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O FANTÁSTICO NOS CONTOS DE MURILO RUBIÃO:

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Academic year: 2022

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Universidade Presbiteriana Mackenzie

VALDEMIR BORANELLI

O FANTÁSTICO NOS CONTOS DE MURILO RUBIÃO:

UM OLHAR SOBRE O TRINÔMIO TEXTO-LEITOR-LEITURA

São Paulo

2013

(2)

VALDEMIR BORANELLI

O FANTÁSTICO NOS CONTOS DE MURILO RUBIÃO:

UM OLHAR SOBRE O TRINÔMIO TEXTO-LEITOR-LEITURA

Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Letras.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ana Lúcia Trevisan

São Paulo

2013

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B726f Boranelli, Valdemir.

O fantástico nos contos de Murilo Rubião : um olhar sobre o trinômio texto-leitor-leitura / Valdemir Boranelli. – 2013.

114 f. ; 30 cm.

Tese (Doutorado em Letras) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2013.

Referências bibliográficas: f. 109-114.

1. Fantástico. 2. Rubião, Murilo. 3. Texto. 4. Leitor.

5. Leitura. I. Título.

CDD 809.3

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ERRATA

BORANELLI, Valdemir. O fantástico nos contos de Murilo Rubião: um olhar sobre o trinômio texto – leitor – leitura. 2013. 114 f. Tese de Doutorado – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP, 2013.

Agradecimentos

p.4. Final do texto. Acrescentar: “Ao Fundo Mackenzie de Pesquisa –

MackPesquisa – pelo apoio financeiro ao desenvolvimento desta tese.”

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VALDEMIR BORANELLI

O FANTÁSTICO NOS CONTOS DE MURILO RUBIÃO:

UM OLHAR SOBRE O TRINÔMIO TEXTO-LEITOR-LEITURA

Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Letras.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________

Prof.ª Dr.ª Ana Lúcia Trevisan - orientadora Universidade Presbiteriana Mackenzie – SP

___________________________________

Prof.ª Drª Glória Carneiro do Amaral Universidade Presbiteriana Mackenzie – SP

____________________________________

Prof. Dr. João Cesário Leonel Ferreira Universidade Presbiteriana Mackenzie – SP

_____________________________________

Prof.ª Dr.ª Karin Volobuef

Universidade Estadual Paulista – Araraquara

_____________________________________

Prof. Dr. Ricardo Iannace

Faculdade de Tecnologia do Governo do Estado de São Paulo (FATEC)

(6)

A minha amada esposa, Arlete, que permanece

a meu lado encorajando-me nesta jornada. A

meus queridos filhos, Paloma e Guilherme,

pela compreensão dos momentos em que me

mantive alheio.

(7)

AGRADECIMENTOS

A Ti meu Deus, por teres me propiciado que chegasse até aqui, de maneira a ser, hoje, melhor do que ontem, permanecendo em Ti, tanto quanto permaneces em mim, agora e sempre.

À Prof.ª Dr.ª Ana Lúcia Trevisan, um especial agradecimento pelo incentivo e orientação, e, principalmente, por mostrar-se amiga presente nesta jornada.

À Universidade Presbiteriana Mackenzie, em especial, à Prof.ª Dr.ª Diana Luz Pessoa de Barros, por acolher-me com tanto carisma.

À CAPES, pelo incentivo à pesquisa e em especial a este trabalho.

A todos da E.E. Profa. Orizena de Souza Elena, em especial à Diretora, Josefina Aparecida Vaceli, pelo apoio e motivação prestados constantemente.

A meu irmão, Valdir, por contribuir para o sucesso desta pesquisa, mesmo que indiretamente.

Aos professores que se prontificaram a compor a Banca de arguição e por se

fazerem amigos.

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“O produto do trabalho de produção se oferece ao leitor, e nele se realiza a cada leitura, num processo dialógico cuja trama toma as pontas dos fios do bordado tecido para tecer sempre o mesmo e outro bordado, pois as mãos que agora tecem trazem e traçam outra história.”

(GERALD, J.W..Portos de passagem. São

Paulo: Martins Fontes, 1995, p.166)

(9)

RESUMO

Estudos mais recentes se distanciam do conceito de Tzvetan Todorov e definem o Fantástico como fenômeno da linguagem. Nesta linha conceitual segue, entre outros, Filipe Furtado, Rosalba Campra, Mary Erdal Jordan, que preferem ver o fantástico mais como um modo narrativo gerador de ambiguidades ao invés de um sentimento de hesitação. O que é válido é a construção do texto, isto é, sua articulação na elaboração do efeito literário capaz de perturbar ao leitor. Estas definições do fantástico como fenômeno da linguagem nos permitem entendê-lo não como gênero, mas sim como modo de narrar.

Partindo dessa concepção, entende-se que o texto fantástico do século XX, em especial o de Murilo Rubião, se articula por meio de elementos linguísticos, dentre eles a hipérbole e a metáfora epistemológica, tais elementos geram o efeito fantástico no leitor, de modo que estas correspondem à visão e descrição dos vazios em nossa percepção causal da realidade, a qual seria impossível ser descrita pela linguagem comum e/ou pela linguagem científica.

Assim o texto de Murilo Rubião se abre para uma liberdade do leitor confrontar suas premissas com o dito pelo texto, então, é notória a necessidade de mudança de postura do leitor em relação a essa literatura, visto que se exige a presença de um leitor em carne e osso que seja capaz, por meio dos diversos níveis de leitura, confrontar seu mundo com o narrado, portanto de um leitor real.

Desse modo nosso objeto de estudo é a relação texto-leitor-leitura construindo a ação narrativa, demonstrando o papel e a posição do leitor ante um texto de literatura fantástica, em destaque a de Murilo Rubião.

Palavras-chave: Fantástico – Murilo Rubião – Texto – Leitor – Leitura

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ABSTRACT

Recent studies have moved beyond Todorov’s concepts and define the fantastic as a phenomenon of language. Authors such as Filipe Furtado, Rosalba Campra, Erdal Mary Jordan, share this conceptual framework. They would rather see the fantastic like a narrative mode which generates textual ambiguities rather than a feeling of hesitation. The validity of this is in the construction of the text, that is, its articulation in producing a literary effect of disturbance to the reader. These definitions of the fantastic as a phenomenon of language allow us to understand it not as a genre, but as a way of narrating.

Based on this conception, it is understood that the fantastic text of the twentieth century, especially Murilo Rubião’s text, here called neo-fantastic, is constructed through linguistic devices, including epistemological metaphor and hyperbole, which create the fantastic effect on the reader, so that they correspond to the vision and description of the gaps in our causal perception of reality, which would be impossible to be described in ordinary language and / or scientific language.

Thus the text produced by Murilo Rubião frees the reader to think about what is said, then, it is evident that a change in attitude by the reader, in relation to this literature, is needed. The nineteenth century fantastic as defined by Todorov aimed at an implied reader; on the other hand, the twentieth century fantastic requires the presence of a real reader, in the flesh, to confront his views on the world with the narrative.

This way, our focus is on the relation text-reader-reading making up the narrative action, demonstrating the role and the position of the reader before a fantastic literary text, highlighting the text by Murilo Rubião.

Keywords: Fantastic - Murilo Rubião - Text - Reader - Reading

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SUMÁRIO

Introdução ... 10

I. Texto: da tessitura à categorização do Fantástico ... 14

I.1. Definição de texto ... 15

I.2. O texto fantástico ... 18

I.3. A metáfora e a desestabilização da escritura ... 26

I.4. Entre “O bloqueio” da linguagem da comunicação e a metáfora epistemológica do discurso fantástico ... 35

I.5. A hipérbole como expressão formalizadora do discurso fantástico em “Aglaia” de Murilo Rubião... ... 44

II. Leitor: o elo entre texto e leitura ... 52

II.1. O leitor de Murilo Rubião: do implícito ao real ... 53

II.2. A presença do leitor e a perspectiva da leitura na obra de Murilo Rubião ... 61

III. Leitura: uma atividade caleidoscópica ... 67

III.1. A leitura e suas dimensões ... 68

III.2. Murilo Rubião X Vestibular: que leitura se espera ... 71

IV. Texto – Leitor – Leitura: Considerações Finais ... 103

V. Referências Bibliográficas ... 109

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Introdução

“... o fantástico, para o homem

contemporâneo, é um modo entre cem de

reaver a própria imagem.” (Jean Paul Sartre)

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Introdução

A análise da literatura fantástica pode enfatizar o papel modelador da linguagem na construção da sua realidade peculiar e, nesse sentido, destaca-se a concepção da metáfora como figura imaginativa, capaz de transferir significados, modificar sentidos e, principalmente, garantir a poeticidade do discurso na narrativa.

Assim, transformada em procedimento narrativo, a metáfora se destaca no âmbito da narrativa fantástica uma vez que possibilita as repentinas e inquietantes passagens de limite e de fronteira entre o real e o imaginário.

O elemento comum a toda narrativa fantástica, que é preservado como traço definitório dessa literatura, é a demarcação de uma zona convencional na qual o fantástico é configurado como irrupção, o que enfatiza a oposição natural/sobrenatural, acrescida da concepção de linguagem entre o mito literário e a polimetáfora em percursos figurativos. Tais elementos configuram o universo narrativo de Murilo Rubião, objeto de estudo desse trabalho, que será analisado na perspectiva dos sentidos constitutivos da sua narrativa eminentemente metafórica e poética.

A narrativa murialina condiciona a possibilidade de ocorrência do fantástico como um derivado natural de um material linguístico que, sendo expressão verbalizada do puramente imaginário, contrapõe a realidade opcional à convencional. Nesse sentido, os limites de configuração do fantástico são dados pelo texto na totalidade de seus níveis, na metaforização da hipérbole, na literalização da metáfora e no nível sintagmático, em se tratando de impertinência semântica.

Este enfoque se dá mediante os estudos mais recentes, pois novas concepções definem o Fantástico como sendo um fenômeno da linguagem. Nesta linha conceitual podemos citar, entre outros, Remo Ceserani, Filipe Furtado, Irène Bessière, Rosalba Campra, Mary Erdal Jordan que preferem ver o fantástico mais como um modo narrativo gerador de ambiguidades que um sentimento de hesitação, como era definido o Fantástico do século XIX por Tzvetan Todorov. Assim, o que é válido é a construção do texto e sua articulação na elaboração do efeito literário capaz de perturbar o leitor.

Estas definições de fantástico como fenômeno da linguagem nos

permitem entendê-lo não como gênero, e sim, como modo de narrar. A partir daí, o

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objeto de estudo é a relação texto-leitor-leitura construindo a ação narrativa, demonstrando o papel e a posição do leitor ante um texto de literatura fantástica, em especial a de Murilo Rubião. Desse modo torna-se nosso objetivo demonstrar como a atmosfera do conto fantástico é decisiva no trabalho literário de Murilo Rubião enquanto fenômeno da linguagem e, consequentemente, tecer considerações sobre a problemática do leitor e da leitura a partir de diferentes enfoques teóricos, na receptividade dessa narrativa.

Para tanto, no que se refere à articulação do texto muriliano, Jaime Alazraki, Roger Bozzetto, Rosemary Jackson e Audemaro Taranto Goulart serão pivôs para que possamos entender os mecanismos do texto do autor em questão, visto que este é composto em sua totalidade por estruturas linguísticas capazes de desestabilizar o leitor frente às realidades apresentadas. Partindo das concepções desses autores, nos deparamos com as seguintes questões: Que leitor espera essa literatura? Qual é a leitura esperada desses textos?

A partir da ideia de que na literatura, não apenas o autor e o texto são elementos fundamentais na estrutura da narrativa, mas também o leitor é peça integrante desse sistema e, consequentemente, corresponsável na atribuição de sentidos dados a ação literária. Isto sugere que o leitor vem sendo tratado em um novo contexto teórico e paralelamente sua ação, a leitura, também. Isso nos faz pensar em um possível paradigma de leitor para o texto fantástico de Murilo Rubião:

o leitor real.

Assim como houve mudanças nas concepções do fantástico que antes era

definido apenas pelo efeito de hesitação que a narrativa causava na personagem e

juntamente no leitor (Todorov) e, agora, vê-se o fantástico mais como um modo, um

fenômeno narrativo, há também a necessidade de se pensar em uma outra

concepção de leitor para este tipo de narrativa. Se para aquela concepção de

fantástico se pensava em um leitor implícito, para essas novas concepções devemos

pensar em um leitor capaz de se movimentar pelo texto reconhecendo seus

mecanismos e suas engrenagens linguísticas de modo que o texto atenda as suas

expectativas. Para isso, analisaremos diferentes posicionamentos do leitor e da

leitura no contexto de textos de literatura fantástica com foco na produção de Murilo

Rubião, segundo as posições de alguns teóricos e estudiosos do campo, como por

exemplo, Wolfgang Iser, Umberto Eco, Antoine Compagnon, Paul Ricoeur, Michel

Picard, Vincent Jouve, Roland Barthes, entre outros.

(15)

Uma vez que no texto fantástico surge uma realidade segunda (criada), que não deixa de ser uma representação da realidade primeira, é possível propor o questionamento a respeito do papel do leitor na elaboração das realidades apresentadas no espaço do texto fantástico. Uma leitura realista pode ser possível e tradutora dos sentidos do texto, porém, uma leitura que mergulha nos sentidos imaginativos e inexplicáveis expressos no fantástico também pode existir.

A partir desta questão, deparamo-nos com o problema central: detectar como a metáfora se aplica de modo a romper com o nominalismo literário e atingir a qualidade de realismo e, sobretudo, detectar a relação entre leitor e leitura de modo a assegurar a verossimilhança na criação ficcional do fantástico.

Partindo do conceito de que o Fantástico é uma manifestação linguística, nosso foco de estudo é perceber como se estrutura esse texto, analisar os mecanismos que articulam a tessitura e, consequentemente, a textualidade nos contos de Murilo Rubião. Desse modo, no primeiro capítulo, “Texto: da tessitura à categorização do fantástico”, faz-se uma análise dos elementos constitutivos do texto, de sua estruturação e da construção das metáforas e, de modo global, como o texto se articula para a caracterização da narrativa neofantástica.

No segundo capítulo, “Leitor: o elo entre texto e leitura”, objetiva-se um estudo que identifique um possível leitor para a narrativa fantástica de forma a garantir uma leitura que ultrapasse os limites do enredo meramente estranho, sobrenatural ou fantasioso e adentre uma leitura metafórica do real.

Por último, no terceiro capítulo, “Leitura: uma atividade caleidoscópica”, analisa-se as dimensões do ato de leitura sob a ótica das teorias sobre texto e leitor, e por meio de estudo de questões de vestibulares analisa-se uma leitura que se estabelece dos contos de Murilo Rubião no âmbito dos parâmetros educacionais.

Ressalta-se que não pretendemos esgotar essa discussão ao longo desse

trabalho, são posições para que possamos impulsionar uma reflexão sobre essa

literatura tão peculiar em nossas letras e sua relação com os leitores atuais que se

tornam cada vez mais adeptos à leitura dessas narrativas.

(16)

I. Texto: da tessitura à categorização do Fantástico

“El texto consigue, si no la transparencia de las relaciones sociales, al menos la de las relaciones de lenguaje: es el espacio en el que ningún lenguaje tiene poder sobre otro, es el espacio en el que los lenguajes circulan” (BARTHES, Roland. El susurro del lenguaje.

1987, p. 81)

(17)

I.1. Definição de texto

Existem inúmeras definições para a palavra “texto”, o termo dicionarizado se aplica a um enunciado qualquer, oral ou escrito, independente de sua extensão, portanto podendo ser curto ou longo. Desse modo, são textos: uma frase, um diálogo, um poema, um conto, um romance e até mesmo uma única palavra, desde que, esta, dentro de um contexto específico, apresente sentido completo, a que chamamos de palavra-frase, como a que se apresenta em expressões como “Pare”,

“Silêncio”, “Perigo”, etc.

Além desta definição bastante simples dos dicionários, podemos definir “texto”

de duas maneiras: como objeto de significação e como objeto de comunicação. No que tange à primeira concepção, refere-se a sua organização ou estruturação, assim, volta-se o olhar para o objeto como um “todo de sentido”, estudam-se os procedimentos e mecanismos que o estruturam, analisando “aquilo que reúne, junta ou organiza elementos diversos e mesmo dissociados, [...] aquilo que os transforma em um todo organizado. (CHARAUDEAU, 2006, p. 467). É nesse mesmo sentido que podemos, igualmente, interpretar o texto como produtividade, conceito que, segundo Greimas (2008, p. 503), subsume o conjunto das operações da produção e das transformações do texto, e que procura levar em conta, ao mesmo tempo, propriedades semióticas da enunciação e do enunciado.

É válido lembrar que, “um texto é mais bem pensado não como unidade gramatical, mas antes como uma unidade de tipo diferente: uma unidade semântica.

A unidade que o texto tem é uma unidade de sentido em contexto, uma textura que expressa o fato de que ele se relaciona como um todo com o ambiente no qual está inserido” (CHARAUDEAU, 2006, p. 467). A partir disso, concebemos o texto enquanto objeto de comunicação entre dois sujeitos, desse modo, o texto se encontra entre os objetos culturais e sociais e determina-se por formações ideológicas específicas. Assim, o texto é alvo de uma análise externa, a partir da qual examina o objeto em relação ao contexto sócio-histórico em que está inserido.

Partindo do pressuposto de que o texto só existe mediante a dualidade que o

define – objeto de significação e objeto de comunicação – buscamos em nosso

estudo de modo a conciliar as análises internas e externas do texto, analisando tanto

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os mecanismos internos que o estruturam ou organizam quanto os fatores contextuais que abrangem na criação de sentido do texto.

O que é válido frisar neste momento é que o objeto dessa tese é o texto literário que se constitui das referências já apresentadas até então e congregam outras no âmbito de que o texto literário interpreta aspectos da realidade efetiva, mas o faz de maneira indireta, recriando o real num plano imaginário. Desse modo, como afirma Barthes, podemos dizer que o texto é plural, e em relação a essa ideia o autor complementa:

Lo cual no se limita a querer decir que tiene varios sentidos, sino que realiza la misma pluralidad del sentido: una pluralidad irreductible (y no solamente aceptable). El texto no es coexistencia de sentidos, sino paso, travesía; no puede por tanto depender de una interpretación, ni siquiera de una interpretación liberal, sino de una explosión, una diseminación. La pluralidad del Texto, en efecto, se basa, no en la ambigüedad de los contenidos, sino en lo que podría llamarse la pluralidad estereográfica de los significantes que lo tejen (etimológicamente el texto es un tejido).

1

(BARTHES, 1987, p.77).

Sendo assim, cabe ao leitor passar pela tessitura do texto, reconhecendo seus elementos constitutivos de modo a imprimir significados mediante essa pluralidade do sentido, tendo em vista que o discurso ficcional é uma organização simbólica que assume a função representativa. Deste modo, vale ressaltar a concepção de ficção como mundo possível: “La literatura es un sistema semiótico para la construcción de mundos posibles, llamados normalmente mundos ficcionales. Un mundo ficcional puede definirse de forma muy sencilla como una serie de individuos ficcionales componibles (agentes, personajes)”.

2

(DOLEZEL, 1999, p.166)

O papel do leitor frente a um texto literário nos é apresentado de modo bastante ilustrativo por Barthes (1987, p.80) quando diz que ler, no sentido de consumir, não é jogar com o texto e nos alerta para a necessidade de tomar a

1 O qual não se limita a querer dizer que tem vários sentidos, e sim que realiza a mesma pluralidade do sentido:

uma pluralidade irredutível (e não somente aceitável). O texto não é coexistência de sentidos, mas sim passagem, travessia; não pode portanto depender de uma interpretação, nem se quer de uma interpretação liberal, e sim de uma explosão, uma disseminação. A pluralidade do Texto, em efeito, se baseia, não na ambiguidade dos conteúdos, e sim no que poderia chamar-se a pluralidade estereográfica dos significantes que o tecem (etimologicamente o texto é um tecido). (Tradução nossa)

2 A literatura é um sistema semiótico para a construção de mundos possíveis, chamados normalmente mundos ficcionais. Um mundo ficcional pode definir-se de forma muito simples como uma série de indivíduos ficcionais componíveis (agentes, personagens). (Tradução nossa)

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palavra “jogar” em toda sua polissemia, nesse caso, o texto em si mesmo “joga”; e o leitor, por sua vez, joga duas vezes, primeiramente, joga com o texto (sentido lúdico), busca uma prática que o reproduza; porém para que esta prática não se reduza a uma mimese passiva, interior (o texto é precisamente o que se resiste a esta redução) e, por conseguinte, executa a obra, neste sentido, nota-se que Barthes brinca com o duplo sentido de “jouer”, jogar ou executar (instrumento musical):

El texto es más o menos una partitura de ese nuevo estilo:

solicita del lector una colaboración práctica. Gran innovación, porque

¿quién ejecuta la obra? (Ya se planteó la pregunta Mallarmé, y pretende que el auditorio produce el libro)

3

. (BARTHES, 1987, p. 80).

Porém, esta função do leitor será tratada mais adiante, especificamente no segundo capítulo, que tratará sobre o papel do leitor frente ao texto fantástico.

Torna-se necessário, neste momento, ressaltar que neste capítulo trataremos do texto de Murilo Rubião, onde analisaremos como o texto muriliano se articula para gerar o efeito do fantástico, causando grande desconforto, de modo a desestabilizar o leitor. Para tanto partiremos de algumas considerações sobre o Fantástico para, a seguir, realizarmos uma análise estrutural dos contos pertencentes ao corpus deste estudo.

3 O texto é mais ou menos uma partitura desse novo estilo: solicita do leitor uma colaboração prática. Grande inovação, porque quem executa a obra? (Já levantou a questão Mallarmé, e pretende que o auditório produz o livro). (Tradução nossa)

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I.2. O texto fantástico

A priori, reproduziremos algumas definições de “fantástico” para que, subsequentemente, possamos delinear a estruturação textual dessa narrativa na obra de Murilo Rubião como fenômeno da linguagem, ou ainda, como modo de narrar.

Todorov, em Introdução à literatura fantástica, apresenta uma definição extrínseca do que é o fantástico. Para ele, o fantástico é uma “hesitação experimentada por um ser que só conhece as leis naturais, face a um acontecimento aparentemente sobrenatural”. (TODOROV, 2004, p. 31)

Esta hesitação seria experimentada pelos personagens, principalmente pelo personagem-narrador, auto ou homodiegético, e transpassada para o leitor. A hesitação do leitor seria, para Todorov, a marca principal do fantástico e ele indica três condições necessárias para a classificação de uma narrativa como fantástica:

Primeiro, é preciso que o texto obrigue o leitor a considerar o mundo das personagens como um mundo de criaturas vivas e a hesitar entre uma explicação sobrenatural dos acontecimentos evocados. A seguir, esta hesitação pode ser igualmente experimentada por uma personagem; desta forma o papel do leitor é, por assim dizer, confiado a uma personagem e ao mesmo tempo a hesitação encontra-se representada, torna-se um dos temas da obra; no caso de uma leitura ingênua, o leitor real se identifica com a personagem.

Enfim, é importante que o leitor adote uma certa atitude para com o texto: ele recusará tanto a interpretação alegórica quanto à interpretação “poética”. (TODOROV, 2004, p. 39)

Já Mary Erdal Jordan, em seu livro La narrativa fantástica (1998), afirma que este sentimento de hesitação é característica do fantástico tradicional, pertencente ao século XIX, diferenciando-se do fantástico moderno, que não apresenta tal hesitação. “Un texto fantástico moderno es aquél en el que no se da la vacilación como elemento textual, y viceversa respecto de lo fantástico tradicional”.

4

(ERDAL JORDAN, 1998, p. 110).

Outra grande divergência entre o fantástico do século XIX, aqui chamado de tradicional e o fantástico moderno, século XX, apresentada por Erdal Jordan, é a

4 “Um texto fantástico moderno é aquele no qual não se dá a hesitação como elemento textual, e vice-versa no tocante ao fantástico tradicional .” (Tradução nossa)

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falta de espanto diante do fato sobrenatural, o que se traduz por uma naturalização do fantástico.

Lo que Todorov califica “un fantastique généralisé” (1970, p.

182) y Mc Hale denomina “the rethoric of contrastive banality” (1987, p. 76), es un fantástico que se caracteriza porque en él el fenómeno sobrenatural es plenamente representado y, fundamentalmente, integrado ‘con naturalidad’ en el mundo ordinario que lo engloba.

(ERDAL JORDAN, 1998, p. 112)

5

Paradigma dessa concepção são, a nosso ver, os contos de Murilo Rubião, pois as personagens não se espantam com o fenômeno sobrenatural. Como exemplo, podemos citar “O bloqueio” (1974), no qual o protagonista, Gérion, aceita com naturalidade o desaparecimento de andares superiores e inferiores em relação ao andar em que vive, integrando com naturalidade o fenômeno sobrenatural ao mundo ordinário, sem nenhum motivo de susto ou questionamento.

Todorov (2004, p. 181) assinala que, nesta modalidade, em lugar da hesitação, produz-se uma adaptação do acontecimento sobrenatural, em um processo que é, finalmente, de naturalização do sobrenatural. É o que Selma Calasans Rodrigues, em seu livro O fantástico (1988), denomina de fantástico naturalizado ou “naturalização do irreal”. Mas, vale lembrar, que apesar dessa naturalização do fenômeno sobrenatural, não podemos prescindir da noção de uma transgressão de ordens, posto ser essa a diferença entre o fantástico e o maravilhoso.

Mary Erdal Jordan (1998, p. 113), considera que a “banalização” do sobrenatural, em lugar de neutralizar o efeito fantástico aguça e intensifica o confronto entre o normal e o paranormal, afirmando que esta justaposição do paranormal sobre o natural e o evidente mal-estar que provocam esses relatos caracterizam o fantástico, afastando-o do puramente maravilhoso.

Bastos (2001, p. 27), ao realizar um estudo sobre a obra de Murilo Rubião, afirma que, para Barrenechea, o que distingue o fantástico do maravilhoso é justamente o fato de que, neste último, a convivência de fatos normais e anormais não é problemática. No realismo mágico e/ou maravilhoso os fenômenos

5 O que Todorov qualifica de “um fantástique generalisé” (1970, p. 182) e MC Hale denomina “the rethoric of constrative banality” (1987, p.76), é um fantástico em que o fenômeno sobrenatural é plenamente representado e, fundamentalmente, integrado ‘com naturalidade’ no mundo ordinário que o engloba. (Tradução nossa)

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sobrenaturais são aceitáveis por apresentarem justificativa, ou seja, por encontrarem respaldo na crença coletiva. Já no fantástico moderno, os mesmos fenômenos também são aceitos com naturalidade pelos protagonistas, porém, apesar de aceitáveis, o sobrenatural, aqui, rompe a ordem natural, causando um mal-estar tanto nas personagens, quanto no leitor, o que torna problemática essa convivência.

Así la literatura fantástica quedaría definida como la que presenta en forma de problema hechos a-normales, a-naturales o irreales. Pertenecen a ella las obras que ponen el centro de interés en la violación del orden terreno, natural o lógico, y por lo tanto en la confrontación de uno y otro orden dentro del texto, en forma explícita o implícita.

6

(BARRANECHEA, 2009, p. 393).

Essa convivência problemática, traço característico do fantástico, não se dá, fundamentalmente, por meio de seres sobrenaturais, monstruosos ou aterrorizantes, como afirma Bastos:

Para Malrieux, o elemento perturbador pode ser um fantasma, um morto-vivo, uma estátua que se anima, um duplo. Não é obrigatoriamente sobrenatural nem precisa ser exterior ao personagem, mas deve minar o equilíbrio intelectual do personagem e, dessa maneira, questionar os quadros de pensamento do leitor. A narrativa fantástica dá a ver a confrontação do personagem com um elemento perturbador, cuja presença ou intervenção representa uma contradição profunda com os quadros de pensamento e de vida do personagem, ao ponto de o transtornar completamente. (BASTOS, 2001, p.23 - 24)

Nesse caso, temos como exemplo o conto “A noiva da casa azul” de Murilo Rubião, no qual não há nenhuma figura sobrenatural rompendo a ordem natural do protagonista, mas sim, um transtorno no pensamento do personagem, que ao ler uma carta deixada pela namorada, começa uma viagem ao passado que afeta a ordem do seu pensamento e o leva ao devaneio.

Alazraki se une a esta tentativa de especificação do gênero e, referindo-se a Cortázar, define o fantástico como uma incursão em ordens que não se atêm à captura racionalista da realidade, incursão que conduz à ampliação desse conceito:

6 Assim a literatura fantástica ficaria definida como a que apresenta na forma de problema feitos anormais, extranaturais ou irreais. Pertencem a ela as obras que põem o centro de interesse na violação da ordem terrena, natural ou lógica, e portanto na confrontação de uma ou outra ordem dentro do texto, de forma explícita ou implícita. (Tradução nossa)

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Así entendido, lo fantástico representa no ya una evasión o digresión imaginativa de la realidad sino, por el contrario, una forma de penetrar en ella más allá de sistemas que se fijan a un orden que en literatura reconocemos como “realismo”, pero que en términos epistemológicos, se define en nuestra aprehensión racionalista de la realidad.

7

(ALAZRAKI, 1983, p. 86).

Por outro lado, Furtado parte de Todorov para conceituar o fantástico e preenche algumas lacunas deixadas pelo teórico búlgaro, definindo o gênero a partir dos elementos internos constitutivos da narrativa e sua consequente realização textual:

Uma organização dinâmica de elementos que, mutuamente combinados ao longo da obra, conduzem a uma verdadeira construção de equilíbrio [...] é da rigorosa manutenção desse equilíbrio, tanto no plano da história como no do discurso, que depende a existência do fantástico na narrativa. (FURTADO, 1980, p. 15)

Complementa dizendo que a temática do sobrenatural é a essência do fantástico, expressa pela dialética entre dois mundos: o extra-natural e o empírico.

Essa dialética impossibilita a aceitação ou exclusão de uma dessas entidades, gerando ambiguidade e duplicidade:

Só o fantástico confere sempre uma extrema duplicidade à ocorrência meta-empírica. Mantendo-a em constante antinomia com o enquadramento pretensamente real em que a faz surgir, mas nunca deixando que um dos mundos assim confrontados anule o outro, o gênero tenta suscitar e manter por todas as formas o debate sobre esses dois elementos cuja coexistência parece, a princípio, impossível. A ambigüidade resultante de elementos reciprocamente exclusivos nunca pode ser desfeita até ao termo da intriga, pois, se tal vem a acontecer, o discurso fugirá ao gênero mesmo que a narração use de todos os artifícios para nele a conservar (FURTADO, 1980, p. 35 - 36)

7 Assim entendido, o fantástico representa não mais uma evasão ou digressão imaginativa da realidade mas, pelo contrário, uma forma de penetrar nela mais além de sistemas que se fixam a uma ordem que em literatura reconhecemos como “realismo”, mas que em termos epistemológicos, se define pela nossa apreensão racionalista da realidade. (Tradução nossa)

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Para Furtado, o que define o gênero é a construção narrativa, onde o insólito é posto em oposição à realidade, configurando uma tensão frente à ambiguidade gerada pelo texto e não o sentimento de hesitação da personagem, narrador e leitor como dantes proposto.

Paes diz na “Introdução” do livro Os buracos da máscara – antologia de contos fantásticos (1985) que Irène Bessière também considera a definição de Todorov um tanto restritiva, e que a pesquisadora

[...] prefere ver o fantástico menos como o resultado de uma hesitação entre o natural e o sobrenatural do que como uma ênfase posta na contradição entre ambos: “É próprio do fantástico emprestar a mesma inconsciência ao real e ao sobrenatural, reunindo-os e contrapondo-os um ao outro num só e mesmo espaço e numa só e mesma coerência, que é a da linguagem e a da narrativa”. (PAES, 1985, p. 9)

Sendo assim, Bessière vê o sobrenatural e o natural como categorias puramente literárias. Esta visão é defendida também por Erdal Jordan ao afirmar que “la manifestación de lo fantástico moderno que presenta mayores divergencias respecto de lo fantástico tradicional; ella corresponde a lo fantástico como fenómeno del lenguaje”

8

(1998, p. 111), e aponta para definição equivalente de Campra (2011) que denomina “fenômeno da escritura”, mas a necessidade da alternância de terminologia por questão modernizante da linguagem.

Blüher, é quem, primeiramente, partiu para essa definição do fantástico como fenômeno da linguagem:

No cabe la menor duda de que esta nueva concepción estética postmoderna de una intertextualidad lúdico-irónica y paradójica representa un importante elemento constitutivo de aquel arte narrativo “neofantástico” que desde Kafka, Apollinaire y los surrealistas se separa de la literatura fantástica “clásica” del siglo XIX y, en lugar de la irrupción irritante de lo sobrenatural en un mundo narrado en general miméticamente que allí se encuentra, introduce aquí lo fantástico como producido en forma puramente lingüística, no mimética.

9

(BLÜHER, 1992, p.129).

8 “A manifestação do fantástico moderno que apresenta maiores divergências em relação ao fantástico tradicional, ela corresponde ao fantástico como fenômeno da linguagem”. (Tradução nossa)

9 Não cabe a menor dúvida de que esta nova concepção estética pós-moderna de uma intertextualidade lúdico- irônica e paradoxal representa um importante elemento constitutivo daquela arte narrativa “neofantástica” que desde Kafka, Apollinaire e os surrealistas se separa da literatura fantástica “clássica do século XIX e, no lugar

(25)

Estas definições de fantástico como fenômeno da linguagem nos permitem entendê-lo não como gênero, e sim, como modo de narrar. Diante disso, nos é possibilitada uma visão mais ampla do conteúdo abordado pelos textos de Murilo Rubião, já que o fantástico muriliano se constrói por meio de efeitos organizados em torno do uso da linguagem. Desse modo, perceberemos no decorrer deste trabalho como as metáforas e as hipérboles assumem um papel fundamental na construção textual do escritor em questão. Além, é claro, de outros recursos que a linguagem nos permite, como a nominalização das personagens que nos auxilia na leitura da obra, a ambiguidade gerada pelo relato, a alegoria, o discurso elíptico, etc.

Nesta mesma direção segue Remo Ceserani, que prefere ver o fantástico mais como um modo narrativo em vez de gênero. Partindo do conceito de Bessière, o crítico italiano afirma que

[...] o fantástico surge de preferência considerado não como gênero, mas como um ‘modo’ literário, que teve raízes histórica precisas e se situou historicamente em alguns gêneros e subgêneros, mas que pode ser utilizados – e continua a ser, com maior ou menor evidência e capacidade criativa – em obras pertencentes a gêneros muito diversos. (CESERANI, 2006, p. 12)

Esta postura de que o fantástico se define como modo de narrar é reafirmada por Rosemary Jackson:

La narrativa fantástica confunde elementos de lo maravilloso y de lo mimético. Afirma que es real lo que está contando – para lo cual se apoya en todas las convenciones de la ficción realista – y entonces procede a romper ese supuesto de realismo, al introducir lo que – en estos términos – es manifiestamente irreal. Arranca al lector de la aparente comodidad y seguridad del mundo conocido y cotidiano, para meterlo en algo más extraño, en un mundo cuyas improbabilidades están más cerca del ámbito normalmente asociado con lo maravilloso. El narrador no entiende lo que está pasando, ni su interpretación, más que el protagonista; constantemente se cuestiona la naturaleza de lo que se ve y registra como ‘real’. Esta inestabilidad narrativa constituye el centro de lo fantástico como modo.

10

(JACKSON, 1986, p.32)

da irrupção irritante do sobrenatural no mundo narrado em geral mimeticamente que ali se encontra, introduz aqui o fantástico como produzido em forma puramente lingüística , não mimética. (Tradução nossa)

10 A narrativa fantástica confunde elementos do maravilhoso e do mimético. Afirma que é real o que está contando – para o qual se apóia em todas as convenções da ficção realista – e então procede a romper esse suposto de realismo, ao introduzir o que – nestes termos – é manifestamente irreal. Arranca do leitor a aparente comodidade e segurança do mundo conhecido e cotidiano, para envolvê-lo em algo mais estranho, em um

(26)

Seguindo a proposta de Rosemary Jackson, o fantástico aborda um modo de escritura que alia o irreal com o real. Para a autora, o que é válido é a construção do texto, sua articulação na elaboração do efeito literário capaz de perturbar o leitor, gerando o efeito de ambiguidade/duplicidade proposto por Furtado.

Para gerar esse efeito ambíguo o narrador enfatiza a oposição entre o irreal e o mundo conhecido, o fantástico incorpora anomalias e excessos provenientes de outros discursos – filosóficos, religiosos, míticos, morais – sobre o comportamento humano. Desse modo, deve lutar contra a alienação e a aprovação desses discursos, visando atingir um efeito estético de uma lógica do acaso e do irracional, a fim de construir um texto que sustente o verossímil na narrativa. Nesse duplo movimento, o texto abre-se em um espaço de ambiguidade, o que acarreta o efeito fantástico, gerando um núcleo enigmático que desestabiliza o leitor mediante o conflito entre o discurso fantástico e o discurso social; este conflito atua provocativamente e define um efeito estético da narrativa, portanto, um modo de narrar.

O fantástico como modo narrativo foi, segundo Ceserani,

[...] uma particular combinação, e um particular emprego, de estratégias retóricas e narrativas, artifícios formais e núcleos temáticos. A modalidade literária que foi assim produzida serviu, [...], para alargar as áreas da ‘realidade’ humana interior e exterior que podem ser representadas pela linguagem e pela literatura e, ainda mais, para colocar em discussão as relações que se constituem, em cada época histórica, entre paradigma de realidade, linguagem e as nossas estratégias de representação. Trata-se, é oportuno dizer, de estratégias não apenas representativas mas também cognitivas.

(CESERANI, 2006, p. 67 – 68)

A essas estratégias retóricas e narrativas, Ceserani acrescenta o uso de certos procedimentos formais e sistemas temáticos, que embora não sejam exclusivos do fantástico, contribuem para a sua construção. No caso da literatura muriliana, a metáfora e a hipérbole fazem parte de tais procedimentos.

mundo cujas improbabilidades estão mais próximas do âmbito normalmente associado com o maravilhoso. O narrador não entende o que está acontecendo, nem sua interpretação, mais que o protagonista; constantemente se questiona a natureza do que se vê e registra como ‘real’. Esta instabilidade narrativa constitui o centro do fantástico como modo. (Tradução nossa)

(27)

Partindo desses conceitos de que o Fantástico é uma manifestação

linguística, um modo de narrar vinculado às escolhas e estratégias de linguagem,

nosso objetivo é perceber como se estrutura esse texto, analisar os mecanismos

que articulam a tessitura, a textualidade nos contos de Murilo Rubião e buscar a

compreensão do processo de leitura de tais estratégias.

(28)

I.3. A metáfora e a desestabilização da escritura

A metáfora, considerada por muitos linguistas e estudiosos como “o tropo dos tropos”, é a figura do discurso mais importante, primeiramente, designou diversas transferências de denominação na Poética de Aristóteles antes de referir-se apenas às transferências por analogia.

Os estudos teóricos sobre a metáfora são constantes, perenes na teoria da literatura. Em Aristóteles (1951), a metáfora consiste em transportar para uma coisa o nome de outra, ou do gênero para a espécie, ou da espécie para o gênero, ou da espécie de uma para a espécie de outra, ou por analogia, que, conforme entendemos, está frequentemente ligada a uma comparação abreviada.

Richards define a metáfora como “dois pensamentos de diferentes coisas que atuam juntos e escorados por uma única palavra, ou frase, cujo sentido é resultante da sua interação” (RICHARDS, 1965, p. 93 apud MOISÉS, 2004, p. 285). Paul Henle conceitua a metáfora sob a perspectiva do binômio de Richards: “sentido literal e sentido figurado, com a diferença de que os dois sentidos dizem respeito não só a cada termo considerado autônomo, como à dualidade que formam” (HENLE, 1966, p.175 apud MOISÉS, 2004, p. 285).

No âmbito dos estudos críticos brasileiros, novos teóricos traçam concepções acerca da metáfora como questão de pensamento, em outros termos, a metáfora e o pensamento estariam profundamente entrelaçados, “de modo a poder inferir-se que o pensamento é metafórico” (MOISÉS, 2004, p. 283). O emprego do vocábulo

“metáfora” como sinônimo de figuras de linguagem ou de pensamento aponta para modalidades da metáfora, enquanto esta designaria o processo global de figuração ou expressão do pensamento literário, revelando-se como raciocínio imaginativo que opera por semelhança. Assim, nossa hipótese é a de que a metáfora, enquanto pensamento analógico, percorre toda a narrativa fantástica de Murilo Rubião.

Esta concepção de que a metáfora baseia-se em uma relação de analogia e

similitude percebida entre dois objetos correspondentes aos dois sentidos é

defendida, também, por Jakobson, que confere uma extensão não-linguística à

metáfora. “Ao lado da metonímia, a metáfora torna-se um dos grandes polos da

linguagem, recobrindo as relações de similaridade” (JAKOBSON, 1969, p. 109).

(29)

Vale lembrar que os textos em prosa apresentam uma distinção fundamental no emprego da metáfora em relação à poesia. Enquanto esta a utiliza de forma direta e imediata, aquela a emprega de forma indireta e mediata. Desta forma o índice metafórico das frases, períodos, parágrafos, etc., apenas se revelará ao término da leitura, será a globalidade da significação da narrativa que iluminará o conteúdo semântico das metáforas espalhadas pelo texto, o que acarretará um grau maior de sentidos.

Exemplo disso ocorre no conto “O edifício”, de Murilo Rubião, onde se relata a interminável construção de um edifício, sob a responsabilidade do engenheiro João Gaspar, que inicia seu trabalho sem interessar-se pela finalidade de um prédio com ilimitado número de andares e, que ao chegar ao seu octingentésimo andar, João Gaspar entra em conflito com os operários e desiste da construção da obra, porém estes se mantêm aferrados ao trabalho e continuam com a construção mesmo contra as ordens de João Gaspar e, até mesmo, sem terem nenhuma gratificação pelo trabalho realizado. Diante desse relato, apenas ficamos sabendo o que as palavras enunciam referencialmente. Contudo, ao término do conto, pela reconstituição dos sucessivos microcontextos (por exemplo, os relatos contidos em cada microcapítulo), aclara-se, na razão direta da perspicácia crítica do leitor, o significado metafórico de cada passagem.

Ao concluir a leitura do conto “O edifício”, o leitor poderá entender a

“Faculdade de Engenharia” como metáfora de uma academia literária que preza pelos valores estéticos; o “Conselho Superior da Fundação” como representação das normas para o processo de criação literária; o engenheiro João Gaspar como o autor da obra e os operários sendo os leitores que atuam como coautores na construção do sentido textual.

O conto “O edifício” é constituído de dez microcapítulos que também podem

representar metaforicamente o processo de criação literária. O que leva o leitor a

perceber-se como peça integrante desse processo, visto que, ao chegar no sétimo

microcapítulo, lembrando que o sete é o tempo da criação, da completude, o leitor

depara-se com o fato do engenheiro João Gaspar (autor) sentir-se o dono da obra, a

figura única do processo de criação: “Da última laje, as mãos apoiadas na cintura,

teve um momento de mesquinha grandeza, julgando-se senhor absoluto do

monumento que estava a seus pés” (RUBIÃO, 1999, p. 164). O oitavo microcapítulo

é o momento em que o leitor toma a frente da obra para atribuir-lhe sentidos, tornar-

(30)

se coautor da obra: “Os operários se negaram aceitar o ato de dispensa [...] Por fim, disseram que iriam trabalhar à noite e aos domingos, independente de qualquer pagamento adicional” (p.166).

Já o décimo e último microcapítulo, evidencia a questão do discurso, no caso metafórico ou poético, contribuir para a construção de diversos sentidos: “Não raro, entusiasmados com a beleza das imagens do orador, [...] os obreiros retornavam ao serviço, enquanto o edifício continuava a ganhar alturas” (p.167).

Quando todos os sentidos próximos se desvelam, ainda assim o texto reserva uma área a que chamaremos de “metáforas abertas, evoluindo para o enigma, a alegoria, o símbolo e o mito” (MOISÉS, 2004, p. 288), como é possível percebermos na leitura de Goulart (1995) que também defende que a infinita construção do arranha-céu é uma alegoria do próprio processo de construção ficcional. Vale lembrar que esta alegoria, também, foi sugerida por Davi Arrigucci Jr. na apresentação do livro O pirotécnico Zacarias (1974).

Além da leitura que vê a construção do edifício como sendo também a construção do texto, Goulart afirma que:

[...] pode-se perceber a presença de um mito sincrônico, que coloca em evidência a figura do mestre (do catedrático), não acreditando nas possibilidades das produções vanguardistas.

Da mesma forma, há, no conto, o descoroamento de um mito diacrônico, representado pela história bíblica da Torre de Babel.

(GOULART, 1995, p.78)

O que é válido lembrar neste momento é que por meio das metáforas imaginativas podemos empreender uma nova compreensão da experiência de leitura, de novos sentidos dados ao pensamento e à ação sobre a realidade. Em outros termos, por analogia e similitudes construímos determinadas imagens, mesmo que estas fujam de nosso conceito habitual, possibilitando criar uma instância do pensamento poético e, consequentemente, estabelecer relações com o real, ou melhor, com elementos já conhecidos.

A metáfora é uma figura que permite, com uma operação verbal, relacionar

mundos semânticos que normalmente estão muito distantes. Neste caso podemos

recorrer à terminologia richardsiana de “tenor” (teor) e “vehicle” (veiculação) que

equivalem às locuções

(31)

“idéia original” e “idéia tomada de empréstimo”; “aquilo que está sendo dito ou pensado” e “aquilo com que está sendo comparado”; “a idéia subjacente” e “a idéia imaginada”; “o tema principal” e “aquilo a que se lhe assemelha”; “ou ainda mais confusamente, ‘o significado’

e ‘a metáfora’ ou ‘a idéia’ e ‘a sua imagem’” (RICHARDS, 1965, p.

96, apud MOISÉS, 2004, p. 285)

Dessa forma, aquilo que nos parece estranho no início torna-se familiar, mesmo sob o prisma fantasmático. A metáfora é mais que uma figura de linguagem, pois funciona como uma estrutura de pensamento poético, que possibilita estabelecer semelhanças, transferir significados e até mesmo modificar sentidos e, sobretudo, garantir a poeticidade do discurso nos contos.

Assim, transformada em procedimento narrativo, a metáfora possibilita as repentinas e inquietantes passagens de limite e de fronteira entre o real e o imaginário, características fundamentais da narrativa fantástica, como afirma Alazraki:

Lo fantástico nuevo no busca sacudir al lector con sus miedos, no se propone estremecerlo al transgredir un orden inviolable. La transgresión es aquí parte de un orden nuevo que el autor se propone revelar o comprender, pero ¿a partir de qué gramática?,

¿según qué leyes? La respuesta son esas metáforas con que lo fantástico nuevo nos confronta. Desde esas metáforas se intenta aprehender un orden que escapa a nuestra lógica con la cual habitualmente medimos la realidad o irrealidad de las cosas.

11

(ALAZRAKI, 1983, p. 35).

Assim, Alazraki entende que o fantástico do século XX, também chamado aqui de neofantástico, não pretende gerar medo, mas é uma forma de tocar a realidade prescindindo de esquemas e sistemas lógicos. Segundo o crítico, esse desajuste se produz ao nível da sintaxe. Deste modo, na obra de Murilo Rubião, dá- se lugar à metáfora e à hipérbole como recursos estilísticos. O conto “O edifício” é exemplo claro desses recursos, visto que o prédio ganha tamanho hiperbólico, mais

11 O fantástico novo não busca sacudir ao leitor com seus medos, não se propõe estremecê-lo ao transgredir uma ordem inviolável. A transgressão é aqui parte de uma nova ordem que o autor se propõe revelar ou compreender, mas, a partir de que gramática? Segundo a que leis? A resposta são essas metáforas com que o fantástico novo nos confronta. Desde essas metáforas se tenta apreender uma ordem que escapa a nossa lógica racional com a qual, habitualmente, medimos a realidade ou irrealidade das coisas. (Nossa tradução)

(32)

de 896 andares e continua a ganhar novos pavimentos, em uma construção interminável. Além das metáforas apontadas anteriormente, o conto está repleto delas, em toda parte podemos perceber os sentidos metafóricos, como por exemplo na passagem “vagas experiências de outra escola de concretagem” (p.159), referindo-se ao Concretismo, movimento literário que surgiu no ano de 1965, mesmo ano da publicação do conto, o que metaforicamente, além de representar a construção textual, refere-se também, como dito por Goulart (1995, p79) um ataque contra o discurso dos críticos literários. A própria hipérbole se metaforiza representando as várias construções de sentidos que o texto literário possibilita.

Conforme Roger Bozzetto, a intenção do discurso da ficção mimética, a do universo da representação, se baseia em dois pressupostos: 1) o de que tudo é representável, ou, em outros termos, o mundo é objetivável por meio da narração, que é suscetível de oferecer um modelo confiável do mundo segundo um ponto de vista totalizante. 2) Esta representação passa pela analogia. O conjunto constitui uma estratégia metafórica. “La estrategia no supone el uso exclusivo de la metáfora, por supuesto. Esto significa que la obra tiene como intención fabricar una metáfora del mundo referencial, un analogon, una transposición.”

12

(BOZZETTO, 2001, p.

225). Assim, a estratégia metafórica permite, como o próprio autor diz, sugerir tanto o não dito, em profundidade, como construir simulacros da realidade visível ou simplesmente possível.

Tomando novamente como exemplo o conto “O edifício”, podemos pensar, mediante a sugestão “em profundidade” de um não dito no relato, mais especificamente nos discursos do Conselho Superior da Fundação: “ Nesta construção não há lugar para os pretenciosos. Não pense em terminá-la, João Gaspar. [...]” (p.160), do próprio engenheiro João Gaspar: “Por que legavam a um mero profissional tamanho encargo? Quais os objetivos dos que tinham idealizado tão absurdo arranha-céu?” (p.165) e na infinitude do edifício. Em todos estes casos a estratégia metafórica constrói in absentia um não dito e o faz presente, ou seja, mediante a esses exemplos, nota-se que o texto não diz, mas o não dito se presentifica na perspicácia do leitor a ponto deste compreender que metaforicamente o engenheiro (autor) não é unívoco e que sua obra não é

12 A estratégia não supõe o uso exclusivo da metáfora, evidentemente. Isto significa que a obra tem como intenção fabricar uma metáfora do mundo referencial, um análogo, uma transposição. (Tradução nossa)

(33)

conclusiva, que assim como o edifício se constrói infinitamente a construção dos sentidos do texto também.

Para a construção de simulacros possíveis, o autor de literatura fantástica quando não expressa tudo acerca do mundo imaginário que cria, constrói uma base com ajuda de “palabras-señal” (palavras-sinal), para utilizar o termo empregado por Roger Bozzetto (2001, p. 225), que se articulam para constituir indicações com o fim de que o texto permita induzir um transmundo analógico. Dentre as palavra-sinal apresentadas no conto “O edifício”, destacam-se: “edifício”, “artífices”, “engenheiro”,

“obra”, “operário” e “orador”, que se relacionam de modo a estabelecer a analogia entre o mundo dito e o não dito.

La verosimilitud necesaria pero particular (basada en una doxa explícita) fundamenta el simulacro, situando al lector en la posición del arqueólogo que, a partir de algunas huellas, reconstruye la civilización, el trasmundo del relato. (…) Lo “no dicho” no crea aquí un efecto de fisura; la analogía rellena todas las brechas por las que un efecto de vértigo, ante la ausencia de referencias, podría introducirse.

13

(BOZZETTO, 2001, p. 225).

Diante disso, Bozzetto descreve o fantástico, seus efeitos, como o produto de uma retórica específica – “una retórica de lo indecible” – que constrói uma maquinaria textual que permite a irrupção do inomeável no mundo assim representado. “Innombrable, indecible, irrupción, ruptura de la legalidad racional, son las fórmulas empleadas con mayor frecuencia. En resumen, el texto fantástico sería el lugar donde lo imposible de decir tomaría forma.”

14

(BOZZETTO, 2001, p. 227).

Desse modo, Murilo Rubião em seus contos desestabiliza o leitor por meio da construção retórica que se articula de modo a criar estratégias metafóricas. Assim, os contos murilianos acionam todo um conjunto de procedimentos: compõem um universo ao qual o leitor não possa dar um sentido satisfatório. Sempre que o leitor tenta dar um sentido satisfatório ao texto produz-se outro efeito, que faz surgir

13 A verossimilhança necessária mas particular (baseada em uma doxa explícita) fundamenta o simulacro, situando ao leitor na posição do arqueólogo que, a partir de algumas pegadas, reconstrói a civilização, o transmundo do relato. (...) O “não dito” não cria aqui um efeito de fissura; a analogia preenche todas as brechas pelas que um efeito de vertigem, ante a ausência de referências, poderia se introduzir. (Tradução nossa)

14 Inomeável, indizível, irrupção, ruptura da legalidade racional, são as fórmulas empregadas com maior frequência. Em resumo, o texto fantástico seria o lugar onde o impossível de dizer tomaria forma. (Tradução nossa)

(34)

ambiguidades, lembrando que esta é característica do fantástico segundo Furtado (1980), incongruências, rupturas na tessitura dos enunciados ou entre o enunciado e sua instância enunciativa. Frente a isso, como diz Bozzetto, o Fantástico parece construir-se para desconstruir toda representação, para calar aquilo que se supõe que há de dizer. Assim, o conto “O edifício” se constrói sob os padrões do fantástico enquanto modo de narrar, constituído de estratégias metafóricas que aparentemente contrapõem com nossa capacidade de representação. Ao depararmos com tantas lacunas do não dito, como visto anteriormente e ao fato de nos depararmos com um edifício que prossegue ao infinito, somos deixados a mercê da incapacidade de aplicar em todas as passagens do texto nossas impressões representativas, omitindo aquilo que supostamente haveria de ser dito, gerando ambiguidades em nossas interpretações.

A respeito do texto fantástico, Bozzetto acrescenta que na realidade podem existir momentos de ambiguidade ante a realidade que não coincidem com nossas expectativas, nossos costumes, porém tal fenômeno não dura. É o mesmo que ocorre com a concepção apresentada por Todorov sobre a hesitação. Na verdade, o fantástico existe, com seu efeito desordenado que conduz o leitor à vertigem ou ao mal-estar, porém não dura. No fantástico, a razão oscila, mas não se deixa levar, ele só existe em estado incipiente e sua existência é efêmera.

Diante disso, é válido dizer que o que garante a permanência dessa ambiguidade é o texto enquanto arte, pois, conforme Bozzetto (2001, p. 241), partindo da concepção de Lefebve (1965, p.246), afirma que somente a arte tem a possibilidade de fazer que dure este instante ambíguo sob a forma de um estado, de um texto, de uma maquinaria cujas engrenagens – por muito que as desmontamos – seguem funcionando, o que explica que podemos ler e reler textos fantásticos e continuar nos fascinando com eles, porque são o mecanismo da produção de um efeito de vertigem repetido, e que todos os textos fantásticos repetem sob formas diversas. Sem mostrá-lo, ameaçando ou prometendo fazê-lo.

Nos contos de Murilo Rubião é possível perceber que, por mais leituras que

sejam feitas, o efeito de fascinação se mantém; ao ler e reler os contos murilianos, a

confiança na estabilidade do mundo se engana, a evidência da distinção entre o real

e o imaginário se faz defeituosa, e esta ambiguidade provoca uma fascinação, que

coloca em xeque a própria razão, a qual é substituída por um questionamento da

percepção. Como diz Lefebve (1980, p.93) ante esta imagem fascinante, a realidade

(35)

que passava desapercebida se converte em problemática, encontrando-se assim

“presentificada”, e esta “presentificação” é o que contribui à fascinação. Deste modo, o texto constrói um espaço de acolhida, onde não só o indizível se manifesta, mas também a alteridade se apresenta.

A alteridade é o modo de tornar evidente uma realidade “outra”, por meio da linguagem essa realidade é criada, desvinculada do eu. A alteridade, conforme Bozzetto (2001, p.234), só é pensável, representável sob a forma do confuso, do disperso, do fragmentário, do caos. Para que estas formas se estabeleçam, o texto se constitui de diversos procedimentos da linguagem, como a metáfora, a hipérbole, o oximoro e a metonímia.

Desse modo, o texto de Murilo Rubião nos apresenta uma realidade outra, incomunicável por meio da linguagem comum. Para revelar a realidade “outra”, aquela que se apresenta como incomunicável e indizível, Murilo Rubião, assim como todo texto que dialoga com o fantástico, se embrenha nos recursos de linguagem, explorando todas as potencialidades do discurso poético, no qual se salienta o uso da metáfora.

Como todo lenguaje, las metáforas de la literatura neo- fantástica buscan también establecer puentes de comunicación, sólo que ahora el código que descifra esos signos ya no es el diccionario establecido por el uso. Es un código nuevo, inventado por el escritor para decir de alguna manera esos mensajes incomunicables en el llamado “lenguaje de la comunicación”.

15

(JACKSON, 1986, p.19)

Desse modo, nos contos de Murilo Rubião, os elementos fantásticos – a infindável construção em “O Edifício”; o desaparecimento de andares do prédio em

“O Bloqueio”; o morto-vivo em “O pirotécnico Zacarias” – são portadores de um sentido metafórico que extrapolam os sentidos referenciais da comunicação, no intuito de revelar a realidade “outra” que seria incomunicável e indizível, passível de elaboração pela presença da metaforização da linguagem, provocadora da desestabilização do relato e consequentemente da leitura ou do entendimento do leitor.

15 Como toda linguagem, as metáforas da literatura neofantástica buscam também estabelecer pontes de comunicação, só que agora o código que decifra esses signos já não é o dicionário estabelecido pelo uso. É um código novo, inventado pelo escritor para dizer de alguma maneira essas mensagens incomunicáveis na chamada

“linguagem da comunicação” (Nossa tradução)

(36)

Segundo Alazraki (2001, p.277) esses elementos fantásticos e/ou anormais que irrompem no relato não são meros arbítrios ou desboques da imaginação, não são apenas criações fantasiosas e imaginárias. Constituem a resolução metafórica às situações e conflitos presentes no conto. “Ese lenguaje segundo – la metáfora – es la única manera de aludir a una realidad segunda que se resiste a ser nombrada por el lenguaje de la comunicación.”

16

(ALAZRAKI, 2001, p. 278).

Conclui-se que o fantástico na obra muriliana assume o papel de questionar algo da realidade, do nosso cotidiano, aquilo que está no familiar, aquilo que é inquietante no familiar, porém indizível pela linguagem da comunicação

17

, ou melhor, pela linguagem comum, tudo passa a ser dissolvido pelo fantástico e apresentado de modo metafórico, plausível, carregado de ambiguidades temáticas, que se convertem, monstruosamente, em fantasmagorias.

16 Essa linguagem segunda – a metáfora – é a única maneira de aludir a uma realidade segunda que se resiste a ser nomeada pela linguagem da comunicação. (Nossa tradução)

17 O termo “linguagem da comunicação” foi utilizado aqui conforme o conceito de Alazraki, que o compreende como designante da linguagem do dia a dia, corriqueira. Porém, por acreditarmos que toda e qualquer linguagem faz parte do complexo processo de comunicação, preferimos, de agora em diante, referir a essa linguagem como

“linguagem comum” pelo fato do termo ser mais claro em seu sentido de linguagem habitual, usual, de uso geral, trivial.

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