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Os estigmas e desafios que permeiam a adoção por casais homoafetivos : um estudo à luz do princípio do melhor interesse do menor

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CURSO DE DIREITO

THIAGO RODRIGUES DOS SANTOS PACHECO

OS ESTIGMAS E DESAFIOS QUE PERMEIAM A ADOÇÃO POR

CASAIS HOMOAFETIVOS: UM ESTUDO À LUZ DO PRINCÍPIO

DO MELHOR INTERESSE DO MENOR

Niterói, RJ

2013

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OS ESTIGMAS E DESAFIOS QUE PERMEIAM A ADOÇÃO POR

CASAIS HOMOAFETIVOS: UM ESTUDO À LUZ DO PRINCÍPIO

DO MELHOR INTERESSE DO MENOR

Projeto de Monografia apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientadora:

Profª: Giselle Picorelli Yacoub Marques

Niterói, RJ

2013

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OS ESTIGMAS E DESAFIOS QUE PERMEIAM A ADOÇÃO POR

CASAIS HOMOAFETIVOS: UM ESTUDO À LUZ DO PRINCÍPIO

DO MELHOR INTERESSE DO MENOR

Projeto de Monografia apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Data de aprovação: ____/ ____/ _____ BANCA EXAMINADORA:

________________________________________________ Profª. Giselle Picorelli Yacoub Marques - UFF

Orientadora

________________________________________________ Fernanda Pontes Pimentel

________________________________________________ Jean Albert de Souza Saadi

Niterói, RJ

2013

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A Estela Rodrigues dos Santos Pacheco e Pedro Alves Pacheco Neto,

meus pilares

A todos que acreditam que o Direito pode ser,efetivamente, um instrumento de Justiça

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À minha família, pelo apoio incondicional nesta etapa. Em especial, para minha mãe, Estela Pacheco, meu pai Pedro Pacheco, minha irmã Thayanna Pacheco e minha vó Iolanda Rodrigues.

À amiga e eterna “chefe” Andréia Leal, pelo carinho e aprendizado que me foi concedido ao longo de toda essa jornada, sobretudo durante o meu primeiro estágio profissional;

Aos profissionais e amigos da 2ª Vara de Família, do Tribunal de Justiça RJ, do Ministério Publico Federal e da FINEP, pelo aprendizado que me foi proporcionado, pelo carinho, afeto, e conselhos recebidos que foram de suma importância não só na minha formação profissional, mas também na minha formação pessoal;

À Professora Giselle Picorelli pelos incentivos e apoio constantes neste desafio;

Aos amigos que fizeram parte desta jornada, direta ou indiretamente, em especial , à David Soeiro, à Patrícia Quaresma, à Marina Marçal , ao Rodrigo Duprat e à Gabriela Maia pelo apoio, carinho e momentos de descontração.

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As transformações sociais ocorridas ao longo da história provocaram profundas alterações no conceito de família, atualmente com maior fundamento no afeto e na realização de seus integrantes. Esse novo modo de se contemplar essa instituição, ao lado da promulgação da Constituição Federal de 1988, culminou no reconhecimento de diversas entidades familiares, inclusive as homoafetivas. Surge, então, um novo questionamento: o direito à homoparentalidade. Foi verificado que não há qualquer impedimento expresso na lei, notadamente, em virtude dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da não discriminação. O que existe é o preconceito sociocultural. Assim, o que se analisa neste trabalho são os estigmas e desafios da adoção por casais homoafetivos, à luz do princípio do melhor interesse do menor. Desse modo, inicialmente, buscou-se demonstrar como os estigmas que permeiam esse tipo de adoção foram construídos socialmente. Em um segundo momento, evidencia-se como o reconhecimento da entidade familiar homoafetiva contribui para a mitigação deles. Por último, objetiva-se evidenciar que o judiciário não deve se importar com a orientação sexual dos adotantes, mas sim, com o afeto e as reais vantagens que o menor poderá usufruir, deixando claro que ela, por si só, não fere o art. 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Palavras chaves: Estigmas. Família Homoafetiva. Adoção por casais homoafetivos. Princípio do melhor interesse do menor. Afetividade

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The social changes throughout history caused profound transfomations in the concept of family, now based on the affection and the development of its members.This new insight to this instution, along with the promulgation of the Constitution of 1988 culminating in the recognition of various family entities, including homoaffective. In addition, it's comes a new sort of question: the right to homoparenthood. It was found that There is no impediment in law , notably, in view of the constitutional principles of human dignity and non-discrimination.There is a pather-cultural preconception Then, this is a work of stigmas and challenges of adoption by homosexual couples, in the light of the principle of the best interest of the minor. Thus, the intetion was to show the relevant of the stigmas that permeate this sort of adoption were socially constructed. In a second step, It's evident as the recognition of the family entity homoafetiva contributes to mitigating them. Finally, last aim is to demonstrate that the judiciary should not care about the sexual orientation

Keyword: .Stigmas. Family homoafetiva. Adoption by homosexual couples. Principle of the best interest of the minor. Affection.

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INTRODUÇÃO...10

1. COMO OS ESTIGMAS E DESAFIOS, QUE PERMEIAM A ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS, FORAM CONSTRUÍDOS SOCIALMENTE NA CULTURA OCIDENTAL?...12

1.1 Antiguidade Clássica: uma breve análise da homossexualidade vista como um fato natural...12

1.2. A tradição judaico-cristã e o nascer de um preconceito...15

1.3 A luta pela despatologização e descriminalização...21

2. DE QUE MODO O RECONHECIMENTO JURÍDICO DA ENTIDADE FAMILIAR HOMOAFETIVA CONTRIBUIU PARA A MITIGAÇÃO DOS ESTIGMAS?...26

2.1 A transformação da família e o seu conceito jurídico contemporâneo...27

2.2 A união homoafetiva perante a Constituição Federal de 1988 e a equiparação à união estável...32

2.3 O STF e o julgamento da ADPF 132 e ADI 4277...34

2.3.1 As consequências da decisão no âmbito da adoção e do casamento civil...37

3. A ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS, POR SI SÓ, FERE O PRINCÍPIO DO O MELHOR INTERESSE DO MENOR? 3.1 Uma visão social: breves considerações a respeito da realidade e do perfil dos abrigados...43

3.2 Uma descrição das pesquisas realizadas acerca da homoparentalidade...47

3.2.1. O abuso sexual nas famílias homoafetivas...47

3.2.2 A (in)adequação de casais homoafetivos exercerem a paternidade/maternidade...47

3.2.3 A possibilidade de o menor ser discriminado...49

3.2.4. O desenvolvimento psicológico e a indução da homossexualidade aos filhos...51

3.3 Uma visão Jurídica: o emblemático caso do Rio Grande do Sul e a solução dada pelo STJ...55

CONCLUSÃO...62

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INTRODUÇÃO

A família, que desde a sua origem, sempre passou por inúmeras alterações em sua estrutura, determinadas pelos costumes, valores sociais e morais vigentes em cada lugar e em determinado momento histórico, sem dúvida, tem hoje, a afetividade como o seu principal pilar de sustentação.

A chamada família “tradicional”, pautada na tríade pai, mãe e filho, historicamente, sempre ocupou um lugar importante na sociedade, sendo posta como modelo ideal e exemplo moral. No entanto, ela começou a perder sua hegemonia à medida que grandes mudanças, foram ocorrendo na conjuntura histórica, o que abriu precedentes para a emergência de outras famílias, jurídicas e socialmente aceitas, como as homoafetivas.

É nesse contexto, que esbarramos na polêmica da adoção por casais homoafetivos. De um lado estão aqueles que se mostram favoráveis a ela, tendo em vista os princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana; do outro, aqueles que se mostram contrários, baseados em questões religiosas, moralistas, no senso comum e em estigmas preconceituosos. Tal vertente alega que o menor enfrentará dificuldades de inserção social, além de correr o risco de ser abusado sexualmente. Soma-se a isto, ainda, a ideia não só de que ele poderá se tornar homossexual, por influência do casal, como também, a concepção de que o mesmo poderá ter o seu desenvolvimento psíquico prejudicado. Essa é a visão estigmatizada que assola esse tipo de adoção. Desse modo, para os defensores dessa corrente, os casais homoafetivos mostram-se inadequados para exercerem a maternidade/paternidade, por serem indivíduos desajustados, imorais, promíscuos, incapazes, assim, de proporcionarem ao infante uma família estável.

A partir dessa realidade, o estudo dos estigmas e desafios que permeiam a adoção por casais do mesmo sexo, à luz do princípio do melhor interesse do menor, preconizado no artigo

(11)

43 do Estatuto da Criança e Adolescente1, se faz oportuno por se tratar de um tema atual e

polêmico, que extrapola o campo jurídico.

Nesse sentido, a presente pesquisa, embora não tenha o propósito de esgotar o tema, buscará abarcar questionamentos das seguintes espécies: 1) Como os estigmas e desafios, supracitados, que permeiam adoção por casais homoafetivos, foram construídos socialmente na cultura ocidental? 2) De que modo o reconhecimento jurídico dessa entidade familiar contribuiu para a mitigação desses estigmas, auxiliando os casais do mesmo sexo, candidatos a adotantes, nessa desafiante trajetória que é a adoção homoparental ? 3) A adoção por casais homoafetivos, por si só, fere o princípio do melhor interesse do menor esculpido no artigo 43 do ECA?

Para tanto, no primeiro capítulo busca-se demonstrar por meio da história da homossexualidade ocidental, que os estigmas que permeiam a adoção por casais homoafetivos, têm seus elementos percussores, sobretudo, na ascensão do cristianismo e no avanço da ciência no século XIX.

Já no segundo capítulo, através da evolução do conceito de família, objetiva-se demonstrar a importância do reconhecimento jurídico da família homoafetiva nessa empreitada.

Por fim, o último capítulo tem por finalidade evidenciar que a adoção por casais homoafetivos, por si só, não fere o princípio do melhor interesse do menor, esculpido no artigo 43 do ECA.

Com isso, pretende-se trazer à baila a temática dos estigmas e desafios que permeiam a adoção por casais homoafetivos, sob a perspectiva do principio do melhor interesse do menor, preconizado no Estatuto da Criança e do Adolescente, com o fito de evidenciar que não há nem um óbice a esse tipo de adoção.

1 Art. 43. A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acessado em 22/07/2013.

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1.COMO OS ESTIGMAS E DESAFIOS, QUE PERMEIAM A ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS, FORAM CONSTRUÍDOS SOCIALMENTE NA CULTURA OCIDENTAL?

Primeiramente, é importante esclarecer que o preconceito é construído, socialmente, a partir da difusão, e, consequentemente, da consolidação de estigmas pejorativos, atribuídos a um determinado grupo.2

Nesse sentido, para compreendermos como os estigmas e desafios que permeiam a adoção por casais homoafetivos foram sendo construídos no seio da sociedade, é importante nos remetermos à história da homossexualidade na cultua ocidental. Afinal, eles começaram a ser difundidos, sobretudo, a partir da ascensão do Cristianismo, na Idade Média, e do avanço da ciência no século XIX, momento no qual a homossexualidade deixa de ser vista como um fato natural, e passa a adquirir o status de pecado, doença e crime, conforme será demonstrado no decorrer desse capítulo.

1.1

Antiguidade Clássica: uma breve análise da homossexualidade vista como um fato natural.

Na Antiguidade Clássica, berço cultural da sociedade ocidental, a homossexualidade3

masculina era considerada legítima pela sociedade grega. Assumindo um cunho cultural, o ato sexual entre dois homens consistia em um ritual em que o mais velho (o eraste) iniciava sexualmente um adolescente (o eromeno).4

2 RIOS, Roger Raupp. O conceito de homofobia na perspectiva dos direitos humanos e no contexto dos

estudos sobre preconceito e discriminação. In Pocahy, Fernando. Rompendo o silêncio homofobia e heterossexismo na sociedade contemporânea Porto Alegre: Nuances 2007. p 28

3 É importante frisar que não se pode afirmar que as relações entre pessoas do mesmo sexo na Grécia antiga, se caracterizam como sendo as relações homoafetivas concebidas na atualidade. O conceito de homossexualidade surge somente no século XIX. Nesse sentido, se procurarmos a palavra“homossexual” ou o “homossexualismo” nos textos gregos não encontraremos. A noção aparece nos seguintes termos latinos:

“arsenokoites, catamiti, elicatus, effeminatus, paederastes, etc. (BORRILLO, Daniel. Homofobia - História e Crítica de um Preconceito. Editora Autêntica, 2010. p.43).

4 SÁ, Amanda Silva; VITÓRIO, Teodolina da Silva Batista Campo. Adoção por homoafetivos: um desafio

(13)

Tal prática, denominada pederastia, era concebida como um processo de cidadania, associado às instituições militares, educacionais e religiosas em que um adolescente adquiria o status de cidadão. Conforme expõe Mariana Oliveira Farias:

(....) o tipo de relação que incluía o sexo entre dois homens na Grécia Antiga era chamada de pederastia e consistia em um ritual realizado por um homem mais velho que, por meio de sua experiência,visava iniciar um rapaz jovem na sociedade de maneira que ele se tornasse um cidadão, desenvolvendo mais habilidade para atuar na guerra e no meio político .(...) Ao se tornar um homem sexualmente ativo, ainda que fosse por meio de uma postura passiva, o jovem era considerado inserido na sociedade. 5

Cabe ressaltar que a ligação entre homossexualidade e masculinidade não existia sem restrições ou regras nesse período. O importante era a postura ativista que o parceiro assumia na relação, não importando o sexo do outro. Por isso, o adulto que assumisse uma postura passiva não era visto com bons olhos. Tal questão é acentuada, sobretudo, em Roma. A relação entre um homem adulto e um jovem que era exaltada na antiguidade.6

Além disso, convém esclarecer que na Grécia, tanto o erastes como o eromenos pertenciam a famílias com a mesma posição social. O eromeno seria os eraste na vida adulta. Quando o jovem se tornava adulto, a relação amante-pupilo se transformava em amizade. Afinal, nessa fase, ele deveria buscar seu próprio eromeno e, no devido tempo casar-se com uma mulher e ter filhos.

Não obstante, ter uma função inciática e pedagógica, tais ritos não estavam desprovidos de desejo e prazer. Impregnada por uma atmosfera de erotismo viril, a sociedade grega considerava a homossexualidade um fato natural, reconhecido socialmente, e de imprescindível importância cultural. Nas palavras de Jean Philippe Catonné.7:

A pederastia é, portanto, uma relação normal e certamente não contra natureza. Ela é valorizada por razões ao mesmo tempo afetivas e sociais. Aos

olhos dos gregos, nada é mais belo que o efebo e nada é mais nobre que o sentimento que se dedica a uma pessoa tão bela. Mas, ao mesmo tempo, a relação entre o amante e o amado possui uma função civil altamente integrativa. Ela permite inserir o rapaz de nascimento livre em seu status de cidadão e ensinar-lhe como assumir suas responsabilidades na cidade. É por esta razão que se reconhece uma

inegável superioridade nesta forma de amor. (grifo nosso)

%20Amanda%20e%20Lina.pdf. Acesso em 27/05/2013.

5 FARIAS, Mariana de oliveira. Adoção por homossexuais. A família homoparental sob o olhar da psicologia

jurídica. Ed Juruá 2009. P 26.

6 FARIAS, Mariana de oliveira, op. cit.,p.26-32.

7 CATONNÉ, Jean Philippe. A sexualidade, ontem e hoje. p.36. Apud FARIAS, Mariana de oliveira, op.cit,p. 26.

(14)

Na mitologia grega, Zeus ilustra bem todo o erotismo do amor pederástico. Este, impressionado com a beleza de Ganimedes, príncipe troiano, transforma-se em águia, o sequestra e o leva para o Olimpo consigo. Era costume cretense o rapto do jovem amado pelo amante mais velho, que presenteava o pai do jovem raptado. Assim, Zeus presenteou Tros, pai de Ganimedes, para amenizar a dor causada pela perda de seu filho.8

Percebe-se, então, que a homoafetividade é representada em diversas manifestações artísticas na Grécia Antiga. No poema épico Ilíada, a relação amorosa entre Aquiles9 e

Pátroclo10 é descrita. Salienta-se que o homoerotismo e a bravura militar estavam associados

intimamente. Acreditava-se que os guerreiros apaixonados lutariam com mais vigor para defender seus pares. Por conta disso, era comum nos estados gregos, o amante e o amado serem posicionados lado a lado no campo de batalha para que essa proximidade lhes inspirasse um comportamento heroico. 11

Malgrado os relacionamentos entre o sexo feminino, não terem sido tão exaltados quanto os masculinos, não se pode olvidar que o amor entre duas mulheres, também se fez presente na antiguidade, sobretudo nas poesias líricas, do Séc VI a.C ,de Safo. Os seus poemas sobre o amor entre ela e outras mulheres, e a sua propagação através dos séculos, fizeram do termo "lesbianismo" sinônimo de homossexualismo feminino. Em seus versos a poetisa grega demonstrava o ciúmes, que sentia de sua amante favorita, a Atis, que havia se apaixonado por uma rapaz. Tidas como uma experiência pouco enobrecedora e vistas quase exclusivamente como uma necessidade biológica e procriadora, as relações heterossexuais, sob o ponto de vista sexual, eram vistas como inferiores. O ideal do amor era dirigido aos jovens rapazes.12

Marilena Chauí sintetiza o fenômeno ocorrido nesse período:

8 TORRÃO FILHO, Amilcar. Tríbades Galantes, fanchonos militantes: homossexuais que fizeram história. Editora São Paulo, 2000.p.30.

9 Príncipe de Ftia, filho da deusa marinha Tétis e do mortal rei Peleu. O Guerreiro mais forte do exercito grego. Sua ira é o tema central da Ilíada. Vinga a morte de Pátroclo matando Heitor em um duelo. (KURY, Mario da Gama, Dicionário de mitologia grega e romana. Ed.Zahar , 8ª edição,2009 p 38-41)

10 Ao lado de seu amante Aquiles, lutou com os gregos durante a Guerra de Troia. Ao utilizar a armadura dele é morto por engano por Heitor .(Ibidem)

11 CASTRO Pedro de, Generais, semideuses e amantes. Jornal gazeta do povo (on line, 20/02/2010) História. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=975592&tit=Generais-semideuses-e-amantes. Acesso em 28/05/2013

12 MOITA, Maria Gabriela Martins de Nóbrega. Interpretações da homossexualidade em diferentes

momentos históricos. Paradigmas de entendimento e modelos fundamentais que os integram. In: Discurso sobre a homossexualidade no contexto clínico: a homossexualidade de dois lados do espelho. Tese de

Doutorado. Universidade do Porto. 2001. Disponível em: http://www.lespt.org/Tese%20Gabriela%20Moita.pdf, pág.37. Acesso em 27/03/2013.

(15)

Na Grécia e em Roma, a homofilia (o termo homossexualismo é recente) masculina era tolerada e, em certos casos, estimulada, havendo muitos que julgavam o amor verdadeiro ser possível apenas entre pessoas do mesmo sexo, o casamento implicando outros sentimentos (respeito, amizade, dever, responsabilidade social) que não o amor (...). O pederasta e o hemofílico (homo= o mesmo; filia=amizade)

não eram monstros, nem doentes nem criminosos (como viriam a ser tratados

depois), mas nem por isso deixavam de existir códigos, normas, regras e valores regulamentando a homofilia e, portando, formas de repressão (...) 13

Nota-se, então, que amar um homem não constituía uma escolha fora da norma social. Fazia parte da vida. Além disso, as experiências heterossexuais conviviam harmonicamente com as relações homossexuais. Nem o direito nem a religião faziam distinções entre tais práticas. Era natural que indivíduos, especialmente os homens, expressassem desejos por pessoas do mesmo sexo. Mais importante do que o gênero sexual, era o status social e as configurações de poder. E assim, as paixões entre pessoas do mesmo sexo inspiraram belíssimas páginas da literatura na Antiguidade.

1.2. A tradição judaico-cristã e o nascer de um preconceito

Com a ascensão do Cristianismo, na idade média, sobretudo, a homossexualidade começa as ser vista com outros olhos e a heterossexualidade passa a ser a única manifestação sexual socialmente aceita. Conforme salienta Daniel Borillo:

O cristianismo, herdeiro da tradição judaica, transformará a heterossexualidade

no único comportamento suscetível de ser qualificado como natural e, por conseguinte, como normal. Ao outorgar esse caráter natural, em conformidade com

a lei divina, às relações sexuais entre pessoas de sexo diferente, o cristianismo

inaugurou, no Ocidente, uma época de homofobia, totalmente nova, que ainda não havia sido praticada por outra civilização. (grifo nosso) 14

Se na Antiguidade as relações amorosas eram imbuídas de erotismo e sensualidade, sendo a posição que cada pessoa assumia na relação o importante, não se levando em conta sexo do outro; no judaísmo, berço dos cristãos, a relação sexual, passa a ser vista apenas como um instrumento de reprodução.

Preocupado em garantir uma progenitura prolífica, o povo de Israel condenará, com vigor, qualquer comportamento sexual que não tenha o objetivo da procriação. Baseado na

13 CHAUÍ Marilena Repressão Sexual. Apud FARIAS, Mariana de oliveira, op. cit.,p.30 14 BORRILLO, Daniel. op. cit.,.p.47-48.

(16)

ideia de filiação biológica, ele transformará o esperma em um elemento quase sagrado, cuja dissipação era passível da mais firme condenação.15

Inicia-se, então, a construção de um espaço caracterizado pela repressão sexual, desvalorização do prazer e aversão à homossexualidade, principalmente a masculina, já que entre eles não há possibilidade de fecundação e há, ainda, a perda do sêmem.

Nas palavras de Jean Philippe Catonné, enquanto no paganismo a dicotomia residia entre atividade e passividade, no Cristianismo, isto ocorre entre a homossexualidade desaprovada e a heterossexualidade vista como única opção válida.16 Mais, do que uma

simples desaprovação, a relação homoafetiva adquiriu o status de pecado e de prática considerada não só imoral, mas também, antinatural.

Em 390, Teodósio I, imperador romano, sob a concepção de que a atitude passiva, associada à feminilidade, constituía uma ameaça para Roma condenou à fogueira todos os homossexuais passivos, conforme pode ser observado no Código Teodosiano:

Todos aqueles que aviltam vergonhosamente seus corpos ao submetê-lo, como se fossem mulheres, ao desejo de outro homem, e dedicando-se assim a relações sexuais estranhas, esses devem expiar tal crime nas chamas vingadoras, diante de todo o povo.17

Para justificar tamanha atrocidade, recorreu aos fundamentos bíblicos da condenação. O Antigo Testamento forneceu as narrativas de Sodoma e Gomorra18; e o Novo

Testamento, pelo viés das epistolas paulinas, permitiu a renovação da inveterada hostilidade contra os homossexuais.19

Cabe ressaltar que diversas são as passagens bíblicas que fazem referência ao homossexualismo (conhecido ainda por sodomia), repudiando-o, trazendo à baila o discurso da imoralidade, o qual atualmente serve de fundamento para negar a adoção por casal homoafetivos, conforme pode ser visto na tabela20 abaixo:

15 BORRILLO, Daniel. op. cit.,.p,.49.

16 FARIAS, Mariana de Oliveira. Mitos atribuídos às pessoas homossexuais e o preconceito em relação à

conjugalidade homossexual e a homoparentalidade. Disponível em: http://www2.assis.unesp.br/revpsico/index. php/revista/article/viewFile/169/211. Acesso em 27/03/2013.

17 BORRILLO, Daniel, op cit. .p.54.

18 Sadoma e Gomorra eram cidades dominadas pelo pecado: menosprezo pelas regras da hospitalidade, orgulho e, sobretudo, homossexualidade são as características de seus habitantes, que foram aniquilados por Deus, segundo os relatos bíblicos , por meio do fogo. (BORRILLO, Daniel, op cit. .p.48-49.)

19 BORRILLO, Daniel, op cit. .p.54.

20 Tabela adaptada de PEREIRA, Annelyse dos Santos Lira Soares. Representações Sociais do

Homossexualismo e Preconceito contra Homossexuais. Dissertação de mestrado em psicologia. Universidade

Católica de Goiás. 2004. Disponível em: http://tede.biblioteca.ucg.br/tde_arquivos/11/TDE-2006-11 23T133435Z6/Publico/Annelyse%20dos%20Santos%20Lira%20Soares%20Pereira.pdf. Acesso em 27/03/2013.

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ANTIGO TESTAMENTO Levítico

18:22 “Com o homem não te deitarás, como se fosse mulher; abominação é”. Levítico

20:13

“Quando também um homem se deitar com outro homem, como com mulher,

ambos fizeram abominação; certamente morrerão; o seu sangue será sobre eles”.

NOVO TESTAMENTO Romanos

1:26-28

“Por isso também Deus os entregou as concupiscências de seus corações, à imundícia, para desonrarem seus corpos entre si; Pois mudaram a verdade de Deus em mentira, e honraram e serviram mais a criatura do que o Criador, que é bendito eternamente. Amém. Por isso Deus os abandonou às paixões infames. Porque até as suas mulheres mudaram o uso natural, no contrário à natureza. E, semelhantemente, também os homens, deixando o uso natural da mulher, se inflamaram em sua sensualidade uns para com os outros; homens com homens,

cometendo torpeza e recebendo em si mesmos a recompensa que convinha ao seu erro. E, com eles não se importaram de ter conhecimento de Deus, assim Deus os entregou a um sentimento perverso, para fazerem coisas que não convêm;...”

Ao se comparar as relações homoafetivas aos pecados mais grotescos, consagrar e reforçar a ideia de que ela afeta não só a vida individual, mas também a raça humana deu-se início a uma verdadeira caça aos homossexuais que ultrapassou a barreira dos séculos.

E assim, segundo Mott, os homossexuais foram queimados nas fogueiras das Inquisições espanholas e portuguesas. Foram decapitados pelos luteranos na Holanda; afogados pelos calvinistas na Suíça; enforcados pela justiça anglicana na Inglaterra, América do Norte e África do Sul. Na intenção de reforçar a repressão à homossexualidade, a sodomia foi elevada à condição de crime, perseguida e castigada por três tribunais: pela Justiça Real, pela Santa Inquisição e pela Vara Episcopal 21

Com o avanço da ciência, no século XIX, a hostilidade religiosa encontra um novo pilar de sustentação. O discurso anti-homossexual, revestido de uma linguagem científica,

(18)

torna legítima a marginalização desse grupo, considerado agora não apenas inferior, pecador, e imoral, mas, sobretudo, delinquentes em potencial, perigosos à ordem sanitária.

Em 1857, segundo Daniel Borrilo, o perito médico-legal, A.-A. Tardieu escreve que:

[...] o pederasta transgride a higiene e a limpeza, além de ignorar a lustração

que purifica. A própria morfologia permite seu reconhecimento: a configuração das

nádegas, o relaxamento do esfíncter, o ânus afunilado ou, então, a forma e a dimensão do pênis confirmam a filiação à nova espécie. Monstro na nova galeria

dos monstros, o pederasta mantém uma estreita relação com o animal; em seus

coitos, ele evoca o cão. Sua natureza acaba por associá-lo ao excremento; ele vai à procura do fedor das latrinas... (grifo nosso) 22

A transição do personagem do sodomita ao homossexual reflete as diversas e complexas mudanças sociais, dentre as quais, a emergência da medicina enquanto importante instituição de controle social.

E assim, ao longo dos séculos XIX e XX, diversos manuais médicos foram escritos com o fito de definir esse “pecado” como sendo uma inversão sexual; estudar sua etiologia e suas manifestações para, se possível, curá-la, livrando, assim, a sociedade deste “vício perverso”.

Destaca-se que é justamente nesse período, que o termo “homossexualismo”,23 em que

o sufixo -ismo é indicativo de doença, surgiu. Nessa época, é consagrada a dicotomia entre os considerados “normais” e os ditos “anormais”, vistos, sexualmente, como “invertidos”. Inicia-se a medicalização da homossexualidade.

Eis então o contexto no qual é desenhado o personagem do adulto “perverso”, “degenerado” e “doente”, que dará origem ao homossexual; indivíduo este definido por sua sexualidade anormal e desviante, que será diagnosticado e que deverá ser curado. É, então, a instituição médica que o define que o desenha, e, que dele se ocupa. O homoerotismo é elevado ao status de patologia.

22 BORRILLO, Daniel, op cit. .p.66

23 O termo homossexualismo foi criação do escritor húngaro, autor de panfletos anônimos que se destinavam ao ministro da justiça da Prússia visando a alteração do parágrafo 143 do código penal prussiano que condenava a “homossexualidade” punindo-a com pena de prisão. Este veio a se tornar o parágrafo 175 do código penal alemão que esteve em vigor de 1871 a 1994 e que continuou punindo a homossexualidade. Todavia, não foi através de seus escritos que o termo ganhou popularidade. Isso somente ocorre com a publicação da obra

Psychopathia Sexualis , em 1885, do autor Richard Von Krafft-Ebing, médico alemão que utilizou o termo.

(MACIEL, Lucio. Teses sobre a origem do homossexualismo. Disponível em

http://luciomaciel.blogspot.com.br/2011/01/teses-sobre-origem-do-homossexualismo.html. Acesso em 27/03/2013)

(19)

Com efeito, diversos tipos de tratamentos começaram a surgir como o escopo de curar tal anomalia: a hipnose, a castração, a terapia de choques convulsivos, a lobotomia, a terapia hormonal, a terapia por aversão e as psicoterapias são apenas alguns exemplos.

Nas palavras de Moschetta, a partir dos ensinamentos de Foucault, em Microfísica

do poder:

Por volta de 1870, os psiquiatras começaram a constituir a homossexualidade como objeto de análise médica”. Isso significou o internamento dos homossexuais para serem” “curados”. Os homossexuais eram considerados como libertinos ou

delinquentes (...). Após constatação médica todos serão percebidos no interior de

um parentesco global com os loucos, como doentes do instinto sexual.24

No Brasil, os portugueses, no processo de colonização, ao trazerem a sua ordem jurídica-política-cultural, iniciaram em nosso país, a história de aversão às relações entre pessoas do mesmo sexo. Afinal, ao desembarcarem em terras brasileiras, os europeus trouxeram consigo o preconceito contra esse tipo de relacionamento a ponto de ficarem espantadosao descobrirem que na colônia já se praticava o "pecado" da sodomia.25

Ressalta-se que à época da colonização, vigorava em Portugal as ordenações Manuelinas, que condenavam a sodomia. Tal prática era considerada crime punível com penas que variavam desde confiscação de bens até a morte.

Apesar de não ter sido instalado na colônia um Tribunal de Santo Ofício, tal como havia sido feito em Portugal, esse se fez presente através das Visitações Inquisitoriais. A primeira Visitação do Santo Ofício da Inquisição ocorreu em 1591. Já no ano de 1620, com o fito de colher denúncias e confissões dos hereges, judeus e sodomitas e enviá-los para os cárceres do Santo Ofício, em Lisboa, ocorreu a segunda visitação. 26

Destaca-se que as Ordenações Portuguesas tinham um importante instrumento a seu favor: a delação. De acordo com suas leis, quem denunciasse um sodomita, receberia como premiação parte dos bens confiscados caso restasse provado que o denunciado, realmente era praticante dela. A outra parte ficava para a Coroa Portuguesa.

24 MOSCHETTA, Silvia Ozelame Rigo. Homoparentalidade : direito à adoção e reprodução humana assistida

por casais homoafetivos. Ed Juruá 2011. p 51.

25 PRESTE, Erica Viana e VIANNA Túlio. História da Criminalização da homossexualidade no Brasil: da

sodomia ao homossexualismo. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/34236350/Historia-da-criminalizacao-da-homossexualidade-no-Brasil-da-sodomia-ao-homossexualismo. Acesso em 27/03/2013

26 GREEN, James N. Além do Carnaval : a homossexualidade masculina no Brasil do século XX. Editora UNESP. São Paulo, 2000. p 56-57.

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E mais ainda, aquele que tomasse conhecimento que um indivíduo era adepto de tais práticas, e não o delatasse era punido. A delação constituía um direito-obrigação, não passível de abstenção.

Segundo James N. Green:

Entre 1587 e 1794, a Inquisição portuguesa registrou 4.419 denúncias. Estas incluíam tanto os suspeitos de terem praticado a sodomia quanto os que forneciam confissões atestando o fato de terem cometido o ‘ pecado abominável e pervertido’ Do total, 394 foram a julgamento, dos quais trinta acabaram sendo queimados: três no século XVI e 27 no século XVII .27

É importante salientar que o homoerotismo, tal como na cultura Greco-romana, também era socialmente aceito entre os povos indígenas brasileiros. Vários são os relatos de homoerotismo. Gabriel Soares de Souza, em o Tratado Descritivo do Brasil de 1587, por exemplo, refere-se tanto à homossexualidade masculina como a feminina. Ele descreve que o “pecado nefando" era bem aceito, sendo que o que desempenhava o papel ativo tinha-se por valente, contando o caso com proeza.28

Segundo Mott, entre os Tupinambás que ocupavam a maior parte da costa brasileira, os índios gays eram chamados de Tibira ou Tivira, e as lésbicas de caçoaimbeguira.29

Todavia, tal como ocorreu na Europa, nos séculos XIX e XX, começam a surgir abordagens científicas inserindo as relações entre pessoas do mesmo sexo no rol de doenças. Estudiosos, sob a influência das teorias estrangeiras, procuravam conhecer todos os aspectos da sexualidade desviante. Nesse sentido, esclarece James Green:

Duas figuras internacionais, em particular, se destacaram por exercer uma maior influência em moldar as noções brasileiras sobre homossexualidade e sua ligação com raça, o genro, a criminalidade e a biologia. No que diz respeito aos estudos brasileiros acerca do homossexualismo. Um deles foi Cesare Lombroso, o criminologista italiano, e o outro foi Gregório Marañón, um professor da Universidade de Madri.

Cesare Lombroso (1836-1909), um dos pioneiros no campo da antropologia criminal, defendia a teoria do delinqüente nato, cujo fragilizado sistema nervoso o predispunha a um comportamento degenerado, que incluía propensão a mutilação,

27 GREEN, James op cit. .p. P 56-57.

28 MOTT, p. 14 Apud TREVISAN, João Silvério, Record, Devassos no paraíso: a homossexualidade no

Brasil, da colônia à atualidade, 7ª ed., 586 p., Rio de Janeiro: 2007 .Apud . Wikipédia. Homossexualidade no

Brasil. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Homossexualidade_no_Brasil#cite_note-trevisan65-2 Acesso em 09/06/2013.

29 SILVA, Paulo de Tássio Borges. Há lugar para a homossexualidade num “regime de índio”? Disponível em: http://www.abeh.org.br/index.php? option=com_phocadownload&view=category&download=180:nopp007pdf&id=1:anais-abeh-2012&Itemid=87 Acessado em 09/06/2013.

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tortura, homossexualidade (....) Lombroso e seus seguidores buscavam determinar a degeneração criminosa por meio de características fenotípicas.

A segunda influente internacional foi Gregório Marañón (1887-1960), um professor de medicina da Universidade de Madri, que assinava a “ introdução “à obra de 1938 de Ribeiro, Homossexualismo e endocrinologia (...) Ele também sumariou sua teoria sobre a intersexualidade no periódico médico-legal brasileiro Arquivos de medicina legal e de identificação, que no fim da década de 1930 apresentava suas páginas inúmeros artigos sobre a homossexualidade. (...) Argumentando que os homossexuais possuíam características tanto masculinas como femininas por causa de um desequilíbrio endócrino, Marañón propunha uma explicação biológica para a homossexualidade. 30

Tamanha foi a influência dessas teorias que no início do século XX, no Rio de Janeiro, Leonídio Ribeiro, diretor do Departamento de Identificação da Polícia carioca, pretendeu, através da antropométrica lombrosiana e da teoria endócrina de Marañón, traçar a biotipologia do homossexual no ano de 1932. Para tanto, realizou pesquisas em um grupo de 195 homossexuais que estavam detidos, conforme elucida James Green:

Para realizar o estudo, Ribeiro empregou o mesmo sistema antro-pométrico de caracterização de tipos de corpo que utilizara anteriormente ao examinar 33 homens negros e mestiços condenados por assassinato. Seu esquema de classificação media o tamanho do tronco em relação aos braços e pernas do indivíduo e propunha três grupos mais gerais - normolíneo, brevilíneo e longilíneo -, com subdivisões em cada um. Ribeiro descobriu que 54,61% incluíam-se no grupo longilíneo; 5,12 % estavam no brevilíneo; e 38,46% eram do tipo normolíneo. Isolando as características físicas do indivíduo e comparando-as com o padrão "normal", ele chegou a uma série de "anormalidades" entre os homens observados. 31

Apesar da posição majoritária de cientistas em prol da patologização/cura da homossexualidade, uma minoria, ao longo da história, a compreendia de forma diferente. Para Havelock Ellis um importante estudioso da medicina na área da sexualidade, a relação homossexual era viril, saudável, igualitária, e possivelmente, tão duradoura e aceitável quanto qualquer relacionamento heterossexual.32 Com o passar do tempo, essas vozes ganham força e

dão início ao movimento de despatologização e descriminalização do homossexualismo.

1.3 A luta pela despatologização e descriminalização

30 GREEN, James, op cit. .p 199-203 31 GREEN, James, op cit..p.202-203.

(22)

Na década de 1960 e 1970, a luta pela despatologização e descriminalização da homossexualidade ganha força. Em 1969, um fato ocorrido, marca o início dos movimentos de militância pró-homossexual. Em 28 de junho de 1969, um bar em nova Iorque, chamado

stonewall inn, frequentados por homossexuais, foi invadido pela polícia. Em reação, os

clientes, ao som de músicas típicas de movimentos homoafetivos, lançaram latas e garrafas contra os policiais, dando início uma rebelião que perdurou praticamente uma semana. 33

Um mês após esse fato foi fundada a Frente da Liberação Gay e o dia do início do confronto foi instituído como o Dia do Orgulho Gay. Surgem, assim, movimentos, jornais, seminários, palestras, grupos de apoio com o fito não só de retirar esse grupo da marginalidade como também, tentar restaurar o seu tecido social, já tão degradado pelo preconceito. 34

No Brasil, segundo Regina Facchini,35 o movimento de luta tem suas origens na

década de 1970. Em 1978, surge no Rio de Janeiro o jornal Lampião da esquina que promovia a reflexão em torno da sujeição do indivíduo às convenções de uma sociedade sexista, gerando, assim, um espaço onde a diversidade sexual podia ser debatida. No mesmo ano, surge em São Paulo o grupo SOMOS, onde os indivíduos homossexuais se reuniam para compartilhar suas experiências pessoais. “Uma proposta marcante desse grupo era o esvaziamento do caráter pejorativo das palavras “bicha” e “lésbica” 36 Essa é a primeira das

três ondas do movimento no Brasil. Nesse sentido esclarece a autora:

O movimento desse período é marcado por um forte caráter anti-autoritário, em reação ao contexto da ditadura. Isso impactava a própria forma de organização dos coletivos: tratava-se de grupos de reflexão, não institucionalizados, nos quais as coordenações eram rotativas de modo a evitar concentração de poder. O processo de produção da identidade coletiva de "homossexual ativista" fazia com que o grupo fosse visto como uma "comunidade de iguais", ou seja, pessoas que compartilhavam uma mesma "condição" e necessidades. Nesse sentido, qualquer diferença entre os integrantes não deveria ser ressaltada37

33 FARIAS, Mariana de Oliveira. op cit. .p 48.

34 FARIAS, Mariana de Oliveira. op cit. .p 48.

35 Doutora em Ciências Sociais pela Unicamp. Pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero. Professora participante do Programa de Doutorado em Ciências Sociais, ambos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Sua área de investigação inclui estudos sobre movimentos sociais, produção de identidades coletivas, violência contra o LGBT, saúde sexual e reprodutiva, corporalidades, bem como sobre a intersecção entre marcadores sociais de diferença (gênero, sexualidade, classe, cor/raça, idade/geração, entre outros).

36 FACCHINI, Regina. Histórico da luta LGBT no Brasil. Disponível em:http://www.crpsp.org.br/portal/comunicacao/cadernos_tematicos/11/frames/fr_historico.aspx . Acesso em 27/03/2013.

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Já a segunda onda ocorre na década de 1980, período em que a homossexualidade ganha visibilidade pública e a epidemia do HIV se alastra. Neste contexto, atuaram os grupos Triângulo Rosa e Atobá, do Rio de Janeiro e o Grupo Gay da Bahia .Todos tinham como objetivo promover mudanças na sociedade, sobretudo em relação aos direitos civis dos homossexuais, conforme explicita a supracitada autora:

As características mais marcantes desse período incluem: um menor envolvimento com projetos de transformação social como um todo; e uma ação mais pragmática e voltada para a garantia dos direitos civis e ações contra discriminações e violência. A tendência é ter organizações mais formais, não há mais rotatividade de direções, mas diretorias com cargo e funções definidas. O GGB e o Grupo Triângulo Rosa são os primeiros a se formalizarem legalmente como associações voltadas para os direitos de homossexuais, evocando o direito à associação. A valorização de relações com o movimento internacional é bastante forte nesse momento e há desvalorização dos aspectos marginais da homossexualidade. A abordagem inicial da Aids como "peste gay" ou "câncer gay" levou à necessidade de construção de uma boa imagem pública da homossexualidade que permitisse a luta pela garantia de

direitos civis. 38

Neste período já se lutava por uma legislação antidiscriminatória, por um tratamento positivo da homossexualidade na mídia, pela legalização do casamento gay, por exemplo. É nesse cenário, também, que a homoafetividade passa a ser vista como uma orientação sexual e não como uma simples “opção”.

Por fim, a terceira onda, acontece no início dos anos 1990, momento em que os movimentos passam a conter diversos sujeitos: lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Nessa época, há um significativo aumento do número dos grupos. ONGs, grupos religiosos e acadêmicos e partidos políticos ingressam nessa luta.39

Em 1995, surge a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis (ABGLT), considerada, atualmente, uma das maiores organizações LGBT da América Latina, reunindo cerca de 200 organizações espalhadas por todo o Brasil. Tal organização vem atuando não apenas no âmbito legislativo, como também no judicial, fomentando campanhas que buscam mitigar o preconceito em relação a esses grupos. É nesse momento que surgem os primeiros projetos de lei a favor de direitos LGBT.40

Foi nesse contexto de reivindicações que diversos países começaram a modificar suas legislações, objetivando mitigar a segregação e criminalização à qual estava submetido esse grupo.

38 FACCHINI, Regina. op. cit.. 39 Ibidem.

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Todavia, é importante salientar que, atualmente, diversos países ainda consideram ilegal o comportamento homoafetivo. De acordo com Navi Pillay, comissária de direitos humanos da ONU, estima-se que muitos países têm leis que criminalizam explicitamente essas relações ou apresentam vagas proibições que são aplicadas de forma discriminatória' contra estas pessoas.41 A imagem seguinte42 retrata os dizeres da comissária.

Países que proíbem as uniões homoafetivas. Nos mais escuros aplica-se a pena de morte

Conforme se observa na figura acima, na África e na Ásia, mais de uma dezena de nações têm leis que proíbem as relações entre pessoas do mesmo sexo, criminalizando-as. De modo geral as penas variam desde o pagamento de multa, até a prisão que, em alguns países, pode ultrapassar a barreira dos cinco anos.43 A situação é ainda mais extrema no Irã, na Arábia

Saudita, no Iêmen, no Sudão, na Nigéria e na Mauritânia. Nesses lugares, além dos atos homoafetivos serem proibidos, seus praticantes são punidos com pena de morte.

Vejamos algumas datas marcantes nessa luta:

41 AO MENOS 76 países têm leis que criminalizam a homossexualidade . G1 mundo ( online) . 2012. Disponível em: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2012/03/ao-menos-76-paises-tem-leis-que-criminalizam-a-homossexualidade.html. Acesso em 20/03/2013

42 Adaptado de mapa mundi da união gay. Disponível em: http://igay.ig.com.br/2013-03-05/conheca-o-mapa-mundi-da-uniao-gay.html . Acessado em 23/06/2013. Acesso em 23/06/2013.

43 Para maiores informações ver: legislação sobre a homossexualidade no mundo, Disponível em :http://pt.wikipedia.org/wiki/Legisla%C3%A7%C3%A3o_sobre_a_homossexualidade_no_mundo Acesso em 20/06/2013.

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 1973 – A homossexualidade é retirada da categoria diagnóstica de doença pela Associação de Psiquiatria Americana (APA) e então retirada do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM).

 1975 – A Associação Americana de Psicologia recomendou aos profissionais de saúde mental que se desfizessem de seus preconceitos e realizassem pesquisas com as famílias homoparentais

 1990 – a Organização Mundial da Saúde (OMS) determinou que a homossexualidade não deveria ser considerada doença e por isso não se deveria buscar sua cura.

 1999 – Conselho Federal de Psicologia regulamenta a atividade do psicólogo sobre a questão, afirmando que a homossexualidade não deve ser considerada doença ou perversão e que os psicólogos devem trabalhar contra o preconceito, discriminação e atitudes homofóbicas. 44

Percebe-se, então, que com a consolidação do Cristianismo na Idade Média, e o avanço da ciência no século XIX, construiu-se uma visão estigmatizada acerca as relações entre pessoas do mesmo sexo, antes legitimadas pela sociedade, cujos resquícios ainda persistem na nossa sociedade, o que repercute na temática da adoção por casais homoafetivos.

Ao decidirem adotar, o maior desafio a ser enfrentado por esses casais é o preconceito. Como se verificará no capítulo seguinte, do ponto de vista jurídico, a princípio, não há mais nenhum impedimento a esse tipo de adoção. Todavia, a concepção de que os homossexuais são promíscuos, imorais, doentes portadores de distúrbios e desvios, e que por isto não estariam aptos a cuidar e uma criança, ainda se faz presente mesmo que de forma velada.

44 FARIAS, Mariana Oliveira. Mitos atribuídos às pessoas homossexuais e o preconceito em relação à

conjugalidade Homossexual e a homoparentalidade. Disponível em:

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2. DE QUE MODO O RECONHECIMENTO JURÍDICO DA ENTIDADE FAMILIAR HOMOAFETIVA CONTRIBUIU PARA A MITIGAÇÃO DOS ESTIGMAS?

O reconhecimento jurídico dos relacionamentos homoafetivos, suplantou um dos maiores, se não o maior, entrave à adoção por casais do mesmo sexo: a impossibilidade jurídica desse tipo de pedido.

Isto porque o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 42 § 2º, afirma que “para a adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família.”

Por sua vez, o artigo 1.723 CC alega que é “reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.”

Por fim, como a Constituição Federal em seu artigo art. 226, § estabelece que a união estável só se constitui entre homem e mulher, muitos doutrinadores e magistrados alegavam não ser possível o reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo, o que por via reflexa, acarretava na impossibilidade de adoção por parte das mesmas, conforme pode ser averiguado:

APELAÇÃO CÍVEL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. AÇÃO DE ADOÇÃO. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. GENITORA QUE ABANDONOU O FILHO EM TENRA IDADE AOS CUIDADOS DE TERCEIRO QUE, AGORA, POSTULA SUA ADOÇÃO. VÍNCULO BIOLÓGICO QUE NÃO SUPERA O VÍNCULO AFETIVO QUE SE ESTABELECEU ENTRE ADOTANTE E ADOTANDO, O QUAL ERIGIU VERDADEIRO NÚCLEO FAMILIAR. EXCLUSÃO DO POLO ATIVO DA AÇÃO DO PARCEIRO HOMOAFETIVO DO ADOTANTE. CONFUSÃO ENTRE UNIÃO ESTÁVEL E PARCERIA CIVIL. EFEITOS. 1. Passados mais de cinco anos do abandono do infante pela genitora, deixando-o com padrinho que dele cuidou, atendendo suas necessidades de afeto, educação, saúde e alimentação, deve ser destituído o poder familiar da mãe biológica, entregando-o à adoção a quem com ele consolidou núcleo familiar fundado em vínculo de afeto e proteção. 2. Hipótese em que se exclui do pólo ativo da ação o parceiro

com quem o adotante mantém Parceria Civil, em face da impossibilidade legal de duas pessoas que não sejam civilmente casadas, ou estejam em

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União Estável, adotarem . A tanto é importante não se confundir, conceitualmente e quanto aos efeitos diversos, a União Estável, que por definição constitucional e legal existe somente entre o homem e a mulher, com a Parceria Civil, instituto de inspiração no direito comparado e de natureza jurisprudencial, que envolve a relação estável entre duas pessoas do mesmo sexo. 3. É fato que a Constituição matiza valores em seu

conteúdo que são recolhidos na vontade social pelo legislador constitucional, estabelecendo ele categorias jurídicas diferenciadas para determinados grupos de indivíduos, tais como: "o idoso", "a criança", "o homem", "a mulher". Aliás, quanto à mulher, enquanto mãe, e somente uma mulher pode ser mãe biológica, tem na Lei Fundamental alemã, - hoje consagrada como um dos mais importantes estatutos da cidadania e do humanismo no mundo, proteção especial contra a comunidade, isto é, o legislador constitucional alemão definiu como categoria jurídica específica e merecedora de especial proteção, o grupo de indivíduos, do sexo feminino, que sejam, no momento, "mãe". Assim, não há discriminação por sexo, compreendida aqui a condição ou orientação sexual de um determinado indivíduo ou grupo, ou mesmo não viola o princípio da igualdade, a diversidade de estatutos jurídicos para cada grupo social, isto é, no caso concreto, para os heterossexuais e para os homossexuais. APELAÇÃO PROVIDA, EM PARTE. (TJRS; AC 70033357054; Santa Maria; Sétima Câmara Cível; Rel. Des. José Conrado de Souza Júnior; Julg. 26/05/2010; DJERS 10/06/2010)

Felizmente, em um julgamento histórico, em maio de 2011, o STF, por unanimidade de votos, reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo, estabelecendo, assim, a equiparação e a igualdade de direitos e deveres entre os casais heterossexuais e os homossexuais. Concedeu às uniões homoafetivas o status de entidade familiar, rompendo de vez com esse obstáculo jurídico.

Para que haja um melhor entendimento do modo como isso sucedeu, é imprescindível que se faça um estudo da evolução do conceito de família, mesmo que brevemente, além de explicitar o conceito jurídico contemporâneo desse instituto.

2.1 A transformação da família e o seu conceito jurídico contemporâneo

Para Paulo Nader, "família é uma instituição social, composta por mais de uma pessoa física, que se irmanam no propósito de desenvolver, entre si, a solidariedade nos planos assistencial e da convivência ou simplesmente descendem uma da outra de um tronco comum.”45

Para Eva Maria Lakatos46, “se, originalmente, a família foi um fenômeno biológico de

conservação e produção, transformou-se depois em fenômeno social. Sofreu considerável

45 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil: Direito de Família,Vol 5 Editora forense.2010. 4º edição. p. 3. 46 LAKATOS, p.169.Apud Uniões Homoafetivas: Alguns Aspectos Sociológicos, Psicológicos e Jurídicos. p.13.Disponível em: http://www.facsaoroque.br/novo/publicacoes/pdfs/elenice.pdf. Acesso em 28/04/2013.

(28)

evolução até regular suas bases conjugais conforme as leis contratuais, normas religiosas e morais.”

Com efeito, a autora Giselle Câmara Groeninga conceitua família como sendo “um caleidoscópio de relações que muda no tempo de sua constituição e consolidação em cada geração, que se transforma coma evolução da cultura, de geração para geração” 47

Certamente, a família constitui um verdadeiro fato social. Presente em todos os agrupamentos humanos, alterando somente a sua estrutura, ela é um instituição em constante mutação, que reflete os pensamentos e valores de um determinado grupo social, em um dado momento histórico. Danda Prado esclarece que:

a família não é um simples fenômeno natural. Ela é uma instituição social variando através da História e apresentando até formas e finalidades diversas numa mesma época e lugar, conforme o grupo social que esteja sendo observado (...) apresenta aspectos positivos, enquanto núcleo afetivo, de apoio e solidariedade.Mas apresenta ao lado destes, aspectos negativos, como a imposição normativa através de leis, usos e costumes(...) 48

No que tange a sua evolução preliminarmente, há de se destacar que inexiste um consenso, entre os estudiosos, sobre a origem da família. Todavia, a atual concepção jurídica de “família” está intrinsecamente associada às influências da família do direito romano, canônico e germânico.49

Em Roma, a família era estruturada sob o principio da autoridade do ascendente comum mais velho: o pater familie, ou seja, o chefe do clã. Segundo Carlos Roberto Gonçalves:

O pater família exercia sobre os filhos direito de vida e de morte (ius vitae necis). Podia, desse modo, vendê-los , impor-lhes castigos e penais corporais e até mesmo tirar-lhes a vida. A mulher era totalmente subordinada à autoridade marital e podia ser repudia por ato unilateral do marido. (...). A Família era então, simultaneamente, uma unidade econômica, religiosa, política e jurisdicional. O ascendente comum vivo mais velho era, ao mesmo tempo, chefe político, sacerdote e juiz.Comandava, oficiava o culto dos deuses domésticos e distribuía a justiça.50

A família constituía, simultaneamente, não só uma unidade econômica e religiosa, como também, uma unidade política e jurisdicional. Pelo relato de Arnoldo Wald:

47 GROENINGA, Giselle Câmara; Pereira, Rodrigo Da Cunha. Direito de Família e Psicanálise - Rumo a

Uma Nova Epistemologia. Ed imago, 2003. p 125

48 PRADO Danda. O Que é Família? Ed. Brasiliense (coleção Primeiros Passos, 50), p.12 Apud FARIAS, Mariana de oliveira, op cit. .p. 59.

49 WALD,Arnold. Curso de Direito Civil Brasileiro. O novo conceito de família. Ed. Saraiva. 2005, 16º edição.p 9.

50 GONÇALVEZ, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, direito de família. Volume VI: São Paulo: Saraiva 10ª edição 2013. p. 15.

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Inicialmente, havia um patrimônio só que pertencia à família, embora administrado pelo pater, numa fase mais evoluída do direito romano surgiam patrimônios individuais, como os pecúlios, administrados por pessoas que estavam sob a autoridade do pater A família era uma unidade religiosa, pois tinham uma religião própria, a religião doméstica dos antepassados falecidos.(...) na primeira fase do direito romano, a família era uma unidade política, constituído-se o Senado pela reunião dos chefes de família . 51

Tendo como figura central o homem, a mulher, não detinha capacidade jurídica, ficando assim, adstrita ao poder de seu pai ou marido, sendo considerada alieni iuris. Esse modelo de família, pautado na subordinação e hierarquia, tornou-se estereotipado por vários séculos, levando à sociedade e seus sujeitos a respeitarem os rígidos ditames patriarcais.52

No que tange ao instituto do casamento, os romanos asseveravam ser imprescindível a presença do affectio maritalis53 na relação matrimonial. Nesse sentido, a sua ausência, ou o seu desaparecimento, durante o relacionamento, era causa para o rompimento dos laços matrimonias por meio do divórcio.54

Na Idade média as relações familiares passam a ser regidas pelo direito canônico, sofrendo forte influência do cristianismo. Com efeito, o casamento, que antes tinha cunho consensual, adquire o status de sacramento, cujo objetivo primordial era a procriação.55

Sob a ótica de que o “Deus uniu o homem não separa” (Mc. 10:9), sendo o marido e mulher “uma só carne” (Efésios 5:31), consagrou-se a indissolubilidade do matrimônio.56

Elucida João de Matos Antunes que:

(...) a família deixou de constituir uma unidade política, e transformando-se numa comunidade natural, que compreendia apenas as pessoas ligadas entre si pelo casamento e pelos laços de procriação. A mulher passou a ocupar um lugar próprio na instituição familiar, distinto do reservado aos filhos.57

51 WALD, Arnold. op cit. .p. 9-10.

52 MOSCHETTA, Silvia Ozelame Rigo. op cit. .p.22

53 A affectio maritalis, constituía o animus do casamento ( elemento subjetivo) , ou seja o desejo do homem

viver com a mulher para sempre. O elemento objetivo era a deductio in domum mariti, ou seja, a transferência da mulher para a casa do marido. Salienta-se que outros elementos se faziam necessários comoa coabitação, a constituição de dote, por exemplo. (GONÇALVES, Carlos Roberto. op cit. .p 32)

54 GONÇALVES, Carlos Roberto, op cit. .p 32 55 Ibidem.

56 WALD, Arnold. Carlos Roberto 12-13

57 VARELA, João de Matos Antunes. Direito de família. Lisboa,1982. P.30 , apud TONI, Cláudia Thomé. A

união estável e a união homoafetiva no direito penal. Tese de doutorado. P.21. Disponível em :

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Percebe-se, então, uma supervalorização do casamento e o surgimento de uma nova função familiar: o de garantir a perpetuação da espécie, sob a máxima “crescei-vos e mutiplicai-vos”. A partir disso, para igreja, todas as uniões não oriundas do casamento eram desmerecedoras do status de entidade familiar. Engessa-se o a concepção de família.

Nesta linha, preconiza Silvia Ozelame Rigo Moschetta:

Sob inspiração religiosa de sacramentalização do matrimônio ele era eterno mantido a qualquer custo, mesmo porque o casamento era a única forma licita de constituição

de família (...). A religião, por excelência, conduzia o modelo de família que

acreditava ser o correto,o normal, inclusive listou o matrimônio como um dos setes sacramentos 58.

A partir do século IV, com as invasões bárbaras na Europa ocidental, as relações familiares passam a sofrer, também, influência do Direito Germânico.59 San Tiago Dantas

nos ensina que:

(...) a família germânica era do tipo ‘ parental’, ou seja o pátrio poder é o poder do pai e não o poder do chefe de família , sendo que a esposa era reservada uma posição moralmente elevada. Nos agrupamentos germânicos primitivos o casamento era celebrado perante a reunião de homens livres, sendo que posteriormente ele passou a se estabelecer perante os juízes, para finalmente ser contraído perante um juiz, representante da comunidade. De se notar que esta é a origem do hoje conhecido casamento civil, como instituto que conta com a participação do Estado no próprio ato da celebração. Com convivência das três influências – Direito Romano, Canônico e Bárbaro-, observa-se a preocupação da Igreja, aos poucos, em exigir que o matrimônio fosse celebrado perante ela. 60

Podemos dizer, então, que a família brasileira, como hoje é conceituada, sofreu influência da família romana, canônica e germânica, tendo só recentemente, em função das grandes transformações históricas, culturais e sociais, adquirido rumos próprios com as adaptações à nossa realidade. Nos dizeres de Carlos Roberto Gonçalves:

O código Civil de 1916 e as leis posteriores, vigentes no século passado, regulavam a família constituída unicamente pelo casamento de modelo patriarcal e hierarquizada, como foi dito , ao passo que o moderno enfoque pelo qual é identificada tem indicado novos elementos que compõem as relações familiares, destacando-se os vínculos afetivos que norteiam sua formação. Nessa linha, a família socioafetiva vem sendo priorizada em nossa doutrina e jurisprudência. 61

58 MOSCHETTA, Silvia op cit. .p.32

59 VARJÃO, Luiz Augusto Gomes p 7 Apud TONI, Cláudia Thomé. op cit. .p 23

60 DANTAS, San Tiago op cit 57apud TONI, Cláudia Thomé. op cit. .p23

(31)

No campo ideológico, a Revolução Francesa, introduz os preceitos de liberdade, igualdade e fraternidade no mundo ocidental alterando muitos dos paradigmas até então tidos como absolutos, permitindo assim a existência de novos modelos de família. Paralelamente, com a Revolução Industrial, nas palavras de Silvio Venosa, a família deixa de ser uma unidade de produção na qual todos trabalhavam sob a autoridade de um chefe. O homem vai para a fábrica e a mulher lança-se para o mercado de trabalho. 62

E assim, no século XX, sobretudo a partir na segunda metade, o instituto da família altera-se, profundamente, e passa a absorver os contornos atuais. Como reflexo da independência financeira feminina, um novo núcleo se formou: o de famílias cuja chefia estava a cargo das mulheres. Concomitantemente, outro núcleo familiar, pautado no afeto surge. Esse, indubitavelmente constitui o pilar da entidade familiar.

É nesse cenário que o constituinte de 1988 traz à baila, o tratamento isonômico entre os conjugues; o tratamento igualitário aos filhos, independentemente da natureza da filiação; o reconhecimento da “família socioafetiva” e a consequente não descriminalização das entidades não matrimonializadas. Essas são algumas das importantes alterações na concepção de família.

Nesse sentido, Carlos Roberto Gonçalves, a partir das lições de Rodrigo da Cunha e Maria Berenice, preceitua que a Constituição Federal de 1988:

(...) adotou uma nova ordem de valores, privilegiando a dignidade da pessoa humana, realizando verdadeira revolução no Direito de Família, a partir de três eixos básicos. Assim, o artigo 226 afirma que a entidade familiar é plural e não mais singular, tendo várias formas de constituição. O segundo eixo transformador encontra-se no Ss 6º do art.227 .É a alteração do sistema de filiação, de sorte a proibir designações discriminatórias decorrentes do fato de ter a concepção ocorrido dentro ou fora do casamento. A terceira grande revolução situa-se nos artigos 5º, inciso I e 226 ss5º. Ao consagrar o principio da igualdade entre homens e mulheres, derrogou mais uma das centenas de artigos do Código Civil de 1916. 63

Explicitamente, a nova Carta magna reconhece três tipos de entidades familiares: as monoparentais64, as constituídas por união estável65 e as oriundas do casamento. 66

62 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. - Direito de Família. Vol. VI 5. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2005.p.3

63 PEREIRA, Rodrigo Cunha; DIAS Maria Berenice. Direito de família e o novo Código Civil. Prefácio. Belo Horizonte: Del Rey /IBDFAM, 2001, apud GONÇALVES, Carlos Roberto p. 33

64 Art.226 § 4º -“ Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.”.

65 Art.226 § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

66 Art 226. § 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

(32)

A nova Carta, apesar de ter como pilar de sustentação o princípio da isonomia, insculpido em seu art. 5º, e ter como objetivo, no artigo 3º inciso IV promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, não concedeu, explicitamente, às relações entre pessoas do mesmo sexo o status de entidade familiar.

Entretanto, a partir de uma interpretação sistemática de seus dispositivos, alguns doutrinadores e juristas começaram equiparar tais relacionamentos à União estável.

2.2 A união homoafetiva perante a Constituição Federal de 1988 e a equiparação à união estável

É indubitável que durante muito tempo, estudiosos e operadores do direito igualaram os relacionamentos amorosos homoafetivos aos direitos obrigacionais, mais precisamente, às sociedades de fato, conforme pode ser visto abaixo:

SOCIEDADE DE FATO. HOMOSSEXUAIS. PARTILHA DO BEM COMUM. O parceiro tem o direito de receber a metade do patrimônio pelo esforço comum, reconhecida a existência de sociedade de fato com os requisitos do art. 1.363 do C. Civil. (Resumo) (Resp nº 148.897/MG, Rel. Ministro RUY ROSADO

DE AGUIAR, Quarta Turma, julgado em 10/02/1998) (BRASIL, Superior Tribunal Federal, Recurso especial nº 148.897, 1998) (grifo nosso)

Frisa-se que na sociedade de fato, os indivíduos são considerados sócios, e não companheiros. Visa-se não a comunhão de vida, mas sim o lucro. Outrossim, para a divisão do patrimônio comum, é imprescindível a prova de sua contribuição. Com efeito, o casal perde diversos direitos, dentre eles o de alimentos, direitos sucessivos, instituição do bem de família e outros, fazendo com que os processos sejam julgados em varas cíveis, ao invés de irem para as varas de família, que seria o mais correto.

Neste diapasão, muitos juristas não equiparavam esse tipo de relacionamento à união estável.

AÇÃO DECLARATÓRIA DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO HOMOAFETIVA. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL POR IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. LEGISLAÇÃO EM VIGOR QUE NÃO AMPARA TAL PRETENSÃO. ART. 226, § 3º, CF, LEI 9.278/96 E ART. 1.723 DO CC. NORMAS QUE EXPRESSAMENTE ESTABELECEM COMO UM DOS REQUISITOS AO RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL A DIVERSIDADE DE SEXOS. SENTENÇA CONFIRMADA. RECURSO DESPROVIDO. "O relacionamento homoafetivo entre pessoas do mesmo sexo

Referências

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