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História Econômica do Ocidente Medieval

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Academic year: 2021

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G ilí FOUROUIN

HISTORIA

ECONOMICA

DO OCIDENTE

(2)

T ítulo original: H istoire économ ique d e l ’O cciden t m édiéval

© Librairie Armand Colin

Tradujáo de Fernanda Barao

Capa do Departamento Gráfico de Edigoes 70

Depósito legal n.“ 110857/97

ISBN 972-44-0364-5

Direitos reservados para todos os países de língua portuguesa por Edifoes 70, Lda.

ED I?Ó ES 70, Lda.

Rúa Luciano Cordeiro, 123 - 2.° Esq. - 1050 Lisboa/Portugal Telefs. (01) 3158752 - 3158753

Fax: (01) 3158429

Esta obra está protegida pela lei. Nao pode ser reproduzida, no todo ou em parte, qualquer que seja o modo utilizado, incluindo fotocópia e xerocopia, sem prévia a u to riza d o do Editor.

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BUY M RQDIN

HISTORIA

ECONOMICA

DO OCIDENTE

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Fabricador

de instrumentos de trabalho,

de habitagoes,

de culturas e sociedades,

o homem é também

agente transformador

da história.

Mas qual será o lugar

do homem na história

e o da história na vida

do homem?

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í

S

LUGAR DA HISTÓRIA

1 — A NOVA HISTÓRIA, lacques Le Goff, Le Roy Ladurie, Georges Duby e outros 2 — PARA UMA HISTORIA ANTROPOLÓGICA, W. G. L, Randles, Nathan Wachtel e outros 3 — A C O NCEP^Á O MARXISTA DA HISTÓRIA, Helmut Fleischer

4 — SENHORIO E FEUDALIDADE NA IDADE MÉDIA, Guy Fourquin 5 — EXPLICAR O FASCISMO, Renzo de Felice

6 — A SOCIEDADE FEUDAL, Marc Bloch

7 — 0 FIM DO MUNDO ANTIGO E O PRINCÍPIO DA IDADE MÉDIA, Ferdinand Lot 8 — O ANO MIL, Georges Duby

9 — ZAPATA E A R EV O LU fÁ O M EXICANA, Jonh Womarck Jr. 10 — HISTÓRIA DO CRISTIANISMO, Ambrogio Donini 11 — A IGREJA E A EXPANSÁO IBÉRICA, C. R. Boxer

12 — HISTÓRIA ECONÓMICA DO OCIDENTE MEDIEVAL, Guy Fourquin 13 — GUIA DE HISTÓRIA UNIVERSAL, Jacques Hermán

15 _ INTRODUCÁ O Á ARQUEOLOGIA, Carl-Axel Moberg 16 — A DECADENCIA DO IMPÉRIO DA PIMENTA, A. R. Disney 17 — 0 FEUDALISMO, UM HORIZONTE TEÓRICO, Alain Guerreau 18 — A ÍNDIA PORTUGUESA EM MEADOS DO SÉC. XVII, C. R. Boxer 19 — REFLEXÓES SOBRE A HISTORIA, Jacques Le Goff

20 — COMO SE ESCREVE A HISTÓRIA, Paul Veyne

21 — HISTORIA ECONÓMICA DA EUROPA PRÉ-INDUSTRIAL, Cario Cipolla

22 — M ONTAILLOU, Cataros e Católicos numa Aldeia Francesa (1294-1324), E. Le Roy Ladurie 23 — OS GREGOS ANTIGOS, M. I. Finley

24 — 0 MARAVILHOSO E O QUOTIDIANO NO OCIDENTE MEDIEVAL, Jacques Le Goff 25 — I N S T IT U Y E S GREGAS, Claude Mossé

26 — A REFORMA NA IDADE M ÉDIA, Brenda Bolton

27 — ECONOMIA E SOCIEDADE NA GRECIA ANTIGA, Michel Austin e Pierre Vidal Naquet 28 — 0 TEATRO ANTIGO, PietTe Grimal

29 — A R E V O L U T O INDUSTRIAL NA EUROPA DO SÉCULO XIX, Tom Kemp 30 — 0 M UNDO HELENÍSTICO, Pierre Lévéque

31 _ ACREDITARAM OS GREGOS NOS SEUS MITOS?, Paul Veyne

32 — ECONOMIA RURAL E VIDA NO CAMPO NO OCIDENTE MEDIEVAL (Vol. I), Georges Duby 33 _ OUTONO DA IDADE MÉDIA, OU PRIMAVERA DOS NOVOS TEMPOS?, Philippe Wolff 34 — A (1V II I/.ACAO ROMANA, Pierre Grimal

35 — ECONOMIA RURALE VIDA NO CAMPO NO OCIDENTE MEDIEVAL (Vol. 11), Georges Duby 36 — PENSAR A R EV O LU fÁ O FRANCESA, Franijois Furet

37 — A GRECIA ARCAICA DE HOMERO A ESQUILO (Séculos VIII-VI a.C.), Claude Mossé 38 — ENSAIOS DE EGO-HISTÓRIA, Pierre Nora, Maurice Agulhon, Pierre Chaunu, George Duby,

Raoul Girardet, Jacques Le Goff, Michel Perrot, René Remond 39 — ASPECTOS DA ANTIGUIDADE, Moses I. Finley 40 — A CRISTANDADE NO OCIDENTE 1400-1700, John Bossy

41 _ AS PRIMEIRAS C IV IL IZ A L E S - 1 OS IMPERIOS DO BRONZE, Pierre Lévéque 42 — AS PRIMEIRAS CIVILIZACÓES - IIA MESOPOTÁMIA/OS HITITAS, Pierre Lévéque 43 _ AS PRIMEIRAS CIVILIZAQÓES - III OS INDO-EUROPEUS E OS SEMITAS, Pierre Lévéque 44 — O FRUTO PROIBIDO, Marcel Bemos, Charles de la Ronclére, Jean Guyon, Philipe Lécrivain 45 — AS MÁQUINAS DO TEMPO, Cario M. Cipolla

46 — HISTÓRIA DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL 1914-1918, Marc Ferro 47 — A GRÉCIA ANTIGA, José Ribeiro Ferreira

48 — A SOCIEDADE ROMANA, Paul Veyne

49 — 0 TEMPO DAS REFORMAS (1250-1550) - Vol. I, Pierre Chaunu 50 — O TEMPO DAS REFORMAS (1250-1550) - VOL. II, Pierre Chaunu

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GUY FOURQUIIV

HISTORIA

ECONOMICA

DO OCIDENTE

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PREFACIO Á TERCEIRA EDIQÁO FRAN CESA

Seria necessário ter o talento de um Pirenne para escrever em duzentas páginas uma história económica e social da Idade Média. Em consequéncia dos grandes progressos realizados desde há vários decénios pela história económica do Ocidente medieval, nao pude- mos ser táo concisos, apesar dos cortes, e ainda que muitos pro­ blemas apenas tenham sido aflorados (Ocidente e mundos exteriores; relagoes entre o económico, o social, o político, etc.}, ou mesmo forgosamente escamoteados (economia e mentalidades, economia e vida cultural, etc.).

Este livro foi publicado em 1969. Distinguido pela Academia Francesa, beneficiou de uma segunda edigao a partir de 1971. Esta é a terceira que a Librairie Armand Colin, apesar das dificuldades económicas do momento, tem a coragem e a gentileza de publicar. Por motivos de edigao, as correcgoes e adigóes foram limitadas e suprimidos os documentos anteriormente publicados. Em todo o caso, esta supressao permitirá, assim o esperamos, uma mais cómoda leitura seguida deste trabalho, o qual constituí um todo.

É possível que a obra náo tenha alcangado o seu objectivo, que era o de aplicar — pela primeira vez — pelo menos uma parte dos métodos da actual ciencia económica á história económica medieval, «para que esta nao se encerre num gueto», e que nos apercebamos melhor da «nítida continuidade» entre a vida económica medieval e a das eras posteriores, tal como a descrevemos no ano de 1969.

Um livro tem sempre a marca do seu tempo. O mundo de 1969 vivía numa atmosfera económica em que o crescimento parecía normal, destinado a prolongar-se quase indefinidamente na mesma cadéncia. Talvez tenha sido este ambiente que levou esta História Económica a acentuar esta ideia de crescimento (outrora ligada á ideia de arranque), aplicando-a sem hesitagoes, e pela primeira vez, aos últimos cinco séculos medievais. Porém, a utilizagáo desta nogáo,

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relativamente á Idade Média, assim como de outros conceitos pre- zados pelos economistas actuais, náo parece ter passado desaper- cebida aos olhos de medievalistas que, com a melhor das intengóes, tendem por vezes a esquecer que tipo de obra pretendía o autor. Ver que um dos seus trabalhos se tornou, de certa forma, do domi­ nio público, é algo bastante agradável para um autor.

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Primeira Parte

A ECONOMIA

DOS TEMPOS OBSCUROS

(DO SÉCULO V AO SÉCULO X)

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Capitulo 1

VISÁO DE CONJUNTO

A ELABORACÁO DE UM NOVO ESPADO ECONÓMICO

NO OCIDENTE

F im do m undo an tig o

Todas as civilizares do mundo antigo nasceram á volta do Mediterráneo, que estabelecia a relagáo entre urnas e outras. Este mar interior «fora o veículo das suas ideias e do seu comércio», depois inteiramente englobado pelo Império Romano: era para ele que «convergía a actividade de todas as suas provincias, da Bretanha ao Eufrates» (H. Pirenne). Mais do que qualquer outro Estado da Antiguidade, o Império foi um «dom do Mediterráneo» (R.-S. Ló­ pez). O clima bastante uniforme e as comunicagóes relativamente fáceis entre as regióes mais próximas das suas margens e mais cedo romanizadas deviam-se ao Mediterráneo. Rios e estradas — por eles construidas — permitiam que, partindo dele, os Romanos avan- gassem para o interior das térras, chegando a atingir as costas do Atlántico, da Mancha, do mar do Norte. Mas, longe do Mediter­ ráneo, os Romanos deram frequentemente provas de uma audácia e de uma capacidade organizativa inferiores e as suas vitórias nestes pontos foram menos brilhantes. Fora portanto o Mediter­ ráneo que, em grande parte, permitirá que povos táo numerosos e táo diversos se mantivessem reunidos sob a direcgáo de Roma.

No entanto, a despeito dos imensos sucessos da romanizagáo, as diversidades das ragas, das línguas, das religides, dos sistemas económicos e sociais mantinham-se subjacentes e iriam ressurgir, com maior ou menor nitidez, quando o Império se aproximava do fim; algumas provincias, como a Bretanha, menos romanizada do que a Espanha ou mesmo a Gália, chegariam a abandonar toda a sua roupagem romana.

Por outro lado, a romanizagáo náo obtivera no Leste o mesmo sucesso que no Oeste, visto que no Oriente a língua e o modo de vida gregos quase tinham vencido os seus vencedores romanos. Apesar de as pessoas cultas e muitos administradores das provincias

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se terem de bom grado tornado bilingües, fora o grego e náo o latim que, a um nivel inferior, fizera recuar ou desaparecer dia­ lectos e línguas indígenas. Na verdade, havia desde o inicio dois im- périos romanos: o latino, no Mediterráneo Ocidental, e o grego no Mediterráneo Oriental. E, muito antes das grandes invasoes dos anos 400 d. C., estas duas metades haviam comegado, insensível mas inexoravelmente, a afastar-se uma da outra, acentuando as suas diferengas. Estas diferengas, novas ou ressuscitadas das brumas de um passado distante, fizeram portanto da partilha oficial do Império em dois muito mais do que uma medida de circunstáncia, destinada a governar melhor e mais de perto os individuos (286).

Esta «partilha» verificava-se depois da grave crise de 235 a 268: as lutas entre os generáis romanos, a anarquía, tinham levado os Bárbaros a introduzir-se no Império, numa espécie de ensaio geral das grandes migragóes. Os Baleas tinham sido pilhadas pelos Godos, enquanto os Francos e os Alamanos haviam avanzado até á Espanha e á Itália, depois de terem varrido a Gália. A salvagáo— provi- sória — deveu-se a alguns grandes homens de guerra ilírios e, pelo menos aparentemente, o Império vencerá estas provas.

N a realidade, as duas metades do Império tornaram-se entáo mais diferentes do que nunca, principalmente no dominio econó­ mico. Enquanto, no Oriente, a vida urbana, artesanal e comercial conserva uma grande parte das suas forjas, no Ocidente, tudo se passa de maneira diferente. Aqui, a economia náo recuperara da anarquía, das incursoes bárbaras, das devastares, e o medo do amanhá iría persistir. Diversas cidades, e muitas vezes as maiores, grandemente enfraquecidas, fecham-se no interior de muralhas construidas á pressa. Isto acontece tanto em Itália como na Gália e em Espanha. Se — a justo título — se considerar a civilizado romana como uma civilizado sobretudo urbana (foi o caso de todas as civiliza goes mediterránicas), poder-se-á dizer que a sua época já passou. Mesmo na longínqua Bretanha, a indústria, táo flores- cente no comego do século III na maior parte das regides, declina cada vez mais: á parte alguns centros que se mantém activos, o artesanato já só fabrica produtos mediocres, destinados ao consumo local ou, quando muito, regional. Isto justifica a anemia profunda em que cai o comércio, outrora táo florescente.

A consequéncia é clara: já antes do fim do século III será exacto dizer que, no Ocidente, «a térra é tudo» (G. Duby), ou, pelo menos, quase tudo. A fonte quase única de riqueza é já a agricultura, situ ad o que se manterá durante muito tempo, pois esta característica do Ocidente náo se atenuará antes do século XI.

A partir dos anos 400, verificam-se as «grandes invasSes» que váo alargar ainda mais os lagos com o Oriente, enquanto o Ocidente «romano» vé os seus contornos modificarem-se. A partir de agora,

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deve falar-se de fractura entre o Ocidente e o Oriente. O basileus (*) tinha conseguido afastar para oeste os Bárbaros que tinham atra- vessado o baixo Danúbio. Portanto, o Império do Ocidente é sub- merso. Cedo ou tarde, godos, burgúndios, francos, vándalos, anglos, saxóes... ocuparam náo apenas toda a parte continental da Europa Ocidental, mas também, a norte, quase toda a Bretanha, e, a sul, a África Setentrional. «O Ocidente barbariza-se» (H. Pirenne).

Esta amálgama de povos — ainda que possa náo ter sido táo brutal como se imagina ñas regióes setentrionais, onde os Bárbaros se estabeleceram em maior número — provocou de imediato um novo recuo em todos os dominios. Embora particularmente notorio nos dominios político, administrativo, social ou cultural, este recuo é também claro no dominio económico: a vida agrícola foi pertur­ bada pelas espoliagóes e pelas partilhas de térras, a vida artesanal, ou o que déla restava, pela degradado do gosto e das necessidades refinadas.

No século VI, Justiniano procura reconquistar o Ocidente para voltar a fazer do Mediterráneo um «lago romano». Para Procópio, historiador das vitórias do basileus, a visáo do mundo ordena-se ainda á volta deste mar: era preciso remediar a divisáo do mundo em dois, divisáo de que os Bárbaros se tinham tom ado culpados Tratava-se no entanto de pura visáo e náo de compreensáo da realidade. Os sucessos de Justiniano foram apenas parciais (nem a Gália, nem a maior parte da Espanha foram reconquistadas) e pouco duradoiros, excepto em Itália, onde Bizáncio manteria durante muito tempo pontos de apoio. E uma das razóes da fragilidade da obra do basileus foi precisamente o facto de Oriente e Ocidente já náo se compreenderem, nem no plano da lingua ou da cultura, nem no da religiáo (o Ocidente bárbaro do século VI é quase inteiramente cristáo mas reconhece Roma e ignora o patriarca de Constantinopla), nem no da vida económica (o Ocidente é «gros- seiro» e camponés, o Oriente continua a ser uma regiáo de cidades de gostos delicados). A separado das duas metades do mundo antigo já náo é como anteriormente um fenómeno apenas cultural.

Terá havido no século V uma ruptura norte-sul, acompanhando a fractura leste-oeste? Por outras palavras, estariam as costas da África do Norte, separadas, desde esta época, das costas da Europa Ocidental, e a parte ocidental do Mediterráneo seria já uma bar- reira? Apesar de, durante algum tempo, a ocup ad o do Magrebe pelos Vándalos ter constituido uma amea?a para a navegagáo — navegado aliás em dech'nio ainda antes das invasóes—, esse perigo fora bastante Tapidamente conjurado, e Cassiodoro, ñas

(*) Basileus: titulo oficial do rei da Pérsia até á conquista árabe, depois da qual ficou a pertencer ao imperador bizantino. (N. do E.)

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cartas que dirigiu a Teodorico, rei dos Ostrogodos, conquistadores da Itália, testemunha que a península continuava a receber, sobre­ tudo através de Ostia, cereais da África do Norte, como no tempo dos Romanos. No entanto, estas exportagSes para Itália, princi­ palmente para Roma, eram já demoradas e continuariam a sé-lo após a reconquista provisória da África do Norte aos Vándalos por Justiniano. Isto náo impede que, no fim do século VI e mesmo mais tarde, as margens norte e sul do Mediterráneo Ocidental conti- nuassem a estar ligadas por navios de comércio, e que, tanto urnas como outras, contmuassem a pertencer ao Ocidente.

A ruptura, particularmente trágica, ocorreu mais tarde, quando da conquista árabe. Partindo ao assalto do mundo cristáo, depois de terem submetido a maior parte do Médio Oriente grego, os Árabes náo se contentaram com todas as possessdes africanas de Bizáncio. Em 698, caira a cidade crista de Cartago. Mas, treze anos mais tarde, depois de uma única batalha, era ocupada a maior parte da Península Ibérica. Depois, foi atingida a Gália: foi aqui que, entre 720 e 737, o duque de Aquitánia e depois Carlos Martel detiveram a invasáo musulmana que, na generalidade, recuou para o outro lado dos Pirenéus. Apesar de a Gália ter sido salva, o mesmo náo aconteceu com a Itália: a partir de 827, a Sicilia iria cair ñas máos dos Sarracenos; depois, em 870, foi a vez de Malta e das outras ilhas, ficando o próprio continente ameagado.

A partir daqui, a Europa Ocidental ficava cortada das costas africanas, perdía as ilhas anteriormente dependentes da Itália ou da Espanha, e, durante séculos, «os cristáos» — se acreditarmos num escritor árabe dos anos 700 — náo puderam «fazer flutuar uma simples prancha» no Mediterráneo. Aiém disso, durante sé- culos, náo bastou que o Mediterráneo Ocidental tivesse deixado de ser seguro, tornando-se mesmo interdito, mas aconteceu ainda que, devido ás razias dos Sarracenos, as costas da Catalunha (recuperada pelos primeiros Carolíngios), da Septimánia, da Pro­ venga e da Itália junto ao mar Tirreno passaram a viver na inse- guranga, que iria marcar profundamente estas regiSes, até no seu próprio habitat. A fractura norte-sul do espago do antigo Imperio Romano do Ocidente teve consequéncias profundas.

Menos profundas, no entanto, do que pensa Henri Pirenne. Para ele, o corte principal na história do Ocidente náo teria sido a invasáo dos Bárbaros do comego do século V, mas a dos Sarracenos, e a Idade Média teria nascido da morte do Mediterráneo Ocidental cristáo. Para Pirenne, o comércio ocidental ter-se-ia mantido bas­ tante activo até aos anos 700, o mesmo acontecendo com as relagSes económicas entre Oriente e Ocidente. Em suma, até á irrupgáo dos Árabes, o Ocidente teria conservado, como nos belos tempos do Império, um carácter fundamentalmente mediterránico, no sentido

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em que as regióes meridionais teriam mantido, tanto na economía como, por exemplo, na culiura, a sua preponderancia de outrora sobre as regióes setentrionais.

Henri Pirenne foi seguido — até ao exagero — por muitos histo­ riadores. Presentemente, é de bom tom rejeitar essa tese em bloco. No entanto, ela fizera ressaltar um fenómeno de primeira grandeza: a passagem da supremacía, tanto económica como cultural ou polí­ tica, das provincias meridionais para as do Norte. Na verdade, esta deslocagáo do centro de gravidade do Ocidente nao decorreu da conquista musulmana: os seus germes existiam desde os séculos ante­ riores ás grandes migra(óes. Devido ao facto de muitas vezes ser reduzido o número de bárbaros que se instalavam no Sul, no século V, o artesanato e comércio tinham ainda centros activos nesta regiáo. O mesmo acontecía com a vida religiosa, mais viva no Sul do que no Norte. Foi no século VI que a corrente se inverteu de forma evidente no dominio político: isto é visível principalmente na Gália, onde todas as «capitais» merovíngias se situavam entre o Loire e o Reno. Depois, no século VII, o Norte da Gália comega a tornar-se económicamente mais activo do que o Sul.

Por volta de 700, antes portanto de o fluxo sarraceno ter vindo bater contra as costas da Europa Ocidental, as regióes entre o Loire e o Reno sáo já, e durante muito tempo, o centro de gravidade do Ocidente. A perda do Mediterráneo e de uma parte do seu circuito ocidental apenas veio reforjar esse centro, ao mesmo tempo que as regióes do Sul ficavam votadas a uma semiparalisia devida á pirataria musulmana e, pouco depois, normanda.

P rim e ira reconstrug&o

Terá o Ocidente assumido contornos duradoiros depois da bata- lha de Poitiers? No Mediterráneo, o Ocidente continua a recuar e só em fins do século IX os límites fluidos que separam cristáos e mugulmanos se estabilizam por mais de um século. No Leste, os Balcás quase náo tém relagóes com o Ocidente, que termina no Adriático. Poder-se-á dizer que toda a Itália pertence ao Ocidente? Nao há dúvida de que a Itália da Alta Idade Média teve uma sorte particularmente funesta. A partir de 568, ou seja, somente cinco anos depois da capitulado dos últimos ostrogodos, os Lombardos comegaram a transpor os Alpes e a ocupar uma Itália do Norte esgotada. Depois, tentaram espalhar-se pelo resto do país. Por altu­ ras de 600, Bizáncio ainda controlava a Liguria, a Venécia e a Istria, o exarcado de Ravena, que abrangia a Itália Central, alguns enclaves a sul (Nápoles, a Calábria, a Apúlia) e as tres grandes ilhas. A despeito de algumas contra-ofensivas, estas possessóes cede- ram perante o invasor. Mas a Venécia, a Istria e uma parte da

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Itália do Sul manter-se-iam bizantinas até ao século XI. «Fractura decisiva do Ocidente»: o curso inferior do Pó e a Itália meridional tinham-se «voltado para Oriente».

Ñas regides setentrionais da Europa (Noroeste, Norte, Nor­ deste), pelo contrário, desde a primeira Idade Média, o Ocidente nao parou de se «dilatar», agravando durante algum tempo o dese­ quilibrio entre Norte e Sul.

Clóvis prepara o protectorado franco sobre o Oeste da Ger­ mánia, mas esse protectorado só se tomou efectivo no tempo dos seus filhos e netos, atingindo o seu apogeu em 560. A maior parte da Germánia, outrora ¡ndependente, até uma linha aproximativa Halle — Duisburgo — montes da Boémia — médio Danúbio, por­ tanto principalmente a Turíngia, a Alemánia, a Baviera e a Panónia (aquetas parcialmente romanizadas) era «franca». Mais a norte, os Merovíngios tinham sido derrotados em Saxe. Todavía, o facto de os sucessos merovíngios terem sido apenas parciais e bastante frágeis, nao impediu que estes representassem «um dos grandes acon- tecimentos da história europeia. Pela primeira vez, a Germánia era submetida a uma dom inado cuja sede ficava a oeste do Reno» (L. Musset).

O segundo passo em frente deveu-se a Carlos Magno, e talvez tenha sido com ele que nasceu a Europa «romana», ou o Ocidente cristáo. Entre a foz do Reno e o estuário do Weser viviam os Fri- s5es, pagaos e ciosos da sua independencia. Os primeiros progressos da causa franca e da causa crista reunidas tinham ocorrido no tempo de Carlos Martel e de Pepino o Breve, mas apenas tinham tido consequéncias duradoiras no Sul da regiáo. Depois de ter des­ trocado, em 784, um levantamento conjunto de frisoes e saxóes, Carlos Magno conseguiu, no ano seguinte, vencer definitivamente os Frisoes do continente e do arquipélago. Sabe-se que teve muito mais dificuldades em vencer a resistencia saxónica. Até á submissáo definitiva (797-804), alternaram-se as expedi?5es, conquistas e levan- tamentos. Acrescentemos que, na Panónia, Carlos Magno destruiu também os Ávares (796). A partir de entáo, as fronteiras do Impé- rio tinham alcanzado o curso inferior do Elba e o Saale, que, ainda por alturas do ano 1000, marcavam o limite oriental do Ocidente.

Esta nova configurado do Ocidente náo iría ser modificada de forma sensível pelos últimos assaltos de invasores, os Húngaros, na Europa Central, e os «Normandos» (Noruegueses ou principal­ mente Dinamarqueses), na Europa do Norte e do Noroeste (e mesmo no Mediterráneo). «A ¡mensa maioria dos países invadidos manteve — com efeito — a sua autonomía» (L. Musset). Mas as consequéncias económicas destas últimas invasóes foram bastante consideráveis.

Os Vikings merecem um lugar á parte. É necessário colocar no seü activo a unidade económica futura do espado do Norte da Eu­

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ropa: apesar de esta só ser bem visível a partir de meados do século X, a verdade é que desde meados do século anterior os dirhems de prata do Iráo e do Turquestáo afluíam á Escandinávia, ao mesmo tempo que as moedas do Ocidente eram redistribuidas pela estrada do Norte até á Rússia, onde traficavam os Vikings. Apesar de náo ter havido um mercado único que se estendesse do Atlántico ao Turquestáo, houve, pelo menos, «uma série de mer­ cados que se anastomosavam uns aos outros sem solugáo de conti- nuidade» (L. Musset). Enquanto os Dinamarqueses pilhavam e de­ pois colonizavam diversas regióes da Inglaterra e da «Francia», os Suecos ou Varegues abriam o caminho do Norte e do Leste, em- brenhando-se através das estepes russas até ás margens do mar Negro, desembocando ás portas de Bizáncio e de Bagdade. Esta estrada, assinalada por emporia, como Novgorod, e reforjada por uma verdadeira colonizagáo, declinará e desaparecerá quando as cruzadas restabelecerem o papel do Mediterráneo como principal intermediário entre o Oriente e o Ocidente. Por seu tum o, os Norue- gueses, ultrapassando as suas zonas de acgáo situadas principal­ mente na Escócia e na Irlanda, tinham-se dirigido, no século IX, a partir das Shetland, para as Faroé e depois para a Islándia, antes de, no século X, chegarem á Groenlándia e talvez á América (cf. mapa p. 123.

Os Carolingios e a m o ral económ ica

Escreveu-se muitas vezes, com algum exagero, que o reinado do primeiro imperador carolíngio assinala a data do nascimento da Europa. Se este termo vago for entendido como sinónimo de Oci­ dente cristáo, esta tese é defensável: o império carolíngio foi o que esteve mais perto de coincidir com os limites da cristandade ro­ mana. Ao sul dos Pirenéus, a Marca de Espanha (que vai apenas até ao Ebro) é carolíngia e o pequeño reino das Astúrias, que esca- pou á avangada árabe, reconhece a superioridade do imperador. A nordeste, o Elba e o Saale separam os Saxóes, em vias de cristia- nizagáo, dos Eslavos pagáos. Existe uma única excepgáo importante: enquanto os pequeños reis anglo-saxónicos sofreram a influéncia franca, o poderoso rei de Mércia trata de igual para igual com Aix-la-Chapelle.

Neste vasto império, a ideia, ressuscitada dos tempos romanos, de uma unidade político-religiosa, e portanto de uma Respublica christiana, constituiu uma forga de consolidagáo mais poderosa do que a forga conquistadora. O imperador é o guardiáo da paz uni­ versal, tem de garantir a ordem terrestre, que deve reflectir a ordem divina. Deve conduzir a cidade terrestre para a cidade de Deus. Em teoria e por vezes na' prática, o Ocidente conheceu a

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unidade político-religiosa. Mas terá essa unidade correspondido a características económicas comuns? Há uma característica da vida económica comum a todo o Ocidente que chama a atengáo por se ter prolongado através dos séculos, subsistindo ainda, embora bas­ tante enfraquecida, nos fins da Idade Média. Por vontade de Carlos Magno, ou daqueles que pensavam por ele, a economia ocidental passou a apresentar, a partir de entáo, aspectos de «economia subor­ dinada a normas religiosas e moráis» (A. Piettre).

Existia na Igreja uma tradigáo hostil á usura, ou seja, ao empréstimo a juros, declarado nocivo no seu principio e fosse qual fosse a taxa.

Esta «doutrina da usura» baseava-se em diversos textos, dos quais apresentamos os mais importantes:

«Se emprestares dinheiro a alguém do meu povo... nao' lhe exigirás juros» (Éxodo).

«Náo exigirás do teu irmáo qualquer juro, nem por dinheiro, nem por víveres, nem por qualquer coisa que se empreste a juros» (Deuteronómio).

«Emprestai sem nada esperar em troca e a vossa recompensa será grande» (S. Lucas>

Concilios e papas da Antiguidade haviam dito o mesmo: — por volta de 300, o c&none 20 do Concilio de Elvire

proíbe aos clérigos de Espanha o empréstimo a juros; — em 325, o cánone 17 do Concilio Ecuménico de Ni-

ceia expulsa do clero quem quer que empreste a ju­ ros;

— no que diz respeito aos laicos, os principáis textos que formulam a proibigáo sáo do papa S. Leáo; por exem­ plo: «fenus pecuniae, funus est animae» (o proveito

da usura é a morte da alma).

Todas estas citagoes teriam grande sucesso até ao fim da Idade Média. Mas, no tempo dos Merovíngios, estas proibigóes parecem ter se mantido como letra-morta. Gregorio de Tours conta que o bispo de Verdun, ao solicitar ao duque de Austrásia um empréstimo de 7000 soldos de ouro a favor da sua cidade, lhe prometeu devol- ver-lhe esse capital «cum usuris legitimis» (com os juros jurídica­ mente devidos). Foram os Carolíngios, e sobretudo Carlos Magno, que, em virtude da concepgáo «sacerdotal» do seu poder e sob a influéncia dos seus conselheiros eclesiásticos, alargaram aos laicos, sem concessdes, a proibigáo que em principio atingia sobretudo os membros da Igreja, e que atribuíram a essa proibigáo generalizada «a sangáo da legislagáo civil»:

Em 789, a capitular qualificada de Admonitio generalis, referente aos textos citados supra, proíbe a usura a todos. Em 806, a capitular de Nimégue, promulgada num período

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de grande fome, declara que usura e avareza sáo um mesmo mal, semelhante á especulado desonesta (sáo assim visados os empréstimos agrícolas em géneros, portanto, os emprés­ timos de consumo). Em 809, ano de privagóes, uma nova capitular vem proibir todos os adiantamentos em géneros ou em dinheiro antes das colheitas, seguidos, no dia do reem­ bolso, de uma exigencia de pagamento do dobro ou do tri­ plo do valor emprestado. Para além das penas previstas pela Igreja, Carlos Magno, numa capitular náo datada, impós ao transgressor a multa devida por viola?ao de vassalagem, sendo a mais pesada no valor de 60 soldos. E os sucessores de Carlos Magno iriam agravar ainda mais as proibigóes e sangóes.

Numa época em que a vida económica se baseava sobretudo na agricultura, eram portanto visados os empréstimos de consumo agrí­ cola— aparentemente os únicos a serem praticados em grande esca­ la. De facto, as suas consequéncias podiam ser graves: náo pretendeu a capitular de Thionville (805) proteger os homens livres pobres, obrigados a vender os seus bens para pagar as dividas? Foi á Igreja e á tra d id o carolíngia que se deveu o facto de o mundo medieval, ao contrário do mundo antigo, náo ter sido minado pelo problema das dividas, apesar de as proibigóes terem sido muitas vezes tornea­ das ou violadas.

Mas a Igreja influiu, de uma forma mais vasta ainda, sobre a vida económica do Ocidente e, desse ponto de vista, mesmo ñas regióes náo submetidas aos Carolíngios. Depois das grandes inva­ sóes, «a Igreja agiu antes de influenciar» (A. Piettre): perante as carencias daquilo que restava dos poderes públicos, a Igreja assumiu importantes servigos materiais e sociais. Transformada numa grande potencia temporal pelas suas imensas possessóes rurais, a Igreja inculcou em todo o Ocidente o principio do primado do consumo. Com um sucesso afinal mitigado, os concilios do Ocidente tentaram «ordenar essa riqueza ao servigo da sociedade, essencialmente dos pobres». Tratava-se de um esbogo bastante imperfeito de «redistri- buigáo das riquezas». Em principio, pelo menos, a economia dos mosteiros «era ordenada de modo a produzir náo para ganhar, mas para dar... e a produzir com vista a prover ao consumo» (J. Le- clercq). Longe de ser nociva á produgáo, esta relativa «subordina- gáo» da economia serviu-a e representou um exemplo da «rendibi- lidade do gratuito». A partir da Alta Idade Média, a abadia é um centro de reabastecimento, de produgáo, de comércio, de crédito, de povoamento, de arroteamento, e tanto os mosteiros como as catedrais actuam igualmente sobre a vida material através das pere- grinagóes e das grandes obras. Tratava-se de uma política do impre­ visto que acabou por ser produtiva. Porque, como dizia Keynes, todas as despesas com as grandes obras eram, no futuro, «multipli­ cadores de lucros».

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O principio do primado da proibigáo ajuda a compreender o motivo por que a Igreja foi, desde os tempos carolíngios, táo intran­ sigente no plano da proibigáo do juro. Aliás, ela obtivera o apoio dos Carolíngios num outro dominio, onde o sucesso foi menos ní­ tido: referimo-nos ao comércio de escravos. A Igreja nao o inter- ditara, mas, depois de Gregório Magno, proibia, pelo menos, a venda de escravos cristáos a compradores pagáos. Foi ainda Carlos Magno quem deu uma forma mais clara e mais imperativa ás pres- crigóes da Igreja, proibindo, além disso, qualquer venda fora dos limites do seu império (*).

Deste modo, apesar de o poder civil nem sempre ter apoiado a Igreja de uma maneira eficaz ou regular, é indiscutível que o seu muito frequente apoio permitiu dar uma coloragáo moral e religiosa á vida económica do Ocidente. Se o primado da agricultura é a primeira característica comum a toda a economia ocidental, a se­ gunda característica é de facto o esforgo de moralizagáo das relagdes económicas. Estas duas características enfraqueceráo pouco a pouco ao longo dos tempos, mas persistirao mais ou menos até ao limiar dos tempos modernos.

0 ) N ao se tratava já, a partir desta altura, de comércio de escravos cristáos, ainda que os Judeus, no tempo de Luís o Pió. tivessem abastecido de cristáos os mercados sarracenos de Espanha e do Orlente. Tratava-se agora de escravos pagSos (cada vez mais eslavos, donde a palavra escravo).

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Capítulo 2

FRAQUEZA E DISPERSÁO

DOS RECURSOS ECONÓMICOS

Quando se fala dos tempos obscuros, devemos recordar-nos de que eles o sáo devido á raridade ou á dispersáo dos documentos de todo o tipo. Entretanto, se as teorias sao táo numerosas como con- traditórias, a razáo é a mesma: «quando faltam os documentos, florescem as teorias» (Ph. Wolff).

Durante muito tempo, tudo se limitou praticamente ao estudo dos escritos. Ora, estes sáo pouco numerosos, particularmente em relagáo aos séculos que antecedem e se seguem ao renascimento carolíngio que foi, sobretudo, um renascimento passageiro do uso da escrita. Além disso, no que se refere á actividade de negócio, os textos, mais raros e mais duvidosos do que os que respeitam á vida rural, adaptam-se mal á análise. Trata-se de textos sobretudo narrativos, «cujos dados incompletos e frequentemente inexactos é preciso interpretar»; nenhum «serviu directamente (para as) trocas» (Y. Renouard).

É certo que, desde há bastante tempo, se adquirira o hábito de usar outras categorías de fontes, de estudar as moe'das, os cemité- rios ou a toponimia. Mas foi depois da última guerra mundial que a utilizagáo das fontes náo escritas fez grandes progressos.

As fontes escrita s

Estas correspondem principalmente á vida agrícola, embora quase únicamente á dos países francos. A provável minimizagáo da importáncia do artesanato e do negócio pode explicar-se em parte por esta orientagáo dos escritos para o campo.

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Os escritos e a vida rural

No que se refere á época merovíngia, dispomos de pouca coisa: alguns capítulos de leis bárbaras (as dos Bávaros e as dos Alamanos que se inspiraram em éditos promulgados por reis e anteriores a 639), os éditos de historiadores da época (Gregório de Tours e Fre- degário relativamente á Gália franca, Cassiodoro relativamente á Itália, etc.) e as vidas dos santos que fornecem incidentalmente indi­ c a r e s preciosas.

Para a época carolíngia, o caso é diferente. Dispomos de do­ cumentos que serviram directamente para a actividade rural. E, em particular, da capitular De villis, náo datada, mas estabelecida sem dúvida entre 770 e 800 ou entre 794 e 813. De alcance geral, visto que se refere a todas as villae exploradas em proveito directo do rei, nada tem de original ou de inovador. Faz alusáo a um sistema preexistente, limitando-se a chamar os agentes reais (judices) ao cumprimento das regras antigas e náo precisando quais os melhora- mentos técnicos a introduzir nos dominios reais. Trata-se apenas de uma «instrugáo que... se contenta em estimular o zelo dos agen­ tes dos dominios reais e em tom ar precaugóes contra as u su rp a re s desses mesmos agentes. No entanto, apesar de náo ter sido o ponto de partida para transformagóes económicas profundas, tanto na Ale­ manha como em Franga, a capitular náo deixa por isso de ser um acto de importáncia capital, visto que, gragas aos seus 70 parágra­ fos, nos faz penetrar no pormenor da administragáo dos dominios reais no comego do século IX» (Ch.-E. Perrin).

O texto desta capitular e tres modelos de inventários encon- tram-se contidos num manuscrito de Wolfenbüttel (primeiro tergo do século IX). Estes inventários eram outrora formulários dirigidos á chancelaria a fim de ajudar as igrejas a estabelecer o inventário dos seus bens que Carlos Magno reclamaría: sáo os Brevium Exem- pla ad describendas res ecclesiasticas et fiscales.

Trata-se na realidade de uma compilagáo privada, mas que conservou inventários efectivos de bens reais situados no Norte da Gália, nomeadamente em Annapes, e talvez, no caso de um dos cinco fiscos assim inventariados, na re­ giáo de Paris; estes constituem o Breve n.° 3. Simplesmente, o compilador, monge da abadia de Reichenau, substituiu os nomes dos locáis e das quantidades por «ille», «tantas», etc., do que resultou um enorme trabalho de identificagáo em que os historiadores se empenharam com sucesso. O Breve n.s 2, muito menos importante, é apenas o extracto do catálogo das precárias e beneficios concedidos pela aba­ dia de Wissembourg. O Breve n.a 1, mutilado, é apenas o extracto de um políptico do bispado de Augsbourg.

Os polípticos representam uma fonte bastante mais rica, tanto do ponto de vista quantitativo como do ponto de vista qualitativo.

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Trata-se de uma categoría de inventários que as igrejas carolíngias podiam ser obrigadas a fazer.

Esta prática remonta, no entanto, a muito mais atrás no passado: no século VII, vemos dois clérigos fazerem, por conta do bispo de Nevers, a descriptio de um dominio do Quercy que pertencia a este último. E o termo encontra-se já no Baixo Império: era assim que se chamava o registo que o próprio proprietário estabelecia do seu fundus com vista ao langamento dos impostos. É interessante verificar que o plano seguido para o registo romano é o mesmo que o dos polípticos mais antigos. Independentemente destes antecedentes longínquos, os polyptyca da época carolíngia sao listas de todas as villae que pertencem ao proprietário, e apresentam para cada villa a enum erado das partes que constituem a reserva, as diversas tenures (com a lista de rendas e servigos devidos por cada uma). Deste modo, pode conhecer-se, na melhor das hipóteses, a riqueza fundiária total (com excepgáo das precárias e dos beneficios) do do- minus e os seus rendimentos fixos (faltam apenas os rendi- mentos variáveis, portanto, os da reserva), bem como os seus rendimentos extradomínio, como as dízimas.

Apesar de o mais antigo políptico conhecido ser aquele de que o Breve n.9 1 transmitiu algumas passagens, o mais célebre pela sua antiguidade e pela sua amplitude é o que foi redigido por ordem de Irminon, abade de Saint-Germain-des-Prés, entre 806 e 829. A despeito de, neste políptico, faltarem os inventários de quatro ou cinco villae, o essencial náo deixou de chegar até nós, sob a sua forma original, ou seja, o inventário de vinte e cinco dominios.

Em suma, o políptico de Irminon inaugura a lista bastante longa dos polípticos cujo texto nos foi legado de uma maneira ou de outra. A sua relativa abundancia, no que se refere ao século IX, deriva provavelmente e ao mesmo tempo de diversas causas: possí- veis exigéncias dos Carolíngios junto das igrejas, ás quais pediam que inventariassem os seus bens; reforma monástica de 817 (qual- quer reforma deste género é acompanhada de medidas que tém em vista a conservado do temporal); invasóes normandas, um pouco mais tarde (depois de uma incursáo importante, devia proceder-se a um balango e salvaguardar os antigos direitos). Na Francia occi- dentalis, os mais célebres sáo os das abadias de Montiérender (pouco antes de 845), de Saint-Bertin (entre 844 e 858) e de Saint-Remi de Reims (por volta de 861). Na Francia media ou Lotaríngia, dispo­ mos sobretudo dos mosteiros de Lobbes (por volta de 868) e de Prüm, no Eifel (893, um ano depois de um a grande invasáo nor­ manda). A Francia orientalis é pobre em polípticos do século IX e, na maior parte dos casos, apenas foram conservados fragmentos como o que figura no Breve n.® 1, ou como o referente á abadia de Werden.

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No entanto, como o uso de tais inventários se prolongou até ao século X II inclusive, uma análise bastante concisa de um políptico dos séculos XI ou X II permite descobrir — nele intercalada— uma parte de um inventário mais antigo. A procura dos polípticos alemáes dos séculos IX e X continua, portanto, aberta. Mas, apesar de nao ser favore­ cida no que diz respeito aos poÚpticos, a Alemanha dispde de outras fontes escritas, tais como os livros de tradigSo, que conservam o registo de doafóes feitas ás igrejas, cujo desenvolvimento no sentido do temporal a partir dos sé- culos IX e X, principalmente na Baviera, se pode seguir. É importante notar que, tanto em re la d o á «Franja» como á Germánia, os documentos dizem principalmente respeito ás fortunas dos clérigos. No que se refere aos grandes laicos, náo existe quase nada, excepto o registo das doa?oes por eles feitas em proveito das igrejas. Quanto aos soberanos, dispomos de mais docum entado do que para os laicos, mas menos do que para os temporais eclesiásti­ cos: existem poucos polípticos, além do capitular De villis e de um dos Breves-, citamos apenas dois no caso da Germánia, um datando de 830-850 e referente a cinco dominios da regiáo de Worms, e outro redigido pouco antes de 831 e referente aos bens reais nos Grisons. Esta vantagem documental, apresentada pelos bens das igrejas sobre todas as outras categorías, iría prolongar-se por lon­ gos séculos, de tal modo que os campos do Ocidente sáo, em dema­ siados casos e por for?a das circunstáncias, vistos através da Igreja. Outra característica da docum entado escrita, que também pas- sará a fronteira do ano 1000: esta é mais restrita em Itália, onde, sobretudo, foi menos explorada. Os escritos referentes á Itália do Sul, á Sicilia e á Sardenha sáo raríssimos. Deste ponto de vista, a Itália do Norte tem apenas alguns distritos favorecidos, nomeada- mente o de Luca: aqui, sáo muito menos raros os fragmentos de polípticos e, mais tarde, de forais. Ora, só na Lombardia, as dife- rengas regionais sáo tao grandes que vém agravar a desigualdade geográfica das fontes: é impossível fazer extrapolagóes, mesmo den­ tro dos limites do razoável.

Para além da insuficiencia do quadriculado geográfico qu« eles permitem, mesmo na Gália, todos os documentos de que temos falado tém ainda o inconveniente de fornecer um esclarecimento demasiado administrativo e, no fundo, referente apenas «aos dominios melhor administrados das regides mais ricas» (Ph. Wolff): encontramos neles poucos elementos sobre as técnicas e nenhuns sobre as culturas. Mas estas caréncias náo podem ser preenchidas por textos de outro tipo, pouco numerosos e muito pouco explícitos. Estes documentos «de apoio» (diplomas, cartulários, etc.) referem-se geralmente apenas á constituido dos dominios temporais eclesiásticos e náo á vida que neles se leva. E, embora abundem os textos hagiográficos, estes nem sempre sao muito seguros para o estudo da vida nos campos.

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Os escritos e a actividade de trocas

Os documentos escritos referentes ao artesanato e ao comércio sáo muito mais raros e o seu valor é muitas vezes duvidoso. Excepto no caso dos textos sobre a villa, que esclarecem um pouco o que se refere ao artesanato, tendo por quadro náo uma cidade mas o grande dominio. Excepto também no caso das regras monásticas, muitas vezes úteis porque o mosteiro se sitúa sempre no campo e, em principio, deve bastar-se a si próprio, tanto em géneros agrícolas como em produtos artesanais.

Existem de facto alguns textos regulamentares: algumas prescri- foes ñas leis bárbaras e, sobretudo, ñas capitulares carolíngias. Mas em que medida eram aplicadas estas decisdes?

Náo é frequente encontrar-se ñas vidas dos santos anotagoes bem claras. Como excepfáo, a Vida de Santo Elói, o ourives do tempo de Dagoberto I, é uma fonte verdaderamente segura. Cite­ mos, mas apenas para recordar, os escritos dos geógrafos árabes aos quais outrora se dava o maior crédito (M. Lombard). As suas in fo rm a le s sáo tanto mais fluidas na medida em que os seus autores se copiavam frequentemente uns aos outros.

O utros tipos de fontes económ icas

Existem duas categorias destes documentos que sáo utilizados de há longa data, embora beneficiando sempre de novos progressos e de novas descobertas. Trata-se em primeiro lugar da toponimia, que tenta datar o aparecimento dos locáis habitados, principalmente no campo, mas cujos dados devem ser confrontados com os que os textos podem fornecer (tanto no referente ás datas de nascimento das paróquias urbanas como rurais).

A segunda é a numismática, em grande progresso e objecto de numerosos trabalhos recentes. Os seus dados sáo infelizmente de interpretado difícil.

M. Lombard, por exemplo, estabelecera uma carta das «estradas» terrestres e marítimas entre os séculos V III e XI, a partir dos achados monetários; a partir do século VIII, as «grandes» correntes teriam contornado, pelos lados oci- dental e oriental, a massa continental da Europa. Para o afirmar, o autor baseava-se na ausencia de qualquer achado de dirhems (moedas árabes). Mas esta ausencia pode expli- car-se de uma maneira completamente diferente: os reis francos (que os soberanos feudais imitariam) proibiam a circulagáo de moedas estrangeiras nos seus dominios, pelo que essas moedas tinham de ser levadas ás oficinas monetá­ rias, onde eram refundidas. «Devido ao seu sistema mone- tário mais evoluído, a Europa Ocidental conservou menos

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vestigios das suas actividades comerciáis do que as regides mais atrasadas da Rússia e da Escandinávia» (E. Perroy). O historiador da economia dos tempos obscuros é constan­ temente ameagado por um perigo: preencher a insuficiéncia dos dados textuais e de cada uma das outras categorías de documentos «através de uma acum ulado de todos esses dados, recolhidos para um período várias vezes secular», o que conduz a uma «montagem fotográfica» (E. Perroy). No que respeita a uma outra fonte muito importante, a arqueo­ logía, a crítica e a filtragem das fontes também náo está ainda acabada. Há já muito tempo que a arqueología urbana veio em socorro da história económica. Mas náo se trata apenas de descobrir o tragado dos antigos recintos urbanos ou de examinar o que resta das grandes construgoes desaparecidas. Com efeito, a arqueologia urbana realiza actualmente grandes progressos, nomeadamente nos países da Europa Central, como a Polonia, onde se chega mesmo a distinguir um centro rural de um pequeño centro urbano, pro­ curando os mínimos vestigios de oficinas artesanais e de estabele- cimentos comerciáis. Na Polónia, como na Flandres (nomeadamente em Gand), tenta-se agora arrancar os seus segredos a todo o solo urbano, de maneira a descobrir a localizagáo das rúas e das pragas, dos edificios privados ou públicos. A estratificagáo das camadas per­ mite que se tente a datagáo e, nos casos mais favoráveis, que se tenha uma ideia global das condigoes económicas de cada época.

A arqueologia rural, particularmente a arqueologia agrária (des­ tinada á história dos campos), é um dos ramos mais jovens da arqueologia. Comegou a ser praticada em Inglaterra, a partir de 1920, depois nos Países Baixos e na Dinamarca, antes de ser langada na Alemanha e em Itália, a partir de 1945. Deste ponto de vista, a Franga encontra-se atrasada. É de notar que a arqueologia aérea, bastante recente, é apenas um dos ramos da arqueologia rural, embora de importancia capital para o estudo dos habitats rurais desaparecidos e dos campos (cf. por exemplo R. Agache relativa­ mente á Picardía).

Perante a extrema insuficiéncia das fontes escritas quanto á estrutura e morfología dos campos no decorrer da pri­ meira Idade Média, e mesmo relativamente ao período pos­ terior, utilizou-se durante muito tempo uma documentagáo (A. Déléage, no que se refere á Borgonha, por exemplo) que remontava apenas aos séculos XVII a XIX (registo dos bens senhoriais, planos cadastrais, etc.) e usava-se o método regressivo. Mas isto náo permitía responder a todas as ques- t5es e a imagem da organizagáo do solo continuava a ser abstracta.

Agora, pode esperar-se que a arqueologia rural venha a fornecer bons elementos de resposta sobre a ocupagáo e a exploragáo do

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solo, as tran sfo rm ares dos produtos do solo e, até, pensa-se, sobre a vida quotidiana nos campos.

Os muito recentes progressos da arqueología urbana e rural nao estimulam tanto a imaginagao como os realizados, também recen- temente, pela arqueología das técnicas (rurais ou urbanas) com a ajuda de objectos descobertos nos cemitérios e praticamente datados (E. Salin). Pode demonstrar-se deste modo que uma das caracterís­ ticas mais notáveis da época merovíngia foi a renovagáo das técni­ cas do trabalho dos metáis: as pegas de armamento encontradas nos túmulos provam que os Germanos tinham introduzido no Ocidente — e esta foi durante um primeiro período um das causas dos seus sucessos militares — técnicas muito superiores ás da antiguidade romana. A escola de Nancy (E. Salin) procedeu ao seu estudo, usando os processos físicos, químicos..., mais modernos. Deste modo, reconstituiu-se «uma verdadeira ruptura na história das técnicas europeias» (E. Salin): o recozimento tinha substituido a tempera e alguns dos agos bárbaros eram mesmo comparáveis aos nossos actuais «agos especiáis».

No entanto, quais as conclusoes que, para além das que incidem sobre a história das técnicas, se podem tirar, por exemplo, da arqueologia das técnicas? Há quem discuta, com pleno direito, as de E. Salin sobre as trocas e as «gran­ des correntes de circulagao» na Gália merovíngia.

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Capítulo 3

OS FACTORES DA PRODUGÁO

NO DECORRER DA PRIMEIRA IDADÉ MÉDIA

O pouco conhecimento que se tem da vida económica dos tem­ pos obscuros, deve-se, por um lado, ao facto de as fontes que se lhe referem serem parcas e náo adaptadas á investigado económica, e, por outro, ao facto de o seu estudo ter sido durante demasiado tempo obscurecido por diversas teorías que desviaram o espirito dos historiadores. Uma dessas teorías, em especial, faz ainda sentir os seus maus efeitos: os economistas alemáes do século XIX pensavam que o desenvolvimento histórico da economia se processava por eta­ pas (Stufen) regulares. Esta «teoría das etapas» visava principalmente dois níveis sucessivos da economia. O mais baixo e o mais antigo seria o da economia natural, ou economia de subsisténcia, ou econo­ mia fechada, quase sem comércio e sem moeda. O segundo estádio seria o da economia monetária ou urbana, que se atingía somente com um certo grau de prosperidade que permitía aos homens pro- duzir mais do que o necessário para a satisfafáo das suas próprias necessidades ('). Posteriormente, fez-se sentir a necessidade de reajus­ tar e matizar, ao mesmo tempo, esta teoria. Afirmou-se, por exem­ plo, que estes dois níveis económicos podiam ter coexistido na mesma época, numa mesma regiáo, vivendo o campo em economia fechada e as cidades em economia monetária. Disse-se que náo ti­ nham sido raros os retrocessos para a primeira etapa. E fez-se notar que pode haver comércio sem utilizado de signos monetários (os tecidos e as caberas de gado na Frísia, noutras provincias as espe­ ciarías, foram sucedáneos da moeda).

Mesmo reajustada, a Stuferttheorie é perigosa. Vale mais encarar a realidade de frente e abandonar de uma vez para sempre todas estas expressSes, que embora sem valor sáo coriáceas. Para se saber

O O tercelro estádio seria o da Kreditwirtschaft, no qual o crédito desem- penharia um papel primordial.

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se houve ou náo comércio com um raio de acgáo reduzido ou médio, se cada dominio rural vivia verdaderam ente fechado sobre si mesmo e tinha ou náo a obrigagáo de suprir as necessidades de todos os seus habitantes, se existiu apenas um comércio distante e incidindo somente sobre os objectos de luxo, vale mais apelar para os processos de raciocinio conjuntos da história e da economia polí­ tica.

No seu conjunto, a vida económica resume-se aos termos com­ plementares da produgáo e do consumo, do investimento e da pou- panga. O mais importante é conhecer a produgáo e é esta que as fontes póem melhor em destaque. Ora, a produgáo sempre foi o resultado de tres factores: a natureza, o capital, o trabalho, ou seja, o homem, que é essencial.

O fa c to r n a tu ra l e a conquista do meio

O dominio das condicoes naturais O clima

Em todas as épocas, o meio natural apresenta linhas de resistén- cia. O que varia de uma época para outra é o nivel das técnicas utilizadas, que corresponde ao número de sucessos ou de derrotas do homem em luta para vencer uma ou outra dessas linhas de resis- téncia.

A primeira a vencer talvez tenha sido a do clima. Mas poder- -se-á transportar para o passado os dados actuais sobre os climas da Europa Ocidental? Trata-se de um processo muito pouco seguro, conforme provam os recentes estudos sobre a história dos climas a partir de 1500. Náo dispomos, contudo, relativamente a toda a Idade Média, de algo que possa atenuar a ausencia de qualquer observagáo séria. As crónicas náo podem ser muito utilizadas, a despeito da atengáo que dedicam aos reveses da natureza (inundagóes, secas, Invernos longos e rudes, etc.). Assim, procurou-se o contributo de outros dados, tais como as fases de contracgáo e expansáo dos gla­ ciares (Alpes, Escandinávia, Islándia, Groenlandia, Alasca), as va- riagóes do nivel dos mares e dos lagos, a espessura dos círculos anuais das árvores e das vigas antigas.

Os diagramas polínicos podem por vezes revelar-se preciosos. Por isso se investigou, nos jazigos de turfa de Roten Moor, na Alema­ nha, a variagáo dos poléns das diversas espécies vegetáis ao longo dos séculos. Os diagramas que daqui se deduziram assinalam a alter­ nancia da seca e da humidade. Mas nao existe acordó sobre a datagáo das alteragóes do clima. É no entanto bastante provável que o período de ± 180 a ± 550 tenha sido húmido e o que vai

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de — 650 até ao ano 1000 tenha sido quente e seco, comefando uma nova fase chuvosa no século X I ou XII, que se prolongaría até ao fim da Idade Média. Mas estes trés períodos longos devem ter sido cortados por fases curtas (houve provavelmente uma pe- quena fase húmida no século IX) (SI. Van Bath).

As datas aproximativas das inundafóes sobre o litoral «frisáo» seriam também interessantes. Mas também quanto a elas náo existe acordo. A segunda in u n d ad o dunquer- quiana ter-se-ia verificado quer por volta de 300 quer pró­ ximo de 400. A terceira ter-se-ia provavelmente produzido entre 800 e o ano 1000, ou ter-se-ia dividido em duas (1014- -1042 e 1127-1163).

A vegetafáo

O trabalho de quem pretende reproduzir as paisagens da primeira Idade Média é logo á partida perturbado pela enorme parte do solo ainda coberta por florestas (cf. mapa p. 33. A seguir ás grandes invasoes, as florestas conquistaram um campo notável em detri­ mento das térras cultivadas e náo dispomos de garantías de que posteriormente tenham sofrido um novo recuo sério antes do fim do século X. Este retrocesso ofensivo tem causas históricas (declínio do Baixo Império, invasdes bárbaras, d ev astares mais tardías, tais como as dos Saxdes no Baixo Sena) e também causas climáticas. Trata-se da fase quente, provável no seio da Alta Idade Média. Nesta altura, a floresta oceánica conheceu o máximo de extensáo tanto em latitude como em altitude: a Groenlandia e a Islándia ficaram cobertas de bétulas. E o facto de se ter verificado, nos Alpes e nos Pirenéus, uma degradado das florestas mais elevadas a partir do século X II, deveu-se provavelmente menos á acfáo dos animais e dos homens do que ao retorno a uma nova fase fria perto do ano

1000.

A floresta na Gália e na Germánia

Desde o tempo da independencia céltica, as florestas gaulesas tinham passado a ocupar muito menos espado e, depois de César, a regiáo apresentava uma verdadeira diversidade. Na parte Norte, os povos gauleses estavam separados pelos grandes macizos e por numerosas florestas que se prolongavam pelas planicies, e o drui­ dismo, religiáo das florestas, estabelecera ali os seus principáis ali- cerces. No Oeste, a floresta ainda náo tinha sido sacrificada a outras formas de paisagem como o bosque. Entretanto, na Gália meridio­ nal, os arroteamentos, a transumáncia e as queimadas destruíam

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pouco a pouco florestas mais frágeis do que as do resto da regiáo. Ora, a conquista romana náo teve por efeito eliminar esta diferenga entre o Norte e o Sul. Mais numerosos no Sul, os Romanos explo­ raran! aqui as florestas para as suas necessidades industriáis. Ñas regióes setentrionais, mesmo durante o Baixo Império, pelo con­ trário, «a civilizagáo — por exemplo na futura regiáo parisiense — (era) ainda, em grande parte, uma civilizagáo da floresta» e a caga, as colheitas e a criagáo de gado contavam muito mais do que as culturas que, na maior parte dos casos, se mantinham seminómadas. No entanto, as estradas romanas permitiram a abertura dos grandes macigos florestais. Daqui resultou um «espagamento» da floresta em todas as regióes. Deste ponto de vista, no fim da Antiguidade, a Gália apresentava um grande contraste com a Germánia inde- pendente: «tinha-se tomado uma presa mais fácil para os invasores, numa época em que o manto florestal representava ainda um obstá­ culo real para os exércitos» (M. Devéze).

Com efeito, a Germánia dos anos 400 continuava a apresentar uma vegetagáo muito mais cerrada do que a da Gália. Por volta de 400, todas as regióes montanhosas e o conjunto do Leste conti- nuavam inteiramente revestidas por um manto florestal. Apenas as térras alagadigas do sul da grande planicie nórdica, os Pré-Alpes e alguns vales (Baixo Reno, Neckar, Main) estavam arroteados.

Em que medida a primeira Idade Média foi testemunha de arro­ teamentos ñas regióes «francas»?

A fundagáo de mosteiros no Norte e no Leste foi seguramente causa de arroteamentos, visto que as abadías foram criadas muitas vezes em plena zona arborizada. As numerosas criagóes ñas duas vertentes dos Vosgos (sobretudo Marmoutier de um lado e Luxeuil do outro) abriram evidentemente brechas no manto florestal. Mas terá havido outros agentes de desarborizagáo além dos monges? Analisando as crónicas, os diplomas, os polípticos ou a capitular De villis, onde por vezes se fala de «térras ganhas» ou «a ganhar», podemos pelo menos supor que, a partir do século VII e sobretudo do VIII, as florestas foram atacadas, tanto por laicos como por clérigos.

Na Germánia, devemos destacar resumidamente duas fases. Até ao século VI inclusive, por vezes até ao tempo de Carlos Magno, os baldíos continuaram a ganhar terreno, devido ás migragóes de

uma parte dos povos germánicos para o oeste do Reno e, depois, em

consequéncia das guerras entre francos e alamanos e das conquis­ tas de Carlos Magno. A segunda fase, ofensiva limitada do homem contra a floresta, deve ter comegado no século VII nalguns locáis, ou apenas no século IX noutros: a Alta Baviera, as pequeñas pla­ nicies da Alemanha Central, a Turíngia e os vales do macigo xistoso renano foram a pouco e pouco abertos ás culturas.

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EXTENSAO MÍNIMA DAS FLORESTAS DO OCIDENTE DO SÉC. V AO ANO MIL

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EX TEN SA O M ÍN IM A DAS FLORESTAS DO O CID EN TE D O SÉCULO V A O A N O 1000

1. Principáis maricos florestais. — Maricos florestais em relacáo aos quais subsistem dúvidas quanto aos seus limites e densidade. — 3. Maricos florestais correspondentes ás mais antigas referencias conhecidas a foresta. — 4. Limites do inquérito.

Este índice apresenta os nomes ou a localizad o geográfica dos principáis maricos florestais da Alta Idade Média. sendo referidas, consoante os casos, as esséncias conhecidas.

1. Weald (carvalho. bétula) 2. Hampshire 3. Essex 4. Suffolk 5. Norfolk 6. Bruneswald 7. Forest of Dean 8. Wyre, Morfe, Arden 9. S. Lancashire 10. S. Lincolshire 11. N. Riding 12. Elmet 13. Selwood 14. Somerset 15. Alpes bávaros

16. Vorland bávaro (faia, carvalho) 17. Sylvae maximae et copiosae 18. Hvozd silva

19. Provincia silvana

20. Floresta da Boémia (carvalho, faia) 21. Bayrischer Wald 22. Thüringer Wald 23. Buchonia (faia) 24. Basse-Hesse 25. Harz 26. Waldeck 27. Scharzwald 28. Vosgos 29. Hardt 30. Odenwald 31. Spessart 32. Taunus 33. Westerwald 34. Sauerland 35. Eifel 36. Hochwald 37. Schwaben Alb 38. Franken Alb-Nordgau 39. Ingelheim

40. Dreieich Forst (carvalho. faia. carpa) 41. Floresta de Haguenau 42. Hart 43. Floresta de Nimega 44. Veluwe 45. Silva Boceáis 46. Münsterland

47. Planaltos da Baixa Saxónia 48. Diephoiz (carvalho. bétula) 49. luneburger Heide 50. Sachsenwald Heide 51. lsarnho

52. Mecklemburgo 53. Lusácia (ulmo, carpa) 54. Vorland silesiano 55. Floresta de Charbonniéres 56. Florestas flamengas 57. Ardenas (faia) 58. Thiérache 59. 60. 61. 62. 63. 64. 65. 66. 67. 68. 69. 70. 71. 72. 73. 74. 75. 76. 77. 78. 79. 80. 81. 82. 83. 84. 85. 86. 87. 88. 89. 90. 91. 92. 93. 94. 95. 96. 97. 98. 99. 100. 101. 102. 103. 104. 105. 106. 107. 108. 109. 110. 111 112. 113. Arrouaise Woevre Argona Perthois Der

Floresta de Othe (carvalho. faia) Brie Nemus Rigetus Maricos de Saint-Gobain-Coucy Florestas de Compiégne et de Laigue Floresta de Retz Florestas de Halatte-Chantilly Yveline Biévre Perche Sylva Longa

Floresta dos Loges, Gátinais Florestas de Evrecin (carvalho. faia, bordo)

Bray

Pays de Caux

Florestas do Baixo Sena Florestas do Maine Sologne (carvalho. bétula) Planaltos de Touraine

Planalto de Langres (carvalho. carpa, faia)

Chátillonais Morvan

Florestas da depressáo do Sona Florestas da Serre-Amé-Chaux Bresse

Florestas de Grosne e Sona Jura (pinheiro, abeto, epícea) Marca de Bretanha Brocéliande Floresta de Nantes Vendeia Auvergne Limousin Argencon Santonae sylva Angoumois Périgord

Regiáo do bosque de Belvés Souto cantalense

Grésigne Agre

Floresta do Mas d’Agenais Entre-deux-Mers

Floresta dos Graves (carvalho) Floresta do Médoc (carvalho, D i­

nheiro) Bouconne Soubestre Frente pirenaica

Pré-Alpes da Sabóia e do Delfi- nado

Referências

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