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Os reflexos dos regimes de bens no direito sucessório do cônjuge sobrevivente

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA GISELE FRANCINE CARVALHO

OS REFLEXOS DOS REGIMES DE BENS NO DIREITO SUCESSÓRIO DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE

Florianópolis 2016

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GISELE FRANCINE CARVALHO

OS REFLEXOS DOS REGIMES DE BENS NO DIREITO SUCESSÓRIO DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientadora: Prof. Luciana Faisca Nahas, Dra.

Florianópolis 2016

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GISELE FRANCINE CARVALHO

OS REFLEXOS DOS REGIMES DE BENS NO DIREITO SUCESSÓRIO DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Graduação em Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Florianópolis, (dia) de (mês) de 2016.

______________________________________________________ Professora e orientadora Luciana Faisca Nahas, Dra.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Nome do Professor, titulação

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Nome do Professor, titulação

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

OS REFLEXOS DOS REGIMES DE BENS NO DIREITO SUCESSÓRIO DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Sul de Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de todo e qualquer reflexo acerca deste Trabalho de Conclusão de Curso.

Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso de plágio comprovado do trabalho monográfico.

Florianópolis, 28 de junho de 2016.

____________________________________

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Aos meus pais e ao meu irmão, por serem meus verdadeiros alicerces.

À minha avó Rachel, por ser exemplo de pessoa e de profissional.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, Nelson e Gisele, por sempre me guiarem, apoiarem em minhas escolhas e não medirem esforços para que eu realize meus sonhos.

Agradeço ao meu irmão Nelson Tiago, por ser quem me inspira a buscar o melhor de mim.

Agradeço a minha tia Vanessa, pela ajuda e incentivo na realização deste trabalho, e a minha avó Rachel, que tanto colaborou para esta conquista. Por meio delas estendo meus agradecimentos a todos os meus familiares.

Agradeço ao meu namorado Henrique, por sempre compreender a prioridade do estudo, pela paciência e companheirismo de sempre.

Agradeço aos meus amigos que entenderam minha ausência durante o semestre e que de diversas maneiras contribuíram para esta realização.

Agradeço a minha professora e orientadora Luciana, por ter aceitado participar deste desafio comigo, transmitindo seu conhecimento e me encorajando na elaboração deste trabalho.

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo analisar os reflexos dos regimes de bens no direito sucessório do cônjuge sobrevivente. O artigo 1.829 do Código Civil dispõe a ordem de vocação hereditária, elencando o cônjuge como herdeiro da terceira classe, porém com participação concorrencial nas duas primeiras. A influência dos regimes de bens na sucessão ocorre, especificamente, quando da concorrência com os descendentes em virtude da redação do inciso I do dispositivo. Entretanto, o texto legal não foi redigido de forma precisa, o que abriu margem para diversas interpretações. Na comunhão universal de bens, na separação obrigatória e na comunhão parcial de bens quando inexistentes bens particulares é uniforme o entendimento pela exclusão do direito concorrencial do cônjuge. Por outro lado, quando da existência de bens particulares na comunhão parcial, haverá o direito concorrencial, no entanto a divergência é se incidirá sobre todo o acervo, só sobre os bens particulares ou só sobre os bens comuns. Na participação final nos aquestos e na separação convencional de bens a cisão reside na existência ou não da concorrência e, no primeiro, se ela recairá sobre todo o acervo ou se só nos bens incomunicáveis. Com a utilização do método de abordagem dedutivo e da técnica bibliográfica e documental, restou evidenciada a influência do regime de bens no direito sucessório do cônjuge sobrevivente e a insegurança jurídica a respeito do tema, em decorrência dos diversos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais quando da aplicação da norma ao caso concreto.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 12

2 O DIREITO SUCESSÓRIO DO CÔNJUGE ... 14

2.1 HISTÓRIA DO CÔNJUGE COMO HERDEIRO ... 14

2.2 O CÔNJUGE COMO HERDEIRO NO CÓDIGO CIVIL DE 2002 ... 17

2.2.1 Requisitos de legitimidade do cônjuge para suceder ... 17

2.2.1.1 Separação judicial ... 18

2.2.1.2 Separação de fato ... 19

2.2.1.2.1 Tempo ... 19

2.2.1.2.2 Culpa ... 22

2.2.2 Direito real de habitação ... 26

2.2.3 O cônjuge como herdeiro legítimo necessário ... 27

2.3 SUCESSÃO, HERANÇA E MEAÇÃO ... 31

3 DOS REGIMES DE BENS ... 33

3.1 PRINCÍPIOS DOS REGIMES DE BENS ... 33

3.1.1 Princípio da indivisibilidade do regime de bens ... 33

3.1.2 Princípio da mutabilidade justificada ... 34

3.1.3 Princípio da variedade de regime de bens ... 35

3.1.4 Princípio da autonomia privada ... 35

3.2 PACTO ANTENUPCIAL ... 36

3.3 REGIMES DE BENS ... 37

3.3.1 Regime da comunhão parcial de bens ... 38

3.3.1.1 Bens incomunicáveis ... 39

3.3.1.2 Bens comunicáveis ... 41

3.3.1.3 Dívidas e administração dos bens ... 42

3.3.2 Regime da comunhão universal de bens ... 43

3.3.2.1 Bens incomunicáveis ... 44

3.3.2.2 Dívidas e administração dos bens ... 45

3.3.3 Regime da participação final nos aquestos ... 46

3.3.3.1 Administração dos bens... 47

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3.3.4.1 Regime da separação obrigatória de bens ... 48

3.3.4.2 Regime da separação convencional de bens ... 50

4 OS REGIMES DE BENS NO DIREITO SUCESSÓRIO DO CÔNJUGE ... 52

4.1 DO DIREITO CONCORRENCIAL ... 52

4.1.1 Casos de exclusão do direito concorrencial ... 57

4.1.1.1 Separação obrigatória de bens ... 58

4.1.1.2 Comunhão universal ... 59

4.1.2 Casos em que há o direito concorrencial ... 62

4.1.2.1 Participação final nos aquestos ... 62

4.1.2.2 Comunhão parcial de bens ... 64

4.1.2.3 Separação convencional de bens ... 72

5 CONCLUSÃO ... 77

REFERÊNCIAS ... 79

ANEXOS ... 89

ANEXO A – DIVERGÊNCIAS ACERCA DO DIREITO CONCORRENCIAL DO CÔNJUGE... 90

ANEXO B - PROJETOS DE LEI ACERCA DA CONCORRÊNCIA SUCESSÓRIA DO CÔNJUGE ... 93

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende demonstrar, especificamente, os reflexos dos regimes de bens no direito sucessório do cônjuge e, consequentemente, as divergências doutrinárias e jurisprudenciais que envolvem a matéria.

Para isto, o método de abordagem utilizado é o dedutivo, o de procedimento é o histórico e monográfico, e as técnicas de pesquisa são a bibliográfica, por meio de doutrinas, e a documental, com consultas à legislação e jurisprudência.

O tema teve origem no dia-a-dia de um Tabelionato de Notas, onde são realizados inventários extrajudiciais, que é um meio pelo qual é formalizada a partilha dos bens deixados pelo de cujus.

Para que se possa procedê-la e recolher os devidos impostos e taxas, é necessário distinguir os bens que compõem a meação do casal e o patrimônio particular de cada qual, o que é realizado através da aplicação das normas referentes ao regime de casamento. Feito isso, verifica-se o que compõe a herança do de cujus.

Composta a herança, torna-se necessário saber quem são os herdeiros, e quais serão vocacionados, o que ocorre em conformidade com a ordem descrito no artigo 1.829 do Código Civil.

O cônjuge participa sozinho da terceira classe, onde herda a totalidade da herança. Na segunda, estão os ascendentes em concorrência com o viúvo e na primeira os descendentes também com direito concorrencial ao sobrevivo.

O chamamento da primeira classe é o mais comum no dia-a-dia do Cartório de Notas. Dessa forma, geralmente a herança é transmitida aos filhos e é provável que o falecido tenha deixado vivo um consorte. Sendo assim, necessário aplicar as polêmicas regras do direito concorrencial estabelecida pelo incido I do art. 1.829 do CC.

A discussão funda-se no condicionamento da concorrência do cônjuge com os descendentes ao regime de bens adotado no casamento, visto que a forma como foi redigido o texto legal abriu margem para diversas interpretações.

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Diante deste fato, várias são as correntes doutrinárias acerca da influência do regime de bens adotado pelos cônjuges no direito sucessório. Os entendimentos jurisprudenciais também não são consolidados, o que ocasiona insegurança jurídica a respeito da matéria, por não se saber qual solução será adotada no caso concreto, evidenciando, assim, a importância do estudo do tema.

Para a análise das controvérsias é necessário o estudo prévio de alguns assuntos gerais e por isso este trabalho será estruturado em cinco seções, sendo a primeira a presente introdução e a última a conclusão.

A segunda seção visa à compreensão geral acerca do direito sucessório do cônjuge. Para tanto, abrange a evolução histórica, os requisitos de legitimidade para suceder e a sua classificação como herdeiro legítimo necessário. Além de diferenciar sucessão, herança e meação, três institutos de grande relevância para este trabalho.

Posteriormente, na seção seguinte, são apresentados os regimes de bens presentes no ordenamento jurídico brasileiro, seus princípios e normas aplicáveis.

Por fim, na quarta seção é alcançada a finalidade desta monografia, em razão da análise dos reflexos dos regimes de bens no direito sucessório do cônjuge sobrevivente. Aqui são incluídos os diversos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais acerca da matéria, bem como seus fundamentos.

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2 O DIREITO SUCESSÓRIO DO CÔNJUGE

O presente capítulo tem como objetivo fazer um apanhado acerca do direito sucessório do cônjuge. Para tanto será abordada a evolução histórica, até chegar a sua condição atual: herdeiro legítimo necessário integrante da terceira classe com direito concorrencial nas duas primeiras. Além disso, ao sobrevivo também é garantido o direito real de habitação. Todavia, para que lhe seja assegurado tais direitos, é necessário que preencha os requisitos de legitimidade do artigo (art.) 1.830 do Código Civil (CC). Por fim, será diferenciada sucessão, herança e meação, institutos dessemelhantes atribuídos ao cônjuge e que não podem ser confundidos.

2.1 HISTÓRIA DO CÔNJUGE COMO HERDEIRO

A figura do cônjuge no direito das sucessões sofreu grandes alterações ao longo das legislações.

No Brasil, os primeiros relatos do viúvo como herdeiro são das Ordenações Filipinas, época do Brasil Colônia, onde participava “em quarto lugar na linha sucessória, somente herdando os bens deixados pelo consorte se este não houvesse deixado descendentes, ascendentes ou colaterais até o décimo grau e, ao tempo do falecimento, vivessem juntos sob o mesmo teto.” (BIAZI; CURY NETO, 2013, p. 63).

No período imperial, desenvolveu-se a Consolidação das Leis Civis, em 1858, que manteve a mesma ordem de sucessão das Ordenações Filipinas e considerava como herdeiros necessários os ascendentes e descendentes com capacidade para suceder. (OLIVEIRA, 2009).

A ordem sucessória foi alterada com a Lei Feliciano Pena (Lei n. 1.839, de 1907) quando o cônjuge passou a preferir aos colaterais (WALD, 2012).

Em 1916, foi promulgado o Código Civil (Lei nº 3.071 de 1916) (CC/16), que, de acordo com Veloso (2010, p. 19),

manteve as soluções da Lei Feliciano Pena, expondo, no art. 1.603, a ordem da vocação hereditária e afirmando, no art. 1.611, que à falta de

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descendentes ou ascendentes seria deferida a sucessão ao cônjuge sobrevivente, se, ao tempo da morte do outro, não estavam desquitados (com a Lei do Divórcio, o dispositivo passou a dizer: ‘se não estava dissolvida a sociedade conjugal’).

Dessa forma, “o cônjuge sobrevivente, no Código de 1916, é herdeiro legítimo, mas facultativo, não necessário, ocupando o terceiro lugar na ordem da vocação hereditária.” (VELOSO, 2010, p. 20).

O Estatuto da Mulher Casada (Lei nº 4.121/1962) trouxe melhorias para o cônjuge sobrevivente, pois, com ele

foram introduzidos benefícios decorrentes do casamento, mantida a destinação patrimonial em favor de outras classes (descendentes e ascendentes), consistentes no usufruto vidual1 ou direito real de habitação2 ao viúvo, dependendo do regime de bens do casal. (CAHALI, 2014, p. 187). Com essas benesses, em 1962 foi instaurada no ordenamento jurídico a concorrência do viúvo com seus descendentes e ascendentes “mas concorrência em usufruto, não em propriedade.” (VELOSO, 2010, p. 21).

Em 1977, foi aprovada a Lei nº 6.515 (Lei do Divórcio), que, além de possibilitar a dissolução da sociedade conjugal através do divórcio, alterou o regime legal de bens para o da comunhão parcial (art. 2º, IV e art. 50, 7, da Lei nº 6.515/77, respectivamente).

Consoante pondera Wald (2012, p. 115), “à medida que se afasta o regime comunitário pleno, torna-se necessário fortalecer a posição sucessória do cônjuge, a fim de evitar um verdadeiro enriquecimento sem causa por parte de terceiros.”

1 O usufruto vidual visava não deixar o viúvo desamparado. Estava descrito no art. 1.611, §1º, do

CC/16 e previa que “se convocados descendentes, o viúvo terá direito ao usufruto sobre ¼ dos bens inventariados; se chamados os ascendentes, amplia-se o usufruto a ½ do patrimônio, prolongando-se este direito até que venha a constituir nova família (casamento ou união estável) [...]. O pressuposto legal é ter contraído núpcias pelo regime que não era o da comunhão universal, ou seja, o da separação total ou da comunhão parcial, pois, para a primeira situação, por presunção, o viúvo já estará protegido materialmente pela meação a que tem direito.” (CAHALI, 2014, p. 229-230).

2 O direito real de habitação estava previsto no §2º do art. 1.611 do CC/16: “Ao cônjuge sobrevivente,

casado sob o regime da comunhão universal, enquanto viver e permanecer viúvo será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habilitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar.” (BRASIL, 1916). Será posteriormente abordado, pois assegurado no art. 1.831 do atual Código Civil.

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Sendo assim, em 2002, foi promulgado o novo Código Civil, que incluiu o sobrevivente no rol dos herdeiros necessário (art. 1.845) e, ainda, instituiu o regime concorrencial com os descendentes e ascendentes (art. 1.829). (VELOSO, 2010).

O usufruto vidual, por sua vez, foi extinto no Novo Código Civil. “No entanto, como forma compensatória pela perda do usufruto vidual, o cônjuge e o companheiro passaram a ter uma porção da herança, em concorrência direta com os descendentes e os ascendentes.” (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 208).

A concorrência sucessória foi instituída na legislação civil com base no planejamento sucessório realizado pelos cônjuges na segunda metade do século XX, ainda na vigência do Código Civil de 1916, quando o casal deixava testamentos recíprocos, por exemplo. Com isso, deixavam sua parte disponível para o sobrevivente, caso existissem herdeiros necessários, de forma que ao viúvo ficava assegurado 75% do patrimônio (a meação mais a herança). (BARBOSA; GROENINGA, 2005).

Acerca de tal ato, ressalta-se que era realizado na época em que “a configuração familiar era clássica. Assim, a família era constituída apenas pelo casamento, este, quase em significativa maioria, era regido pelo regime legal da comunhão universal de bens, com filhos comuns.” Por conseguinte, os herdeiros do sobrevivente eram os mesmos do herdeiro do falecido, de forma que a herança chegaria as mesmas pessoas, porém um pouco depois. (BARBOSA; GROENINGA, 2005, 154).

Na visão de Caio Pereira (2015b)

O novo Código Civil representa o ponto de chegada de uma lenta evolução: além de afirmar textualmente sua qualidade de herdeiro necessário (art. 1.845) – assegurando-lhe, com isso, a legítima (art. 1.846) -, pôs o cônjuge em situação destacada, no que diz respeito a ordem de vocação hereditária, permitindo-lhe ser chamado a receber propriedade (e não mero usufruto), em concorrência com os descendentes e ascendentes – no primeiro caso, porém, a depender do regime de bens do casal (art. 1.829, nº I).

O Código Civil de 2002 é a legislação que está em vigor no campo do direito sucessório e, com isso, chega-se a atual situação do cônjuge sobrevivente no momento da sucessão, o que será estudado a seguir.

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2.2 O CÔNJUGE COMO HERDEIRO NO CÓDIGO CIVIL DE 2002

Do exposto no item anterior, depreende-se que o direito sucessório do cônjuge sobrevivente no Código Civil de 2002 teve uma evolução significativa, pois além de classificado como herdeiro necessário e instituído o direito concorrencial com os descendentes e ascendentes, foi mantido o direito real de habitação. Entretanto, para assumir a condição de herdeiro e, consequentemente, ter esses direitos, é necessário que preencha os requisitos do art. 1.830 do próprio CC.

2.2.1 Requisitos de legitimidade do cônjuge para suceder

Os requisitos de legitimidade do cônjuge para suceder, contidos no art. 1.830 do CC, devem ser preenchidos sob pena de não reconhecimento do direito à herança do sobrevivo em qualquer caso, isto é, nas hipóteses de concorrência com os descendentes e ascendentes (art. 1.829, I e II, CC), e na condição de herdeiro da terceira classe (art. 1.829, III). (VELOSO, 2010). Prevê o dispositivo:

Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente. (BRASIL, 2002).

Este artigo contempla três hipóteses em que é afastado o direito sucessório do sobrevivente: 1) no caso de separação/divórcio; 2) na separação de fato por dois anos; e 3) na separação de fato além de dois anos por culpa do sobrevivente. (ANTONINI, 2015).

Pelo descrito no dispositivo em análise, tem-se que “para o cônjuge preservar a qualidade de herdeiro, é preciso que a sociedade conjugal tenha persistido até o falecimento do outro.” (DIAS, 2015, p. 150).

Ainda acerca do supracitado artigo, pondera Venosa (2013, p. 2131) que “o presente dispositivo é de vital importância, mas redigido de forma prolixa e complexa. Sem que se reconheça legitimidade ao cônjuge sobrevivente para suceder, não se lhe pode atribuir a condição jurídica de herdeiro.”

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À vista disso, cada requisito será abordado de maneira pormenorizada, desmembrado em: separação judicial e separação de fato.

2.2.1.1 Separação judicial

A separação judicial é uma situação que afasta a legitimidade do cônjuge para suceder. Sobre isso, assevera Rodrigues (2003, p. 115):

Realmente, se o casal está separado judicialmente, se, ao tempo da morte do outro, já se encontrava dissolvida a sociedade conjugal, não há razão para que o cônjuge sobrevivente seja chamado à sucessão legítima. Com maior razão, se o casal estava divorciado, quer se trate de divórcio por conversão ou divórcio direto, pois, sendo assim, não só a sociedade conjugal se encontra dissolvida, como extinto o próprio vínculo matrimonial (CC, art. 1.571, § 1º).

Este é o entender da jurisprudência:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO À SUCESSÃO HEREDITÁRIA. CÔNJUGE SUPÉRSTITE SEPARADA JUDICIALMENTE À ÉPOCA DO FALECIMENTO DO DE CUJUS. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.830 DO CC. AGRAVO IMPROVIDO. Se à época do falecimento do de cujus a recorrente encontrava-se separada judicialmente do mesmo, a ex-esposa não faz jus ao ingresso na sucessão hereditária do falecido. (MATO GROSSO DO SUL, 2015).

No caso, o juiz indeferiu a inclusão na demanda da agravante por falta de legitimidade, vez que na certidão de óbito estava qualificado como “separado judicialmente”. A agravante alegou que tinha de ser incluída em virtude do regime pactuado com o falecido: comunhão universal de bens. Entretanto, o recurso foi desprovido por unanimidade, pois, conforme voto do relator Desembargado Sérgio Fernandes Martins, “para efeitos de aplicação do artigo supratranscrito, não há diferença quanto ao regime de comunhão de bens em que eram casados os cônjuges, porquanto a norma é silente nesse sentido.” (MATO GROSSO DO SUL, 2015). Dessa forma, como na data do óbito o casal já se encontrava separado judicialmente, não há o direito de participar da herança do falecido.

Acrescenta Veloso (2010) que a ilegitimidade para suceder se aplica também à separação e ao divórcio extrajudiciais, instituídos pela Lei nº 11.441/07, por uma interpretação lógica e sistemática do art. 1.830 do CC.

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Conforme explana Gonçalves (2015), para que o sobrevivente não tenha legitimidade para suceder, é necessário que tenha ocorrido a homologação da separação judicial consensual ou o trânsito em julgado da litigiosa ou do divórcio direto. No caso do meio extrajudicial, a escritura pública produzirá seus efeitos imediatamente após a sua lavratura. Diferentemente entende Gomes (2015, p. 66) que descreve que a “separação judicial pendente de recurso já é suficiente para excluir o cônjuge sobrevivo da sucessão do outro.”

Seja qual for o entendimento, em ambos o “fato é objetivo e comprova-se documentalmente.” (VENOSA, 2015, p. 149). Por isso, não abre margem para grandes discussões, diferentemente da separação de fato.

2.2.1.2 Separação de fato

O afastamento do direito sucessório do cônjuge em decorrência da separação de fato é inovação do Código Civil de 2002 (RODRIGUES, 2003).

Na lição de Gonçalves (2016), tal foi inserido porque o STJ já vinha firmando o entendimento de que a affectio societatis estava extinta com a separação de fato do casal e, com isso, os bens a partir dali adquiridos não eram mais comunicados.

Dessa forma, com a separação de fato está desfeita a sociedade conjugal e, por isso, sua inclusão para obstar a condição de herdeiro do sobrevivente. (RIZZARDO, 2015).

Entretanto, o art. 1.830 condiciona a perda da legitimidade de suceder na separação de fato a outros dois fatores: que tenha ocorrido há mais de dois anos ou que tenha se dado por culpa do sobrevivente.

2.2.1.2.1 Tempo

O art. 1.830 do CC descreve “[...] nem separado de fato há mais de dois anos [...]” (BRASIL, 2002), com isso “se estiver separado de fato há menos de dois

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anos, a contrario sensu da literalidade da norma em comento, não perderá tal direito” (CARVALHO, 2015, p. 361).

Este requisito temporal simboliza um “terreno arenoso onde ingressa o legislador em razão da nova codificação civil e que se apresenta altamente polêmico, quando confrontado com a torrente interpretação jurisprudencial que consagra efeitos jurídicos à fática separação.” (MADALENO, 2016). E, ainda:

não faz sentido que o novo Código Civil reclame ainda dois longos anos de fatual separação (art. 1.830 do novo Código Civil), para só depois deste lapso de tempo afastar da sucessão o cônjuge sobrevivente. Ora, se não sobreviveu o casamento no plano fático, não há nexo em estendê-lo por dois anos no plano jurídico, apenas porque não foi tomada a iniciativa da separação judicial ou do divórcio. (MADALENO, 2016).

Nesse sentido também escreve Cahali (2014, p. 205), afirmando que a previsão temporal está “em desarmonia com outras regras do próprio Código Civil, como aquela que permite a caracterização de união estável mesmo se um dos companheiros for casado, desde que separado de fato, sem referência a prazo (CC, art. 1.723, §1º) [...]”.

Na visão de Carvalho (2015, p. 364), outro fator que interfere neste requisito temporal é a edição da Emenda Constitucional (EC) 66/2010 que alterou o §6º do art. 226 da Constituição Federal (CF), instituindo o divórcio direto, sem necessidade de haver prévia separação. Com isso, para o autor, demonstra-se

razoável afirmar que, na atualidade, por incompatibilidade do texto constitucional com a redação do art. 1.830 do Código Civil, é possível ler-se a regra em questão do seguinte modo: ‘somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato de modo inequívoco’.

O Tribunal de Justiça de Rondônia, ao julgar o Agravo de Instrumento nº 0002478-70.2015.8.22.0000, excluiu a condição de herdeiro do companheiro que estava separado há 76 dias e pretendia ter seu direito sucessório reconhecido com base no art. 1.830 do CC. Contudo, tal alegação não prosperou e o recurso foi julgado improvido por unanimidade. O relator Desembargador Isaias Fonseca Moraes na fundamentação de seu voto alegou:

[...]por meio de uma interpretação teleológica e sistemática, pode-se aferir que, apesar de vigente, o art. 1.830 do Código Civil deixou de possuir

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eficácia social. A mens legis do citado dispositivo legal fundava-se nas hipóteses de fim do matrimônio à época de sua vigência, todavia, com o advento da EC n. 66/2010 tornou-se inócua a norma nele inserta, na medida em que o divórcio dissolve o casamento, inexistindo, portanto, separação judicial e necessidade de decurso de prazo. (RONDÔNIA, 2015).

Dessa forma, apesar do caso concreto tratar de união estável, o relator ponderou acerca da desnecessidade do decurso do tempo da separação no casamento para afastar o direito sucessório do sobrevivente, entendendo, assim, pela inaplicabilidade do requisito temporal do dispositivo.

Esse também é o entender de Dias (2015, p. 160): “independentemente do tempo da cessação da conjugalidade, quando do falecimento de um, o outro não é herdeiro, não faz jus nem à herança nem ao direito de concorrência. O permissivo legal a este absurdo está revogado (art. 1.830).” Isto porque a jurisprudência firmou parecer “de que a separação de fato rompe o casamento, não mais produzindo efeitos patrimoniais. O fim do instituto da separação, o desaparecimento da culpa e a Emenda Constitucional 66/2010 roboram esse entendimento.” E, ainda:

Admitir a possibilidade de o cônjuge herdar quando o casal já está separado de fato é perpetuar os efeitos do casamento para depois do seu fim. Não há como assegurar direito hereditário a quem nem mais cônjuge era. Tal afronta princípio ético dos mais elementares, além de gerar o enriquecimento sem causa, pois o ex-cônjuge herdaria o patrimônio amealhado depois da separação. (DIAS, 2015, p. 150).

Entretanto, apesar do exposto, ainda há decisão jurisprudencial decidindo pela necessidade da comprovação do tempo para separação de fato para se afastar o direito sucessório:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. EXCLUSÃO DE HERDEIRO. SEPARAÇÃO DE FATO. ANÁLISE DOS FATOS. ART. 1.830 DO CC. MATÉRIA TÍPICA DE DIREITO DE FAMÍLIA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA 4ª VARA DE FAMÍLIA DA COMARCA DE CAMPINA GRANDE, JUÍZO SUSCITADO. Versando a discussão acerca da qualidade de herdeiro, há de ser analisada perante a vara de família, de sorte que é o juízo competente para verificar a existência da separação de fato ocorrida há mais de dois anos, e o consequente reconhecimento da exclusão do ex-cônjuge sobrevivente da linha sucessória da falecida. (PARAÍBA, 2015).

O julgado trata de conflito negativo de competência suscitado pela Vara de Sucessões em face da de Família. Apesar da indagação versar sobre a condição ou não de herdeiro, esta ocorre em razão da dissolução da sociedade conjugal, devendo ser verificado o tempo da separação de fato para, em consequência, definir

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a condição de herdeiro. Dessa forma, apesar de tratar-se apenas de conflito de competência, o Tribunal entendeu pela necessidade da comprovação temporal da separação.

Sendo assim, o fator tempo ainda gera discussões acerca da sua aplicabilidade e, da mesma forma, ocorre com o pressuposto da culpa.

2.2.1.2.2 Culpa

O art. 1.830, em sua parte final, permite o reconhecimento do direito sucessório do cônjuge mesmo que separado de fato há mais de dois anos se a ruptura ocorreu por culpa do falecido. É o que tem se chamado de culpa mortuária ou funerária. (FARIAS; ROSENVALD, 2015).

Nos dizeres de Gonçalves (2016, p. 184), a inexistência da culpa é:

uma exceção, permitindo que o cônjuge sobrevivente seja chamado à sucessão, ainda que o casal estivesse separado de fato há mais de dois anos, se provar que a convivência conjugal se tornara impossível sem culpa dele, isto é, que o responsável pela separação de fato foi o de cujus. Entretanto, tal requisito é objeto de diversas críticas doutrinárias.

Na lição de Cahali (2014), a previsão da culpa nesse dispositivo mostra-se obsoleta, vez que o divórcio direto é permitido independente do motivo da ruptura.

Dias (2015, p. 150-151) descreve como “fora de propósito deferir a herança ao cônjuge sobrevivente, independentemente do prazo da separação, pelo só fato de não ter sido responsável pelo rompimento da vida comum. [...] a EC 66/2010, ao acabar com a separação, pôs um ponto final na culpa.”

Também critica o requisito da culpa Nevares (2015, p. 91):

mais grave é condicionar a exclusão do cônjuge separado de fato da sucessão à ausência de culpa na separação, uma vez que tal previsão normativa introduziu elemento de difícil comprovação, que há muito é criticado pela melhor doutrina e jurisprudência do Direito de Família.

E, ainda, Antonini (2015, p. 2108) sustentando ser ilógico discutir a culpa no “aspecto secundário do casamento, que é a subsistência de vínculo sucessório,

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quando não é mais admitida em relação ao principal, que é a manutenção do próprio vínculo do casamento.”

Por fim, conclui Oliveira (2009, p. 131) asseverando que o legislador deveria ter afastado o direito sucessório “tão só pela comprovada separação de fato, sem perquirição de sua causa, em vista dos efeitos jurídicos da ruptura da vida em comum com relação ao término da sociedade conjugal e do próprio casamento.”

A jurisprudência tem entendido pela inaplicabilidade da parte final do art. 1.830:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE PARTILHA. CASAL QUE SE ENCONTRAVA SEPARADO DE FATO AO TEMPO DO FALECIMENTO DO CÔNJUGE VIRAGO. PRETENSÃO DA CÔNJUGE SOBREVIVENTE DE PARTILHA DE IMÓVEL ADQUIRIDO PELO "DE CUJUS". ALEGAÇÃO DE QUE O CASAL NÃO SE ENCONTRAVA SEPARADO DE FATO QUANDO DA AQUISIÇÃO DO IMÓVEL. ELEMENTOS PROBATÓRIOS QUE DEMONSTRAM O CONTRÁRIO. SEPARAÇÃO DE FATO. RUPTURA DA VIDA EM COMUM. INCOMUNICABILIDADE DOS BENS ADQUIRIDOS POSTERIORMENTE.INAPLICABILIDADE DO DISPOSTO NA PARTE FINAL DO ART. 1.830 DO CÓDIGO CIVIL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (PARANÁ, 2012).

Neste caso, a viúva interpôs recurso de apelação por ter sido julgada improcedente a ação anulatória de partilha, em que a apelante buscava ter direito sucessório sobre o bem adquirido em nome do falecido. Quando da aquisição do imóvel, o casal já estava separado de fato, entretanto a apelante alega ter direito sobre o bem vez que a separação de fato ocorreu por culpa do de cujus. Este não foi o entendimento do Tribunal de Justiça que desproveu o apelo. Em seu voto, fundamentou o relator:

[...] ainda que a parte final do art. 1.830 do Código Civil assegure, pelo longo período de dois anos, o direito sucessório de quem não foi o culpado pela separação, entendo que tal não se aplica, uma vez que se considera rompido o casamento quando cessa a convivência, independente de quem seja o culpado pelo término do relacionamento. (PARANÁ, 2012).

Entretanto, tal entendimento ainda não é consolidado. No Tribunal de Justiça de Santa Catarina há decisão acerca do conflito de competência entre a Vara Cível e a de Família:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE PETIÇÃO DE HERANÇA. RECONHECIMENTO DA QUALIDADE DE HERDEIRA DA CÔNJUGE SOBREVIVENTE SEPARADA DE FATO HÁ MAIS DE 2 ANOS

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DO AUTOR DA HERANÇA. NECESSÁRIA ANÁLISE DA CULPA PELA SEPARAÇÃO ART. 1.830 DO CC. MATÉRIA TÍPICA DE DIREITO DE FAMÍLIA. ART. 96, I, "a", CDOJESC. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITANTE. CONFLITO NÃO ACOLHIDO. Tendo em vista que a demanda proposta visa ao reconhecimento da qualidade de herdeira da cônjuge sobrevivente, que se encontrava separada de fato do autor da herança há mais de 2 anos, necessário se faz, a fim de solucionar a lide,

perquirir acerca da culpa pela separação (art. 1.830 do Código Civil),

matéria esta típica de Direito de Família. Assim, nos termos do disposto no art. 96, I, "a", do Código de Divisão e Organização Judiciária do Estado de Santa Catarina, a competência para o processamento e julgamento da causa é do Juízo de Direito da Vara da Família. (SANTA CATARINA, 2014, grifo nosso).

No caso sub examine, a Juíza da Vara de Família suscitou conflito negativo de competência por entender que a Vara Cível seria a competente para julgar a ação de petição de herança. Como no caso o casal estava separado de fato a mais de dois anos, o Juiz suscitado declinou porque, para a solução do caso, seria necessário análise da culpa da separação, questão que deve ser resolvida pela Vara de Família. E assim entendeu o Tribunal de Justiça, afirmando o relator em seu voto que “provando o cônjuge sobrevivente que a separação de fato não se deu por culpa sua, se-lhe-á reconhecido o direito sucessório.” (SANTA CATARINA, 2014). Com isso, percebe-se que ainda é debatida a questão da culpa no direito sucessório, mesmo com várias críticas a seu desfavor.

Outro ponto criticado pela doutrina é quem deverá comprovar a culpa, já que a lei silencia a respeito.

Para Caio Pereira (2015b), o ônus da prova é do sobrevivente que deseja ter reconhecido o seu direito sucessório. Por outro lado, Oliveira (2009) entende que cabe aos terceiros interessados, que são os herdeiros concorrentes ou colaterais, pois ao viúvo basta se habilitar como herdeiro mediante comprovação de que era cônjuge do falecido, cabendo, então, aos interessados comprovar que a separação se deu por culpa do sobrevivente.

O Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão, entendeu que o ônus da prova cabe ao sobrevivente, pois, conforme voto da relatora, “a sucessão do cônjuge separado de fato é exceção à regra geral, devendo o cônjuge separado há mais de dois anos suceder apenas se comprovar que a convivência se tornara impossível sem culpa sua.” (BRASIL, 2015d). Segue ementa:

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RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. SUCESSÕES. CÔNJUGE SOBREVIVENTE. SEPARAÇÃO DE FATO HÁ MAIS DE DOIS ANOS. ART. 1.830 DO CC. IMPOSSIBILIDADE DE COMUNHÃO DE VIDA SEM CULPA DO SOBREVIVENTE. ÔNUS DA PROVA.

1. A sucessão do cônjuge separado de fato há mais de dois anos é exceção à regra geral, de modo que somente terá direito à sucessão se comprovar, nos termos do art. 1.830 do Código Civil, que a convivência se tornara impossível sem sua culpa.

2. Na espécie, consignou o Tribunal de origem que a prova dos autos é inconclusiva no sentido de demonstrar que a convivência da ré com o ex-marido tornou-se impossível sem que culpa sua houvesse. Não tendo o cônjuge sobrevivente se desincumbido de seu ônus probatório, não ostenta a qualidade de herdeiro.

3. Recurso especial provido. (BRASIL, 2015d).

Para afastar as controvérsias do art. 1.830 do CC, Delgado (2010, p. 139) apresenta a seguinte solução: a culpa do falecido só pode ser invocada caso a alegação e a comprovação tenha sido feita antes do passamento, ou seja, o cônjuge que deseja alegar inocência na separação de fato deve “haver proposto, quando ainda vivo o suposto culpado, qualquer medida judicial apta a comprovar a causa da impossibilidade da continuidade da vida em comum”, pois, assim, o de cujus teve oportunidade de defesa. Como exemplo, cita a condenação criminal por lesão corporal ou a comunicação de desaparecimento em caso de abandono do lar conjugal.

Entretanto, ainda assim este argumento/solução não combate as críticas ao requisito culpa, pois o que se discute é que algo ultrapassado no direito de família, não deve ser usado como pressuposto para concessão do direito sucessório. Conforme salienta Madaleno (2016):

Não mais pode interessar ao direito, como em retrocesso faz o artigo 1.830 do novo Código Civil, tentar demonstrar que o sobrevivente não foi culpado pela separação de fato. Importa o fato da separação e não a sua causa, pois a autoria culposa não refaz os vínculos e nem restaura a coabitação, mote exclusivo da hígida comunicação de bens. A prova judicial de o cônjuge sobrevivente haver sido inocentemente abandonado pelo autor da herança ou sair pesquisando qualquer causa subjetiva da separação fatual, para caçar culpa de uma decisão unilateral, é mais uma vez, andar na contramão do direito familista brasileiro que desde a Lei do Divórcio e 1977 já havia vencido estes ranços culturais. [...] Sem considerar que inventários não comportam instrução processual, obrigando herdeiros e meeiros a sustarem o inventário e litigarem em processo apartado e conexo, a inocência ou a culpa do defunto pela fática separação, a quem já haviam rendido as derradeiras homenagens e desejado que descansasse em paz.

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Por todo o exposto, demonstra-se intensa crítica à subordinação da existência ou não do direito sucessório do viúvo a situações subjetivas que já se mostraram como ultrapassadas, vez que a culpa e o tempo não mais possuem relevância para o fim do casamento.

O preenchimento dos requisitos de legitimidade garante ao sobrevivo o direito a sua participação na herança, recebendo a propriedade dos bens. Não obstante, ainda lhe é assegurado o direito real de habitação, conforme previsto no art. 1.831 do CC.

2.2.2 Direito real de habitação

O direito real de habitação já estava previsto no Código Civil de 1916 e se manteve no de 2002, conforme previsão do art. 1.831:

Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

Trata-se, pois, de proteção ao viúvo, “garantindo-lhe direito de habitação do único imóvel que compõe a herança e sirva de residência para a família.” A finalidade do instituto é evitar o desamparo do cônjuge sobrevivente e assegurar “que eventual partilha dos bens possa privar o sobrevivente de morar com a mesma dignidade de que desfrutava durante a constância da sociedade conjugal.” (NERY JUNIOR; NERY, 2014, p. 2096).

Sendo assim, o viúvo tem o direito de permanecer residindo no mesmo local ainda que não seja mais o proprietário da totalidade do imóvel. Isto impede, por exemplo, que os atuais proprietários/condôminos possam cobrar aluguel proporcional pelo uso daquele bem ou sua posse direta. (COELHO, 2016; CAHALI, 2014).

O sobrevivente terá este direito sempre que não receber a totalidade da herança como sucessor legítimo, vez que não se pode constituí-lo em coisa própria e ser-lhe-á assegurado independentemente do regime de bens do casamento. Entretanto “a condição que se impõe a sua atribuição é tratar-se de imóvel único destinado à residência da família [...]”. (GOMES, 2015, p. 67).

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Consequentemente, “se outros imóveis existirem no inventário, também destinados à residência da família, ficará privado o cônjuge sobrevivente do direito real de habitação sobre qualquer deles [...]”. (CAHALI, 2014, p. 203).

A tutela é assegurada qualquer que seja o regime de bens por se tratar, em última análise, de repeito ao direito constitucional à moradia (art. 6º da CF), não fazendo sentido, então, em condicioná-la a tal instituto, como era no Código anterior3. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015).

Na lição de Cahali (2014, p. 202-203):

a habitação deferida em favor do viúvo é um direito personalíssimo e resolúvel, extinguindo-se com a morte do titular. Impede a fruição ampla, assim entendida a possibilidade de alugar, ceder em comodato etc., mas apenas compreende o direito de continuar utilizando diretamente a residência, sem qualquer ônus perante os titulares do domínio.

Acerca da duração do referido direito há divergência. Alguns entendem que o gravame extingue-se apenas com a morte do cônjuge, como Gomes (2015) e Cahali (2014). Já para outros, além do falecimento, há a possibilidade de extinção pelo término do estado de viuvez ou formação de união estável, como Diniz (2015) e Gagliano e Pamplona Filho (2015).

O direito real de habitação garante o uso do bem para a moradia do cônjuge. Todavia, além desta garantia, o viúvo é elencado como herdeiro necessário, o que o assegura a propriedade de quota parte dos bens por meio da legítima.

2.2.3 O cônjuge como herdeiro legítimo necessário

Herdeiros legítimos e necessários não se confundem, “todo herdeiro necessário é legítimo, mas nem todo herdeiro legítimo é necessário também

3 Art. 1.611, §2º do CC/16: Ao cônjuge sobrevivente, casado sob o regime da comunhão universal,

enquanto viver e permanecer viúvo será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habilitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar.

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designado como legitimário, reservatário, obrigatório ou forçado.” (MONTEIRO; PINTO, 2011).

Herdeiro legítimo “é a pessoa indicada na lei como sucessor nos casos de sucessão legal, a quem se transmite a totalidade ou quota-parte da herança.” (GOMES, 2015, p. 40). Estão previstos no art. 1.829 do CC.

Herdeiros necessários, em conformidade com o que descreve o art. 1.846 do CC, são aqueles que têm resguardada metade da herança, a chamada legítima. (BRASIL, 2002). Assim, “não podem ser afastados da sucessão pela simples vontade do sucedido.” (HIRONAKA, 2014, p. 352).

É inovação do Código Civil de 2002 a caracterização do cônjuge como herdeiro necessário, juntamente com os descendentes e ascendentes (art. 1845, CC).

Essa evolução para o cônjuge no direito sucessório, de acordo com Reale (2005, p. 114), ocorreu em virtude das mudanças no Direito de Família. Ademais, explica:

Com a adoção do regime legal de separação parcial com comunhão de aquestos, entendeu a Comissão que especial atenção devia ser dada aos direitos do cônjuge supérstite em matéria sucessória. Seria, com efeito, injustificado passar do regime da comunhão universal, que importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, para o regime da comunhão parcial, sem atribuir ao cônjuge supérstite o direito de concorrer com descendentes e ascendentes. Para tal fim, passou o cônjuge a ser considerado herdeiro necessário, [...].

No mesmo sentido afirma Hironaka (2014, p. 353-354) sobre a inclusão do cônjuge no rol dos herdeiros necessário:

E nem poderia ser diferente, diante da nova ordem de vocação hereditária instituída pelo legislador civil e que traz o cônjuge concorrendo tanto na primeira quanto na segunda classe dos chamados a suceder. Nesse sentido, consequência lógica de tal modificação é a proteção da legítima também em seu favor, impedindo que a simples feitura de um testamento que dispusesse sobre a totalidade do acervo viesse a prejudicá-lo.

Dessa forma, quando existente essa espécie de sucessor, só se pode testar a metade de seus bens, ou seja, a parte disponível, pois a outra metade já lhes pertence. As únicas hipóteses em que podem ser afastados da sucessão são nos casos de indignidade (art. 1.814 do CC) ou deserdação (art. 1.961 e ss do CC). (VELOSO, 2010).

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Sendo assim, o cônjuge não mais pode ser afastado da sucessão por mera liberalidade do testador, pois é classificado como herdeiro necessário, possuindo, então, o direito à propriedade dos bens da legítima.

Entretanto, a classificação como herdeiro necessário não quer dizer, necessariamente, que o cônjuge venha a receber herança (CARVALHO, 2015), pois o chamamento para o recebimento do acervo ainda depende dos requisitos e da ordem previstos no art. 1.829 do CC, onde são elencados os herdeiros legítimos:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais. (BRASIL, 2002)

Este dispositivo descreve a relação preferencial de chamamento dos herdeiros. “Preferencial porque, em tese, a existência de herdeiros de uma classe exclui o chamamento à sucessão dos herdeiros da classe subsequente, ressalvada a situação do cônjuge, que concorre com os descendentes e com os ascendentes.” (RODRIGUES, 2003, p. 94).

Dessa forma, e em conformidade com os arts. 1.836, 1.838 e 1.8394 do CC, o patrimônio do de cujus é transmitido aos descendentes em concorrência com o cônjuge; inexistindo descendentes, aos ascendentes em concorrência com o consorte; na falta também de ascendentes apenas ao cônjuge; e, não havendo nenhum deles, aos colaterais até quarto grau.

Posto isto, tem-se que o viúvo participa da terceira classe hereditária, e, inexistindo herdeiros das duas primeiras classes, recebe a totalidade da herança, mesmo que haja algum bem clausulado de incomunicabilidade. (DIAS, 2015).

4 Art. 1.836. Na falta de descendentes, são chamados à sucessão os ascendentes, em concorrência

com o cônjuge sobrevivente.

Art. 1.838. Em falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente.

Art. 1.839. Se não houver cônjuge sobrevivente, nas condições estabelecidas no art. 1.830, serão chamados a suceder os colaterais até o quarto grau. (BRASIL, 2002).

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Nesse diapasão, decisão do Superior Tribunal de Justiça que deu provimento por unanimidade ao Recurso Especial:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DAS SUCESSÕES. BEM GRAVADO COM CLÁUSULA DE INALIENABILIDADE. CÔNJUGE QUE NÃO PERDE A CONDIÇÃO DE HERDEIRO.

1. O art. 1829 do Código Civil enumera os chamados a suceder e define a ordem em que a sucessão é deferida. O dispositivo preceitua que o cônjuge é também herdeiro e nessa qualidade concorre com descendentes (inciso I) e ascendentes (inciso II). Na falta de descendentes e ascendentes, o cônjuge herda sozinho (inciso III). Só no inciso IV é que são contemplados os colaterais.

2. A cláusula de incomunicabilidade imposta a um bem não se relaciona com a vocação hereditária. Assim, se o indivíduo recebeu por doação ou testamento bem imóvel com a referida cláusula, sua morte não impede que seu herdeiro receba o mesmo bem.

3. Recurso especial provido. (BRASIL, 2015d).

No julgado, o cônjuge sobrevivente interpôs Recurso Especial, porque o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entendeu pelo afastamento de sua condição de herdeiro em virtude da cláusula de incomunicabilidade gravada no bem, legitimando os colaterais como herdeiros. Contudo, o Superior Tribunal de Justiça reformou a decisão sob o fundamento de que este gravame se relaciona com a meação e não com a ordem de vocação hereditária. Por consequência, a habilitação dos colaterais foi indeferida, reconhecendo como sucessor o cônjuge.

Sobre o assunto, Faria (2013, p. 119) complementa que “a cláusula se extingue com o óbito do gravado.” Desta forma, este comentário aplica-se também aos casos de concorrência do cônjuge com os descendentes ou ascendentes (VELOSO, 2010).

Sendo assim, o cônjuge será vocacionado a herdar sozinho a totalidade do patrimônio, desde que inexistam herdeiros da primeira e segunda classe, lembrando ser indispensável o preenchimento dos requisitos de legitimidade do art. 1.830 do CC.

Pelo exposto e em decorrência do previsto no inciso III do art. 1.829 do CC, percebe-se que não há qualquer referência ao regime de bens quando se trata de recebimento da herança como herdeiro da terceira classe. Por consequência, neste caso o cônjuge herdará a totalidade do patrimônio independentemente do regime de bens.

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AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUCESSÃO. ART. 1829 DO CC. SE O DE CUJUS NÃO DEIXOU NEM DESCENDENTES, NEM ASCENDENTES, O CÔNJUGE É CHAMADO A SUCEDER, POIS OCUPA O TERCEIRO LUGAR NA ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA, SENDO, NESSE CASO, ABSOLUTAMENTE IRRELEVANTE O REGIME DE BENS DO CASAMENTO. INTELIGÊNCIA DOS ART. 1.829, INC. III, E ART. 1.838 DO CCB. NEGADO SEGUIMENTO. (RIO GRANDE DO SUL, 2015b). Neste caso, a habilitação dos colaterais havia sido indeferida, por isso interpuseram Agravo de Instrumento. Alegavam que deveriam ser nomeados herdeiros em virtude do casamento entre o falecido e a cônjuge ter sido realizado pelo regime da separação de bens. Todavia, foi negado seguimento ao recurso pela irrelevância do regime de bens quando o cônjuge é o único herdeiro.

Entretanto, apesar do regime de bens adotado não influenciar no recebimento da herança neste caso, ele interfere na sucessão por ser o que determina a comunicação ou não dos bens do casal, e é a partir disso que se consegue distinguir os bens integram a meação dos que fazem parte da herança. Faz-se necessário, então, diferenciar sucessão, meação e herança.

2.3 SUCESSÃO, HERANÇA E MEAÇÃO

Sucessão, herança e meação são termos distintos. Sucessão não se confunde com herança, da mesma forma que herança difere de meação.

Primeiramente, cumpre destacar a diferença entre sucessão e herança. Sucessão, em sentido amplo, “refere-se ao ato de suceder, que pode ocorrer por ato ou fato entre vivos ou por causa da morte.” (VENOSA, 2015, p. 6). Assim, sucessão significa a “transferência de bens de uma pessoa a outra [...] por vontade das partes ou em razão da morte.” (DIAS, 2015, p. 105).

Esta última, designada em sentido restrito, é a que importa ao presente trabalho, pois é por meio dela que ocorre a transmissão da herança aos herdeiros. (DINIZ, 2015).

Por sua vez, herança é “o conjunto do patrimônio do de cujus (abreviatura da expressão aquele de cuja sucessão se trata), incluindo o ativo e o passivo por ele deixados.” (ANTONINI, 2015, p. 2032) (grifo do autor).

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Em outras palavras, é “o conjunto de direitos e obrigações que se transmitem, em razão da morte, a uma pessoa, ou a um conjunto de pessoas, que sobreviveram ao falecido.” (VENOSA, 2015, p. 6).

Dessa forma, sucessão e herança não se confundem, vez que a primeira é o ato por meio do qual se transmite/recebe a segunda, que, por sua vez, é todo o patrimônio deixado pelo de cujus.

A meação, por seu turno,

É a metade de alguma coisa, isto é, o direito que se tem à metade de algo, enquanto outrem é proprietário da outra parte. A meação presume a existência de um condomínio entre duas pessoas, a existência de duas cotas iguais e é um direito inerente às sociedades conjugais. (PEREIRA, R., 2015, p. 456).

Ou seja, a meação “constitui parte da universalidade dos bens do casal de que é titular o consorte por direito próprio, de modo que tal meação do cônjuge sobrevivente é inatingível.” (DINIZ, 2015, p. 166).

Nos dizeres de Veloso (2010, p. 42-43):

A meação é figura do regime de bens, decorre dos regimes chamados comunitários: da comunhão parcial, da comunhão universal (CC, arts. 1.658, 1.660, 1.662, 1.667). A meação não integra o direito sucessório pois pré existe à morte, pertence ao cônjuge por direito próprio, é efeito do regime de bens do casamento. O cônjuge meeiro já é titular da metade ideal dos bens, já é meeiro e não se torna meeiro porque o outro morreu; a viúva (ou o viúvo) pode ser meeira e não ser herdeira – ser herdeira sem ser meeira, e pode ser meeira e herdeira, vai depender do caso.

A condição de herdeiro ou meeiro do cônjuge sobrevivente é relevante, pois “tem reflexos no campo fiscal, uma vez que o imposto de transmissão causa mortis tem incidência apenas sobre a cota recebida como herança.” (OLIVEIRA; AMORIM, 2008, p. 103).

Posto isto, tem-se que herança e meação são institutos distintos, visto que a primeira é o patrimônio deixado pelo falecido, enquanto a segunda é direito do cônjuge em decorrência do regime de bens adotado no casamento. Sendo assim, é necessário estudar os regimes de bens para se verificar a extensão da meação e, consequentemente, a parte do monte que corresponderá à herança.

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3 DOS REGIMES DE BENS

O regime de bens é instituto de direito de família, previsto no Código Civil Brasileiro, que regula a relação patrimonial entre os cônjuges. Para se verificar sua influência no direito sucessório do viúvo, faz-se necessário analisar, primeiramente, as diversas espécies presentes no ordenamento jurídico brasileiro, bem como os princípios e as normas aplicáveis para cada um deles.

3.1 PRINCÍPIOS DOS REGIMES DE BENS

Os princípios que regem os regimes de bens, segundo Tartuce (2016a) são: variedade de regime de bens, autonomia privada, indivisibilidade do regime de bens e mutabilidade justificada.

3.1.1 Princípio da indivisibilidade do regime de bens

O princípio da indivisibilidade do regime de bens significa que é vedado aos nubentes escolher, por meio de pacto antenupcial, a aplicação de um regime para o marido e outro para a mulher ou, “em outras palavras, o regime é único para ambos os consortes, em particular diante da isonomia constitucional entre marido e mulher (arts. 5.º e 226 da CF/19885) e do princípio da comunhão indivisa (art. 1.511 do CC6).” (TARTUCE, 2016a, p.129).

5 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; [...]

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...]

§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

[...] (BRASIL, 1988).

6 Art. 1.511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e

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Destarte o regime de bens seja indivisível entre os cônjuges, após escolhido, é possível que seja alterado com base no princípio da mutabilidade justificada.

3.1.2 Princípio da mutabilidade justificada

O princípio da mutabilidade justificada está disposto no art. 1.639, §2º do CC e ratificado no art. 734 do Novo Código de Processo Civil (CPC):

Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.

[...]

§ 2º É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros. (BRASIL, 2002).

Art. 734. A alteração do regime de bens do casamento, observados os requisitos legais, poderá ser requerida, motivadamente, em petição assinada por ambos os cônjuges, na qual serão expostas as razões que justificam a alteração, ressalvados os direitos de terceiros. (BRASIL, 2015a). Por meio deste princípio é possível a alteração do regime de bens, desde que preenchidos os seguintes requisitos: “a) pedido formulado por ambos os cônjuges; b) autorização judicial; c) razões relevantes; e d) ressalva dos direitos de terceiros.” (GONÇALVES, 2015, p. 448).

Em relação ao regime da separação obrigatória de bens é oportuno destacar:

[...]em uma interpretação literal, não seria possível admitir-se tal alteração. Porém, é perfeitamente possível modificar o regime de separação obrigatória de bens para outro, uma vez superadas as preocupações que levaram o legislador a coibir a liberdade de escolha. (CARVALHO, N., 2014, p.2).

Este é o entendimento do Enunciado 262 da IV Jornada de Direito Civil (2007): “arts. 1.641 e 1.639: A obrigatoriedade da separação de bens nas hipóteses previstas nos incs. I e III do art. 1.641 do Código Civil não impede a alteração do regime, desde que superada a causa que o impôs.”

Assim, é possível alteração do regime matrimonial escolhido ou imposto aos nubentes por qualquer outro previsto no ordenamento jurídico que a eles se

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demonstre mais adequado. À vista disso, a lei fornece diversas espécies de regimes, o que acarreta no princípio da variabilidade.

3.1.3 Princípio da variedade de regime de bens

O princípio da variedade de regime de bens decorre das diversas espécies de regime matrimonial previstas no Código Civil, quais sejam: comunhão universal, comunhão parcial, separação de bens e participação final nos aquestos. Sendo assim, não há imposição pela norma de um regime. (DINIZ, 2014).

Diante dessa variedade e a partir da lição de Diniz (2014), a lei permite aos nubentes a escolha do que melhor lhes aprouver (art. 1.639, CC), o que se configura no princípio autonomia privada.

3.1.4 Princípio da autonomia privada

Este princípio está inscrito no art. 1.639 do CC: “é lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.” (BRASIL, 2002).

Dessa forma, conforme explica Leite (2005, p. 296):

A liberalidade dos cônjuges no exercício da escolha é total, mas a lei impõe a necessidade da convenção – pacto antenupcial – sempre que a opção exercida difere do padrão ofertado pela lei. Em outras palavras, ou os nubentes optam por um regime integral, sem alterações, ou criam fusões, alterações, restrições ou ampliações do modelo basilar, via pacto antenupcial mediante escritura pública.

Por meio dele “há plena liberdade na escolha do regime de bens [...] Porém, essa vontade não poderá estar viciada, sob pena de se reconhecer a nulidade ou anulabilidade do pacto antenupcial.” (TARTUCE, 2016a, p. 128).

Na visão de Newton Carvalho (2014, p. 2), este princípio é derivado da variedade de regime de bens e, através dele

Permite-se aos nubentes a livre escolha do regime que lhes convier para regulamentar os interesses econômicos decorrentes do ato nupcial. Pode-se, inclusive, formar um regime misto, especial ou híbrido. É também possível a estipulação de cláusulas diversas, desde que em obediência à ordem pública, os fins e a natureza do matrimônio, conforme disposto nos

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artigos 1.639 e 1.640 do Código Civil. É no pacto antenupcial que deve ser estipulado o regime de preferência do casal.

Ainda acerca deste princípio, também denominado liberdade dos pactos antenupciais, Dimas Carvalho (2014, p. 41) acrescenta que “a exceção a este princípio é o regime da separação legal obrigatório de bens, que será obrigatório e imposto aos nubentes [...].”

Dessa forma, por meio do princípio em análise, e com exceção às situações impostas à separação de bens, a lei permite aos nubentes a escolha pelo regime de bens que melhor lhes aprouver, entretanto estabelece uma forma para tal opção: o pacto antenupcial.

3.2 PACTO ANTENUPCIAL

O pacto antenupcial é “um negócio jurídico solene, condicionado ao casamento, por meio do qual as partes escolhem o regime de bens que lhes aprouver, segundo o princípio da autonomia privada.” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, p. 313).

Consoante Dias (2011, p. 233), “o pacto antenupcial está regulado nos arts. 1.653 a 1.657 do Código Civil, mas a norma que autoriza sua celebração encontra-se entre as disposições gerais dos regimes de bens (CC 1.639).”

Para ser válido, deve ser feito por meio de escritura pública e sua eficácia fica condicionada a celebração do casamento (art. 1.653, CC). Para produzir efeitos erga omnes, é necessário, ainda, o registro no Cartório de Registro de Imóveis (art. 1.657, CC).

Na lição de Marques (2014, p. 112), “o instrumento público é da substância do ato, para garantir-lhe a segurança, autenticidade e publicidade que a situação requer.”

O art. 1.655 do CC, por sua vez, dispõe que “é nula a convenção ou cláusula que contravenha disposição absoluta de lei” (BRASIL, 2002). Exemplo disso é a “cláusula que altere a ordem de vocação hereditária, ou a que prive a mãe do poder parental [...] entre outras hipóteses contrárias ao texto legal.” (LEITE, 2005, p. 319).

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Destarte, brevemente estudado o pacto antenupcial, passa-se a análise dos regimes de bens.

3.3 REGIMES DE BENS

O casamento gera efeitos jurídicos pessoais e patrimoniais. Os primeiros dizem respeito aos direitos e obrigações entre os cônjuges, como a fidelidade e a mútua assistência, que, por não concernir ao presente trabalho, não serão exaustivamente abordados. Já os efeitos patrimoniais concretizam-se, em última análise, no regime de bens. (PEREIRA, C., 2015a).

Há necessidade de se estabelecer um regime de bens no casamento, pois

A convivência familiar enseja o entrelaçamento não só de vidas, mas também de patrimônios, tornando indispensável que fiquem definidas, antes das núpcias, as questões atinentes aos bens, às rendas e às responsabilidades de cada consorte. [...] Por isso, a lei não regulamenta somente sua celebração e dissolução. Vai além. Estabelece regras de convívio e delimita questões de ordem econômica mesmo durante a vigência do casamento. Como a família se torna titular do domínio e da posse do acervo patrimonial que a compõe, são previstos regimes de bens: modelos pré-fabricados criados pelo legislador e disponibilizados aos nubentes. (DIAS, 2011, p. 219-220).

À vista disso, conforme Diniz (2014, p. 172-173):

[...] regime matrimonial de bens é o conjunto de normas aplicáveis às relações e interesses econômicos resultantes do casamento. É constituído, portanto, por normas que regem as relações patrimoniais entre marido e mulher, durante o matrimônio. Consiste nas disposições normativas aplicáveis à sociedade conjugal no que concerne aos seus interesses pecuniários. Logo, trata-se do estatuto patrimonial dos consortes, que começa a vigorar desde a data do casamento (CC, art. 1.639, §1º) por ser o matrimônio o termo inicial do regime de bens, decorrendo ele da lei ou de pacto; logo, nenhum regime matrimonial pode ter início em data anterior ou posterior ao ato nupcial, pois começa, por imposição legal, a vigorar desde a data do casamento.

Assim, os regimes de bens são, em suma, “princípios jurídicos que disciplinam as relações econômicas entre os cônjuges, na constância do matrimônio.” (PEREIRA, C., 2015a).

As regras gerais dos regimes de bens estão previstas nos arts. 1.639 a 1.652 do CC. Conforme Tartuce (2016a), em suma, tais dispositivos descrevem o

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princípio da autonomia privada e da mutabilidade justificada (art. 1.639, CC); a determinação da comunhão parcial como o regime legal e a definição quanto à forma para a escolha de outro regime: o pacto antenupcial (art. 1.640, CC); as hipóteses em que são impostas a separação obrigatória de bens (art. 1.641, CC); os atos que os cônjuges podem praticar independentemente do regime de bens (arts. 1.642 e 1.643, CC); a solidariedade no pagamento das dívidas contraídas relacionadas à economia doméstica (art. 1.644, CC); os casos em que são necessários a outorga conjugal (art. 1.647, CC); a possibilidade do juiz suprir a outorga e a consequência na falta desta: anulabilidade do ato e a legitimidade apenas do outro cônjuge para requerer a invalidade (art. 1.648, 1.649 e 1.650, CC); e, por fim, a administração dos bens pelo outro consorte quando um não puder fazê-lo e a responsabilidade pefazê-los bens comuns (art. 1.651 e 1.652, CC).

De acordo com Dias (2011, p. 220):

a separação ou a comunhão de bens individuais, a comunicabilidade ou não do acervo amealhado depois do matrimônio é que permite diferenciar os diversos regimes de bens. Assim, antes do casamento, devem os noivos escolher um dos regimes existentes, mesclá-los, ou, ainda, criar um modelo exclusivo da forma que melhor lhes aprouver.

Assim sendo, “podemos, portanto, considerar que os regimes de bens tipificados no Código Civil são meros modelos legais existentes para a regulação da propriedade, posse e administração dos bens comuns do casal e exclusivos de cada cônjuge.” (MOREIRA FILHO; SOALHEIRO, 2014, p. 189).

Destarte, os modelos legais previstos no Código Civil são: comunhão parcial, comunhão universal, participação final nos aquestos e separação de bens; os quais passam a ser estudados.

3.3.1 Regime da comunhão parcial de bens

A comunhão parcial pode ser conceituada como “um regime de separação, quanto ao passado e um regime de comunhão quanto ao futuro – art. 1658.” (LEITE, 2005, p. 326).

É também “denominado de regime legal ou regime legal necessário, por ser o regime escolhido pela lei na ausência ou invalidade do pacto antenupcial, e

Referências

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