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5. DISCUSSÃO

5.2 Qual processo deu origem aos sentidos propostos pelos grupos da

Conforme a figura 5 mostra, os sentidos propostos pelos gestores são desdobramentos de um processo que iniciou com a aquisição de um certo tipo de conhecimento, que levou à mudança de hábitos de consumo, que levou ao conflito, que levou às propostas de novos sentidos. O conflito e os sentidos já foram abordados no capítulo de resultados.

Figura 5: Processo de origem dos sentidos

Fonte: Elaborada pela autora

O conhecimento dos gestores da “coragem” vem sendo construído por uma rede de fontes de informação maior e mais complexa do que aqueles da “cautela”. Alguns pontos interessantes a respeito:

1. Como fontes de informação, eles citaram livros, palestras, documentários, feiras especializadas dentro e fora do Brasil, assim como, claro, as pesquisas científicas utilizadas dentro das suas empresas e dos profissionais de saúde parceiros.

“Ah, mas você acaba ouvindo não só a indústria falar, você ouve nutricionista, ouve todo mundo. Então, sempre tive contato, mas demorou para cair a fixa que isso (alimentação) era tão transformacional, sabe?”

2. Eles são pacientes de profissionais da saúde que consideram uma gama mais ampla de evidências na construção de seu pensamento científico.

“Com esse médico eu mudei muito a minha alimentação”

3. Quem está há menos tempo na indústria é mais crítico a ela. Como se os mais antigos tivessem vivido o auge do mito por mais tempo e os demais já tivessem sido expostos aos “vilões” antes de conviver com a “heroína”.

As mudanças nos hábitos alimentares vieram em consequência de uma consciência maior da relação do alimento não apenas com a saúde, mas com a sociedade e com o meio ambiente. Fica clara a transformação da relação com o momento de compra, com a escolha dos ingredientes, com o preparo da comida. O alimento voltou a ser uma conexão consigo e com o mundo, de forma muito parecida com o período anterior aos industrializados.

“Eu gosto de fazer a comida, eu gosto de tudo orgânico. Gosto que a minha filha aprenda o valor de fazer. Então, a gente faz pão, ela tem uma hortinha. Ela não come comida industrializada. Só quando viajamos.”

“Eu não sou vegano, mas tenho ao longo do tempo reduzido bastante o consumo de carne e de outras coisas. E não por filosofia. Porque eu me sinto melhor e não tenho mais vontade [...]. Tenho mudado completamente a minha alimentação.”

Encontrou-se conexões com os trabalhos selecionados para a revisão teórica, mas nenhuma contribuição para as teorias utilizadas pelos autores. Com as contribuições de Busch (2016) e de Yngfalk (2016), a relação foi estabelecida com a existência de espaço para iniciativas por uma arquitetura de escolhas com ideais mais solidários e que tragam, inclusive, o corpo de volta para a tomada de decisão (mesmo que as escolhas sejam realizadas dentro das possibilidades oferecidas pelo mercado). Com Gopaldas (2015), semelhanças e diferenças em relação aos executivos ativistas. Com Aspara et al. (2014), a ampliação do conceito de

proresistor, estendendo as análises sobre a variedade de papeis possíveis, da possibilidade de

mudança entre eles ou de um mesmo ator desempenhar dois papeis em determinado processo de mudança, o de produzir e o de resistir.

A conexão com Karababa e Ger (2011), no qual consumidor e produtor unem-se para enfrentar outros atores, houve uma evolução da descoberta porque, além de ficar do mesmo lado, consumidor e produtor podem ser papeis desempenhados por um mesmo cidadão.

“Todo mundo é consumidor, a pessoa que está na indústria, ela é consumidora e...acho que é todo mundo vendo ‘poxa, do jeito que nós estamos não dá mais’ [...] Hoje a gente já gasta, já consome mais do mundo do que ele consegue se regenerar [...] A coisa já desandou. Essa parte que não está clara para a grande maioria, mas assim, já desandou.”

O cidadão alterna a posição de consumidor (Webster & Lusch, 2013) e cidadão-produtor, buscando coerência no que faz. A falta de coerência gera conflito.

“Eu queria que tudo que eu fizesse [fora do trabalho] pudesse deixar alguma coisa para a minha profissão também, eu não queria que fosse uma coisa que não tem nada da outra.”

“Hoje eu não estou em uma categoria que eu não consumo. Eu não sei como eu faria se estivesse em biscoito, por exemplo. [...] Culinários e biscoito são categorias que seria difícil trabalhar. Ou eu mudaria tudo ou não consigo trabalhar.”

“Dilemas de carreira. Eu não me vejo mais trabalhando com marcas que já trabalhei. Ainda que eu pudesse ter um poder de transformação, de realmente falar vamos virar esse jogo, que é bacana, tem muito impacto... seria muito complicado para mim. Hoje já não conversa mais com os meus valores.”

Buscando coerência no que faz, acaba transformando os sentidos das marcas para as quais trabalha.

“Marca com propósito: alimentos naturais que cultiva o bem em seu sentido mais amplo. Bem da saúde, bem para o mundo, para as comunidades envolvidas. Respeitar o tempo natural das coisas. Tudo modelo startup. [estava falando do seu projeto]” “Esse produto que a gente fez é super clean label. Não sei se vai dar certo ou não, mas eu queria que desse certo só para provar que vale a pena fazer a coisa certa.” “Então, para mim, hoje, é mais despertar o interesse para que as pessoas se informem. Eu acho que as empresas deveriam ter um papel nisso.”

Como o sentido atribuído ao trabalho dos ativistas não participou da transformação, mudou-se a unidade de análise para os sentidos atribuídos ao consumo de alimentos.

Um olhar mais atento ao que estava sendo descrito como hábitos de consumo, chamou atenção ao detalhamento das atividades envolvidas, das prioridades estabelecidas, dos sentimentos e dos significados ali presentes. E essa descrição levou à Teoria da Prática e a autores que a utilizaram para a compreensão da prática alimentar.

O interesse da Teoria da Prática5 está na vida cotidiana, considerando as práticas como a menor unidade de análise possível do social. Segundo Schatzki (2012), a Prática é um fenômeno social, uma constelação organizada de diferentes atividades exercidas pelas pessoas. Dentro delas, existe uma hierarquia na qual o seu propósito está situado no último nível (prioridade) seguido da ordenação da rotina dos fazeres e dizeres. Enquanto executam as suas atividades, as pessoas fazem uso de objetos e habilidades específicas, além de expressar emoções e sentidos mais abstratos, como valores e crenças.

5 Prática (práxis) é o termo que descreve um conjunto de ações humanas, práticas são um tipo de comportamento composto por vários elementos interconectados, como objetos, significados e fazeres (por exemplo, uma forma de cozinhar ou de trabalhar).

Os indivíduos são vistos como suporte da prática. Observá-los permite interpretar os sentidos, os objetos e as atividades relacionadas à Prática analisada. Além desse entendimento, propõe-se, assim como Halkier e Jensen (2011), que o indivíduo seja visto como um lugar de intersecção de uma pluralidade de práticas.

Assumindo essa perspectiva, pode-se inferir que o conhecimento adquirido transformou as práticas alimentares dos executivos, e a mudança em suas práticas alimentares, transformou as suas práticas de gestão. Em outras palavras, os novos sentidos atribuídos mudaram a relação com o alimento e o propósito de suas práticas alimentares. Esse novo propósito entrou em conflito com o propósito vivido ao exercer as práticas de gestor de marketing. E a Prática alimentar está transformando a Prática da gestão de marcas.

Magaudda (2011, p.16), em seu “circuito da prática”, mostrou como significados, atividades e materialidade se relacionam entre si enquanto moldam mudanças nas práticas. O “circuito da prática” consiste em um modelo explicativo que ajuda a compreender mudanças e transformações das práticas sociais do ponto de vista da experiência das pessoas que participam dessas práticas.

Os achados dessa pesquisa podem levar a um modelo complementar ao dele, o “circuito entre Práticas”, para apresentar como a mudança em determinada Prática pode se desdobrar em mudanças em outra Prática, também do ponto de vista da experiência das pessoas que participam de ambas.

O modelo explicaria como os indivíduos, intersecção de práticas diferentes, podem atuar como polinizadores de novos sentidos, de novos objetos, novos fazeres e assim por diante.