• Nenhum resultado encontrado

À guisa de uma possível conclusão ............................. 97 Terceira Parte .................................................................... 78 Segunda Parte ................................................................... 38 Primeira parte .

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2022

Share "À guisa de uma possível conclusão ............................. 97 Terceira Parte .................................................................... 78 Segunda Parte ................................................................... 38 Primeira parte ."

Copied!
95
0
0

Texto

(1)
(2)
(3)

Primeira parte ... 6

Segunda Parte ... 38

Terceira Parte ... 78

À guisa de uma possível conclusão ... 97

(4)

“Conhecer-se a si próprio e amar um número tão grande quanto possível, encerrar na sua alma todas as energias do amor de modo que cada uma receba o alimento que lhe é próprio, ao mesmo tempo que a consciência engloba o todo – eis o prazer, eis o que é a vida.”

-Diário de um sedutor - Soren Kierkegaard

(5)

Este livro é o resultado de um processo de autoconhecimento, de compreensão de quem sou eu, do que sinto, do que sei, do que quero ser.

Um pequeno autor que sonha um pouco mais alto que seu tamanho e que encontra no amadurecer a transformação de novos homens e novas mulheres.

(6)

Primeira Parte

Ele

Ele sempre buscou suas respostas nos livros, nos existencialismos de Sartre, e quando não sentia suficiente, buscou até Kierkegaard. Já não sabia se cultivava dentro de si o ateísmo ou alguma espécie de filosofia religiosa, que por sinal conhecia de tudo, pesquisava sobre islamismo, cristianismo, judaísmo e tantas outras.

Sua vida era dedicada a conhecer o mundo, estando sempre dentro de seu quarto, pouco se relacionando com o que havia lá fora, coisa que o incomodava muito, já que não era fã de conhecer novas pessoas. Sua personalidade era essa e por mais que ele tentasse várias vezes se enquadrar em outras formas de ser, já se aceitara.

Era também um apaixonado por cinema, por grande influência de seu avô Antônio, que quando vivo, o ensinara tudo sobre os faroestes de John Wayne e os filmes de Zé do Caixão (combinação estranha, porém real), e botava seu netinho para ver de tudo. Passavam o dia todo assistindo filmes e mais filmes. Tinham os mesmos pensamentos quando falavam de cinema, pareciam duas crianças brincando de carrinhos; riam, discutiam, opinavam, se amavam muito.

O desejo de jovem de Antônio era ser diretor de cinema, mas quando jovem trabalhava bastante e pouco podia se dedicar ao seu sonho. Por isso que quando seu neto completou 10 anos, já nos embalos de apaixonado por cinema inspirado no seu vovô, ganhou uma câmera. O melhor presente que poderia ter ganho. Chorou, gritou e

(7)

pulou em cima de seu avô, enchendo-o de beijos e carinhos. Jurou para ele que gravaria um filme sobre a história de sua vida. Antônio morreu 3 meses depois. Não foi feito nenhum filme.

Até hoje, a memória de seu avô é constante em sua mente, se lembra de tudo, e certamente Antônio fora a única pessoa que ele se relacionou muito bem na vida. A única pessoa que ele sentira, mesmo muito criancinha, a necessidade de compartilhar a vida. A câmera até hoje está em seu quarto, do lado de sua cama.

Pela enorme influência de seu avô, é um dos melhores alunos da turma de Audiovisual da Faculdade Federal.

Ela

Ela sempre foi muito ativa nas atividades físicas. Desde criança sua mãe Renata a entupia de todas as atividades possíveis (balé, dança de salão, vôlei etc.), desejando que a filha se encontrasse nos esportes, assim como ela na época de sua infância, que era atleta da escola. Esse era o sonho de sua mãe, até casar jovem por conta de sua gravidez; e seu sonho passou a ser então que sua filha se tornasse uma grande atleta, uma estrela, independente de qual esporte fosse. Idealizava na filha a materialização de seu sonho.

Após um tempo, sua filha já havia se acostumado com as frustrações da mãe que, independentemente de qualquer coisa, foi uma mãe excepcional em tudo que pôde oferecer e tinha a filha mais grata e apaixonada do mundo.

Sua mãe era muito preocupada. Se casara com um desgraçado, um ser humano horrível que as abandonara 6

(8)

anos após o nascimento. Não temia que sua filha crescesse sem pai, pois Renata tinha certeza de que a vida seria melhor sem ele. Acontece que no dia que ele foi embora, deu um tapa muito forte na cara de Renata. Sua filha, estando na sala, viu tudo. Renata correu aos seus braços e, até hoje, tem medo da menina ter essa cena na cabeça. Aquilo deixou marcas profundas no relacionamento das duas e na forma de Renata lidar com seus problemas.

A menina crescida foi a primeira pessoa do colégio a competir nos jogos escolares por três modalidades coletivas diferentes após ter feito parte do time titular de Futsal, Handebol e Vôlei; fora as modalidades individuais como atletismo e salto à distância que lhe renderam ouro.

Todavia, apesar de ser uma boa atleta em tudo, nunca havia decidido qual esporte lhe cativava mais.

Essa dúvida a guiou durante muito tempo de sua vida escolar até chegar o momento da faculdade, em que deveria decidir os percursos de sua vida.

Com a necessidade de trilhar o sonho de sua mãe, fez vários testes de atletismo, mas não conseguiu passar em nenhum deles. Ela não se sentia tão abalada justamente por ver que aquele meio não era o que mais lhe inspirava.

Logo depois passou no Vestibular de Educação Física para ensinar o grande conhecimento que tinha sobre esportes em geral. Após 4 cadeiras, resolveu sair do curso, pois, mais uma vez, sentiu que não pertencia àquele lugar.

Talvez ela não mais visse os esportes como definidora de sua personalidade, para tristeza inicial de sua mãe, que acabou compreendendo.

(9)

Como estava confusa e com dúvidas do que escolher para fazer, começou a cursar com 22 anos o curso que normalmente as pessoas fazem nas mesmas condições de dúvida e indecisão, fez psicologia.

Ele e Ela

Um dia ele estava na Área de Vivência da Faculdade fumando um cigarro, até que sentiu em sua costa um toque e se virou.

Então deparou com uma menina, cujos traços logo comparou com os de sua atriz favorita, os mesmos longos cabelos castanhos amarrados para cima, sua pele branca, nariz fino e olhos escuros, que o encantara imediatamente. Sua cabeça estava a mil e, sem ouvir nada do que ela lhe dissera, perguntou:

- O que disse? - com uma cara vermelha de envergonhado e se encostando em qualquer coisa próxima como apoio. - Desculpa, eu sou um pouco lerdo...

- Você pode me dar um cigarro? - disse ela após dar um risinho, confirmando sua lerdeza.

-Desculpa... Esse é meu último, mas pode ficar. Eu estou querendo bastante parar de fumar, começou como uma brincadeira, sabe? E hoje fumo pelo menos dois por dia.

-Muito obrigada, será muito bem tragado. -Após dar uma tragada, ela fecha, e solta com muita tranquilidade, como se tivesse tirado um peso de seu peito. – Também penso em parar, mas puta merda, isso é muito bom. Eu também comecei como brincadeira, mas não penso em parar tão cedo até porque acho que não conseguiria. Muito estresse. Quem diria, logo eu.

(10)

-Nossa juventude e suas brincadeiras estranhas. - Ele deu um riso um pouco mais alto que o normal, claramente mostrando sua insegurança quanto a continuar ou não aquela conversa.

Ela se espantou com o riso um pouco deslocado, mas o achou engraçado e fofo. Percebendo que ela é quem teria que continuar a conversa, disse:

-Nossa juventude nada, nossos pais, avós, todos eles, faziam até coisas piores e hoje em dia são os santos da moralidade. Eu acho que é melhor experimentar as coisas para poder dizer se vale ou não a pena, por minha conta, e não pelos outros... - deu mais uma tragada. - E, droga por droga, álcool é muito pior.

Tomas engasgou uma resposta; sabia os dados, os argumentos, a refutação; mas por um lado, pensou que ela teria razões para dizer algo tão controverso, seus olhos tristes o evitavam; e por outro, não queria contrariar a menina.

-Eu não consigo imaginar meus pais fumando - disse ele se sentando em uma cadeira próxima -, ou fazendo qualquer coisa divertida. Experimentar coisas diferentes ou se relacionar com outras pessoas não são coisas que normalmente eles fazem.

Ela riu e sentou-se na outra cadeira próxima.

- Eu fui criada só pela minha mãe – Deu a última tragada e soltou devagar -, sinto que ela seria muito mais divertida se não tivesse que fazer tudo sozinha. A única coisa que ela fez foi cuidar de mim. De vez em quando a gente faz muitas coisas divertidas juntas, tipo correr e dançar..., mas ainda assim sinto que eu posso ter sido um empecilho para ela ser mais feliz ou alegre.

(11)

Ocorreu uma pausa, ela manteve uma expressão pensativa desde a última frase, refletindo a situação que expôs. Ele não sabia o que falar ou como dizer. Após ela voltar para a conversa, percebendo que podia ter criado uma cena embaraçosa, disse:

-Acho que falo demais. - E tentando mudar o assunto, mas ainda permanecendo nele, indagou - Ultimamente depois de ter entrado no curso tenho refletido tantas coisas da vida, acho que por isso que comecei a fumar. – Deu um riso seco e começou a olhá-lo esperando dizer algo para complementar.

-Você já viu o filme “Bonequinha de Luxo”? – Disse ele dando um risinho com a boca na intenção de mudar o caminho da conversa que seguia, pois não conseguiria continuá-la.

-Já – Disse ela, espantada com a mudança abrupta da conversa, mas ainda achando-o fofo, eu adoro esse filme, ainda mais que têm a linda da Audrey...

-Hepburn. - Disse interrompendo-a - Ela é minha atriz favorita, e você é extremamente parecida com ela.

Ela entendeu o elogio e foi cativada pela fala dele.

Começou a soltar os cabelos, que em seguida caíram sobre sua face.

- E agora? Ainda me pareço com ela? – Disse-lhe fazendo várias caras e bocas diferentes.

Ele riu, e estava fascinado pela forma como o olhar daquela menina o tinha afetado. Parecia que ele nunca havia visto coisa mais bela. Começava a se soltar na conversa e falou:

- Só que mais bonita... - disse ele com uma voz baixa que ia aumentando o tom- Por mais que você não acredite.

(12)

Isso a deixou um pouco envergonhada, suas bochechas avermelharam-se e um leve sorriso branco emanou de seu rosto.

-Que exagero menino! Imagina... - Disse ela, com um sorriso feliz contido, fazendo com as mãos um movimento de empurrão bem fraco no ar-, mas muito obrigada. Não sei se acredito em você, porém levantou meus ânimos. E eu ainda nem sei seu nome. – Estendeu a mão em um sinal de aperto.

-Meu nome é Tomas, muito prazer. - Ele aperta a mão dela alguns segundos mais que o necessário - E o seu nome?

-Sou Rosa. – Soltaram as mãos - Olha Tomas, obrigado pelo cigarro e pelo elogio. Você fez uma menina se sentir melhor consigo hoje. Mas sinto lhe informar que hoje eu estou feia ainda, espero comentários seus no dia que eu estiver realmente bonita.

- Olha como ela é modesta. – Afirmou com um sorriso e olhou para o relógio, viu que estava há três minutos de começar o horário da aula – Olha Rosa, foi um grande prazer te dar o meu cigarro, vou ter que ir andando, minha aula já vai começar.

-A minha também, qual o curso que você faz? - Levantaram-se os dois.

-Faço Audiovisual. – Disse ele.

- Olha só. Por isso que fui considerada uma atriz de Hollywood, o menino é um cinéfilo. – Ele movimentou a cabeça concordando, mas preocupado pois não sabia se ela considerava isso bom ou ruim- Eu sou de psicologia, é bem perto os prédios, posso te acompanhar?

(13)

Os dois foram juntos para seus respectivos cursos, andaram 3 minutos e se despediram. Conversaram sobre a eleição do reitor, que viram em um cartaz. Tomas não fazia questão de participar desse tipo de coisa, de apoiar ninguém. Já ela, estava torcendo para a vitória de uma professora sua que era candidata. Se despediram cordialmente e, depois, cada um em sua aula, se sentiram encabulados com a duração do aperto de mão.

Ele sem ela

Tomas chegou em casa depois do curso, deitou na cama e pegou o seu livro que estava concluindo, “Noites Brancas”

de Dostoievsky, e tinha começado a se identificar com o protagonista da trama, ferrenhamente apaixonado (e de repente) aos encantadores olhares de Nástienhka.

Pôs o livro do lado de sua bancada e ficou alguns minutos olhando para o teto de seu quarto. Indagou-se. Não era mais o Tomas que saiu de casa. Queria vê-la de novo, percebeu que estava apaixonado.

Fechou os olhos. Vieram as lembranças.

Aquela voz repetia-se nos seus ouvidos, aquele sorriso se apoderava da sua mente, aquele olhar se fixava numa imagem em sua cabeça, aqueles cabelos do qual já sonhara acordado em acariciá-los, aquela aparência que superara a de Audrey Hepburn; queria saber mais de sua vida, de onde vinha, para onde queria ir; queria saber sua opinião sobre política, artes, esportes, seja o que for.

Largaria a ideia de parar de fumar e fumar com ela Derby, Free e Carlton, Hollywood, tanto faz. Queria estar próximo dela, e isso ele tinha certeza.

(14)

Caro leitor, o amor é algo confuso e extremamente inesperado, muita das vezes injustificável. Curiosamente coisas como essas que Tomas sentia, esses clichês sentimentais quando trazidos às nossas vidas as efervescem, pois nas artes os clichês sentimentais sempre são vistos como algo pedante e repetitivo, mas quando falamos das relações que temos na vida, os sentimentos, por mais repetitivos e banais que sejam, são ainda sentimentos e merecem ser vividos e expressados.

Essa constante movimentação das coisas que sentimos, pensamos e fazemos, possuía ele com força, sentia vontade de sair do quarto, de olhar o lado de fora da casa. Queria vê-la, mas como? Só sabia seu nome e seu curso. Abriu uma de suas redes sociais, que há muito tempo não acessava, pesquisou seu nome.

Mas quantas Rosas há de haver no mundo?

Ela sem ele

Ela chega em casa depois dos seus tradicionais dois ônibus demorados, encontra sua mãe lhe preparando um jantar especial, que logo de cara vê que é o seu favorito.

-Mãe, você está fazendo bife acebolado pela terceira vez seguida, por acaso está morrendo? Ou eu estou? – Disse, dando um beijo na bochecha de sua mãe.

-Não meu amor – responde a mãe, depois de fechado os olhos e experimentado o beijo da filha -, é só que eu não me lembrava o quão difícil é para mim ficar sem te ver a tarde toda, pelo menos esse é um momento que temos juntinhas e, se for comendo o que gostamos, melhor ainda.

(15)

-Mãe, eu já disse que te amo hoje? – Ela senta na cadeira e põem um pouco de café na xícara.

-Minha filha, já vai tomar café à noite de novo? É só para depois ficar maluca todo tempo acordada de madrugada.

– Renata percebe que seu carão é em vão, pois a filha não lhe obedece – Me conta como foi seu dia, minha filha.

-Então mãe – se organizou para falar -, eu saí de casa muito cedo porque tinha esquecido de entregar o relatório para o professor, a senhora acredita que ele me deixou na mão? Nossa mãe, isso me deixou tão estressada; depois eu fui para a cantina e... Desculpa, mãe, eu fumei, mas só porque estava muito nervosa; eu peguei o cigarro com um menino muito fofo, tinha uns olhos bem escuros e um jeitinho muito sonso, mas fofo – parou e começou a pensar -, qual era o curso que ele fazia mesmo? Ah!

Audiovisual, e o nome dele é... Tomas. Conversamos um pouco, mas eu queria ter conversado um pouco mais.

Depois da aula vim direto para cá.

-Quer dizer então que você fumou, Dona Rosa? – Disse a mãe com uma cara de zangada.

-Admite que você só ouviu isso.

-Admito. – Respondeu botando a língua para fora. – A comida já está saindo, pensa em alguma coisa para fazermos juntas essa noite.

-Quero ver um filme, mãe, pode ser?

-Pode sim, meu amor, qual?

-Bonequinha de luxo. – Respondeu Rosa.

(16)

Presepadas dele

Tomas acordou bem cedo, estava ansioso, com um frio na barriga, pela primeira vez em muito tempo passou alguns minutos penteando seu curto cabelo, procurando uma roupa mais bonita. Terminado de se arrumar, pegou o ônibus, acabou chegando muito suado e mais bagunçado que o normal na faculdade, como se os deuses o que quisessem castigar por ter saído de sua zona de conforto.

Passou uma hora fingindo que estava lendo em um local que passa um número muito grande de alunos, na chance de talvez Rosa poder passar por lá. Óbvio que ele não iria para perto de seu curso a procurá-la, não era um stalker, mas fingir que está lendo em um espaço durante tanto tempo não é já beirar ao exagero? Ok... estava apaixonado; nem tinha certeza se conseguiria falar com ela, apenas queria lhe ver mais uma vez.

Mas nada de Rosa; resolveu desistir daquele plano irracional. Achara engraçado como uma pessoa que tem um alto grau de compreensão teórica sobre o comportamento humano, quando se é lançando a experimentar na prática essa loucura do amor, pode se entregar de maneira tão abrupta e inconsequente. Decidiu abdicar de vez daquele plano e foi para o RU, afinal aquele dia era terça, o único dia que não tinha omelete de sardinha, então valia à pena pegar fila.

Chegando na fila, meia hora antes de abrir, mas já lotada, decide esperar sentado.

Até que houve vozes crescentes, seu olho lhe direciona para Rosa, que estava discutindo com um professor a uma distância consideravelmente longe. Ele respira, arruma seu cabelo, sua roupa, cheira a sua axila e se

(17)

assusta com a capacidade de um desodorante durar tão pouco. Ainda assim resolve ir falar com ela.

Caminhando em direção à discussão que estava se acirrando, começa a ver que está se formando um número de pessoas olhando a discussão. Não era uma briga, só uma discussão, mas tente explicar isso a Tomas.

Ele começa a andar mais rápido em direção, estereotipando em sua mente uma cena conservadora em que ele poderia ajudar a dama indefesa; mas pelo alto teor feminista do acaso, ele tropeça no meio do caminho e as pessoas que estavam presenciando a discussão de Rosa começam a olhá-lo e sorriem.

Rosa se vira, concorda com o que o professor estava falando com um sinal de dedo confirmativo, tenta observar melhor e diz:

Tomas? - Perguntou ela, se aproximando e indo em sua direção para socorrê-lo. – Meu Deus! É você mesmo, o que houve? – E olhando os fãs de vídeo cacetadas que ainda estavam rindo do pobre coitado, grita: - Vocês nunca viram ninguém caindo não?!

Tomas não estava acreditando na cena vergonhosa que se passara – só nos filmes e nos livros de comédia romântica mais cruéis com o protagonista poderia ocorrer um “causo” tão embaraçoso como aquele, mas fato é que sua cabeça ainda estava cravada no chão, com vergonha de que olhassem sua cara; e não levantaria tão fácil assim:

-Levanta a cabeça Tomas, sou eu, a Rosa. - Disse ela.

Ele levantou no mesmo instante.

(18)

Eles indo ali

Após Tomas ter levantado com o apoio de Rosa, ambos pegaram a fila do RU, viram o que tinha e aproveitaram a comida diferente do dia e se encaminharam para a mesa, onde iriam comer juntos. Tomas e ela com suas bandejas se acomodaram na mesa, e ele disse:

-Vou fingir que meu braço não está doendo e vou comer com o garfo ignorando minha dor. – Após dizer isto, demonstra um pouco de vergonha pela cena da queda.

-Não precisa ficar vermelho, garoto, acidentes acontecem, e eu já vi dezenas de pessoas caindo exatamente naquela área, acho que ela tem uma mágica da queda ou algo do tipo.

-Fato é, garota - disse ele com uma cara sorridente em resposta para ela -, que se você não estivesse esperneando, criando uma guerra com seu professor, eu não me desconcentraria e certamente não cairia.

-Tá falando da briga com o professor Alfredo? – Perguntou Rosa - Na verdade nem briga era, é que esse miserável não quis receber meu relatório – disse ela descontando a sua raiva na forma como dobrava o macarrão no garfo -, e agora estou com zero na primeira prova do ano. O que eu fiz para merecer isso, Jesus?

-Eu não entendo essa obsessão de alguns professores em serem odiados pelos alunos... Semana passada mesmo, uma professora tirou meio ponto meu por uma colocação que eu fiz em sala, quis fazer isso só para me ferrar.

-Nossa! – Ela ficou impressionada - Com quanto ficou tua nota?

-9,5 – respondeu ele.

Ela deu uma risada bem baixinha, ele percebeu:

(19)

-Que foi? – Perguntou ele.

-Você deve ser aqueles CDF´s chatos que ficam boladinhos por não terem tirado 10 e meio.

-Não sei o que é pior- disse ele dando uma réplica a ela-, você achar que eu sou chato, ou ser uma das pessoas idosas a ainda falar CDF. – começou a rir.

-Olha, em minha defesa, essa era a palavra que mais era usado para as pessoas que se sentavam na frente da sala nos tempos de escola.

-Eu te perdoo- disse ele brincando -, agora sobre as minhas notas, a matéria é história do cinema, se eu não tirar 10 e meio para mim nem vale, essa é definitivamente a coisa que eu mais estudo na minha vida.

-Eca, cinéfilo para mim nem é gente. – Falou brincando.

Ele ainda não entendia aquela piada, ficava pensando isso na sua cabeça, porque a cinefilia lhe era orgânica e, convenhamos, saber sobre cinema era o que ele mais podia oferecer.

Já se passara um tempo de silêncio sem nenhuma resposta a ela, então ela perguntou.

- De onde veio esse teu amor ao cinema?

Ele então a contara a história já dita, de seu avô, de John Wayne e Zé do Caixão, da câmera e do filme que nunca fez; com muita paciência dele e dela. Para preservar o tempo do leitor e de seu humilde narrador, pulemos. A conversa foi levada entre garfadas, passando pela porta de saída do RU, para a área que ela mais gostava de estar na Universidade.

-Eu sempre achei essa a área mais bonita da faculdade. - Diz ela apontando para uma área arborizada, logo após dar um cheiro em uma planta- Muito cheirosa, meu Deus!

(20)

Olha! - Deu para ele cheirar -Todos esses projetos para tirar essas áreas daqui me deixam muito triste. Como te falei ontem, eu defendo o reitor que tiver um projeto para tornar mais verde nossa faculdade, isso aqui nos tranquiliza, a natureza é de onde viemos e é para onde vamos. –Fechou os olhos.

Tomas se impressionou com o delicioso cheiro da flor. Ele começou a admirar o lugar, o mesmo pelo qual passa todos os dias, que costuma ficar sentado lendo. Nunca sentiu empatia por lá, mas agora percebia como era uma área tão linda, tão natural e tão pura. Começou a se admirar pelos passarinhos que gorjeavam, a variedade de flores e até frutos. Era realmente impressionante como aquele pequeno gesto sensível de Rosa o pudera cativar tanto.

Ele viu que ela começou a girar seu corpo estando com os braços abertos de maneira devagar, e começou a imitá-la;

fechou os olhos e começou a sentir mais e mais os sons vindos de longe, os cheiros aprofundavam-se dentro de si.

Quem os via de longe, ao ver dois jovens malucos girando no meio da universidade, sem imaginar o que se passava, poderiam afirmar que seriam drogas ou qualquer coisa do tipo, mas pouco importa, o que importa é Tomas e Rosa, e somente eles.

Aquele momento significava para Tomas que a ele havia sido aberto o mundo de Rosa e se encantara por cada característica desse mundo, que a tornara uma pessoa que valorizava as coisas singelas, que encontrava pureza e via as coisas sempre com a disposição de tentar compreendê-las; naquele momento ele se entregava livremente e de coração a ela.

(21)

E a ela que achava cada vez mais que aquele menino tinha algo de diferente, estava disposto a aprender e a ensinar, que mesmo o conhecendo a pouco tempo, já fazia questão de querer conviver de maneira mais próxima e mais constante, quem sabe se tornarem grandes amigos.

Eles pararam e começaram a rir junto e Tomas logo comentou:

-Eu nunca tinha notado esse lugar dessa forma, sabe? - Disse ele se sentando no gramado -, acho que nós estamos tão encucados com as coisas do dia a dia, tão cheios de cismas na cabeça, que não paramos para refletir o mundo à nossa volta.

-Concordo. Talvez esse seja o único lugar que eu venha que consigo escutar o que penso, e só pelo fato de eu conseguir parar por um minuto e ouvir as coisas que estão na minha cabeça, para mim a torna o lugar especial.

-Eu me identifico muito com isso- Responde ele agora deitando no gramado -, eu leio muito, tenho muitas obrigações todo dia, me sinto às vezes estar no piloto automático, pois são muitas informações na minha cabeça e eu só sigo a vida... não sei se deu de entender.

-Eu estou tentando entender- responde ela rindo, e deitando no gramado ao lado dele-, reformula a tua fala e vamos ver se fica mais claro.

-Eu tenho muitas ideias, pensamentos na minha cabeça, leio muitas coisas por dia, vejo muitas coisas, às vezes sinto que só estou seguindo o que o destino quiser de mim, porque são tantas vozes falando coisas diferentes na minha cabeça que parece que eu não tenho controle sobre elas. – Ao falar de maneira tão aberta, percebe que

(22)

se abriu sobre uma coisa que o incomodava, mas nunca havia parado para pensar de fato.

-Eu te entendo, Tomas- diz ela virando para ele e o olhando nos olhos- você não acha que se cobra demais então?

-Talvez, eu tenho muito essa vontade de ser muito bom em uma coisa: se for para ser crítico de cinema que eu seja o melhor, se for para ser um escritor, que eu seja o melhor, isso que me move.

-Mas para que essa necessidade de querer ser o melhor? - Perguntou ela botando o braço embaixo da cabeça e se acomodando mais na conversa.

-Eu acho que- engoliu um pouco de seco na sua garganta- , pelo fato do meu avô sempre ter falado que eu era um grande menino e seria o melhor de todos quando crescesse, ele não especificou em quê. Mas eu sinto que às vezes falo mais por ele do que por mim mesmo.

-Eu também vivia muito isso com a minha mãe. –Disse Rosa soltando o cabelo e mais uma vez deitando confortável no gramado – Teve uma época em que eu literalmente fazia três esportes pela influência de mamãe, queria ser a melhor em tudo o que podia fazer e de fato eu era muito boa, mas em nenhum momento aquilo me fez sentir ser uma pessoa melhor, e acho que isso que importa. Para que querer agradar a todos, ser a melhor em tudo enquanto me sinto frustrada, infeliz? Eu me libertei disso. Certo dia eu simplesmente me esgotei, cansei de tudo, me sentia corroída, sabe? Eu falei para minha mãe como me sentia vazia e ela me entendeu tanto... eu achava que ela iria reagir mal, mas desde lá nossa relação só melhorou. Pensa nisso. Teu avô deve

(23)

sentir orgulho de você ser uma pessoa dedicada e ainda guardar essas lembranças dele como motivação para ser melhor. Você sempre vai ser o grande menino para ele.

Aquilo caíra nele como um choque, se sentia mais livre por ter compartilhado um peso que o afligia e nem sabia que era tão intenso. Dentro de si era como se livrasse de um mal duradouro.

Tomas cultivava alguns pensamentos frágeis do sexo masculino, como o de que dizer o que sente é expor fragilidades e para ele, já havia se exposto demais naquele dia.

-Ela te pressionava para fazer vários esportes? - Perguntou Tomas remetendo à fala de Rosa.

-Eu não te contei sobre? – Tentou lembrar se contou ou não – Sim, ela me pressionava bastante. Frustações passadas, não preciso mais ficar lembrando isso, águas passadas, e superei junto com ela, o que houve no passado fica no passado.

E para não ficar em um silêncio, ela muda o assunto e lhe faz uma pergunta:

- Agora que eu voltei aqui a tua conversa na minha cabeça, se você quiser ser o melhor escritor ou algo do tipo, quer dizer que você já escreveu algo? – Seu rosto se preenchera de uma fisionomia sapeca, como de uma criança.

-Sim – respondeu Tomas com uma certa vergonha -, mas nada de que me orgulhe, apenas alguns contos românticos e policiais, roteiros de filmes.

-E qual deles foi para frente?

-Como assim?

-Qual deles tu publicou ou transformou em filme, não sei.

(24)

- Nenhum – respondeu Tomas com bastante certeza de que o que ele produz não é bom-, eu escrevo bem mal e muito para mim, sou muito inseguro quanto ao que faço...

Talvez não seja porque é ruim, é porque sou inseguro, talvez eu possa ser um Herman Hesse ou um Charlie Kaufman da vida e não saiba. – Falou ironicamente.

-Não peguei sua referência- disse ela com um risinho -, mas talvez, um dia, esses dois sintam inveja de você. Se você começar a se abrir mais para a possibilidade de mostrar aos outros, de querer ter orgulho do que faz - disse ela se sentando; enquanto explana seus pensamentos, gesticula bastante - , poder mostrar ao mundo que você tem algo à oferecer, seja bom ou ruim, foi dedicação sua, tempo da sua vida, deixou de estar fazendo outras coisas e produzindo um pedaço seu... É, eu ultimamente tenho percebido que podia ser uma boa coach.- disse, rindo, e voltou-se a deitar.

- Você pode ter razão. – Disse ele refletindo de fato sobre o assunto – Se fosse esse o caso, finalmente eu respeitaria algum coach.

- Vou entender isso como um elogio, certo?

Os dois começaram a rir juntos.

-Vamos fazer um combinado –propôs Rosa de maneira empolgada-, amanhã você me traz qualquer conto desses seus para lermos juntos, deixando claro que eu vou te criticar bastante se necessário, mas não vou esperar ver uma super mega obra de um gênio, apenas quero ver o que o Tomas pode oferecer.

Aquela proposta o emudecera, nunca havia entregado a ninguém algum dos seus vários escritos; um vento gélido subia de seu estômago e se estancara na sua garganta,

(25)

realmente se sentiu apavorado de concordar. A Ela seria exposto tudo o que ele pensava sobre o mundo, os relacionamentos, as vivências e ela poderia odiar, sentir nojo, raiva e nunca mais falar com ele. Esses exageros eram típicos de Tomas quando posto em situações relacionadas às suas obras.

-Ok – respondeu Tomas, engolindo em seco – mas se a partir de amanhã eu nunca mais aparecer na Universidade, não é pela vergonha de lhe mostrar minha obra.

-Tomas, vai ser divertido – ela apertou seu braço-, e tu tem a cara de intelectualzinho.

-E isso é bom? – perguntou ele se indagando sobre a comparação.

-Isso é uma coisa que você jamais saberá. – Dito com uma voz grossa, como num filme de terror, em seguida começa a dar risadas diabólicas.

Os dois começam a rir e percebem que já estão conversando há bastante tempo, era como se fossem próximos um do outro, a vida se passasse em um segundo.

- Espere aí. - Diz ele e se afasta em direção de umas plantas e volta com uma flor linda. Ele põe a flor atrás da orelha de Rosa – Aí, a flor mais bonita do jardim.

Ela riu com a bochecha vermelha, sem saber a que flor ele se referia. Tomas, por outro lado, não tinha dupla intenção.

(26)

Um romance em um romance

Tomas chega em casa completamente nervoso em busca de sua história menos ruim, para não fazer Rosa desacreditar nele enquanto escritor; então correu para o seu armário e abriu uma impressão antiga, “Uma história de amor e guerra”. Este livro era o retrato de como Tomas compreendia as relações sociais, estruturas de poder, opressão de classe e amor, na época em que seus autores de cabeceira eram Marx e Goethe. Estranha combinação, mas Tomas gostava de escrever sobre o que estava lendo no momento – como se exercitasse sua mente para encontrar nas ideias de suas leituras uma narrativa diferente; e assim normalmente misturava e sobrepunha as coisas, nem sempre com os melhores resultados.

Leu as 15 páginas do texto algumas vezes, ansiosamente fazendo anotações e correções em um papel. Queria agradar a Rosa. Não compreendia que ela não esperava dele um gênio da escrita, esperava apenas um jovem que escrevia com paixão.

Tomas se desligara de todas as distrações para poder escrever a noite toda, não jantara e quando vira já estava na hora de se arrumar e ir para a faculdade. Correu, pegou só o que já estava em sua mochila, se esquecendo dos papéis com as anotações.

Dormiu todos os primeiros horários; dia de quarta é dia de aula de manhã e à tarde, logo deveria estar preparado para aguentar o restante do dia de estudo, mesmo que tivesse que dormir nos estudos. Aceitemos a contradição.

Saiu da sala nervoso, suando sua hiperidrose (procure o significado); havia marcado um lugar específico para

(27)

encontrar Rosa, na mesma área do RU do dia anterior.

Marcaram 12 horas, era 11:52; 12 em ponto e ela apareceu.

Eles se abraçaram e ela percebeu que ele está muito suado, e logo diz:

-Estava em uma sauna? – perguntou rindo e mostrando a mancha de suor de sua testa que marcou o ombro de sua camisa.

-Me perdoa- ele começa a tentar limpar, morrendo de vergonha-, acho que é o nervosismo de mostrar o que escrevo.

-Tomas- Ela tira a mão de seu ombro com muita calma leva ao peito dele -, fica calmo, foi só uma brincadeira.

Não vou querer ler se for para te causar mal, quero ler porque acho que pode ser uma boa para tu sair de tua zona de conforto. Eu aprendi um método de respiração no curso que fazia que foi muito eficiente, deixa eu te ensinar, pode ser útil.

Ela começa a ensiná-lo a respirar com calma, como aprendeu no curso de educação física, ele foi se acalmando aos poucos e abriu um sorriso desconcertado e vai percebendo aos poucos que não há razão para tanta tensão. A paciência e tranquilidade que podia sentir próximo de Rosa era muito forte. A calma foi tomando conta de sua mente e de seu corpo.

-Podemos ler essa obra prima? -diz Rosa quando percebe que a respiração o deixou mais calmo, o animando.

Ele abre a bolsa e vê que esqueceu as alterações, volta aos poucos a ficar nervoso, mas apenas entrega a ela o original.

(28)

Rosa fez a leitura do conto em voz alta. Tomas se impressionou com as personificações que ela deu a seus personagens, como uma atriz de teatro.

-Tomas- diz ela emocionada ao fim-, eu adorei! Achei extremamente sensível e tocante... uma das coisas mais lindas que já li.

Ele estava estarrecido com a imagem de uma pessoa emocionada ao ler algo de sua autoria, um misto de incompreensão e felicidade extrema tomavam conta de sua alma naquele momento. Ficou alguns segundos em silêncio, começou a refletir que o conto que Rosa lera de fato era muito bom; ele pôde finalmente ver, e precisava ser pela boca de outro, a capacidade de escrita e conhecimentos acumulados que ele tinha; como isso pôde gerar boas narrativas e bons personagens. Já não se importava com as anotações do dia anterior, sua obra era boa.

Ele abraça Rosa apertado, aproveitando cada segundo.

Jogando para fora todas as suas desconfianças, sentimentos de incapacidade, baixa autoestima e pessimismo, disse bem baixo no ouvido dela:

-Eu também adorei.

Eles ficam um tempo abraçados, Rosa estava compreendendo o que se passava na confusa cabeça de Tomas. Terminado o abraço, ele olha para o relógio e vê que já não adianta ir para a sala, está inteiramente atrasado. Já não se importava. Aula nenhuma valeria mais do que se conhecer enquanto conhece Rosa.

Passaram a tarde conversando principalmente sobre seus gostos musicais extremamente parecidos; Rosa não tinha aula, mas mesmo que tivesse, não iria, uma conexão forte

(29)

se desenvolvia entre os dois. Riam, escutaram músicas, opinavam sobre política, arte, literatura, vivências; iam se conhecendo cada vez mais, e quanto mais se conheciam, mais queriam se conhecer.

Se despedem um do outro já à noite bem tarde, muito mais tarde do que os dois sairiam nos dias tradicionais de aula. O tempo corria enquanto eles caminhavam juntos.

Rosa chega em casa e de cara percebe que tem algo errado, tocava uma música que se ouvia à distância. Ela já imaginava o que estava acontecendo – e, se fosse, seria uma das situações que remontam aos momentos mais difíceis de sua vida. Ela procura a chave da casa com a maior velocidade em sua bolsa. Ao abrir a porta vê sua mãe desmaiada em seu próprio vômito; a sala enfeitada com garrafas vazias de vinho vagabundo.

A bolsa de Rosa cai no chão e ela toma sua mãe nos braços; respirava mal. Entrara em um coma alcóolico.

Rosa, desesperada, liga para a ambulância. Na UTI, vê sua mãe cheia de aparelhos; cada bipe da máquina martelava a mente de Rosa, lembranças ruins ressurgiam e ela precisava se sentar. Não era a primeira vez, e se sua mãe não buscasse ajuda, não seria a última.

Precisava se abrir com alguém sobre aquela situação que lhe corroía a alma. Pega o celular.

Do outro lado da ligação, Tomas, surpreso, não sabia como confortar Rosa, mesmo que ela não pedisse isso.

Tomas, entendendo que ela precisava de companhia se encaminha de madrugada para o hospital para confortar Rosa. Lá, eles se abraçam e ela começa a chorar intensamente em seu pescoço. Sem saber o que dizer,

(30)

Tomas começa a abraçá-la com mais força, tentando dar a ela confiança e segurança que nem ele tinha.

Os dois estão sentados no corredor do hospital, Tomas está atordoado em saber as histórias que as duas já passaram. Fato é que, desde criança, Rosa tem que lidar com os desequilíbrios emocionais de sua mãe que sempre são resolvidos com alcoolismo. Rosa, com o olho já inchado de tanto chorar e, soluçando, conclui:

-Eu pensava que esse ano seria diferente, ela nunca mais teve recaída, já fazia um ano. Eu estava tão feliz com ela, ela estava bem emocionalmente.

-Rosa- ele põe o braço por cima de seu ombro-, as coisas se tornarão diferentes, elas irão mudar, precisamos nesse momento estar conscientes de que ela precisará da nossa ajuda, e a gente vai ter que estar presente. - ele pega em sua mão e beija-a e deita seu rosto sobre seu ombro.

O que havia naquele menino, que mal conhecendo sua mãe e pouco de sua história poderia de maneira tão eficaz a tranquilizar? Sua empatia emocionou Rosa, que sempre carregou a cruz sozinha, fazendo-a sentir que naquele momento alguém de fato estaria do seu lado e a ajudaria com as dores de sua vida.

Rosa sempre teve pessoas que pudesse a acompanhar em diversos momentos, seja em festas, nos estudos, nos esportes; mas nunca alguém a assegurou na certeza de ser uma mão a mais para enfrentar os problemas da vida.

Renata deu alta no dia seguinte, Rosa dormiu junto a ela no quarto do Hospital, enquanto Tomas dormiu nos bancos desconfortáveis do corredor.

Os dois foram deixar Renata em casa, passando a tarde cuidando dela com calma, e a hidratando muito.

(31)

Tomas se deu muito bem com Renata; fez companhia, assistiu TV; ela gostara do menino. Rosa não se fazia tão próxima, estava apenas ajudando a mãe no que fosse necessário, mas ainda não havia sentado para conversar, se sentia incapaz e sabia que estava frágil demais emocionalmente.

Tomas foi embora, ao se despedir deu um suave e terno beijo na testa de Rosa que simbolizava naquele momento o amor amigo que se construía nos dois.

Rosa senta ao lado de sua mãe no sofá da sala:

-Mãe, podemos conversar? – Ela pega na sua mão.

Renata tira sua mão do tenro aperto da filha, e recolhe-a em seu rosto, cobrindo com vergonha. Rosa se mantém firme para encarar a situação.

-Minha filha, não olha para mim agora.

-Está tudo bem, mãe. – Rosa a abraça forte.

A mãe começa a se acalmar, as batidas dos corações das duas se estabilizam.

-Minha filha, me perdoa. Estou decidida, preciso procurar ajuda. Ainda quero viver ao teu lado muito tempo... Eu te amo minha filha, tu és a luz da minha vida. – diz ela beijando o rosto da filha e passando carinhosamente a mão sobre seu cabelo.

-Mãe, não existe nada nesse mundo que me valha mais do que tua presença. Eu te admiro tanto, tu cuidaste de mim sozinha, nunca me deixou faltar nada. Desde menina tu me ensina a ser uma pessoa boa, honesta e confiante.

Eu nunca, jamais em minha vida irei ter a coragem de julgá-la, sei que as coisas nunca foram fáceis e hoje tenho mais que certeza de que estou preparada para te ajudar no que for preciso. Retribuir a ti tudo que me oferecestes.

(32)

Meu coração é teu mamãe, conta comigo para qualquer coisa em qualquer momento.

As duas se abraçaram, encostaram a testa uma na outra.

Rosa estava chorando.

Três Semanas dele e dela

21 dias de relação entre eles era como se fossem anos;

passaram todos os dias juntos desde que se conheceram.

Tinham noção dos anseios, das dores, dos sofrimentos, dos motivos de felicidade plena, as piadas que iriam ser motivos de gargalhadas entre os dois, se conheciam profundamente, e quanto mais se relacionavam mais aprendiam sobre si juntos.

Estavam deitados em um parque.

-Você já viu aquele filme Benjamin Button? – Perguntou Tomas.

- Já ouvi falar, tenho curiosidade em ver, mas ainda não vi, por quê?

-Tem uma cena nesse filme que uma personagem sofre um acidente de carro, ela é atropelada, então o personagem do Brad Pitt começa a narrar a trajetória dela naquele dia, tipo: se ela não tivesse feito isso, teria mais tanto tempo, e não sofreria o acidente, blá blá blá.

- Interessante. – Afirmou ela – Mas onde você quer chegar?

- Às vezes eu vejo a vida dessa forma, uma série de acontecimentos que ocorrem devido a outra série de acontecimentos, e se tirarmos trechos, pedaços, é modificado todo o resto. O que está na minha cabeça faz sentido, tenho certeza. - completa rindo- Imagina se eu não tivesse decidido fumar cigarro naquele exato instante,

(33)

ou se tu me achasse estranho e não quisesse me pedir um maço, ou se tu não quisesse fumar naquele dia, ou se teu professor não quisesse receber o relatório...

-Tomas, aonde você quer chegar? - Diz ela interrompendo -A gente poderia não existir, juntos. - Afirma pegando em sua mão.

-O acaso da minha miséria nos uniu, entendi o seu ponto.

– Ela riu baixo.

Abriu-se um silêncio de muito tempo entre os dois, que era muito comum entre suas conversas.

-Eu acho engraçado como os nossos silêncios dizem muito. - Diz Rosa.

-Como assim? – Indaga Tomas.

-Eu tenho a impressão de que muitos relacionamentos você tem que se forçar para falar, como se falar dissesse muita coisa, você pode falar muito e não falar nada. O negócio é entender o tempo do outro, ver que o silêncio às vezes diz mais sobre as pessoas do que a própria fala;

apreciar o tempo, os pequenos momentos, os toques, os olhares, os gestos, tudo é linguagem, tudo é comunicação; e muitas das vezes isso é o complemento que a outra pessoa te passa, a certeza que com ela você não precisa se forçar a ser algo, você pode ser quem realmente é. – diz Rosa gesticulando muito.

-Você podia estar em silêncio agora. –diz Tomas brincando, ao que os dois riram- Eu te entendo completamente, sinto que contigo eu posso preservar os meus momentos de contemplação das coisas ao meu redor, que me cercam, e consequentemente do que nos cerca, nós dois; eu entendo muita das vezes quando nós paramos um assunto e ficamos em silêncio, talvez os dois

(34)

precisem apenas absorver o que cada um disse. E eu saber que contigo eu tenho essa liberdade de as vezes apenas sentir o ar que eu respiro com alguém do meu lado é extremamente tranquilizante.

Tomas se emociona, vira para ela e diz:

-Eu passei toda minha vida só, após a morte de meu avô me isolei por completo das coisas ao meu redor, da minha família, e comecei a ser extremamente introspectivo.

Passo a maior parte da minha semana dialogando com os filmes que eu vejo e com as coisas que leio e escrevo.

Não sou infeliz, pelo contrário, me sinto muito feliz de finalmente poder ser quem eu sou. Passei muitos anos tentando me enquadrar no que os outros queriam que eu fosse, e me distanciava cada vez mais do que eu queria para minha vida. Percebi que sou assim, admiro a beleza das coisas que eu vejo, internalizo as coisas que eu sinto, e se necessário compartilho com alguém que tenha sentido o mesmo que eu.

Ele se expressou agora direto, sem parar, como se fosse um discurso gravado. Rosa o ouvia como sempre, interferia se necessário para propor caminhos para superar aquilo, mas a maioria das vezes apenas escutava e, Tomas sabia que ela estava ali de todas as formas, física e espiritualmente. Tomas continua se abrindo para ela:

-Eu sinto que muitas coisas mudaram desde que te conheci e não tenho nenhuma vergonha de assumir isso;

eu comecei a sentir necessidade de saber como o outro está, de sentir a dor do outro e oferecer ajuda, de ser presente e constante. Também comecei a ver que sou frágil, humano, que preciso me expressar de todas as

(35)

formas, que não devo apenas internalizar o que sinto, que posso compartilhar minha vida e fazer dela uma vida conjunta. Que posso sim ser feliz com alguém, que esteja a meu lado nos momentos bons e ruins. Sinto que sinto.

Sinto que posso se tentar e consigo se fizer. Quero estar do teu lado Rosa, tu extrai de mim o bom que eu desconhecia, teu jeito sensível de ver o mundo me sensibilizou, estou aberto às realidades da vida e hoje sei que movo, que estou em movimento, que não preciso ser sempre o mesmo. Sinto que hoje posso ser eu, sozinho, mas junto de ti. Devo a ti a descoberta de mim mesmo. – Finaliza ele com lágrimas que escorreram de seu rosto desde o começo de sua fala.

-

Rosa chorava. De repente ela lhe toma da boca um beijo que aflora algo que os dois nunca haviam sentido antes na vida, um amor que como diz Goethe: “O amor e o desejo são as asas do espírito das grandes façanhas.” E naquele momento os desejos de cada um se expressava de diferentes formas.

O mar vermelho se abriu; uma estrela cadente passou;

uma bola de três pontos no último segundo de jogo; uma vitória de guerra; libertação; liberdade. Os dois estavam no paraíso e aquele paraíso se fez o resto de toda a tarde.

O amor surgiu do nada, e do nada se fez tudo; os dois já não eram mais os mesmos de 2 semanas atrás, mas o que os dois viveram, aprenderam, determinava as suas essências atuais. Os seus aprendizados se chocaram com suas ideias pré-estabelecidas e formaram novas pessoas, novos seres humanos que reconhecem que a mudança é

(36)

bem-vinda, que nunca é tarde para aprender e sempre cedo para começar; mudaram, e nada poderia alterar isso.

Estar disposto a aprender que sempre é hora de aprender é o que é elementar à sabedoria, ainda mais quando se aprende junto, com alguém que constrói um laço; seja afetivo, seja de companheirismo, nesse caso os dois.

Mas isso era apenas a primeira parte de suas vidas juntos, de aprendizados e de formação de um romance; ainda há muitas coisas que a vida impõe como provação; é egrégio conhecer outras formas de ver o mundo. Tomas e Rosa irão permanecer apaixonados, e ainda se um dia a duração de sua paixão for limitada pelas desventuras da vida, esse momento terá sido eterno.

(37)

Segunda Parte

A vida é um terrível jogo do acaso, tudo que dela decorre é novo e imprevisível e o sujeito deve se adaptar a mesma. Nossos protagonistas não puderam prever seu romance, e hoje já não se imaginavam sema, mas o acaso sempre existirá!

Não que seja necessário os gostos serem iguais, amor não é isso, mas por incrível que pareça Rosa aprendeu a amar cinema pela influência de Tomas. Via muitos filmes, e em determinado momento começou a ver muito mais filmes que ele. Isso começou como uma tentativa dela de “se enquadrar” nos gostos dele, e acabou se encaixando muito nesse quadrado.

Com o tempo, ela percebeu que assistir muitos filmes era mais do que apenas uma relação passiva com a obra. Ela até começou a se entender mais enquanto assistia filmes, percebeu que o que ela sentia, que as suas lembranças, que os sentimentos que afluíam, que as suas análises ao assistir, eram somente dela. Muitos momentos se via lembrando de cenas de sua infância, que até havia esquecido, e tudo isso pelo contato com cinema.

Mergulhou de cabeça nesse universo.

Se pensarmos de forma conservadora sobre as experiências humanas para afirmarmos que o que fazemos na vida necessita-se de um sentido para aquela ação, então cinema a ela foi um deleite.

Sobre o fator “enquadramento”, vale lembrar que eles dois corriam de três a quatro vezes por semana, após

(38)

uma súplica insuportável de Rosa, que implorava para Tomas deixar de exercitar somente os dedos na escrita.

Para sua saúde corporal no início, se tornou uma prática de saúde mental; começou a ver o efeito tão forte que a prática de exercício físico o causava. Fez dessas práticas uma forma de combater o estresse, jogando para fora várias angústias que se encontravam sobre seu corpo.

Angústia essa denominada gordura lateral.

Essas realidades não exercerão nenhuma influência sobre a história, mas se torna interessante a partir do momento que os dois saíram de suas zonas de conforto para acabar agradando o outro, mas encontraram pequenos pedaços seus no meio do caminho.

Ainda que inicialmente fossem apáticos ao gosto alheio, se forçaram a compreender o seu valor, e o que significava para o outro. Acabaram se identificando e trazendo para suas próprias vidas. Pode esse ser mais um dos incidentes ocasionais que definem a nossa história...

Oito meses se passaram desde o dia que se conheceram.

Não namoravam ainda, nenhum dos dois tomou iniciativa, isso não duraria tanto tempo... No máximo oito meses, claro.

Os dois queriam o namoro e os dois sabiam os interesses um do outro. Para quê há de haver a necessidade de alguém tomar iniciativa visto que os dois gostariam de namorar, ou melhor, é realmente necessário precisar oficializar esse relacionamento, visto que os dois estavam felizes do jeito que estavam? Não digo para polemizar, é simplesmente uma dúvida...

Eles queriam normalizar o relacionamento para o mundo e para suas próprias consciências, queriam estar dentro do

(39)

que a convenção social impõe, e não se pode julgar, provavelmente essa é a vontade de qualquer um, talvez até mesmo a sua, querido leitor.

Existiu uma cena, lá pelos 5 meses de relacionamento, que vale a pena ser contada, pois é o evento que demonstrou aos dois o interesse de namoro.

Certo dia, Rosa convidou Tomas para a praia, no intuito de passarem o dia todo juntos. Era um domingo, sol saudável, amor mais ainda. Rosa aprendeu a andar sobre o slackline e Tomas... Ao menos tentou. Ele pela primeira vez experimentou ostras, e logo de cara comprou uma dúzia para comer sozinho, que no momento degustara com o maior prazer - todo lado bom tem uma outra metade que não é tão boa. Posteriormente em casa sentiu o peso de comer tantas ostras, sofrendo no banheiro.

Fizeram tudo na praia, banharam juntos, se rolaram e enrolaram na areia, alugaram aqueles carrinhos conjuntos como se fossem dois idosos apreciando. Supimpa!

Tomas tinha certeza de que Rosa havia planejado aquele encontro por algum motivo, pelo seu alto grau de especial, e se forçava a acreditar que ela iria fazer o pedido de namoro. Ele sentia que ela lhe preparara algo especial. Pensava na frente, enquanto os momentos presentes já eram o presente que ele poderia almejar.

Certo momento, já ansioso pela cena tão importante do pedido, Tomas perguntou precipitadamente:

- Mas então, para finalizar um dia tão lindo como esse, só um acontecimento muito inesperado para a gente se surpreender, não é?

- O que têm em mente?

- Acho que você poderia falar.

(40)

Silêncio. Rosa começou a pensar. Tomas nervoso. Ele começou a ficar na dúvida se aquele dia foi feito para ela pedir, ou ele.

-Acho que já sei – respondeu Rosa -, fecha os olhinhos.

Ele fechou, sem saber o que esperar. Talvez ao abri-los veria Rosa ajoelhada o pedindo em namoro. Qualquer coisa se passa na mente desesperada de um homem.

Realmente aquela dúvida o deixava aflito. Justo com a resposta mais certa que ele daria na vida...

-Abre. – Afirma Rosa sentada com um algodão doce, que comprara com um senhor que havia passado próximo a eles.

Rosa estava com a fisionomia mais dócil que se podia imaginar. Tomas até se surpreendeu com o olhar angélico que lhe era disposto. Não se decepcionou com o que vira, nenhum pouco. Estava feliz por ver que independente de dar nome ao relacionamento, eles tinham um, e que era o melhor que poderia ter. Estava feliz. Decidiu namorar a ideia de desenvolver ainda mais o amor por Rosa.

Começou a encará-la com um profundo olhar apaixonado e apaixonante. Ele a apertara tão firmemente com os olhos como se a estivesse segurando com seus braços...

Rosa o encarou de volta em silêncio, de maneira tão apaixonada quanto a dele. Percebeu que a estabilidade daquele relacionamento, que suas conversas, que a confiança que um possuía no outro, que a conexão espiritual entre os dois, que o entrelaçamento de suas almas, que a forma de expressar o amor de cada um estava permitindo com que ela alcançasse níveis de felicidade e paixão que controlavam seu corpo e enchiam seu coração. E aquela tarde foi a prova cabal. Olhava a

(41)

melancolia daqueles olhos, que a desnorteava e a guiava ao mesmo tempo.

Começaram a sentir a noite se inclinando para os dois;

ouviam os sons das ondas se quebrando, que estrangulava as rochas. Se afogariam caso não fosse as redes daquele forte amor. Fora isso o silêncio perpetrou- se. Os clamores do vento desencadeavam nos ares aquelas respirações que vinham do uníssono de suas almas. Um horizonte imenso, cheio de mistérios, adentrou seus corpos. Entregaram todo o seu ser e transcenderam a um só sentimento. Naquele momento não havia nada nem ninguém que pudesse fazê-los enxergar fora a cegueira de suas apaixonadas visões.

Lua, Sol, estrelas, uma dica: apenas se permitam seguir suas órbitas naturalmente... os dois precisam saber distinguir entre dia e noite, pois o mundo inteiro lentamente caminha quando estão juntos.

E deitados sobre a grossa sedimentação das rochas, olhando para cima, sentem o imenso horizonte misterioso ressoando sobre suas almas, e percebem que nada é capaz de abalar a unidade de seus corpos.

Pausa para confissões

O amor merece ser contado em todas as suas formas, graus de profundidade e circunstâncias. Às vezes é difícil transcrever em palavras o que significa o amor para o interior de nosso corpo. O que é esse outro ser dentro da gente tomando conta de nossas ações, e de nossas sensações. Não me darei o trabalho nesta obra de apenas afirmar o que é esse tal amor. Essa é a complexidade que

(42)

autores dos mais diversos da filosofia tentam há séculos justificar ou mensurar. Então não sou eu, um mero autor de passagem, que irei dar a forma geral da abstração mais poderosa da alma, do sentimento que perfura, que destrói, mas que ao mesmo tempo fecha feridas e reconstrói o que perdemos pelas desilusões ou tristezas da vida. Do sentir que nos aprisiona e liberta. Do peso que não é palpável, mas é sentido, não é pesado, mas em nosso peito se apregoa como uma carga de toneladas. Do efeito que determina como encaramos a passagem do tempo. Do que faz a mente passar a vagar no espaço ou estar enfiada no fundo da terra. No ouvir de rouxinóis arfantes ou em gritos estrépitos e delirantes. No caminhar com o peso do vazio na alma ou rastejar com o eterno mundo nas costas. Do bater de asas livres voando por estrelas a mil ou se afogar na profundeza de um denso mar de gelo. Do tilintar de arcanjos em um campo livre na primavera ou do estrondo belicoso de uma bomba na sua casa interior.

O amor se define como o sentimento que quanto mais se descreve, mais surge formas de tentar descrevê-lo, mais ideias, experiências, mais narrações; muitas das vezes completamente sem sentido, ou diferentes do que me proponho a dissertar nesse humilde conto.

Permaneçamos sem definição exata.

(43)

X

Em oito meses, no que se concerne à realidade de Rosa com sua mãe, tudo caminhava de uma forma tranquila.

Renata estava sendo acompanhada por psicólogo, já havia tido diversos resultados positivos. Mas, aparentemente, também era paciente fora do consultório; pois muitas vezes tinha ainda que suportar a petulância da formanda em psicologia dentro de sua própria casa. Com muita calma e uma compaixão maior ainda, respondia aos questionários que sua filha apresentava, cheio de perguntas que expressavam sua ansiedade para o dia que encararia o mercado de trabalho.

Aquelas discussões, conversas, convivências das duas se tornava presente praticamente todos os dias. Rosa estava profundamente dedicada a passar momentos juntos com sua mãe, a acompanhando, cuidando, estando próxima.

Y

A família de Tomas pode se caracterizar por ser altamente desconjuntada. Ninguém suporta um ao outro dentro de casa. Ninguém conversa, ninguém ouve, apenas deixam ressoar os gritos dos silêncios, na maior parte do tempo.

A outra parte era de brigas que ganhavam caráter agressivo. Às vezes esse desgosto de se relacionar era particularmente notável no modo de tratamento do pai de Tomas com sua mãe. Cada vez mais agressivo e inconsequente, se dedicava a passar as noites bebendo em bares com amigos. Chegando em casa, causava um estardalho. Tomas sempre ouvia as barbaridades ditas à beira da porta de seu quarto, se controlando para não sair

(44)

e entrar na discussão. Aquela raiva nascia no coração de Tomas no momento em que abria a porta de casa, à noite.

Quando estava com Rosa era como se libertasse para um céu divino, tranquilo, controlável, e que sentia prazer em viver. Chegar em casa, conviver com pessoas que claramente não se suportam, que beiram o ódio, era como descer para o inferno - um lar de intrigas, angústia e desunião. Ficava trancado em si mesmo, não falava com nenhum deles, apenas o necessário para a lógica de vida conjunta. De seu pai simpatizava com a ideia de confrontá-lo, de interrogar-lhe o porquê de sua agressividade, de sua necessidade de controlar sua esposa.

XY

Já fazia alguns dias que Rosa estava se sentindo angustiada, acordava incomodada consigo mesma.

Passava seu café com a mente distante, confrontava-se com os mesmos questionamentos e dúvidas sobre sua autoconfiança.

Fato é que, nos últimos tempos, Tomas fizera amizade com uma menina de sua turma, e estava cada vez mais próximo dela. Rosa o esperava nos dias em que sua aula acabava mais cedo, e aquela cena de Tomas saindo de sua turma rindo com uma amiga a causara um desconforto que até então desconhecia – uma dúvida sobre o comprometimento de Tomas com ela, mesmo que o relacionamento deles fosse o melhor possível, e pensar nisso a torturava.

(45)

Não interprete mal, caro leitor, nossa personagem não odiava Tomas por ter uma amiga, muito pelo contrário, a deixava feliz que Tomas finalmente tenha conseguido se comunicar de forma sólida com outra pessoa, de ter constituído uma amizade, e ela mesma sabia da relevância de seu papel para esse amadurecimento pessoal da parte dele.

O que a incomodava eram seus sentimentos se renderem a uma desconfiança desnecessária, um medo injustificável e a um ciúme extremamente ultrapassado... Imagino que vocês, amados leitores, também devem concordar com isso.

Sua própria consciência a julgava constantemente em lapsos que a torturavam: “Sério Rosa?”, “ciúmes porque, menina?”, “pelo amor de Deus, né?”.

Mas vamos tentar compreender. Por mais ultrapassado e injustificável que seja o ciúme em sua essência, existe a forma saudável e a destruidora de se manifestar esse sentimento.

Justamente pelo fato de ser um sentimento, não o temos em nossa mão, não sabemos controlar, apenas sentimos o desconforto que ele oferece. Podemos, assim como Rosa, entender o quão bobo muita das vezes ele é, mas se não aprendermos como lidar, seu poder irá apossar-se de nossa imaginação.

Rosa já estava cansada de sentir aquilo e resolveu falar a Tomas o que se passava em sua cabeça, enquanto os dois caminhavam pela Universidade na direção da biblioteca:

- Amor, quero te confessar uma coisa que está me incomodando já faz um tempo, e que desde já eu digo que sei que estou errada, e te peço para ter paciência

(46)

comigo e me entender. Não tenho vergonha de dizer o meu sentimento, porque confio no nosso relacionamento.

- Meu deus, amor, estou preocupado. O que foi?

- Eu ultimamente tenho me sentido um pouco desconfortável, com um certo ciúme da tua amizade com a Lúcia. Você nunca deu motivo nenhum para me fazer sentir ciúme, e esse é justamente o grande problema que estou tendo. É como se eu estivesse forçando uma sabotagem de nosso relacionamento, que eu amo tanto.

Eu fico tão feliz por tu ter uma amizade com outra pessoa, isso me deixa feliz..., Mas ao mesmo tempo, meu coração se enche de uma mescla de sentimentos confusos! Eu realmente não sei o que sentir. Eu estou muito confusa ultimamente, e não sei como lidar com isso...

Eles pararam, estavam olhando um para o outro. Tomas não fazia a menor ideia do que falar, nunca pensara que Rosa se angustiaria por algo do tipo. Sempre via nela a pessoa do relacionamento com mais controle emocional.

Ambos eram sensíveis de suas formas, mas Tomas estava incrédulo com a fala de Rosa. Ambos respiraram algumas vezes durante essa pausa, sempre olhando um para o outro. Rosa o encarava com um rosto dotado de vergonha, apesar de negar anteriormente. Até que ele rompe o silêncio e diz:

- Então quer dizer que a aluna de psicologia veio se consultar com um mero estudante de cinema...

Ambos riram. Apesar de Rosa odiar os momentos que Tomas inverte uma situação com algum comentário

“besta”, esse possivelmente foi necessário. Talvez os dois naquele momento precisassem apenas levar essa discussão na parcimônia, aprendendo a lidar juntos, e não

(47)

se esquecendo que estavam em relacionamento para se tornarem pessoas melhores. Tomas dá continuidade:

- Amor, estou surpreso, não vou mentir. Não esperava de forma alguma que um sentimento do tipo viesse de tua parte no relacionamento. Você quer me falar mais sobre isso?

- Eu passei todos esses dias tentando compreender isso, ver que eu caio de forma tão fácil a um sentimento do qual eu nem mesmo concordo ser necessário sentir, principalmente tratando do nosso relacionamento... não queria trazer essa negatividade para nossa conversa, sabe?

- Não vejo ele como necessariamente negativo, você não me acusou de nada, apenas compartilhou comigo o que sente e essa abertura entre a gente é muito boa.

- É uma sorte a gente poder ter coragem de dizer. E eu adoro tu ter amizades, inclusive eu gosto bastante dela, acho atenciosa e engraçada. Uma vez minha mãe me disse que meu pai era um otário ciumento e que tinha sentimento de poder sobre ela. Mesmo que eu esteja sentindo apenas 1 por cento do que ele sentia, para mim já é uma grande vergonha. Eu simplesmente não gosto dessa situação, nossa é muito confuso explicar...

- Eu quero falar uma coisa, mas não quero parecer chato, nem parecer que quero dar sermão. Posso falar?

Ela balança a cabeça em sinal de concordância e olha nos olhos de Tomas, que engole saliva e diz:

- Eu não falava com outras pessoas antes de te conhecer, você sabe disso, ou entrava em desespero ou simplesmente odiava formular perguntas e respostas para o que devia falar. Eu sou extremamente grato como tu me

(48)

ensinou a sair de mim, a ver sentido nesses relacionamentos, a ser curioso com a vida dos outros, a apresentar as ideias que posso dispor, a demonstrar interesse e ser interessante, a mudar. Ainda sou inseguro em muitas situações, demonstro alguns comportamentos parecidos com tempos atrás e eu acho isso normal, não posso negar quem eu sou; posso amadurecer, mas sendo ainda eu mesmo. E eu acho que você foi incrivelmente madura quando decidiu falar dessa forma tão aberta comigo, provavelmente eu não seria capaz. Eu não tive esse sentimento até agora, mas não estou imune a ele, acho que ninguém está.

- Tem uma parte que eu me identifico que é eu nunca pensar que poderia sentir, porque sempre dei sermão em amigos e amigas que já sentiram, e eu aqui... sentindo.

Não sei se isso é hipocrisia ou simplesmente a gente pensar que consegue controlar sentimento, quando na verdade é mais difícil do que parece...

- Acho que o que não podemos fazer é deixar que isso tome conta da gente, porque senão iremos querer controlar o outro. Te admiro tanto, amor, por ter se expressado assim, sei que não é fácil, se tratando de relacionamento, acho que nada é fácil. O que temos que fazer é enfrentar, se não soubermos como, aprendemos a dar um jeito. Tem que ser assim, porque somos nós dois juntos para enfrentar tudo que vier no nosso caminho.

Rosa se tranquilizara com o monólogo característico de Tomas, então ela resolveu falar:

-Achei muito compreensível da tua parte, Tomas, acho que me julguei demais esses dias, devia ter vindo me abrir contigo antes. Me martirizei por esse sentimento

Referências

Documentos relacionados

PORTUGUÊS: Fonética e Fonologia; Divisão Silábica; Acentuação Gráfica; Emprego do hífen; Ortografia; Pontuação; Processos de Formação das Palavras; Estrutura das

Esse achado assemelha-se ao encontrado em um estudo que apresentou relação estatisticamente significante com a autoeficácia materna para prevenir diarreia, tendo

O processo da demarcação das terras indígenas, deve ser acompanhanda pelos líderes indígenas das organizações e comunidades indíg~ nas envolvídas.. Que o

Os tratamentos do estudo foram desenvolvidos a partir das soluções do extrato de Cyperus rotundus (tiririca), do extrato do pirolenhoso de clone de eucalipto e da

§ 1.º Os requisitos listados neste artigo, bem como o período de inscrição, constarão de Edital emitido pela Coordenação do Curso. § 2.º O aviso do Edital de que

Condicionamento Conversor A/D Computador Monitor Aquisição de Dados Tanque Sensor de temperatura Processo de Interesse Processamento (análise) Software de Processamento

O jogo precisa de, no mínimo, duas pessoas; A cada rodada, um dos jogadores será o líder e deverá escolher um objeto do ambiente em que estiverem;.. Assim que o líder virar a

Codelco Norte Integracion Division Codelco Norte Desarrollo Modelo Integrado Geologia-Geotectia-Geometalurgia 2003 CVRD Sossego (Brasil) Estudio de Factibilidad - Ingenieria Basica