nesses exemplos, nota-se que (4) acarreta (6), mas não (5), como a sentença abaixo demonstra:

(7) O nível da água subiu, mas ainda não está alto.

Ou seja, o nível da água subiu, mas não subiu o tanto necessário para que consideremos que ele esteja alto.

Uma outra característica dos DAs é que eles são, em sua grande maioria, derivados de adjetivos, como velho > envelhecer, gordo > engordar, magro > emagrecer, seco > secar; ou de verbos que estabelecem uma comparação relativa a uma escala, como subir, descer, aumentar, diminuir.

3. DAs, accomplishments, atividades e achievements

Os accomplishments são eventos que se caracterizam por ser, a um só tempo, durativos e télicos, ou seja, exigem, para realizar-se, mais do que “um átomo de tempo” e visam a um fim ou meta a ser atingido. Exemplos de accomplishments são:

(8) João escreveu o trabalho.

(9) Paulo montou o quebra -cabeça em uma semana. (10) Tiago construiu a casa por dois anos.

(11) Lucas estava copiando o texto. ?> Jo ão copiou o texto.

O exemplo (9) ilustra o papel de adjuntos como “em X tempo” quando empregados com

accomplishments: medir o tempo transcorrido desde o início até o fim do evento, quando o seu ponto final

é atingido (no caso, o quebra-cabeça montado). Em (10), temos o exemplo de uma sentença detelicizada, ou seja, uma sentença télica, que traz um evento que não continua (“construir a casa”) mas que não atingiu o seu fim; tal interpretação é resultado da combinação de adjuntos do tipo “por X tempo” com eventos télicos. Por fim, o exemplo (11) apresenta uma outra característica dos télicos: a partir de sua forma no gerúndio ou no progressivo (“estava copiando o texto”), não podemos inferir que ele termine, i. e., que ele atinja sua meta (“copiou o texto”). Isto se dá visto que, para atingir o ponto final de um evento, não basta apenas começar o evento e seguir com ele (como indica o progressivo), mas é preciso veiculá -lo como acabado, através, por exemplo, do uso do pretérito perfeito.

As atividades caracterizam-se por sere m atélicas e durativas, e, assim sendo, compartilham com os accomplishments a duratividade. Abaixo apresentamos exemplos dessa classe de verbos, com as mesmas formas usadas para ilustrar os accomplishments:

(12) João nadou.

(13) (?) Paulo correu em vinte minutos. (14) Tiago andou por meia-hora.

(15) Lucas estava passeando de bicicleta. => Lucas passeou de bicicleta.

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Eventos atélicos são incompatíveis com adjuntos do tipo “em X tempo”, como na sentença (13), justamente porque esses adjuntos fazem alusão necessária a um lapso de tempo definido. No caso de evento télico, o lapso temporal é aquele que separa o início do evento e o momento em que o evento alcança seu ponto final. Porém, com eventos atélicos, não temos um ponto final delimitando o lapso temporal, daí a sua incompatibilidade com atélicos. Essa incompatibilidade é um bom critério para identificar eventos atélicos.

Devido ao seu caráter durativo, as atividades são compatíveis com adjuntos do tipo “por X tempo”, como no exemplo (14). Os adjuntos “por X tempo” não fazem alusão ao final do evento, apenas ao tempo transcorrido desde o seu início; não considerar o ponto final é uma das razões porque esse adjunto pode detelicizar eventos télicos. Por não possuir um ponto final previsível, as atividades podem continuar indefinidamente; além disso, ao veicularmos uma atividade no progressivo, ou seja, ao representá-la aspectualmente em andamento, podemos inferir que ela aconteceu. Se uma corrida não visa um ponto final, podemos dizer, de qualquer um que esteja simplesmente correndo, que ele já correu.

Por fim, os achievements são os verbos télicos não-durativos que compartilham com os

accomplishments o fato de serem télicos e se distinguem desses e das atividades por ocorrerem em “um só

átomo de tempo”. Exemplos:

(16) João chegou.

(17) Paulo resolveu o problema em vinte minutos. (18) (?) Tiago achou o quadro por meia -hora.

(19) Lucas estava ganhando a corrida. ?> Lucas ganhou a corrida.

Diferentemente do que acontece com accomplishments, adjuntos do tipo “em X tempo” com

achievements referem-se a uma fase preparatória associada pragmaticamente ao evento em questão.

Assim, em (17), o que levou vinte minutos foi toda a “maquinação” de Paulo em cima do problema, avaliando quais seriam as possíveis soluções, testando-as etc, a resolução propriamente dita não leva tempo. De fato, um advérbio que vete a agentividade do sujeito e, por conseqüência, seu envolvimento em uma fase preparatória de um evento torna o achievement incompatível com “em X tempo”, como em (20):

(20) (?) João achou o quadro acidentalmente em vinte minutos.

A incompatibilidade com adjuntos do tipo “por X tempo”, como em (18), resulta do fato de os

achievements serem não-durativos; e a impossibilidade de se estabelecer a inferência em (19) decorre das

mesmas razões que a bloqueiam no caso dos accomplishments.

Em resumo, podemos individualizar as classes vendlerianas através de uma combinatória dos traços [± télico] e [± durativo], que resulta em configurações específicas e que tem correlatos distribucionais também específicos, i. e., compatibilidade com certos tipos de adjuntos e/ou (im)possibilidade de se estabelecer certas inferências. A tabela abaixo apresenta a configuração dessas classes em termos de traços3:

[± télico] [± durativo] accomplishements + + achievements + - atividades - +

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Como já adiantamos, os DAs não encontram lugar nessa matriz. Os exe mplos abaixo ilustram o comportamento dos DAs em contextos semelhantes àqueles dos exemplos usados para apresentar as classes vendlerianas:

(21) João engordou.

(22) Paulo emagreceu em vinte anos. (23) O nível da água baixou por meia-hora.

(24) Lucas estava gelando a cerveja. ?> Lucas gelou a cerveja. (25) Tiago estava aumentando a corda. => Lucas aumentou a corda4.

Os DAs são compatíveis com adjuntos do tipo “por X tempo”, o que comprova sua duratividade, e também com adjuntos do tipo “em X tempo”, o que comprova sua telicidade. Além disso, a depender do predicado DA, é ou não válido inferir que ele se concluiu e que seu término (“telos”) foi alcançado.

Um outro teste relevante para reconhecer predicados DAs é o fato de serem compatíveis tanto com advérbios como “muito”, “bastante”, “pacas”, quanto com advérbios como “gradualmente” e “progressivamente”; advérbios esses que selecionam atividades e accomplishments, respectivamente. Abaixo apresentamos exemplos dessas três classes (Bertinetto e Squartini, 1995:11):

- “muito”, “bastante” e “pacas”

(26) João envelheceu muito / bastante / pacas (DA)

(27) Pedro correu muito / bastante / pacas (atividade)

(28) (?) Lucas pintou o quadro muito / bastante / pacas (accomplishment) - “gradualmente” e “progressivamente”

(29) João envelheceu gradualmente / progressivamente (DA)

(30) (?) Pedro correu gradualmente / progressivamente (atividade) (31) Lucas pintou o quadro gradualmente / progressivamente (accomplishment)

Uma última observação sobre a classe dos DAs é que, apesar de a termos classificado como durativa, devido à compatibilidade com adjuntos “por X tempo”, alguns DAs são compatíveis com adjuntos do tipo “às X horas (em ponto)”, que é mais normal com achievements, ou seja, verbos não-durativos. Exemplos:

(32) Às 15:00hs, o nível da água subiu. (DA)

(33) (?) Às 15:00hs, João engordou. (DA)

(34) Às 15:00hs, Tiago resolveu o problema. (achievement)

(35) (?) Às 15:00hs, Pedro correu. (atividade) (36) (?) Às 15:00hs, Lucas pintou o quadro5. (accomplishment)

Os exemplos analisados revelam que os traços [± télico] e [± durativo] não os suficientes para se individualizar a classe dos DAs, visto que a combinação desses traços só distingue DAs durativos e não-durativos. Voltaremos às questões relativas ao caráter télico e durativo dos DAs na seção 5.

4. Teorias sobre os DAs

Nesta seção, veremos rapidamente algumas as teorias mais conhecidas sobre os DAs. A ordem que seguiremos em sua apresentação é a cronológica, mas isso não significa que as teorias mais recentes são o aperfeiçoamento das mais antigas; simplesmente essas teorias apareceram em momentos diferentes e são estabelecidas sobre bases distintas.

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As sentenças do lado direito da seta tanto em (24) quanto em (25) são compatíveis com adjuntos do tipo “por X tempo” e “em X tempo”.

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4.1. Dowty (1979)

Dowty caracteriza os DAs como sendo verbos achievements, i. e., télicos não-durativos, que, não obstante, aceitam adjuntos durativos (“por X tempo”), sendo, então, a grande questão saber por que aceitam tais adjuntos e qual é a interpretação que podem receber.

A solução apontada por Dowty é tratá-los como degree words ou vague predicates (p. 88), ou seja, esses verbos envolvem propriedades sobre as quais não podemos afirmar qual é sua extensão, em termos absolutos, mas apenas relativamente a algum termo de comparação estabelecido (pragmaticamente) ou a algum contexto particular de uso. Se tomarmos, por exemplo, o DA “esfriar”, trata-se de saber quais são os limites entre o que é frio, ou que se torna frio e o que não pode ser (ainda) considerado frio. É essa necessidade de se estabelecer “localmente” a extensão desses verbos – no caso, o que é frio e o que não é – que torna esses predicados vagos e dependentes contextualmente.

Uma sentença com o verbo “esfriar” (to cool), por exemplo, como “A sopa esfriou por dez minutos” (The soup cooled for ten minutes), quando combinado com adjuntos do tipo “por X tempo”, segundo Dowty (p. 90),

should be analyzed as saying that for each time t within an interval of ten minutes duration, there is some resolution of the vagueness of the predicate cool by which the

soup is cool is true at t but not true at t -1. Conditions on the acceptable resolutions of

the predicate cool will in effect require that a different, higher threshold of coolness (i.e. a lower temperature for the threshold) be chosen for each successive time in the interval […]

Com essa caracterização, Dowty captura a intuição de que a meta a ser atingida, no caso, a sopa estar fria, é definida pragmaticamente. Além disso, a proposta de Dowty é tratar os DAs como verbos incoativos, ou seja, verbos não-durativos que indicariam o início de uma mudança de estado, por exemplo, de não-frio para frio. Assim sendo, apesar da compatibilidade com adjuntos durativos, os DAs ainda seriam

achievements e, em um certo sentido, o papel de adjuntos como “por X tempo” seria semelhante ao papel

de adjuntos do tipo “em X tempo” quando combinados com achievements, no sentido de que marcariam uma “fase preparatória” ligada pragmaticamente ao evento, mas que, a rigor, não faz parte desse evento. Na sentença “A sopa esfriou por dez minutos”, “por dez minutos” indicaria o tempo transcorrido até a mudança de estado, o achievement propriamente dito, de não-frio para frio.

4.2. Bertinetto e Squartini (1995)

Bertinetto e Squartini (1995) apontam como a característica principal dos DAs uma ambigüidade em relação ao alcance do “telos”. Essa ambigüidade se dá da seguinte forma: há uma interpretação para esses predicados, segundo a qual o que acontece é apenas um avanço, “passo a mais” em uma escala hipotética em relação ao estado anterior6, chamaremos essa interpretação de / a /; e há também uma interpretação, que chamaremos de / ß /, segundo a qual os predicados atingiram o seu “telos”, i. e., alcançaram a meta (pragmaticamente) estabelecida. Tomemos as seguintes sentenças, parafraseando-as segundo as interpretações / a / e / ß /:

(37) A situação melhorou.

/ a / A situação está (bem) melhor em relação ao que estava há um tempo atrás, mas ainda está ruim (não está boa o suficiente).

6

(6)

/ ß / A situação está melhor.

(38) A temperatura subiu.

/ a / A temperatura está mais alta do que estava há um tempo atrás, mas ainda está baixa (não está alta o suficiente).

/ ß / A temperatura está alta.

(39) O bolo esfriou.

/ a / O bolo está mais frio do que estava há um tempo atrás, mas ainda está quente (não está frio o suficiente).

/ ß / O bolo está frio.

Além disso, os autores, levando em conta como critério único para a decisão sobre o carácter télico de um predicado a compatibilidade com adjuntos do tipo “em X tempo”, consideram as duas interpretações télicas, ou seja, mesmo o alcance de um estado intermediário, que é posterior a um estado anterior e anterior ao “telos”, é também um “telos”; “the only difference lies in the different degree attained: the final goal or an intermediate stage” (p. 14).

Não obstante, os autores também consideram que alguns DAs se mostram mais afeitos a uma interpretação / a /, como (40) e (42), e outros a uma interpretação / ß /, como (41) e (43); nesses casos, a ambigüidade, apesar de menos saliente, ainda existe:

(40) O nível da água baixou.

/ a / O n ível da água está mais baixo. à preferível / ß / O n ível da água está b aixo.

(41) A grama secou. / a / A grama está mais seca. / ß / A grama está seca. à preferível

(42) João aumentou o muro.

/ a / O muro está mais alto (mas não tanto quanto João queria). à preferível / ß / O muro está alto (tanto quanto João queria).

(43) João preencheu o formulário.

/ a / O formulário está preenchido (mas João esqueceu -se de alguns dados). / ß / O formulário está (completamente) preenchido. à preferível

Bertinetto e Squartini apontam também que as interpretações / a / e/ ß / podem ser veiculadas por itens diferenciados no léxico das línguas. No caso do inglês, pode-se pensar em “get fatter” (ficar mais gordo) como um locução verbal mais afeita a interpretação / a / e “get fat” (ficar gordo) como mais afeita a uma interpretação / ß /.

Outra característica dos DAs explorada por esses autores7 é que apenas alguns DAs são compatíveis com adjuntos pontuais, caracterizando-se por serem não-durativos. Os predicados DAs compatíveis com um interpretação não-durativa e, por conseqüência, com adjuntos pontuais seriam aqueles que “may also be interpreted, as a plausible alternative to the basic durative meaning, as implying the sudden attainment of (contextually determined) goal” (p. 15). Os exemplos apresentados pelos autores são (idem, ibid.):

(44) (?) At 5 o’clock of April 10th, John fattened.

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(?) Às 5 horas em ponto de 10 de abril, João ficou gordo.

(45) At 5 o’clock of April 10fh, John enlarged the hole.

Às 5 horas em ponto de 10 de abril, João alargou o buraco8.

O ponto a se re ssaltar, contudo, na teoria de Bertinetto e Squartini é o caráter ambíguo inerente e definitivo da classe dos DAs, ou seja, as interpretações / a / e / ß /, ambas télicas pelo critério da compatibilidade com “em X tempo”.

4.3. Hay (1998), Hay, Kennedy e Levin (1999) e Kennedy e Levin (2002)

Os trabalhos desses autores apresentam vários pontos em comum, partindo da consideração de que

“a significant subset of degree achievement verbs is derived from gradable adjectives” e

“[...] the aspectual class verbs derived from gradable adjectives [...] can be classified into two aspectual classes, which differ in their telicity. The classification of each verb depends crucially on characteristics of the specific adjective from which it is derived.” (Hay 1998, p. 1).

Assim sendo, a partir de uma classificação dos adjetivos através dos quais os DAs são formados, podemos chegar também a uma classificação mais apurada dos DAs, ou pelo menos de uma grande parte deles. Hay (1998) prossegue, então, definindo a classe dos BOUND RANGE ADJECTIVEs (BRA) como a classe que engloba os adjetivos que, quando colocados em uma escala hipotética, apresentam um elemento má ximo ou mínimo, e a classe doa UNBOUNDED RANGE ADJECTIVEs (URAs) como a classe que engloba os adjetivos que não apresentam tais limites9. Abaixo apresentamos alguns exemplos dessas duas classes de adjetivos, sendo as sentenças de (46) a (48) exemplos de BRAs e as sentenças de (49) a (51) de URAs. Além disso a compatibilidade com advérbios como “completamente” os distinguem distribucionalmente, pois somente os BRAs, por possuírem um limite, são compatíveis com esses advérbios:

(46) O terreno está completamente plano. (47) O balde está complemente cheio. (48) A garrafa está completamente vazia. (49) (?) A avenida está complemente longa. (50) (?) A calça está completamente curta. (51) (?) O quarto é completamente amplo.

Dessa forma, os predicados BRAs serão télicos e os URAs serão atélicos. Os testes usados para determinar a telicidade de um predicado são diferentes daquele usado por Bertinetto e Squartini (1995):

8 Bertinetto e Squartini também exploram superficialmente a possibilidade de compatibilidade de adjuntos pontuais, como “às X horas em ponto”, com alguns accomplishments, a saber, aqueles que têm um ponto final facilmente identificável e individualizável para além do processo envolvido. Os exemplos usados pelos autores, adaptados aqui, são: (?) Às cinco horas em ponto de 10 de abril, João construiu um piano versus Às cinco horas em ponto de 10 de abril, João encheu o balde.

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trata-se aqui da ambigüidade gerada pelo acréscimo do advérbio “quase” e a possibilidade de inferência da conclusão do evento a partir de sua forma progressiva. Vejamos alguns exemplos:

BRAs URAs

(52) O copo quase esvaziou.

- o copo continua igual, i. e., o evento de “esvaziamento” do copo não ocorreu;

- o copo esvaziou só um pouco, mas ainda há conteúdo dentro dele.

(56) A linha quase encurtou. - a linha não encurtou; - não há essa interpretação.

(53) João quase esvaziou o copo.

- o copo continua igual, i. e., João não efetivou o evento de “esvaziar” o copo;

- João esvaziou o copo só um pouco, mas ainda há conteúdo dentro dele.

(57) João quase encurtou a linha. - João não encurtou a linha. - não há essa interpretação

(54) O copo está esvaziando. ?> O copo esvaziou. (58) A linha está encurtando. => A linha encurtou. (55) João está esvaziando o copo. ?> João esvaziou

o copo.

(59) João está encurtando a linha. => João encurtou a linha.

A diferença de comportamento desses predicados é explicada, justamente, pelo fato de que os BRAs, têm um limite, que é, por sua vez, o “telos”; e os URAs, não têm um limite, podendo realizar-se, virtualmente, de maneira indefinida, o que resulta em seu caráter atélico. Em outras palavras, DAs como “aumentar” e “diminuir” referem-se a uma escala de tamanho, quando a medida da diferença de um estado para outro é “bounded” (delimitada) temos um evento télico, e quando ela é “unbounded” (não-delimitada) o resultado é um evento atélico10.

A indicação do limite a ser considerado como um “telos” pode ser realizada de três maneiras: i) indição lingüística explícita da medida de diferença entre os estados a serem comparados; ii) advérbios que fazem alusão a um dos limites da escala hipotética na qual o adjetivo de base pode ser enquadrado; iii) contexto e conhecimento de mundo. Vejamos abaixo exemplos das três possibilidades, respectivamente:

(60) i) Eles estão ampliando a avenida em 5 metros. (61) ii) A roupa secou completamente.

(62) iii) O alfaiate encurtou a minha calça. (O alfaiate encurtou a minha calça o necessário.)

5. DAs, telicidade e duratividade: algumas conclusões e problemas abertos

Reservar uma classe para predicados DAs parece ser consenso na literatura. Uma grande quantidade de pesquisadores reconhece que esses predicados não são acomodados em nenhuma das classes vendlerianas, ficando seus membros ora entre os achievements, ora entre os accomplishments e ora entre as atividades. Essa “distribuição” pelas classes vendlerianas faz com que se perca de vista a principal característica desses predicados, que de fato os unifica, que é o alcance gradual de sua meta ou “telos”.

Considerá-los simplesmente como verbos incoativos parece não capturar essa característica (Dowty, 1979). Porém, atribuir a esses predicados a possibilidade de alcançar gradualmente um “passo além” numa escala ou um “telos” (Bertinetto e Squartini, 1995), ou de atribuir a eles uma “medida de diferença” que especifica seu “telos” (Hay, 1998, Hay, Kennedy e Levin, 1999 e Kennedy e Levin, 2002), sim.

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Além disso, diferentemente do que pensa Dowty (1979), os DAs não são estrimente [- durativos]. Existem, de fato, DAs durativos e não-durativos, a depender, como apontam Bertinetto e Squartini (1995), de se focalizar especificamente o momento de uma mudança de estado. O que diz Dowty vale para um um subgrupo dos DAs, os incoativos.

A relação que os DAs estabelecem com o traço [± télico], porém, é mais complexa. Autores como Bertinetto e Squartini (1995), mesmo admitindo as interpretações / a / e / ß / vistas acima, atribuem o traço [+ télico] a ambas. Por outro lado, Hay (1998), Hay, Kennedy e Levin (1999) e Kennedy e Levin (2002) mostram que o comportamento dos DAs frente ao traço [± télico] pode ser previsto através do adjetivo de base do predicado DA em questão: adjetivos que apresentam um limite máximo (ou mínimo) disparam uma interpretação télica, como seco, vazio, cheio; e adjetvios que não apresentam um limite máximo (ou mínimo), uma interpretação atélico, como longo, curto, lento. Mais que isso, Hay, Kennedy e Levin (1999) e Kennedy e Levin (2002) atribuem a telicidade exclusivamente a uma variável de “medida de diferença” entre dois estados de um evento com predicado DA: quando variável tem limite, temos um predicado télico, do contrário, atélico11.

Contudo, mesmo com a sistematização dos adjetivos, e por conseqüência dos DAs, propostas por esses autores, a ambigüidade defendida por Bertinetto e Squartini ainda está presente. Vejamos os exemplos abaixo para tanto e t ambém como resumo dos testes que apresentamos:

(63) adjetivo BRA:

a) O lago está congelando. ?> O lago congelou.

b) O lago está congelando em 4 graus negativos. ?> O lago congelou em 4 graus negativos. c) O lago congelou.

/ a / O lago congelou parcialmente.

/ ß / O lago congelou totalmente / em 4 graus.

d) O lago congelou em 20 minutos. – demo rou 20 minutos para o lago ficar congelado. e) O lago congelou por 20 minutos. – o lago ficou congelado durante 20 minutos. f) O lago congelou completamente.

/ a / n ão há. / ß / OK

g) O lago congelou completamente em 10 minutos. – demorou 10 minutos para o lago ficar completamente congelado.

h) O lago congelou completamente por 10 minutos. – o lago ficou completamente congelado durante 10 minutos.

(64) adjetivo URA:

a) João está baixando a temperatura da sala. => João baixou a temperatura da sala.

b) João está baixando a temperatura da sala 4 graus. ?> Jo ão baixou a temperatura da sala 4 graus.

c) João baixou a temperatura da sala.

/ a / Jo ão baixou a temperatura da sala só um pouco. / ß / João baixou a temperatura da sala até o ideal.

d) João baixou a temperatura da sala em 20 minutos. – demorou 20 minutos para João baixar a temperatura da sala.

e) João baixou a temperatura da sala por 20 minutos. – João manteve a temperatura da sala baixa por 10 minutos.

f) João baixou a temperatura da sala completamente. / a / n ão há.

/ ß / OK

g) João baixou a temperatura da sala completamente em 10 minutos. – demorou 10 minutos para João baixar completamente a temperatura da sala.

h) João baixou a temperatura da sala completamente por 10 minutos. – João manteve a temperatura da sala completamente baixa por 10 minutos.

O maior contraste entre os predicados DAs formados tendo como base BRAs ou URAs é em relação a inferência da conclusão do evento a partir de sua forma no progressivo, quando não há evidência

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lingüística explícita da necessidade ou de uma meta a ser atingida: somente o URA permite tal inferência, (64)a).

A abordagem de Bertinetto e Squartini (1995), ao fundamenter a ambigüidade dos DAs no alcance progressivo de sua meta, parece dar conta , em bases completamente diferentes, dos exemplos trazidos por Hay (1998), Hay, Kennedy e Levin (1999) e Kennedy e Levin (2002). A rigor, a diferença fica no teste usado para se estabelecer o critério télico de um predicado: para Bertinetto e Squartini esse teste é a compatibilidade com adjuntos do tipo “em X tempo” e para Hay (1998), Hay, Kennedy e Levin (1999) e Kennedy e Levin (2002), esse teste parece ser a possibilidade de inferência da conclusão do evento a partir de sua forma progressiva.

Não discutiremos nesse texto qual é o melhor teste, e esse é apenas um dos problemas aqui deixados em aberto. Esperamos apenas ter convencudio o leitor de que temos aqui uma classe acional específica, a dos DAs, e ter dado uma idéia das maneiras através dos quais se procede uma investigação que tem como fim justamente a individualização de uma classe acional.

RESUMO: A classe de verbos conhecida como “degree achievements”, doravante DAs, por possuir um comportamento peculiar com relação às classes vendlerianas de accomplishments, achievements e atividades não encontra lugar nessa classificação. Esse trabalho visa justamente a uma caracterização mais apurada dessa classe de verbos utilizando para tanto dados do português brasileiro.

PALAVRAS-CHAVE: degree achievements; telicidade; duratividade; acionalidade; aspecto verbal

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Referências

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