Doença Arterial Periférica uma Causa
de HTA Refractária Após
Transplante Renal
[26]
RAQUELDOURADO1, PEDRO DEARAÚJOGONÇALVES1, MANUELALMEIDA1, ANDRÉWEIGERT2, MARGARIDABRUGES2,
AUGUSTAGASPAR2, ACÁCIOPITANEGRÃO2, DOMINGOSMACHADO2, BELARMINOCLEMENTE3, RUITELES1,
FRANCISCOPEREIRAMACHADO1, ANICETOSILVA1
Serviço de Cardiologia, Hospital de Santa Cruz, Carnaxide, Portugal Serviço de Nefrologia, Hospital da Santa Cruz, Carnaxide, Portugal Serviço de Cirurgia Geral, Hospital de Santa Cruz, Carnaxide, Portugal
Rev Port Cardiol 2008; 27 (3): 353-357
353
RESUMO
Os autores apresentam o caso clínico de um homem de 44 anos, com antecedentes de hipertensão arterial, tabagismo, doença arterial periférica e insuficiência renal crónica. No pós-operatório da cirurgia de transplante renal, o doente apresentava valores de pressão arterial persistentemente elevados, apesar da terapêutica médica optimizada. Ao iniciar inibidor da enzima de conversão da angiotensina (iECA), apresentou insuficiência renal aguda anúrica, reversível com a sua interrupção. Na sequência da avaliação clínica efectuada, foi solicitada uma angiografia da artéria renal do aloenxerto que revelou uma estenose significativa da artéria ilíaca primitiva esquerda, proximal à anastomose com a artéria do aloenxerto renal. O doente foi submetido a angioplastia da referida lesão com resolução do quadro clínico.
Palavras-Chave
Hipertensão Arterial; Transplante Renal; Doença Arterial Periférica; Angioplastia
Recebido para publicação: Abril de 2007 • Aceite para publicação: Outubro de 2007 Received for publication: April 2007 • Accepted for publication: October 2007
ABSTRACT
Peripheral Artery Disease: A Cause of Refractory Hypertension after Renal Transplantation
The authors report the case of a 44-year-old man, with a history of hypertension, smoking, peripheral artery disease and chronic renal failure.
After renal transplantation, the patient developed persistent high blood pressure, despite optimal medical therapy. When angiotensin-converting enzyme (ACE) inhibitor therapy was begun, he developed acute anuric renal failure, which was reversed after
interruption of the ACE inhibitor.
After the initial clinical evaluation, the patient was referred for renal angiography, which revealed critical stenosis of the proximal left common iliac artery, just above the renal graft artery anastomosis.
The patient underwent successful angioplasty and stenting of the lesion, with complete normalization of blood pressure.
Key words
Hypertension; Renal transplantation; Peripheral arterial disease; Angioplasty
INTRODUÇÃO
A
hipertensão arterial após transplante renal éfrequente, podendo ocorrer em cerca de 70 a 90% dos casos. A sua etiologia é multifactorial, sendo as causas mais frequentes a terapêutica imunosupressora com inibidores da calcineurina (ciclosporina e tracolimus), a disfunção do enxerto e a estenose da artéria renal do enxerto ou
dos rins nativos[1].
CASO CLÍNICO
Tratava-se de um indivíduo de 44 anos, sexo masculino, raça caucasiana, com hábitos tabágicos (40 UMA) e hipertensão arterial como factores de risco de doença aterosclerótica. Apresentava como antecedentes relevantes doença arterial periférica, hiperparatiroidismo grave e insuficiência renal crónica, por nefropatia de refluxo, em programa de hemodiálise desde 1998.
Em Fevereiro 2007 foi submetido a transplante renal de dador cadáver com implantação da artéria renal do aloenxerto na artéria ilíaca externa esquerda. Na avaliação intra operatória este vaso apresentava infiltra-ção ateromatosa significativa, com marcada calcificação.
No pós-operatório observaram-se valores de pressão arterial persistentemente elevados
(sistólicas
≈
200 mmHg e diastólicas≈
100mmHg) apesar da terapêutica médica optimizada com furosemido, nifedipina, metoprolol, clonidina e minoxidil (Fig. 1).
Figura 1. Registo dos valores
de Pressão Arterial
Figure 1.Blood pressure values
Fez-se prova terapêutica com iECA (enalapril), verificando-se redução acentuada do débito urinário (anúria) com agravamento da
INTRODUCTION
H
ypertension after renal transplantation iscommon, occurring in 70 to 90% of cases. Its etiology is multifactorial, the most frequent causes being immunosuppressant therapy with calcineurin inhibitors (cyclosporine and tacrolimus), graft dysfunction, and renal artery
stenosis of the graft or the native kidney(1).
CASE REPORT
A 44-year-old man, white, with smoking (40 pack/years) and hypertension as risk factors for atherosclerotic disease, had a history of peripheral artery disease, severe hyperparathyroidism, and chronic renal failure due to reflux nephropathy, and had been in hemodialysis since 1998.
In February 2007, he underwent renal transplantation of a cadaver donor kidney with anastomosis of the renal allograft artery to the left external iliac artery. Intraoperative assessment showed this vessel to have significant atheromatous infiltration and marked calcification.
Postoperatively, the patient developed
persistent high blood pressure (systolic
≈
200mmHg and diastolic
≈
100 mmHg), despiteoptimal medical therapy with furosemide, nifedipine, metoprolol, clonidine and minoxidil (Fig. 1).
Therapy was begun with an angiotensin-converting enzyme (ACE) inhibitor (enalapril), which led to a marked reduction in urinary output (anuria) with worsening renal function (creatinine levels up to 6.5 mg/dl).
Renal ultrasound showed the transplanted kidney with a bipolar diameter of 12.6 cm, preserved cortical parenchymal differentiation, preserved parenchymal index and no dilatation of the urinary tree. Doppler study showed low systolic flow in the renal artery and interlobar arteries. Diuretic renography revealed preserved perfusion in the renal graft artery, reasonable tubular renal function, and a renographic pattern suggestive of acute tubular necrosis.
Due to suspected stenosis of the left iliofemoral axis or of the transplanted renal artery anastomosis, the patient was referred for angiography of the iliac arteries and the renal
função renal (subida de creatinina até 6,5 mg/dl). Realizou ecografia renal que mostrou rim transplantado com cerca de 12,6 cm de diâmetro bipolar, com diferenciação parênquimo-cortical mantida, índice parênquimatoso conservado e sem dilatação da árvore excretora. Por Doppler o fluxo na artéria renal e nas interlobares apresentava baixa amplitude sistólica. Fez renograma diurético que revelou enxerto renal com perfusão conservada, função renal tubular razoável, com perfil renográfico sugestivo de necrose tubular aguda.
Por suspeita de estenose no eixo ílio-femoral esquerdo ou na anastomose da arterial renal transplantada foi proposto para angiografia das artérias ilíacas e da artéria do enxerto renal.
O acesso vascular foi a artéria femoral comum direita porque o pulso à esquerda era de pequena amplitude. Após cateterização selectiva da artéria ilíaca comum esquerda (cateter de mamária interna) foi documentada a presença de estenose suboclusiva deste vaso, doença difusa calcificante de todo o eixo ileo-femoral e ausência de estenose significativa da artéria renal anastomosada na ilíaca externa esquerda (Fig. 2).
Figura 2.Angiografia
O gradiente medido através da estenose da artéria ilíaca primitiva foi de 92 mmHg (Fig. 3)
Foi realizada angioplastia com implantação de um stent autoexpansivel SMART control ® de 9,00 mm x 30mm Johnson & Johnson e pós--dilatação com balão Opta Pro 80 cm (6,00 x 20,0 mm) Johnson & Johnson a 6 ATMs (Fig. 4).
graft artery.
Vascular access was through the right common femoral artery since the left pulse was weak. Selective catheterization of the left common iliac artery (using an internal mammary catheter) revealed subocclusive stenosis, diffuse calcification of the entire iliofemoral axis, and no significant stenosis of the renal artery anastomosed to the left external iliac (Fig. 2).
Figure 2.Angiogram
The gradient across the common iliac artery stenosis was 92 mmHg (Fig. 3).
Angioplasty was performed with implantation of a 9 x 30 mm SMART Control® self-expanding stent (Johnson & Johnson), followed by dilatation with a 6 x 20 mm Opta Pro balloon (Johnson & Johnson) at 6 atm pressure (Fig. 4).
A good final angiographic result was obtained (Fig. 5).
The patient currently has controlled blood pressure and normal renal function with creatinine of 1 mg/dl, medicated with furosemide, nifedipine, metoprolol and clonidine.
DISCUSSION
Hypertension is one of the main complications after renal transplantation, and in 25% of cases it is secondary to stenosis of the renal allograft artery(2).
Treatment with ACE inhibitors or angiotensin
II receptor blockers may reduce the glomerular 355
Estenose suboclusiva da iliaca comum esquerda
Arterial renal
Iliaca externa esquerda
Subocclusive stenosis on left common iliac artery
Renal artery
Obtendo-se bom resultado angiográfico final (Fig. 5).
Actualmente o doente apresenta valores de pressão arterial controlados, função renal normal com creatinina de 1 mg/dl e está medicado com furosemido, nifedipina, metoprolol e clonidina.
DISCUSSÃO
A hipertensão arterial é uma das principais complicações após transplante renal. Em 25% dos casos é secundária à estenose da artéria
renal do aloenxerto[2].
Nestes casos a terapêutica com iECAs ou bloqueadores dos receptores da angiotensina II
filtration rate and increase creatinine levels. Such a finding, while not diagnostic, is strongly suggestive of renal artery stenosis.
Screening for renal artery stenosis is by Doppler ultrasound, magnetic resonance imaging or CT angiography, and the diagnosis is confirmed by conventional angiography.
Stenosis of the iliac artery is an uncommon cause of renal dysfunction in transplant patients. From a pathophysiological standpoint, it resembles renal artery stenosis if the stenosis is located upstream of the allograft anastomosis.
In patients with renal dysfunction and a high probability of diffuse atheromatous disease, pre-transplant investigation of obstructive lesions in the iliofemoral axes should be considered.
356
Pressão a montante da estenose P. sistólica - 196 mmHg
Pós-dilatação com balão
Pressão a jusante da estenose P. sistólica - 104 mmHg
Figura 3.Gradiente de pressão através da estenose.
Figure 3. Pressure gradient across the stenosis
Figura 4.Angioplastia da artéria ilíaca comum esquerda com stent e pós-dilatação com balão.
Figure 4.Angioplasty of the left common iliac artery with stent
implantation and balloon dilatation.
Stent
Balão
Resultado Angiográfico Final
Figura 5.Resultado Angiográfico Final Figure 5.Final angiographic result
pode precipitar uma redução da taxa de filtração glomerular com aumento dos níveis creatinina. Este achado, embora não seja diagnóstico, é altamente sugestivo de estenose da artéria renal.
O rastreio da estenose da artéria renal é realizado por eco Doppler, ressonância magnética ou angio TC e o diagnóstico é confirmado por angiografia.
A estenose da artéria ilíaca é uma causa rara de disfunção renal nos doentes transplantados. Do ponto de vista fisiopatológico assemelha-se à estenose da artéria renal, se a estenose estiver localizada a montante da anastomose da artéria do aloenxerto.
Nestes doentes com disfunção renal e elevada probabilidade de doença ateromatosa difusa pode ser relevante na avaliação pré-transplante, o despiste de lesões obstrutivas nos eixos ileo-femorais.
A angioplastia da artéria ilíaca tem uma taxa de sucesso angiográfico de 90 - 95% e a patência da artéria aos 5 anos é de 75 a 90%. Estes resultados associam-se a uma baixa taxa de morbilidade e mortalidade, traduzida num elevado sucesso clínico que tornam a angioplastia
o tratamento de primeira linha[2].
Angioplasty of the iliac artery has a 90-95% angiographic success rate and artery patency at five years is 75-90%. It is associated with low morbidity and mortality, and the high rate of clinical success makes angioplasty the first-line
treatment(2).
Pedidos de separatas para: Address for reprints: RAQUEL DOURADO UNICARV
Hospital de Santa Cruz R. Prof. Reinaldo dos Santos 2795-523 Carnaxide, PORTUGAL Tel: +351.214241380
Fax: +351.214241388
E-mail: raqueldourado@yahoo.com
357
1. Midtvedt K, Hartmann A. Hypertension after kidney transplantation: are treatment guidelines emerging? Nephrol Dial Transplant. 2002 Jul;17(7):1166-9.
2. Mullasari AS, Umesan CV, Radhakrishnan N, Lakshmi V. Iliac artery stenosis causing post-renal transplant hypertension: successful management by percutaneous angioplasty and stent implantation. J Invasive Cardiol. 2002 Apr;14(4):212-3