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4. RESULTADOS

4.4 Quais são os sentidos que os executivos de marketing atribuem

Ao conversarem sobre os atores que fazem parte de seu contexto, os executivos não mencionam os ativistas. Nem mesmo quando incentivados a pensar a respeito de quem impulsionou ou estaria ipulsionando as transformações ocorridas no mercado.

“Normalmente? Veículo de massa: Fantástico, Globo Repórter... Eu lembro que era muito isso: passou no Fantástico, ferrou, precisa se fazer um movimento urgente.” Quando questionados sobre qual o processo anterior à chegada na mídia, a resposta é bastante evasiva.

“Ah, então. Provavelmente formadores de opinião, nutricionistas, médicos, mas não sei localizar exatamente aonde, entendeu?”

As perguntas precisaram ser feitas de forma específica: “E os ativistas? Não influenciam a opinião ou o comportamento das pessoas? Quais você conhece?”

Carlos Monteiro é reconhecido como o maior ativista do Brasil. Sempre lembrado como “muito radical”, todos prestam atenção quando ele se pronuncia (mesmo os que não concordam com o que ele fala ou com os seus métodos). Ele conseguiu ocupar um espaço para disseminar as suas ideias.

“Esse é o grande ativista (...) O grupo dele é um grupo muito ativista. Bela Gil é uma ativista que também faz parte do grupo.”

“Um você já deve estar acompanhando que é o maior ativista do Brasil que é o Carlos Monteiro.”

“Sabe quem é Carlos Monteiro? Ele que é o líder dos alimentos processados, ultraprocessados. É um cara que eu respeito, mas ele é muito radical. É da Saúde Pública da USP. Ele é premiado pela Organização Mundial de Saúde. Ele que conduz o Guia de Alimentação do Brasileiro, não sei se você conhece.”

“O Carlos Monteiro puxa você no nervo, mesmo. É lógico que eu não concordo cem por cento com o que ele fala, mas acho que precisa ter um cara desse. (...) Eu acho que ele precisa usar a Rita Lobo do jeito que ele usa mesmo, do tipo, ‘vai lá você que fala com a massa (...) você é fofa, você tem um olhinho azul lindo, você é uma graça, tá no GNT, você tem um monte de seguidor.’”

Entre as personalidades que agem como ativistas, foram citadas Bela Gil, Rita Lobo e Paola Carosella. Rita Lobo encontrou um tom em seu discurso que, para muitos, não a coloca entre as personalidades que discordam dos produtos industrializados.

“A Bela Gil é realmente uma coisa muito focada contra a indústria. A Rita Lobo para mim ela prega comida de verdade. Nota dez pregue mesmo. Para mim, pregar comida de verdade, é nota dez. Não tem problema nenhum porque realmente é isso que as pessoas precisam entender.”

Os nomes dos movimentos são pouco conhecidos. Entre os citados, sem necessariamente estarem vinculados à sua causa: Desrotulando, Do campo à mesa, Slow food, #poenorotulo, Movimento infância livre de consumo.

“Não sei te dizer um nome.”

“Mas, aí eu não sei te dizer quem são.” “Acompanho, mais ou menos. Acompanho...” “Não tenho um nome de cabeça.”

“Bom, tem coisas, mas não vou conseguir te falar qual o movimento.”

As causas lembradas foram: veganismo, transparência, rótulo, crianças, impacto ambiental, origem, composição.

“Gente brigando pela composição. Gente brigando pela origem, pelo impacto ambiental, entendeu? Acho que o rótulo é a última manifestação.”

Os veganos são os mais conhecidos e também são referência do que é ser “muito radical”. Dois momentos foram exceção:

“Os veganos são muito interessantes para estudar. A nossa CMO (global) todo ano incentiva que a gente entenda mais a respeito deles. A gente tem marcas que já nasceram veganas (sem a intenção de ser) e são consumidas por muitos deles. Mas, o nosso telhado como organização é de vidro. Não vale a pena arriscar.”

“Nesse projeto específico tinha um menino que me ajudava que é vegano. Nem é da [empresa], não tem curso superior, millenium, outra pegada completamente diferente. A gente inclusive participou do encontro vegano, que acontece a cada tantos meses, é uma feirinha, vários pequenos produtores e tal. [...} Então a gente estava lá com um estande nosso, vendendo. Ele me ajudou muito a entrar nesse mundo, circular, conversar com as pessoas, entender também as necessidades.”

As organizações ativistas pareceram receber um pouco mais de atenção, como se adquirissem seriedade ao assumir um lugar como instituição. Três organizações foram citadas: o IDEC, o Instituto Alana e o Instituto Akatu.

“O IDEC é o que mais metralha a gente. E o que a gente faz é defender, porque a gente tem uma história, uma jornada muito legal.”

Retomando a pergunta de pesquisa: quais são os sentidos que os executivos de marketing atribuem ao trabalho dos ativistas?

Existe um consenso de que o papel de pressionar por mudanças é muito importante. “Acho o papel dos ativistas superimportante. Porque são forças de mudança. Se não tivermos essas pessoas brigando, seria uma luta inglória para as pessoas de dentro [falando dos gestores que querem a mudança].”

“Existe uma rede super complexa e um dos nós são os ativistas. Sem dúvida, eles são importantes.”

“Tudo que faz com que as pessoas compreendam o papel da alimentação, eu sou a favor. Deveria ser mais sério. O mundo está mudando. Os ativistas estão aí e fazendo parte. Negativa, neutra ou positiva. Você tem de tudo. Muitos tem legitimidade em relação ao tema, mas muitos vão para uma radicalização nem sempre embasada.”

Porém, não houve reconhecimento da efetividade de seu trabalho. As razões variam entre levantarem bandeiras distantes da realidade, estarem fechados ao diálogo com a indústria e nem sempre apresentarem informações consistentes. Como em todas as estórias contadas, essas aqui também vieram polarizadas em ativismo “do bem” ou “pro” (transformação) e “do mal” ou “contra” (destruição).

Para alguns, o ativismo no Brasil ainda é percebido como algo em formação. Eles acompanham os movimentos na Europa, por exemplo, para ter uma ideia de onde poderiam chegar.

“Eu acho que os ativistas estão influenciando, mas não no Brasil.”

“O nível de consciência, o nível de rejeição, o nível de crítica ao industrializado é até mais pesado (em outros países). Por exemplo, na Alemanha eles tem um movimento de ‘não consuma produtos que tenham glutamato monossódico’. Aqui ainda a gente está num processo (...) a gente está do começo para o meio da jornada.”

“Duvido que tenha alguma empresa de investidor que tenha alguma crença em alguma coisa. Na Europa, onde o ativismo é muito forte e impacta realmente no investidor, a (...) faz um goodwill para levar menos porrada.”

“Nosso ativismo é muito superficial. Não é capaz de mover nada na indústria de alimentos. Definitivamente não. O ativismo está atrelado a personalidade dos influenciadores.”

Os ativistas “do mal” ou “contra” são aqueles que não estão abertos a dialogar, que não acreditam ser possível uma transformação por parte da indústria ou, até mesmo, tem o objetivo de “converter” as pessoas para uma visão da indústria como sendo ela quem está fazendo o “mal”:

“Eu tenho uns amigos que estudaram comigo e que hoje lideram o Slow Food Brasil. E há um tempo atrás eu falei: ‘vocês não querem conversar aqui dentro?’ E eles responderam: ‘por que Fulano? Você tá meio louco? O que é que a [...] quer com a gente? O que é que a gente vai fazer aí dentro?’ Então, aí eu comecei a ficar um pouco assustado, porque assim, eu acho legal enquanto tiver diálogo, enquanto não tiver não vai acontecer nada.”

“Não abrem diálogo. Estão presos à indústria da guerra. (...) A indústria quer o diálogo, mas eles não querem.”

A influência nesse caso é negativa:

“Eu acho que os ativistas impulsionam, mas de forma negativa. Toda vez que a gente vai para o radical, as pessoas tendem ao extremo e acabam voltando. Impulsionar destrutivo.”

“O consumidor está mais perdido. Ele não sabe nem por onde seguir. [...] gera culpa na pessoa.”

Nem todos os radicais são “do mal”, apenas estão muitos distante da realidade das pessoas.

“Eu conheço muitos ativistas, assim, mais radicais do que precisava. Esse trigo de hoje não é igual ao trigo do faraó... Buscar farinha de trigo que veio do Egito, não é a realidade. Deixa te falar uma coisa: o mundo evoluiu.”

“Tem alguns ativistas que é o seguinte, tudo que abre, pacote que abre, não deve comer. Então, eu vou mudar pra fazenda e plantar tudo? Arroz eu abro, feijão. (...) Tem que adaptar um pouco com a realidade.”

Os ativistas “do bem” ou “pro” são aqueles abertos a dialogar e acabam conseguindo contribuir, mesmo que pouco, com a transformação da indústria e do próprio consumidor:

“Os trabalhos de responsabilidade social são para nos blindar da sociedade civil e dos ativistas. Formação para os produtores e incorporar ao projeto orgânico. O desafio está na escala. A linha orgânica será premium.”

“(acredito no) ativismo do bem: melhoria das práticas alimentares, boa alimentação das crianças, ingredientes, conservantes, açúcar. Que buscam o lado positivo da agenda e dicas bacanas.”

“Desrotulando eu acho que tem um papel. Porque... a gente pode estar mais de acordo com o critério ou não, tem coisas que eu também não estou de acordo com o critério deles. Mas simplificou para as pessoas entenderem o que é que tá lá dentro daquele negócio.”

“Eu acho que o futuro ele é (plant based), tá? Seja pela questão mais ativista, filosófica (...), seja por uma questão de saudabilidade.”

“ [Alana] é uma organização que escuta a indústria (...) Ela tem uma visão ativista, ela tem uma visão de push, mas ela tem, não é uma parceria, ela tem uma comunicação com a indústria que é diferente de outras ONGs, ou que é diferente de profissionais que se transformaram na minha visão em seitas.”

No período das entrevistas, uma matéria tinha acabado de ser publicada no jornal. Os verbatims abaixo ilustram, um pouco mais, as diferenças entre as visões de “cautela” e a de “coragem”:

“É uma matéria ativista, extremamente ativista, radical, com termos muito de guerrilha, uma coisa muito fora do propósito de verdade, com dados totalmente errados”

“A gente acabou de passar uma crise grande com a história do New York Times, o artigo. Engraçado que eu li aquele artigo, eu cheguei à conclusão de que eu tenho mais dilemas de vender açúcar para as pessoas do que eu tinha com álcool.”

Quando a pergunta foi se o entrevistado acompanhava o trabalho dos ativistas:

“A indústria só acompanha a ponta do iceberg. Movimentos que já ganharam escala e impactam as vendas (ou estão próximos de).”

“Eu não mapeio. O meu trabalho é construir marca para consumidor regular, o Homer Simpson. Mas a [...] mapeia, porque a conversa com os ativistas, dependendo do nível de ativismo ou de abertura para a indústria ou não, é um time especializado que toca.” “Eu acompanho. Mas oficialmente eu não sei se tem alguém que acompanha, eu acho que deveria ser mais sério isso.”

Caso a sensibilização dos gestores de marketing seja do interesse dos movimentos ativistas, existe um grande esforço a ser feito: “o nosso ativismo não é sexy”

4.4.1 Como se desdobram nos sentidos que propõe para as marcas?

O ativismo não é um tempero presente nas receitas propostas. Em outras palavras, os ativistas das causas alimentares não desempenham o papel que Aspara et al. (2014) definiram como proresistor, aquele stakeholder que resiste e influencia as decisões tomadas para o direcionamento estratégico da marca.

No máximo, pode-se atribuir uma relação sutil entre os sentidos atribuídos ao trabalho dos ativistas e as visões estratégicas interpretadas.

Os executivos preocupados com o resultado e sem nenhum conflito, ao que pareceu, começarão a se preocupar com os ativistas no momento em que perceberem impacto no resultado financeiro (cautela e uma pitada de coragem).

Os executivos do segundo grupo da cautela (com duas pitadas de coragem) foram os que mais enfatizaram a falta de diálogo, os ativistas do bem e do mal e trouxeram os sentimentos mais exacerbados.

O interessante foi perceber que entre os executivos dos dois grupos da coragem os ativistas são reconhecidos como parte da rede interconectada de atores, mas não existe força nas relações que eles conseguem estabelecer.

No quadro pessoal de referências culturais dos entrevistados, ao que parece, os sentidos “bons” ainda estão muito insipientes ou, nas palavras de um deles, “difusos”; e os sentidos consolidados são os “maus”, que despertam raiva e indignação.

O único desdobramento identificado está nas estratégias de relações públicas:

“Os trabalhos de responsabilidade social são para nos blindar da sociedade civil e dos ativistas. Formação para os produtores e incorporar ao projeto orgânico. O desafio está na escala. A linha orgânica será premium.”

“Duvido que tenha alguma empresa de investidor que tenha alguma crença em alguma coisa. Na Europa, onde o ativismo é muito forte e impacta realmente no investidor, a (...) faz um goodwill para levar menos porrada.”

O papel dos ativistas deveria ser o de apurar o paladar, fazendo com que ele seja capaz de identificar aquele gosto estranho quando algo está errado. Um paladar que sinta o gosto amargo das escolhas que levam à obesidade e ao organismo disfuncional.

Só que não será qualquer justificativa a convencer um adulto a abrir mão de hábitos arraigados ou que o faça provar algo que ele acredite previamente ter um gosto estranho. Se não houver credibilidade, conexão, além de bons argumentos construídos com base em um repertório familiar, o adulto dificilmente irá experimentar.

Parece que os ativistas ainda não acertaram o caminho para mudar o paladar de quem poderia ajudá-los do lado de dentro das empresas. Ao contrário do que pareciam indicar a observação da consumidora, a que funcionou como gatilho para a pesquisa, as notícias publicadas pela mídia e os relatórios dos institutos de pesquisa, o seu trabalho não está sendo desdobrado nas estratégias das marcas.