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ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING PROGRAMA DE MESTRADO E DOUTORADO EM ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS ANA CRISTINA PUGLIA DUQUE-ESTRADA

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Academic year: 2021

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ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING

PROGRAMA DE MESTRADO E DOUTORADO EM ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS

ANA CRISTINA PUGLIA DUQUE-ESTRADA

DESENCONTRO DE SENTIDOS NA INDÚSTRIA DE ALIMENTOS Ativismo, marcas e consumo

SÃO PAULO 2020

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ANA CRISTINA PUGLIA DUQUE-ESTRADA

DESENCONTRO DE SENTIDOS NA INDÚSTRIA DE ALIMENTOS Ativismo, marcas e consumo

Tese apresentada como requisito para obtenção do título de Doutora em Administração de Empresas pela Escola Superior de Propaganda e Marketing. Área de concentração: Marketing

Orientadora: Prof. Dr. Thelma Valéria Rocha

SÃO PAULO 2020

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Duque-Estrada, Ana Cristina Puglia

Desencontro de sentidos na indústria de alimentos : ativismo, marcas e consumo / Ana Cristina Puglia Duque-Estrada. - São Paulo, 2020.

94 f. : il. p&b.

Tese (doutorado) – Escola Superior de Propaganda e Marketing, Programa de Doutorado em Administração – Gestão Internacional, São Paulo, 2020. Orientador: Thelma Valéria Rocha

1. movimentos de consumidores. 2. ativismo . 3. cultura de consumo. 4. marca. 5. construção de sentido. 6. brandscape. I. Rocha, Thelma Valéria . II. Escola Superior de Propaganda e Marketing. III. Título.

Ficha catalográfica elaborada pelo autor por meio do Sistema de Geração Automático da Biblioteca ESPM

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ANA CRISTINA PUGLIA DUQUE-ESTRADA

DESENCONTRO DE SENTIDOS NA INDÚSTRIA DE ALIMENTOS Ativismo, marcas e consumo

Tese apresentada como requisito para obtenção do título de Doutora em Administração de Empresas pela Escola Superior de Propaganda e Marketing.

Aprovada em 17 de fevereiro de 2020

Banca examinadora:

____________________________________________ Orientadora: Prof. Dr. Thelma Valéria Rocha, Orientadora

____________________________________________ Membro Interno: Prof. Dr. Vivian Iara Strehlau, ESPM

____________________________________________ Membro Interno: Prof. Dr. Karin Lígia Brondino-Pompeo, ESPM

____________________________________________ Membro Externo: Prof. Dr. Eliane Brito, FGV-EAESP

____________________________________________ Membro Externo: Prof. Dr. Isabela Morais, UFOP

SÃO PAULO 2020

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AGRADECIMENTOS

Primeiro, eu agradeço à minha professora querida, Maria Aparecida Baccega, que um dia me ensinou que a arte de educar caminha para muito além das teorias. Que se dá na relação. Inspiração para cada relação estabelecida em minha sala de aula, desde então. Participar como estudante de suas práticas como educadora, deu um outro sentido para a minha Prática como educadora. Eu não teria me aventurado à jornada do doutorado, se ela não tivesse me mostrado esse caminho.

Sem o meu grupo de estudos BNC, com Mariana Bussab e Karin Ligia Brondino-Pompeo, essa tese não teria começado. Sem o meu anjo da guarda Silvio Sato, ela não teria terminado (mesmo). Muito obrigada!

Júlio Leandro sempre esteve ali para propor um novo ponto de vista e as pitadas de humor do José Sarkis Arakelian foram fundamentais. Muito obrigada, parceiros!

Beatriz Duque-Estrada Gibrail, que já tinha me acompanhado no mestrado, agora foi a minha maior incentivadora. Aquela que veio passar várias tardes comigo e ficava desenhando ao meu lado, simplesmente para que eu não trabalhasse sozinha. Com se não bastasse, ela deixava bilhetes de incentivo espalhados pala casa, para que eu fosse achando ao longo dos dias. Muito obrigada!

Thais, minha irmã, como é bom saber que o seu olhar me olha e melhora o meu... 1

Obrigada Eliane Brito, por me deixar fazer parte, por me incluir, pelo seu olhar sempre doce e acolhedor. E, claro, por ter esclarecido que uma faca, sim, tem agência. Aquele momento foi um divisor de águas no meu percurso científico.

Obrigada, Vivian Strehlau, por ter me incentivado o tempo todo.

Obrigada, Thelma Valéria Rocha, por ter me aceitado como sou. O nosso processo como orientadora e doutoranda foi muito rico para o meu crescimento como indivíduo.

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RESUMO

A relação das pessoas com os alimentos vem se transformando ao longo dos anos e as marcas de alimentos industrializados vem tentando acompanhar essa jornada. Alguns cidadãos-consumidores, os ativistas, dedicam parte do seu tempo e de seus recursos para que a resposta da indústria de alimentos seja mais rápida e verdadeira. Nesta pesquisa de abordagem qualitativa, foi investigado como os sentidos atribuídos ao trabalho dos ativistas são desdobrados pelos executivos de marketing em suas estratégias. A base teórica foi composta por autores que investigaram as marcas como instituições culturais que devem ser lidas como narrativas contendo elementos do contexto do qual participam, assim como cinema, livros ou outras formas de expressão da cultura. Além deles, autores que investigaram os movimentos de consumidores, suas estratégias e táticas. A interpretação das 17 entrevistas em profundidade realizadas mostrou que os sentidos atribuídos aos ativistas não estão sendo desdobrados nas estratégias das marcas. Já os sentidos atribuídos ao próprio consumo de alimentos, sim, estão sendo desdobrados pelos executivos em suas propostas. O resultado mostrou que, embora sejam de resistência, as narrativas continuam inseridas no brandscape hegemônico da indústria, e que talvez seja esse o motivo de não estar criando conexão com os executivos. O resultado também ofereceu insight para discussão sobre a Teoria da Prática ao mostrar como os indivíduos, sendo pontos de intersecção entre Práticas, podem ser polinizadores de elementos de uma Prática para a outra e catalisarem processos de evolução.

Palavras-chave: movimentos de consumidores, ativismo, cultura de consumo, marca, construção de sentido, brandscape

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ABSTRACT

People’s relationship with food has gone through changes in the past years, leading processed food brands to try to keep up with this transformation. Certain citizen/consumers, the so-called activists, dedicate part of their time and resources to provoke a faster, more authentic response from the food industry. This research used a qualitative approach to investigate how meanings attributed to activist efforts are employed by marketing executives in their strategies. The theoretical basis included authors who investigate brands as cultural institutions that should be understood as narratives including elements from the context to which they belong, just as movies, books, or other forms of cultural expression. Works by authors who investigated consumer movement strategies and tactics were also included. The interpretation of 17 in-depth interviews showed that the meanings attributed to activists are not taken into account in brand strategies, whereas meanings attached to food consumption itself are being explored by executives in their proposals. The results showed that the narratives, though resistance-oriented, are still inserted in the overall industry brandscape. This may be the reason why they are not creating connections with executives. The results also offered insights for a discussion on Theory of Practice by showing how individuals, as points of intersection between Practices, may act as pollinators that move elements from a Practice to another and as catalysts for evolution processes.

Keywords: consumer movements, activism, consumer culture, brand, meaning construction, brandscape

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Modelo hermenêutico de construção de significado ... 40 Figura 2. Modelo narratológico de construção de significado na indústria de alimentos ... 41 Figura 3. Processo geral da análise ... 41 Figura 4. Evolução do cenário da indústria sob a perspectiva dos executivos . Erro! Indicador

não definido.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1. Perfil dos entrevistados ... 38

Quadro 2. Etapas de análise da Fase I ... 42

Quadro 3. Etapas de análise da Fase II... 43

Quadro 4. Etapas de análise da Fase III... 43

Quadro 5. Estórias sobre a indústria de alimentos (1) ...45

Quadro 6. Estórias sobre a indústria de alimentos (2) ...46

Quadro 7. Estórias sobre a indústria de alimentos (3) ...46

Quadro 8. Visões estratégias dos executivos ...56

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...09

2. REVISÃO TEÓRICA...14

2.1 A gestão cultural dos sentidos...14

2.1.1 Marketing e marcas são instituições culturais ...14

2.1.2 O mito do consumo...16

2.1.3 Brandscape...18

2.1.4 As marcas são sistemas dinâmicos...20

2.2 A indigestão cultural dos sentidos...22

2.2.1 O ativismo alimentar...22

2.2.2 Os movimentos de consumidores em seis temas ...23

3.MÉTODO DE PESQISA EMPÍRICA...35

3.1 Escolha epistemológica ...35

3.2 Abordagem qualitativa...35

3.3 Perfil dos entrevistados...36

3.4 Método utilizado na análise dos dados...39

4. RESULTADOS...44

4.1 A jornada do acesso ao excesso...46

4.2 As marcas de alimentos estão obesas...52

4.3 O caderno de receitas...55

4.3.1 Cautela com uma pitada de coragem ...56

4.3.2 Cautela com duas pitadas de coragem ...59

4.3.3 Coragem com duas pitadas de cautela ...62

4.3.4 Coragem com uma pitada de cautela ...64

4.4 Quais são os sentidos que os executivos de marketing atribuem ao trabalho dos ativistas?...67

4.4.1Como se desdobram nos sentidos que propõem para as marcas?...71

5. DISCUSSÃO...73

5.1 O brandscape hegemônico da indústria de alimentos ...73

5.2 Qual processo deu origem aos sentidos propostos pelos grupos da “coragem”?...78

6. CONCLUSÃO...82 REFERÊNCIAS

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1. INTRODUÇÃO

A ideia de usar a comida para expressar opiniões remonta a 1791 - quando consumidores britânicos começaram a boicotar o açúcar como oposição à escravatura - mas, os movimentos alimentares emergiram na década de 1960 (Standage, 2010).

Como caso paradigmático para a politização da alimentação, aponta-se o escândalo da doença encefalopatia bovina espongiforme ou doença da vaca louca, ocorrido na Inglaterra em 1996. Além desse e de outros escândalos, o grande número de discursos conflituosos e o advento dos organismos geneticamente modificados fizeram da alimentação uma questão debatida pelos responsáveis por políticas de segurança alimentar e nutricional, pela grande mídia, pelo público e na esfera das decisões cotidianas. Assim, no momento em que os consumidores se deram conta dos riscos associados ao consumo de alimentos, ingressaram na arena política, negociando o controle de suas próprias práticas de consumo. Com isso, a alimentação começou a ser politizada tanto em suas formas de produção, distribuição e comercialização, quanto em suas formas e locais de aquisição e preparo. Na origem da politização estão: o conhecimento científico sobre a nutrição humana e a medicina; o movimento ecológico; os movimentos sociais em defesa de populações que vivem de métodos tradicionais de produção; os movimentos em defesa dos animais; a globalização; e o desenvolvimento das ciências sociais que vêm abordando os fenômenos de forma mais processual e relacional (Holt, 2012; Portillo et al., 2011).

Embora esse trabalho tenha iniciado por um interesse no ativismo alimentar, a vontade de contribuir com uma maior compreensão dessa complexidade não foi o seu gatilho.

O interesse por consumidores resistindo às práticas do mercado nasceu de uma experiência pessoal: a observação de uma pessoa reconstruindo sua visão de mundo, a partir de mudanças em seu consumo alimentar.

Inicialmente, foram problemas com a saúde que despertaram o seu interesse por alimentação. Ela leu livros, fez cursos e assistiu a documentários. Não demorou para que as suas pesquisas chegassem até a cadeia de produção, marcas, transparência e àqueles cujos propósitos estão na conscientização e na transformação das práticas existentes no mercado - os ativistas da alimentação. Desenvolveu receitas próprias, pesquisou fornecedores e passou a compreender as suas escolhas alimentares como um ato político. Foi gerada, assim, uma vontade cidadã de compartilhar tudo que estava aprendendo.

Mesmo sem a intenção de ser uma ativista, também começou a impactar os hábitos de outros quanto a: prestar atenção aos rótulos dos produtos e procurar entender o que as

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informações significam; frequentar feiras de produtores locais e orgânicos; se preocupar com a origem do que compra; ler publicações específicas; e pesquisar sobre as práticas das marcas de alimentos que são consumidas.

Logo ficou claro que ela pertencia a um grupo formado por muitos outros com vontade de mudança, cuja dedicação variava entre simplesmente deixar de comprar determinada marca ou investir tempo e energia fazendo pesquisas e divulgando-as para o maior número possível de pessoas. Entre as principais preocupações estavam: (1) o impacto dos alimentos no mundo, ou seja, produção com trabalho responsável, sem causar sofrimento a pessoas ou animais, deixando a menor pegada possível no meio ambiente; (2) a verdade no discurso das marcas e a demanda por transparência; (3) o resgate do prazer e do cuidado com o cozinhar; (4) a dieta customizada para prevenção e cura de inúmeros malefícios; (5) as escolhas alimentares como forma de autocuidado. Tudo isso aliado a muito conflito, já que a praticidade e o melhor preço continuam sendo importantes (Euromonitor, 2017; Mindminers, 2017; Mintel, 2017).

Para Holt (2016), os livros “Fast Food Nation” de Eric Scholssers (2001) e “O Dilema do Onívoro” de Michael Pollan (2007), além do filme “Super Size Me” de Morgan Spurlock (2004), podem ser considerados como marcos dessa mudança, que vem afetando a indústria de alimentos desde o início do século XXI.

Em 2019, a revista Forbes2 listou as 25 maiores empresas de alimentos industrializados.

A publicação destacou que embora tivessem gerado US$ 1,1 trilhão de receita em 2018, acima dos US$ 749 bilhões do ano anterior, os lucros recuaram de US$ 137 bilhões para US$ 83 bilhões. Em paralelo, as startups do setor de tecnologia alimentar (conhecidas por FoodTechs) modificaram os modelos de negócio em todos os estágios da cadeia. Em 2019, eram 10 mil no mundo e 332 no Brasil, com crescimento de 5% ano 3(Builders Construtoria). Além das

empresas globais, das startups e dos movimentos ativistas, os profissionais da saúde, os órgãos reguladores, as organizações não governamentais, entre outros atores, estão participando e se readequando a um contexto em plena reconfiguração. Todos em busca do seu lugar de fala.

Aquela consumidora foi impulsionada pelos movimentos ativistas. As narrativas dos movimentos ofereceram novos sentidos para as suas práticas de consumo. Por sua vez, ela fez uso de tais sentidos em suas próprias narrativas, que transformaram as práticas de consumo de outras. A observação realizada, as notícias publicadas pela mídia e os relatórios dos institutos

2 https://forbes.com.br/listas/2019/05/global-2000-as-maiores-empresas-de-alimentos-do-mundo-em-2019/

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de pesquisa indicavam que esse poderia ser um fenômeno importante para as estratégias das marcas.

Pensando por essa perspectiva, foi estabelecido o problema a ser investigado em campo: o desdobramento dos sentidos trabalhados pelos movimentos ativistas nos sentidos propostos pelas marcas.

Para a revisão teórica foram selecionados artigos sobre: a gestão das marcas como prática cultural e simbólica; marcas como sistemas de sentidos; marcas e os movimentos de consumidores; movimentos de consumidores (resistência, anticonsumo e ativismo); e movimentos alimentares. No conjunto constam alguns dos trabalhos considerados seminais e outros mais recentes, que foram publicados preferencialmente em: Consumption, Markets & Culture, Journal of Consumer Culture, Journal of Consumer Research e Marketing Theory.

Com base nos autores estudados, a definição assumida para resistência foi a de qualquer comportamento opositor ou conflitante com as normas vigentes, podendo ocorrer com diferentes graus de envolvimento. Resistências de consumidores abrangem o consumidor (ou grupo) atuando dentro do mercado (ou tentando escapar dele) e reagindo a determinada prática (do mercado ou de determinada marca) com a qual não concorda. Para ativistas, aqueles que agem como vigilantes, buscando incansavelmente as discrepâncias entre narrativas e práticas. (Cronin, McCarthy & Collins, 2012; Kozinets & Handelman, 2004; Lee, Roux, Cherrier & Cova, 2011; Thompson, 2004)

A revisão foi dividida em marcas e movimentos de consumidores. Na parte dedicada às marcas: marketing e marcas como instituições culturais; o mito do consumo; marcas como recursos para que os consumidores construam os seus significados (brandscape); marcas como sistemas dinâmicos. Na parte dedicada aos movimentos: atores envolvidos, interesses individuais versus coletivos, resultado obtidos, consumidor como sujeito e detentor de agência, ideologia e frameworks para análise.

Em algum momento da história, as marcas perceberam que o mercado demandava significado e passaram a ofertá-lo por meio de narrativas poderosas. Os consumidores, por sua vez, iam até as prateleiras e escolhiam qual narrativa comprar. E essa relação fazia sentido para ambos.

Com o tempo, alguns consumidores deixaram de estar satisfeitos com as narrativas pelas quais haviam pago. Os significados ofertados não faziam mais sentido. E o equilíbrio dessa relação perdeu o ponto.

A essa altura, marcas e consumidores também não eram mais os atores principais nas trocas realizadas. Ambos passaram a interagir com múltiplos níveis de forças culturais, que são

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afetadas e afetam os processos de construção de significados e percepção de sentido. Tais interações formam diferentes sistemas que, juntos, são o mercado. O mercado tornou-se uma complexa rede cujo equilíbrio oscila em função das oscilações entre as relações estabelecidas.

Governo, mídia, tecnologia, marcas, organizações não governamentais, organizações de consumidores, consumidores não organizados coletivamente, gestores de marketing, influenciadores digitais. Todos produzindo e consumindo significados. Todos perdendo os sentidos. Todos buscando por novos. Um organismo em desequilíbrio.

O campo explorou uma das várias relações que constituem o mercado dos alimentos industrializados: movimentos ativistas e gestores de marketing.

O objetivo estabelecido foi identificar os sentidos que os executivos de marketing atribuem ao trabalho dos ativistas, e como tais sentidos são desdobrados nos que eles propõem para as marcas.

Como objetivos específicos, compreender:

1.As transformações nos sentidos propostos pelas marcas da indústria de alimentos ao longo do tempo;

2.Os sentidos atribuídos ao trabalho dos ativistas e ao seu papel nas reconfigurações pelas quais o contexto da indústria vem passando;

3.Se existe alguma estratégia ou recurso dos movimentos ativistas que funcione melhor. Embora muito já tenha sido pesquisado a respeito dos movimentos de consumidores, um aspecto em especial vem sendo apontado como lacuna não preenchida há 27 anos: a necessidade de compreensão de outros atores envolvidos nos movimentos, além dos consumidores.

Esse gap pode ser encontrado no artigo seminal de Peñaloza e Price (1993) e, mais recentemente, em Handelman e Fischer (2017). Já Izberk-Bilgin (2010) recomenda que seja investigado, particularmente, como os gestores de marketing respondem e gerenciam as táticas dos consumidores.

A abordagem foi interpretativista e a entrevista em profundidade foi escolhida para a coleta de informações. Como técnica, uma adaptação do método adotado por Fournier (1998), o uso combinado de narrativas das histórias profissionais com estórias4 sobre a indústria de

alimentos. O roteiro utilizado foi semiestruturado, com apenas a primeira pergunta definida. Porém, o objetivo da pesquisa nunca foi perdido de vista, assim como um conjunto de temas a explorar enquanto era mantida a abertura da conversa Arsel (2019).

4 Embora o uso de estórias não seja mais recomendado, ele foi utilizado para diferenciar as narrativas a respeito da história pessoal e das lembranças a respeito da indústria.

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Foram realizadas 17 entrevistas, 12h27 de duração no total, com executivos de empresas cujo faturamento é superior a um bilhão de dólares no Brasil. Todos estavam no máximo a três níveis de reporte do presidente e participavam das decisões a respeito das marcas e dos produtos.

O modelo utilizado para a análise foi derivado do modelo de Thompson (1997), integrando o uso de narrativas e a filosofia hermenêutica. As histórias profissionais foram analisadas como estruturas narrativas, que trouxeram adicionalmente estórias sobre a indústria. O processo de análise ocorreu em três fases. Na fase I o foco esteve nas estórias sobre a indústria, a fase II foi sobre as empresas que a compõe e a fase III foi a de interpretação de a que ou a quem eram atribuídos sentidos e quais eram eles. Foram realizados quatro níveis de análise: (1) estória sobre a evolução do contexto sociocultural; (2) estória sobre a evolução da indústria; (3) estória sobre as empresas de alimentos industrializados; (4) visões estratégicas para as marcas.

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2. REVISÃO TEÓRICA

O suporte teórico se encontra dividido em duas partes. Na primeira, a evolução das estratégias de marketing e seu papel como instituição cultural; marcas como formas culturais sendo produzidas e consumidas culturalmente; marcas construindo sentidos por meio de estruturas míticas; gestão cultural das marcas; visão sistêmica sobre marketing e marca. Na segunda, os novos movimentos sociais e a emergência da alimentação como um valor universal; organização dos principais artigos publicados em seis temas: atores envolvidos, interesses individuais versus coletivos, resultados, consumidor como sujeito e detentor de agência, ideologia e frameworks para análise.

2. 1 A GESTÃO CULTURAL DOS SENTIDOS 2.1.1 Marketing e marcas são instituições culturais

Para Firat (1993), Marketing é um processo, uma instituição cultural. É a prática consciente e planejada de significação e representação por meio da qual a produção e a reprodução de imagens, simulações e significados deixam de ser acidentais ou casuais.

A identidade do Marketing consolidou-se na segunda metade do século XX por estar alinhada ao ideal moderno, fortalecido pela revolução industrial, de servir consumidores em busca de uma vida melhor. Desde então, ele tem sido a principal forma de estabelecer relacionamentos entre as organizações e seus mercados, além de um pilar cultural da sociedade (Firat & Dholakia, 2006).

Por outro lado, junto à revolução industrial, a comunidade científica reconheceu que a sociedade ocidental viveu uma revolução do consumo. Embora não haja consenso quanto ao início desse fenômeno, existe consenso de que o consumo deixou de representar apenas gostos, preferências e hábitos de compra. Sendo assim, a contribuição dos bens passou a estar precisamente em sua capacidade expressiva, criativa e inventiva de uma esfera de significado cultural, ou seja, algo muito mais abrangente. A revolução do consumo transformou o entendimento ocidental sobre tempo, espaço, sociedade, indivíduo, família e Estado (Arnould & Thompson, 2005; McCracken, 2003).

O reconhecimento do consumo como prática cultural e simbólica desdobrou-se em questionamentos a respeito dos axiomas de marketing mais consolidados: os conceitos de necessidades, soberania e consistência no comportamento do consumidor; produtos projetando imagens; e a divisão entre produção e consumo (Firat & Dholakia, 2006; Firat, Dolakia & Venkatesh 1995; O'Reilly, 2005).

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A abordagem tradicional de oferecer aquilo que os consumidores necessitam por meio de um modelo de troca fundamentalmente econômico e aplicado (Cova, 2005) parece não ser mais suficiente para entender alguns dos desafios contemporâneos: a descentralização dos sujeitos, justaposição de paradoxos em todas as decisões de consumo, o self como um produto, hiper-realidade, alternância nos papéis de produção e consumo, a distribuição das influências nas escolhas e a perda da fidelidade (Firat, 2005; Firat & Dholakia, 2006; Firat, Dolakia & Venkatesh,1995).

Uma vez que os significados e a construção de sentidos se tornaram, no mínimo, tão importantes quanto os produtos e serviços a eles associados, os questionadores dos axiomas predominantes no marketing destacam a existência de uma lacuna teórica nas discussões dentro do campo. Para eles, faltam conceitos que capturem o contexto contemporâneo de forma convincente. Os modelos que representam a importância da marca, por exemplo, permanecem mais fundamentados em uma visão psicológica e cognitiva e, portanto, falham em reconhecer o seu poder como instituição. Para Webster e Lusch (2013), os pesquisadores do campo deveriam comprometer-se com o desenvolvimento de teorias que ajudassem os profissionais do marketing a readequar suas estratégias.

Em sua crítica, Brown (2017) aponta a inadequação de ferramentas como as pirâmides, os icebergs, as rodas e os funis, entre outras, para a prática de significação e representação. Segundo ele, essas representações ainda estão relacionadas a uma visão de marca como algo claro, coerente, consistente e controlável. Ou seja, não incluem os processos culturais ou a possibilidade de haver várias fontes de significados sendo atribuídas a ela. Não consideram que consumidores percebem as suas experiências com o mundo também por meio de imagens, rituais e motivos míticos. (Tillotson & Martin, 2015b)

Embora na década de 1950 a carga simbólica do consumo já estivesse sendo abordada em artigos como "The Product and the Brand" de Gardner e Levy (1955) e "Symbols for Sale" de Levy (1959), o interesse dos pesquisadores nesse tema só começou a crescer na segunda metade da década de 1990.

Segundo Askegaard (2002), foram os trabalhos de Fournier (1998), Ligas e Cotte (1999) e Muniz e O’Guinn (2001) que transformaram o uso simbólico dos bens em temas de pesquisas interpretativistas que, até então, pouco o consideravam em suas investigações sobre a cultura de consumo. Desde então, as marcas têm sido reconhecidas como forças históricas e institucionais (Aaskegard, 2006), culturalmente produzidas e consumidas. Elas constroem e representam identidades de organizações, pessoas, lugares ou produtos, constituindo um

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caminho possível para a interpretação e organização do mundo (Cayla & Arnould, 2008; O'Reilly, 2005).

2.1.2 O mito do consumo

Na qualidade de formas culturais, as marcas devem ser lidas como textos que encapsulam ideias a respeito de como as pessoas deveriam viver e pensar, da mesma maneira que o fazem contos, músicas, filmes ou peças de teatro. Sendo assim, os pesquisadores reconheceram que um exame profundo dos fundamentos da mitologia ofereceria lentes teóricas importantes para a compreensão das múltiplas dimensões de uma estratégia de marketing.

Constatou-se que a mitologia permeia toda a cultura do consumo, seja nas histórias contadas pela indústria do entretenimento, pelas propagandas ou pelos consumidores a respeito de suas experiências vividas. Como constructo, a mitologia tornou-se abrangente, incluindo o sagrado, o extraordinário, o simbólico e o transcendental. (Tillotson & Martin, 2014)

Muito mais que uma simples ficção, os mitos são formas universais de organização do pensamento e do comportamento. Eles transformam-se com o tempo, o espaço e o momento histórico, sendo adotados e esquecidos. Por outro lado, a sua estrutura permanece baseada na percepção de opostos (exemplo: bem-mal), na manipulação de relações binárias (exemplo: protagonista-antagonista) e no desenvolvimento de caminhos que solucionem os conflitos, porque surgiram da necessidade humana de lidar com os paradoxos encontrados nas experiências vividas. (Levy, 1981)

Os sentidos oferecidos pelas marcas por meio de mitos - relacionados à masculinidade, à feminilidade, à beleza, à liberdade, ao progresso, ao bem-estar, ao cosmopolitismo ou à moda consciente - foram amplamente analisados. Entre as discussões teóricas, pode-se destacar: mitologias de mercado (Thompson, 2004), desmitificação (Arsel & Thompson, 2011), contra-mitologia (Kristensen, Boye & Askegaard, 2011), discurso mítico míope (Tillotson & Martin, 2015a), forma mítica vs. conteúdo ideológico (Luedicke, Thompson & Giesler, 2009) e o uso do mito para manutenção da inércia institucional (Humphreys & Thompson, 2014).

Thompson (2004) mostra como os mitos culturais são utilizados para criar diferentes mitologias de mercado que, por sua vez, servem a interesses ideológicos específicos e muitas vezes conflitantes. O autor inter-relacionou mitologias culturais, estruturas do mercado e as escolhas interpretativas dos consumidores. Foram analisados o mercado de medicina natural e suas múltiplas agendas ideológicas, dois mitos predominantes – o Romântico e o Agnóstico - e o uso que os consumidores fizeram dos discursos circulantes. Como resultado, foi demonstrado que a mitologia do mercado possui contradições internas, resultantes dos diferentes e

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conflitantes interesses dos stakeholders. E tais contradições - consumo de ervas naturais ou de remédios industrializados feitos com ervas - funcionam como pontos de instabilidade ideológica, que, por sua vez, preparam o cenário para que as inovações ocorram (Thompson, 2004).

A pesquisa de Arsel e Thompson (2011) discute o uso de mitologias do mercado para levar visões de mundo de um determinado nicho para a massa. Quando isso acontece, outro processo pode ocorrer: a desvalorização do mito (desmitificação) por parte dos pertencentes ao nicho ou da comunidade de consumo. Os hipsters pesquisados rejeitaram o que consideraram um estereótipo seu, criado pelo mercado para uma comercialização de seu estilo de vida para a massa.

Enquanto Arsel e Thompson (2011) pesquisaram um processo de desmitificação entre os hipsters, Kristensen, Boye e Askegaard (2011) estudaram a criação de uma contra mitologia na Dinamarca: de uma visão nacional hegemônica do leite como um alimento perfeito oferecido pela natureza (mito), para a construção de um entendimento do leite como uma substância potencialmente prejudicial à saúde (contra mito).

Já Luedicke, Thompson e Giesler (2009) analisaram as tensões míticas e ideológicas presentes no conflito moral entre os consumidores da marca Hummer e seus antagonistas. Quando os donos dos carros Hummer eram confrontados por seus críticos, eles faziam uso da ideologia presente na construção da história americana para se colocarem como os heróis protagonistas - os verdadeiros americanos, defensores dos valores e crenças nacionais - que lutam contra os ataques hostis e destrutivos de seus adversários. A contribuição do trabalho desses autores foi: oferecer uma distinção entre a forma mítica e o conteúdo ideológico (até então, a distinção não era clara); discutir como a relevância do significado ideológico pode ser aumentada ao ser incorporada em estruturas míticas proeminentes na cultura; apresentar formas nas quais os recursos do mercado, e suas consequentes práticas de consumo, são inscritos em roteiros mitológicos e usados para articular significados em contextos específicos.

Tillotson e Martin (2015a) ressaltaram a importância de os gestores de marcas evitarem o que denominaram como discurso mítico míope. Segundo eles, quando macro mitos culturais se fundem com as práticas das marcas, o entendimento interno a respeito do consumidor pode ser prejudicado. Durante a pesquisa sobre a marca finlandesa Valio, os autores identificaram que os mitos finlandeses não só forneciam narrativas e imagens para que as comunicações de marketing pudessem oferecer um propósito para as vidas de seus consumidores, como também moldavam o entendimento dos gestores da Valio sobre os seus consumidores e seu mercado interno. Mais do que isso, os resultados mostraram que os gestores de marketing

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moldavam suas próprias identidades por meio dos discursos nacionais. Portanto, esse processo dificultou que distinções culturais quanto a necessidades e desejos fossem percebidas. Ou seja, no caso da marca Valio, a identificação com um mito nacional possibilitou discursos míticos sobre a Finlândia, mas restringiu o entendimento das diferenças existentes entre os consumidores (Tillotson e Martin, 2015a)

Humphreys e Thompson (2014) discorreram sobre a importância do mito na manutenção da inércia institucional, uma vez que, as fontes de valores econômicos, sociais e culturais podem ser preservadas por meio de narrativas e práticas naturalizadas em cada campo social. Em sua pesquisa, uma ruptura de confiança foi contida por meio do que os autores chamaram de mito do desastre. Tal mito influenciou a opinião pública a restabelecer a confiança no sistema como um todo (especialistas, corporações e governo) a qual havia sido abalada em função de derramamentos de óleo.

Essas pesquisas chamam a atenção para o fato de que roteiros mitológicos constroem e mantêm o mito do consumo, com suas recompensas e consequências. E, embora limitem a racionalidade ainda tida como necessária para a expansão das marcas, continuam sendo um componente central para as teorias sobre sua gestão cultural (Brown, McDonagh & Shultz 2013; Holt & Cameron, 2010; Kristensen, Boye & Askegaard, 2011; Thompson, 2004).

Teorias sobre a gestão cultural das marcas partem do entendimento de que a competição deve ocorrer pelo que Holt (2003) denominou como culture share, em contraponto ao market

share tão almejado pelas primeiras escolas de marketing. Sendo a competição por uma fatia da

cultura, faz-se necessário compreender qual é a base cultural, histórica e política, que Askegaard (2006) nomeou como brand culture. É necessário, portanto, ir além da definição de identidade e imagem da marca.

Marcas consideradas icônicas são aquelas que compreenderam a sua brand culture e funcionam, elas próprias, como mitos capazes de mediar os conflitos existentes entre as ideologias dominantes (modelos normativos) e as experiências de seus consumidores (Holt, 2004; Tillotson & Martin, 2015a). Essas marcas alcançaram força e poder de construção ou reconstrução de sua brand culture.

2.1.3 Brandscape

Appadurai (1990) criou o termo ideoscape para descrever o conjunto de ideias originadas na tradição iluminista (Democracia, Liberdade, entre outras) e que fizeram parte da construção do ambiente político global moderno. Thompson e Arsel (2004) e Askegaard (2006) partiram desse pensamento para discutir a força das ideias originadas pelas marcas.

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Segundo Thompson e Arsel (2004), no campo das pesquisas com consumidor, o termo

brandscape geralmente se refere às construções de significado realizadas pelos consumidores,

utilizando os recursos oferecidos pelas marcas com as quais eles se relacionam. Os autores ampliaram o raio de influência da marca e criaram o brandscape hegemônico, para descrever os efeitos das marcas globais nos discursos culturais, práticas de consumo e posicionamentos anti-marca. Brandscape hegemônico diz respeito a um sistema cultural formado por marcas e consumidores interconectados e que se relacionam de forma simbólica, discursiva e competitiva com determinada marca dominante. Além de moldar os concorrentes, portanto, esse sistema também influencia estilos de vida e identidades, funcionando como um modelo cultural para agir, pensar e sentir.

Para Askegaard (2006), junto ao ideoscape político, é igualmente importante a compreensão do ideoscape dos negócios, que transforma as atividades econômicas e sociais. Segundo ele, marcas como fenômeno e a sua gestão como prática estratégica constituem elementos centrais dentro do ideoscape dos negócios globais, pois, oferecem a base ideológica para o estabelecimento de um novo sistema de significados, novas práticas, novas distinções entre grupos sociais, novos tipos de comunidade, novas histórias e novos padrões de identificação.

Porém, a abordagem cultural das marcas é ainda mais complexa. Ela exige que se vá além de atribuir de significados às ofertas e de garantir que as pessoas consigam atribuir sentido ao momento de consumi-las.

Mesmo quando as marcas chegam à posição de mito, é imprescindível reconhecer que consumidores e produtores participam dos mesmos processos culturais - estética, linguagem, discursos - atuando em um mesmo sistema simbólico. As práticas diárias, as descontinuidades, as pluralidades, o caos, a instabilidade, as mudanças constantes, a fluidez e os paradoxos são fundamentais para a compreensão de sua complexidade (Firat & Venkatesh, 1995).

Os consumidores fazem escolhas entre os signos e significados circulantes para produzir os seus próprios sentidos, que são incorporados ao sistema simbólico. Os novos sentidos passam a circular no sistema, podendo ser escolhidos e consumidos pelos produtores. Consumidores também produzem e produtores também consomem. Por essa perspectiva, o consumo deixa de ser apenas uma forma de reprodução para tornar-se uma forma de transformação das práticas sociais existentes, ou, ainda, de produção de novas.

Para alguns, é necessário ir além. No seu entendimento, gestores e consumidores não controlam totalmente os processos de gestão das marcas, uma vez que existem outras instituições constrangendo a produção de significado. Entre a identidade de marca pretendida

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pelos gestores e as interpretações de seus consumidores existe um espaço teórico importante a ser investigado (Schroeder & Morling, 2006). É preciso buscar entender como as empresas e suas marcas se encaixam dentro da sociedade; como elas se relacionam com todos os demais atores institucionais; e os processos sociais nos quais os significados são construídos (Humphreys, 2010).

2.1.4 As marcas são sistemas dinâmicos

Inspirados na famosa frase ‘O rei está morto. Vida longa ao rei!’, Webster e Lusch (2013) declararam a sua vontade de anunciar: “Marketing is dead! Long live marketing!”. Os autores gostariam de ver o poder da abordagem predominante no marketing ser transferido para uma visão sistêmica, reconhecendo que o valor é gerado em processos mais complexos do que as trocas entre a díade comprador-vendedor, impactando a sociedade como um todo e não apenas o universo restrito dessa díade. Segundo eles, o sucesso ‘dessa abordagem depende da compreensão de que um indivíduo desempenha múltiplos papéis sociais e que, ao juntar-se a outros indivíduos, faz parte de uma grande constelação de papéis e relações sociais. As atividades relacionadas ao consumo não estão dissociadas dessa constelação. Por isso, Webster e Lusch (2013) sugerem o termo cidadão-consumidor.

Nesse contexto, surgiu uma subdisciplina do marketing, Market system dynamics, com o objetivo de aumentar a abrangência e a profundidade das pesquisas e teorias do marketing em três direções: (1) a busca por práticas e negociações discursivas entre múltiplos atores; (2) o entendimento de como atores, instituições e cultura interagem para moldar a realidade; (3) o interesse nos processos de formação das mudanças (Giesler & Fischer, 2017; Siebert & Anastasia, 2012).

Para esses pesquisadores, cada mercado é um sistema e constitui uma forma específica de realidade social. Segundo Giesler e Fischer (2017), entre os trabalhos que entenderam os mercados dessa forma, pode-se citar tanto os que observaram o consumidor moldando o mercado (Dolbec & Fischer, 2015; Martin & Schouten, 2014; Parmentier & Fischer, 2015; Scaraboto & Fischer, 2013), quanto aqueles que observaram outros atores, tais como, gestores, empreendedores, jornalistas, cientistas e ativistas (Borgerson, 2005; Ertimur & Coskuner-Balli, 2015; Giesler, 2008, 2012; Giesler & Veresiu, 2014; Humphreys, 2010a, 2010b; Humphreys & Thompson, 2014; Karababa & Ger, 2011; Penaloza & Barnhart, 2011; Sandikci & Ger, 2010).

Quanto à compreensão sistêmica das marcas, os próximos cinco artigos foram selecionados para ilustrar possíveis caminhos.

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Diamond et al. (2009) afirmam que uma marca emocionalmente forte é o resultado de um sistema complexo, cujos componentes estão em interação contínua e, juntos, constituem um todo maior que a soma das partes. Eles estudaram a marca American Girl sob a perspectiva de vários stakeholders e em diversos tipos de manifestação, procurando fechar o ciclo de uma pesquisa sociocultural e identificar implicações para a sua gestão. Entre os principais achados estão: (1) as influências exercidas pelos componentes do sistema são probabilísticas e recíprocas, mais do que linear e causais. Portanto, é impossível determinar onde se inicia a criação da marca e onde termina. (2) A marca nasce de uma ruptura no tecido cultura. (3) A marca é recriada pelos consumidores sempre que é capaz de ajudá-los a alcançar seus objetivos individuais, assim como em projetos de identidade coletiva. (4) Não importa onde ou como se inicie; com a sua evolução, a marca torna-se um componente do sistema a partir do qual a sua próxima geração irá surgir.

Ertimur e Coskuner-Balli (2015) buscaram compreender a evolução dos mercados e de suas marcas, em um contexto com múltiplas lógicas coexistindo. Para tanto, os autores (2015) delinearam as mudanças nas lógicas do mercado de ioga nos Estados Unidos e identificaram os fatores que levaram a elas; mapearam os múltiplos stakeholders e as suas reações às mudanças ocorridas; examinaram como as marcas reagiram às diversas lógicas; e definiram as dinâmicas de competição dentro do mercado.

Entre as principais contribuições estão: (1) além das mudanças socioculturais, os gestores de marcas necessitam monitorar as lógicas presentes em seu campo organizacional e acompanhar a evolução das relações entre elas. Mudanças nas dinâmicas dos campos levam a mudanças em todo o mercado. (2) A gestão das múltiplas lógicas não precisa considerar apenas uma delas especificamente, mas pode focar em fortalecer e/ou criar vínculos entre elas. (3) É importante a ligação entre estratégia cultural e gestão interna. Os stakeholders internos são componentes fundamentais do complexo sistema da marca, ou seja, a mobilização dos mitos e dos códigos culturais corretos deve ser acompanhada de uma correta estratégia de recrutamento de pessoas alinhadas às lógicas do campo. (4) O mapeamento dos múltiplos stakeholders não deve considerar apenas o papel das grandes marcas. Os empreendedores institucionais com seu capital social e estratégias de legitimação também moldam os campos nos quais operam.

Press et al. (2014) analisaram a resistência de algumas empresas em alterar suas estratégias, mesmo recebendo incentivo econômico para fazê-lo. Os resultados demonstraram que orientações estratégicas também podem ser compreendidas como ideologias; e tensões ideológicas afetam a legitimidade entre as empresas. Além disso, segundo os autores, é possível que gestores tenham maior sucesso com novas estratégias se reconhecerem que ideologias

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conflitantes coexistem e que as pessoas tendem a ter um maior comprometimento com a legitimidade cultural-cognitiva do que com a normativa. Sendo assim, os incentivos para mudanças estratégicas devem ser maiores que os econômicos.

Cayla e Penaloza (2012) demonstraram que alterar o modelo de negócio pode desestabilizar a identidade da organização, uma vez que é por meio dele que os gestores compreendem o contexto do qual fazem parte. Os autores (2012) explicam que, quando empresas se internacionalizam, parte das dificuldades com os processos de adaptação está relacionada à resistência dos próprios gestores. A razão está no fato de as novas informações sobre consumidores e as consequentes decisões de negócio formarem um conjunto inconsistente com a imagem já internalizada da empresa.

Para Bergvall (2006), embora as marcas poderosas sejam extraordinariamente complexas e multifacetadas, normalmente são estudadas sob uma perspectiva, em um determinado contexto. Sendo elas conceitos tão culturais quanto gerenciais, assim como as influências exercidas e sofridas, o corpo de pesquisas peca ao não conectar muitos dos fenômenos e atores participantes. Segundo o autor (2006), é preciso expandir o escopo desse sistema, incluir diferentes níveis de forças culturais e compreender como elas afetam e são afetadas pelas marcas. Assim como os ecossistemas da natureza formam-se nos relacionamentos entre as diferentes espécies, os das marcas formam-se nos relacionamentos entre os elementos presentes na cultura. Além de acompanhar como oscilam tais relações, nenhum elemento deve ser considerado mais importante do que o outro.

A realidade das marcas é social e, portanto, moldada por meio das práticas e negociações discursivas entre os seus múltiplos atores. Para alguns consumidores, mesmo com todo o poder mitológico presente nos discursos circulantes, os sentidos propostos a eles não foram o suficiente para sanar o mal-estar gerado pelas práticas da modernidade.

2.2 A INDIGESTÃO CULTURAL DOS SENTIDOS 2.2.1 O ativismo alimentar

Mais do que reconhecer o mal-estar gerado pelas práticas da modernidade, determinados consumidores decidiram fazer uso do consumo como ferramenta para promover as transformações desejadas. Embora tais iniciativas ocorreram historicamente, a internet potencializou a sua formação, ao habilitá-las a se relacionar com a sociedade sem o controle daqueles que detinham o poder sobre a comunicação. Paralelamente, a globalização também trouxe maior potência ao alcance de suas ações (Castells, 2015).

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Aqueles que fizeram essa escolha, participam do que alguns autores nomearam como “novos movimentos sociais” que, como todo movimento social, são iniciativas coletivas cujos valores e objetivos questionam a legitimidade das instituições. Foram denominados como “novos” porque questionam desequilíbrios próprios da sociedade contemporânea e ajudaram o surgimento de novos valores universais emergentes e objetos de contestação. No caso dos movimentos de consumidores, eles buscam mudar as práticas de determinada empresa ou indústria, ou a ideologia predominante no mercado (Castells, 2015; Buechler, 1995; Kozinets & Handelman, 2004, 2010; Machado, 2007).

Balsiger (2014) dividiu as táticas utilizadas pelos consumidores em denunciatórias (contenciosas; difamadoras) ou de suporte (não contenciosas). A intensidade de suas ações pode ser branda ou militante. E os recursos mobilizados são variados: dinheiro, habilidades específicas, parceiros estratégicos ou ideologias (Azevedo, 2017; Hirschman, 1970; Kozinets & Handelman, 1998; Luiedicke & Giesler, 2008; Peñaloza & Price, 1993).

A alimentação está entre os novos valores universais que emergiram e tornou-se um ato agrícola, social, cultural e político (Standage, 2010). Os movimentos alimentares surgiram como um guarda-chuva interdisciplinar, que abriga discussões de amplo alcance nas sociedades, possuindo a comida como elemento transversal (Azevedo, 2017; Fonseca, 2008).

Entre os movimentos mais conhecidos estão: a agroecologia e a agricultura familiar; o movimento de segurança alimentar e nutricional; a agricultura orgânica e outros sistemas agroalimentares sustentáveis (permacultura, agriculturas biodinâmica, natural, ecológica); o comércio justo (fair trade); o slow food; o locavorismo; o vegetarianismo; o veganismo; o freeganismo. E as suas propostas são diversas e complexas: discussão de gênero, família e sexualidade; revitalização do meio rural; aspectos éticos na relação com o reino animal; questões de mobilidade, consumo sustentável e preservação da agrobiodiversidade; vida em comunidade; alternativas ao sistema econômico neoliberal; promoção da cooperação e do decolonialismo cultural alimentar; exploração da natureza e de outros seres humanos, entre outras abordagens (Azevedo, 2017).

2.2.2 Os movimentos de consumidores em seis temas

O conhecimento a respeito das razões e de como atuam os consumidores que assumiram o desafio de transformar a dinâmica do mercado vem sendo acumulado desde a década de 1970 (Handelman & Fischer 2018; Kozinets & Handelman 2010; Luedicke & Giesler 2008; Portillo et al., 2011).

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Após análise dos principais trabalhos publicados, as suas discussões foram organizadas em seis temas.

Tema 1: Atores envolvidos

Handelman e Fischer (2018) apontam uma visão quase sempre dicotômica nas pesquisas sobre ativismo. Segundo eles, a maioria trata dos ativistas (protagonistas morais que pressionam por mudança) e dos antagonistas (corporações lutando para resguardar as suas posições). Os autores também assinalam que, embora os antagonistas sejam reconhecidos, pouca análise é dedicada a eles. Além disso, seria interessante estudar a heterogeneidade dentro de uma mesma categoria de atores sociais, assim como, possíveis homogeneidades entre categorias diferentes. Carter, Schneider, e Kozinets (2011) e Peñaloza e Price (1993) também já haviam chamado a atenção para os relacionamentos fora da díade herói-adversário, estabelecidos com parceiros ou amigos que estão ao lado do herói na luta contra seu inimigo, que podem ser importantes para o alcance dos objetivos e para um resultado de mais longo prazo. Eles sugeriram uma visão socialmente mais dinâmica do que os modelos lineares normalmente utilizados. Segundo os autores, embora exista o embate entre produção e consumo, as discussões diádicas a respeito dos movimentos não consideram a complexidade das relações que suportam as atividades de resistência. Falta compreender como se dá a dinâmica entre eles, entendendo-se dinâmica como papéis desempenhados, estratégias, práticas, convergências, divergências, identidades, autoimagem e imagem dos outros atores. Para Izberk-Bilgin (2010), seria particularmente interessante explorar como os gestores de marketing gerenciam e respondem às táticas dos consumidores.

D'Antone e Spencer (2015, p.68) propuseram o conceito de “multiplex consumption” para a complexidade e o aspecto sistêmico do contexto analisado em sua pesquisa sobre os movimentos preocupados com a extração e utilização do óleo de palma como matéria-prima de vários produtos. Os autores chamam a atenção para a existência de diferentes tipos de atores organizados em rede e presentes em diversos processos de configuração e reconfiguração do mercado. Consumidores declaram o seu descontentamento e alavancam a pressão realizada pelas ONG’s sobre o Estado. Guias com informação, informações nos rótulos e embalagens, aumento de impostos, entre outros recursos, conscientizam novos consumidores, que, por sua vez, também passam a se sentir responsáveis e decidem aderir à resistência, além de conscientizar outros à sua volta. E assim por diante.

Aspara et al. (2014) analisaram as dinâmicas de poder e resistência entre os stakeholders envolvidos na mudança da estratégia de marca, em uma universidade finlandesa. A marca foi

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abordada tanto como elemento, que carrega identidade, quanto como processo, constituída por ações e reações de todos os que se relacionam com ela. Segundo eles, as posições dos que querem a mudança e as dos que resistem funcionam como forças coprodutivas da nova marca. Mais que isso, foi demonstrado que na rede de stakeholders, durante o processo de mudança, nenhum ator é unilateralmente cliente ou fornecedor de valores e recursos, mas pode desempenhar os dois papéis.

Os autores apresentaram o conceito de “proresistor” (Aspara et al., 2014, p. 22) - uma readequação do termo prosumer utilizado para a fusão dos papeis de produtor e consumidor (Ritzer & Jurgenson 2010). O proresistor é o stakeholder que desempenha papel de resistência e influencia as decisões tomadas para o direcionamento estratégico da marca. Portanto, ao focarem nas identidades, interesses e batalhas envolvidos nos processos de mudança e dando ênfase às dinâmicas de poder e resistência, os resultados ressaltam (1) a variedade de atores e papéis possíveis de serem desempenhados e (2) a possibilidade de mudança tanto nos papéis quanto nas identidades assumidas.

Embora não faça parte do corpo de pesquisas sobre movimentos de consumidores ou ativismo, cabe citar o conceito do executivo ativista proposto por Gopaldas (2015): aquele que procura promover o marketing positivo mais para expressar suas convicções pessoais do que responder a pressões externas. Segundo o autor, eles podem ser descritos como ativistas por possuírem as características necessárias: pro-atividade, convicções pessoais e apaixonadas, e claros objetivos políticos.

Tema 2: Individual versus coletivo

Kozinets e Handelman (1998) abordaram tanto os interesses individuais quanto os coletivos dos consumidores ativistas. Os autores retomaram alguns estudos sobre boicote e entenderam que existia uma lacuna teórica, uma vez que esse fenômeno era abordado apenas como um esforço de interesses coletivos. Em estudo netnográfico, os autores identificaram duas outras motivações para o comportamento: (1) os boicotadores percebem o seu envolvimento não apenas como parte de um esforço coletivo, mas como uma complexa expressão emocional de sua individualidade; (2) o boicote serve como um veículo para a auto realização moral. Ou seja, cumpre papéis com consequências individuais tanto externas quanto internas, além da busca por uma mudança estratégica de determinada empresa ou por uma mudança estrutural em todo o sistema de marketing.

Tumbak e Belk (2011) também destacaram a importância de entender aspectos inerentes às coletividades, sem esquecer as características dos indivíduos (competitividade, contradição,

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disputa pelo poder), sempre procurando-se perceber quais são os elementos estruturais e não estruturais presentes no contexto pesquisado.

Portwood-Stacer (2012) propôs uma tipologia de motivações para os movimentos anticonsumo. Entre elas, também foram descritas as motivações sociais e pessoais. As primeiras dizem respeito a fazer parte de um grupo que compartilha valores e objetivos, assim como, diferenciar-se daqueles que não compartilham da mesma visão de mundo; as motivações pessoais visam à busca por benefícios pessoais imediatos em experiências de consumo alternativas.

Para Hollenbeck e Zinkhan (2010), compreender o processo de negociação dos significados das marcas requer não apenas o conceito do indivíduo como negociador e construtor de conhecimento, mas, também, o entendimento da importância da visão da comunidade como alavanca de ação.

Cronin, McCarthy e Collins (2014) também discutiram a relação existente entre comunidade de consumo e resistência, ressaltando que o espaço existente para o compartilhamento de práticas dentro das comunidades favorece o surgimento de manifestações coletivas de resistência. A pesquisa desses autores (2014) esteve direcionada para a subversão das regras e normas ditadas pelo mercado, no consumo de produtos não conspícuos. Eles apontam, inclusive, que está crescendo o reconhecimento de comunidades de consumo como uma oportunidade para antecipação de aspectos desviantes no comportamento dos consumidores.

Kjeldgaard, Askegaard e Ostergaard (2017) examinaram como consumidores podem se organizar formalmente para alterar dinâmicas do mercado. Para tanto, analisaram a evolução do mercado de cerveja na Dinamarca por duas décadas, com foco em uma organização formal de consumidores cuja missão é disseminar conhecimento a respeito de cerveja de boa qualidade, diversificar os fornecedores e produtos oferecidos, estabelecer debates sobre cerveja para suportar e estimular a produção artesanal. O poder político conquistado foi utilizado para mobilizar mudanças nas lógicas existentes na produção e consumo de cerveja, mais especificamente, no gosto e nos produtos padronizados e produzidos em massa pelas grandes marcas. Entre os resultados, destacam-se: uma lógica alternativa de diversidade e produção artesanal; transformação na estrutura de gosto; um papel institucional, atuando na intersecção entre comunidade, mercado e Estado e a constituição de um novo tipo comunidade - a de produtores.

Como todo NMS, os movimentos de consumidores podem ser temporários, submersos, latentes e descentralizados. A consequência do foco dado às iniciativas organizadas

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coletivamente é que se deixa de perceber a importância da influência das práticas diárias e mundanas, bem como de atores sociais não organizados e difusamente politizados, que se situam entre o anonimato e a vontade de exercer um papel político. Atos individuais também transformam, mesmo que a intenção inicial não tenha sido resistir à cultura do consumo e ao marketing de significados massificados (Amould, Price & Walker, 1992; Ashman, Kozinets, &Patterson, 2013; Dolbec & Fischer, 2015; Hirschman, 1970; Kozinets & Handelman, 1998; Luedicke & Giesler, 2008; Peñaloza & Price, 1993; Portillo et al, 2011; Scott & Orlikowski, 2012).

Tema 3: Resultados

Segundo Handelman e Fischer (2018), grande parte das publicações não é explícita a respeito dos resultados alcançados pelos esforços dos ativistas.

Nas publicações analisadas para esta pesquisa, a discussão a respeito de resultados girou em torno da possibilidade de libertação das lógicas do mercado.

A análise de Izberk-Bilgin (2010) corrobora essa análise, ao dividir os trabalhos realizados em marketing segundo duas perspectivas: uma que assume um caráter libertador e acredita na existência de um espaço de resistência fora do sistema do mercado, mesmo reconhecendo o seu poder; e outra que conceitua a resistência individual e sutil das escolhas e práticas diárias, sem que o consumidor saia do mercado ou se liberte de seus códigos. A preocupação está na experiência vivida e em como esta transforma tanto consumidores quanto os demais agentes.

Para Peñaloza e Price (1993) é necessário reconhecer que não existe fuga completa, um lugar totalmente fora do mercado do qual só emanarão mudanças sociais positivas, resistências efetivas e liberdade de sua dominação. Essa posição está alinhada aos resultados obtidos por Kozinets (2002) ao estudar Burning Man, ou seja, uma fuga da lógica do mercado, se possível, deve ser considerada como local e temporária. Importante lembrar que o autor (2002) não deixa de apontar a inspiração e a transformação de seus participantes ao final do evento.

Partindo de dois estudos de caso, Holt (2002) afirma que a resistência encontrada na pós-modernidade é uma forma sancionada pelo mercado para experimentação cultural. Em outras palavras, as empresas incorporam rapidamente as práticas revolucionárias tornando-as altamente produtivas para o seu próprio sistema.

Outros dois exemplos que podem ser entendidos como cooptação: o uso do véu na Turquia, inicialmente um comportamento desviante e estigmatizado, que se transformou em prática de consumo ordinária e cotidiana quando o mercado percebeu a oportunidade de

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apresentá-lo com características de acessório de moda (Sandikci & Ger, 2010). Ou ainda, os significados de “fora-da-lei” - cocriados por grupos marginalizados, pela imprensa sensacionalista e pela indústria do cinema - que foram apropriados pela marca Harley-Davidson para o desenvolvimento de produtos e campanhas de comunicação, consequentemente, redefinidos de forma mais palatável para um grupo maior de consumidores (Schouten & McAlexander, 1995).

Para Ulver-Sneistrup et al. (2011), não existe um estar dentro ou estar fora do mercado. Thompson (2004) vai além dessa discussão, ressaltando a existência de uma relação dinâmica e de um processo contínuo de coevolução entre as forças das organizações e os movimentos de resistência. Sendo assim, o objetivo deve estar em entender o novo: nas configurações das relações de poder, nas identidades geradas, nas agendas ideológicas e oportunidades de resistência.

Ao apresentar a sua pesquisa sobre movimentos organizados em redes – como a Organic Consumer Association e Greenpeace - Thompson (2004) ressaltou a existência de resultados positivos, mesmo quando os puristas percebem uma cooptação para a reinvenção do próprio mercado. O autor aponta para uma mudança gradual em direção ao banimento de práticas nocivas, além da adoção de novas práticas na regulação dos alimentos geneticamente modificados e nas informações contidas nos rótulos, entre outras. Segundo ele, são as atividades constantes de monitoramento e respostas organizadas que vêm protegendo a integridade dos padrões relativos à comida orgânica contra o lobby das grandes organizações.

Uma característica comum nos trabalhos de Thompson e Coskuner-Balli (2007a, 2007b) e de Press e Arnould (2011) é o fato da contestação e da resistência ocorrerem, de alguma forma, mediadas pelo mercado. Por exemplo, as comunidades e seu modelo de negócio aumentaram o espectro de escolhas oferecidas aos consumidores, não deixando de ser um subproduto do sistema econômico global no qual a cultura de consumo está inserida. Mais do que uma narrativa crítica, são um recurso existente no mercado, para que os consumidores consigam, ao menos parcialmente, libertar-se das cadeias globais de alimento, além de se conectarem com outros segmentos da cultura de consumo que também privilegiam o local, o coletivo, o humano e o sustentável. Indo além, podem ser consideradas apenas uma simulação romântica das fazendas pré-capitalismo, uma vez que a tecnologia trouxe avanços para a gestão de suas operações tanto no campo quanto no relacionamento com seus clientes.

Quando o contexto está relacionado a alimentos, a discussão sobre a possibilidade de libertação das lógicas do mercado parece estar representada pela dúvida quanto aos produtos consumidos serem realmente alternativos – ou seja, relacionados à recuperação da ética, da

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moral, do artesanal, da solidariedade e da harmonia entre humanos e a natureza. Do reencantamento das práticas de consumo.

Tema 4: Consumidor como sujeito e detentor de agência

Izberk-Bilgin (2010) identificou que, dentro das Ciências Sociais e Humanidades, as visões sobre ser possível o consumidor possuir agência ou não se dividem entre dois paradigmas. Cada um oferece uma perspectiva historica e discursiva sobre os mercados, o objetivo de consumir e o papel do indivíduo, suas potencialidades e possibilidade de resistência. O primeiro paradigma traz uma perspectiva crítica da cultura de consumo e foi construído com base nos trabalhos de Marx, Horkheimer e Adorno, Ewen e Baudrillard. Aqui, a resistência ao domínio do mercado não é possível; e o consumidor é visto como alguém incapaz de pensar, passivo e sistematicamente enganado pelos donos do capital por meio da indústria cultural e da ideologia do consumismo. O segundo paradigma oferece uma visão mais positiva, com novas lentes teóricas para examinar o fenômeno da resistência dos consumidores. O consumo é visto como uma prática que auxilia no entendimento do mundo, assim como, marca e comunica distinções sociais. É a arena na qual a ordem social é desafiada, negociada e transformada. Segundo Izberk-Bilgin (2010), os trabalhos que suportam esse paradigma são os de Douglas & Isherwood, Bourdieu e de Certeau, entre outros.

Peñaloza e Price (1993) destacam a existência de uma ação recíproca e recursiva entre os agentes envolvidos e as estruturas do mercado. As autoras não concordam, portanto, com a visão pós-estruturalista que retrata os consumidores como receptáculos passivos para as ideias transmitidas pelas instituições dominantes. Sendo assim, encorajam os pesquisadores a pensarem de forma mais abrangente enfatizando, inclusive, que existem muitas formas de resistência sendo praticadas e não recebendo a devida atenção.

Thompson e Haytko (1997), exploram como os consumidores utilizam os discursos da moda para incluir as suas práticas de consumo em um sistema ideológico existente. Ou seja, esses discursos provêm os consumidores com uma gama de possibilidades a serem apropriadas, visando a lidarem com as tensões e paradoxos existentes entre o seu senso de autonomia (agência) e a sua sensibilidade às normas ditadas pelo mercado (estrutura). Segundo os autores (199), os discursos circulantes ajudam na construção das identidades e das narrativas pessoais, ao mesmo tempo que fornecem oportunidade para a interpretação das relações estabelecidas na cultura de consumo e, muitas vezes, para a contestação das categorias sociais convencionadas. A análise dos autores demonstrou que os discursos da moda são utilizados pelos consumidores

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em suas práticas cotidianas de formas criativas e proativas e que não simplesmente reproduzem uma visão hegemônica, como afirmam os críticos da indústria cultural.

Thompson (2004) descreve um processo de coevolução no qual os ativistas desempenham um papel similar aos inovadores nos setores da moda e da tecnologia, e as corporações que forem sábias transformarão as críticas em oportunidades lucrativas. Nesse sentido, o poder corporativo e os ativistas são forças antagonistas em um sistema dinâmico alternando os papéis de poder e resistência. A teoria proposta por Giesler (2008) também defende que a evolução do mercado é um processo simbiótico de performance cultural, com movimentos e contra movimentos de protagonistas, de antagonistas e de outras forças institucionais.

Para Kozinets et al. (2004), mesmo em ambientes ostensivamente voltados para o consumo, este processo é negociado dialeticamente, e os interesses dos consumidores e produtores estão dentro um do outro, em um processo de “interagência”. Consumidores e produtores negociam e coconstroem identidades e práticas; os interesses de ambos se intersectam e se servem simultaneamente; e ninguém é dominado. As vontades dos dois lados são sobrepostas, mútuas e interdependentes. A relação produtor e consumidor não é diabólica, mas dialética. O consumidor é soberano e manipulado, sujeito e objeto, passivo e ativo, explorado e emancipado, herói e tolo. Ao invés de uma visão dicotômica de agência em duas partes – consumidores e produtores – a pesquisa ilustrou outro modelo: o de consumidores e produtores embutidos um no outro, no qual consumidores também produzem e os produtores também consomem.

Segundo Karababa & Ger (2011), a literatura não explica propriamente a formação do consumidor-sujeito durante o desenvolvimento da cultura de consumo, supondo um sujeito passivo e moldado por transformações estruturais. Sendo assim, esses autores defendem a necessidade de mais pesquisas para conceituar o consumidor e o contexto no qual o sujeito é formado. Entre seus achados, destacam-se: (1) nem sempre produtores e consumidores estão em lados opostos. Na pesquisa realizada, ambos se uniram para que outros atores fossem enfrentados (Estado e Igreja). (2) A transgressão pode ser constitutiva do consumidor e de seus desejos, além de ser vital para a sua subjetividade, e o consumo serve como caminho para a transgressão.

Para Arnould (2007), as ações sempre serão autorizadas institucionalmente por instituições mediadas pelo mercado. Agência diz respeito a uma autoridade institucional para agir e, portanto, deriva de papéis dentro da sociedade – dificilmente poderá existir destacada dos modelos culturais que a autorizam e guiam. Sendo assim, para o sucesso das práticas

Referências

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