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"Unidade real de pensamento e ação" : teoria política e trajetória de Mikhail Bakunin

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

FELIPE CORRÊA PEDRO

“UNIDADE REAL DE PENSAMENTO E AÇÃO”:

TEORIA POLÍTICA E TRAJETÓRIA DE MIKHAIL BAKUNIN

CAMPINAS 2019

(2)

FELIPE CORRÊA PEDRO

“UNIDADE REAL DE PENSAMENTO E AÇÃO”:

TEORIA POLÍTICA E TRAJETÓRIA DE MIKHAIL BAKUNIN

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutor em Educação, na área de concentração Educação.

Orientador: Prof. Dr. Salvador Antonio Mireles Sandoval

Este trabalho corresponde à versão final da tese defendida pelo aluno Felipe Corrêa Pedro, e orientada pelo Prof. Dr. Salvador Antonio Mireles Sandoval

CAMPINAS 2019

(3)

Rosemary Passos - CRB 8/5751

Corrêa, Felipe,

P343u Cor"Unidade real de pensamento e ação" : teoria política e trajetória de Mikhail Bakunin / Felipe Corrêa Pedro. – Campinas, SP : [s.n.], 2019.

CorOrientador: Salvador Antonio Mireles Sandoval.

CorTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação.

Cor1. Bakunin, Mikhail Aleksandrovich, 1814-1876. 2. Teorias politicas. 3. Anarquismo. 4. Eslavismo. 5. Hegelianismo. I. Sandoval, Salvador Antonio Mireles, 1946-. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: "Real unity of thought and action" : political theory and trajectory of

Mikhail Bakunin

Palavras-chave em inglês:

Bakunin, Mikhail Aleksandrovich, 1814-1876 Political theories

Anarchism Slavism Hegelianism

Área de concentração: Educação Titulação: Doutor em Educação Banca examinadora:

Salvador Antonio Mireles Sandoval [Orientador] Bruno Lima Rocha Beaklini

Luciano Pereira Ricardo Musse Robert Sean Purdy

Data de defesa: 28-02-2019

Programa de Pós-Graduação: Educação

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)

- ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0002-1409-9115

- Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/5781167913738161

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TESE DE DOUTORADO

“UNIDADE REAL DE PENSAMENTO E AÇÃO”:

TEORIA POLÍTICA E TRAJETÓRIA DE MIKHAIL BAKUNIN

Autor: Felipe Corrêa Pedro

COMISSÃO JULGADORA:

Prof. Dr. Salvador Antonio Mireles Sandoval Prof. Dr. Bruno Lima Rocha Beaklini

Prof. Dr. Luciano Pereira Prof. Dr. Ricardo Musse Prof. Dr. Robert Sean Purdy

A Ata da Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

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Dedico este trabalho a meus familiares, amigos, companheiros, e a todos aqueles que batalham por um mundo mais livre e igualitário. Arriba los que luchan!

A liberdade sem o socialismo é o privilégio, a injustiça; o socialismo sem a liberdade é a escravidão e a brutalidade.

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O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

À CAPES, pela bolsa de estudos entre outubro de 2014 e junho de 2016, e Salvador A. Mireles Sandoval, meu orientador, cuja confiança e apoio intelectual foram fundamentais. Aos professores, colegas e funcionários do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNICAMP. Aos membros (titulares e suplentes) da banca: Bruno Lima Rocha, Luciano Pereira, Ricardo Musse e Robert Sean Purdy, Armando Boito Júnior, Rafael Viana da Silva e Silvio D. Gallo.

Aos professores Lúcio Kowarick, Alessandro Soares da Silva, Leandro Rosa, Dennis de Oliveira, Débora Mazza, Julio Cesar M. de Oliveira, Ester Rizzi e Marcos V. de Araújo. Aos coordenadores, professores, funcionários e alunos dos cursos em que sou docente: Graduação em Psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), Pós-Graduação em Psicologia Organizacional e do Trabalho da UPM, Pós-Graduação em Psicologia Política da Universidade de São Paulo (EACH-USP).

Aos pesquisadores que compartilham comigo a trajetória no Instituto de Teoria e História Anarquista: Rafael V. da Silva, Lucien van der Walt, Emilio Crisi, Dimitris Troaditis e Kauan W. dos Santos. Aos colegas de pesquisa do Grupo de Estudos Anarquismo e Lutas Populares, do Núcleo de Pesquisa Marques da Costa, da Biblioteca Social Fábio Luz, da Biblioteca Terra Livre, do Núcleo de Estudos Libertários Carlo Aldegheri, do Centro de Cultura Social e do Grupo de Estudos e Pesquisa em Psicologia Política, Políticas Públicas e Multiculturalismo.

Àqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para este trabalho: René Berthier, Lucien van der Walt, Leandro Vasco, Selmo Nascimento, Jean-Christophe Angaut, Paul McLaughlin, Mark Leier, Iain McKay, Wayne Price, Guilherme Giuliano, Marcio Costa, Sérgio Portella, Mauro Cardoso, Bruno Fontan e Alex B. Bonomo. A Stéphanie Roque, pela minuciosa revisão.

À minha filha Flora L. de Mattos Pedro e à minha esposa Camila L. de Mattos, fontes diárias de inspiração e cujo papel na realização desta pesquisa é inestimável. Aos meus familiares Rodrigo C. Pedro, Adriana D. Pereira, Bruna D. Pereira Pedro, Yasmin T. Pedro, Abrahão Pedro, Marisol T. F., Márcia N. Corrêa, Nice N. Corrêa (in memoriam), Maria Isabel da S. Leme, Renata Leme, Alan Losic, Maya e Theo L. Losic e demais parentes.

Aos militantes da Organização Anarquista Socialismo Libertário, da Resistência Popular Sindical (SP) e da Coordenação Anarquista Brasileira. Aos amigos, companheiros de militância e de pesquisa: Victor “Khaled” Calejon, Elisa Ximenes, Renato Ramos, Bruno D. Azevedo, Gabriel Amorim, Guilherme “Verde” Amaral, Vanessa Nicolav, Raphael Amaral, Arthur Dantas, Carolina Carvalho, Danilo Carpigiani, Rodrigo Reis, Fernando Charro, Ivan de Oliveira, Bruno Lima Rocha, Anelise Csapo, Paulo Forte, Vitor Ghidini, Milton Lopes, Jonathan Payne, José Antonio Gutierrez D., Frank Mintz, Glauber Pancho, Guilherme Land, Bruno Coêlho e Anderson M. de Souza.

(7)

Esta tese constitui um estudo interdisciplinar da obra e da vida do revolucionário russo Mikhail Aleksandrovitch Bakunin (1814-1876). Ela formaliza e discute, de maneira relativamente aprofundada, a teoria política bakuniniana produzida entre 1836 e 1876, ancorando-a na trajetória político-intelectual do autor e no contexto histórico que cercou sua existência. Trata-se de uma história do pensamento político de Bakunin que abarca todos seus escritos, suas mais importantes cartas, e dialoga com seus principais comentadores. E, como tal, subsidia-se num referencial metodológico contemporâneo da teoria política em geral e da história do pensamento político em particular. A tese situa-se no campo das produções de pesquisadores simpáticos ao anarquismo que, sem perder a capacidade crítica, têm sido cada vez mais frequentes, e que, depois da publicação das Obras Completas de Bakunin – em 2000, pelo Instituto Internacional de História Social (Amsterdã) –, vêm tomando um fôlego renovado. Ela contrapõe diversos estudos e argumentos liberais, marxistas e mesmo de alguns desses pesquisadores simpáticos, sustentando que Bakunin possui contribuições relevantes no campo da teoria política. E que, se devidamente periodizada, essa teoria guarda considerável coerência, tanto em termos internos, quanto em relação à prática política do autor. As contribuições teóricas de Bakunin são sistematicamente expostas em três partes – correspondentes a três períodos político-intelectuais distintos de sua vida –, cada uma das quais sendo precedida por uma contextualização com sua trajetória. São elas: “Da Filosofia à Práxis (1836-1843)”, na qual seu vínculo mais destacado foi com a filosofia hegeliana; “O Pan-Eslavismo Revolucionário (1844-1863)”, em que seu laço mais expressivo foi com a luta de libertação nacional dos eslavos; “Do Socialismo ao Anarquismo (1864-1876)”, em que seu vínculo mais expressivo foi com foi com a Associação Internacional dos Trabalhadores e o anarquismo. Feita dessa maneira, a exposição permite que seja possível, de um lado, aprofundar os aportes teóricos do autor em cada período, e, de outro, situá-los historicamente e compreender seu desenvolvimento e suas mudanças.

Palavras-chave: Mikhail Aleksandrovitch Bakunin. Teoria política. Anarquismo. Eslavismo. Hegelianismo.

(8)

This thesis constitutes an interdisciplinary study of the work and life of the Russian revolutionary Mikhail Aleksandrovitch Bakunin (1814-1876). It formalizes and discusses, in a relatively deep manner, the Bakuninian political theory produced between 1836 and 1876, anchoring it in the author’s political-intellectual trajectory and in the historical context that surrounded his existence. It is a history of Bakunin’s political thought that covers all his writings, his most important letters, and dialogues with his main commentators. And, as such, it subsidizes itself in a contemporary methodological framework of political theory in general and of the history of political thought in particular. The thesis situates itself in the field of the production of researchers sympathetic to anarchism that, without losing their critical capacity, has become increasingly frequent and that, after the publication of the Complete Works of Bakunin – in 2000, by the International Institute of Social History (Amsterdam) – has been like taking a breath of fresh air. It contrasts a number of Liberal, Marxist, and even some of these sympathetic researchers and arguments, arguing that Bakunin made relevant contributions to the field of political theory. And that, if properly periodized, Bakunin’s political theory retains considerable coherence, both internally and in relation to the author’s political practice. Bakunin’s theoretical contributions are systematically exposed in three parts – that correspond to three distinct political-intellectual periods of his life – each of which is preceded by a contextualization regarding his trajectory. They are: “From Philosophy to Praxis (1836-1843)”, wherein his most prominent link was with Hegelian philosophy; “The Revolutionary Pan-Slavism (1844-1863)”, in which his most expressive bond was with the national liberation struggle of the Slavs; “From Socialism to Anarchism (1864-1876)”, in which his most expressive link was with the International Workers’ Association and anarchism. In this way, the exposition makes it possible, on the one hand, to deepen the theoretical contributions of the author in each period, and, on the other hand, to situate them historically and to understand their development and changes.

Key words: Mikhail Aleksandrovitch Bakunin. Political Theory. Anarchism. Slavism. Hegelianism.

(9)

Nota sobre as traduções e as citações das Obras Completas de Bakunin

12 INTRODUÇÃO

13 Capítulo 1

“A VIDA E AS IDEIAS DE BAKUNIN MERECEM SER COMPLETAMENTE REEXAMINADAS”

22

1.1 BAKUNIN NO SÉCULO XX... 22

1.1.1 Abordagens de autores marxistas... 22 1.1.2 Abordagens de autores liberais... 28

1.1.3 Abordagens de autores simpáticos ao anarquismo... 33 1.2 O CORPUS BAKUNINIANO... 38

1.3 BAKUNIN NO SÉCULO XXI... 45 1.4 BAKUNIN NO BRASIL... 47 1.5 SÍNTESE BIBLIOGRÁFICA... 50

1.6 FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS: PARA UMA HISTÓRIA DO PENSAMENTO POLÍTICO DE BAKUNIN... 53

PARTE I

DA FILOSOFIA À PRÁXIS (1836-1843)

Capítulo 2

“A PAIXÃO DA DESTRUIÇÃO É, AO MESMO TEMPO, UMA PAIXÃO CRIATIVA”: DA FILOSOFIA À PRÁXIS (1814-1843)

65

2.1 RÚSSIA, OS BAKUNIN, PRIMEIROS ANOS EM PREMUKHINO E SÃO PETERSBURGO (1814-1835)... 65

2.2 FILOSOFIA E CÍRCULO DE STANKEVITCH EM MOSCOU (1836-1840)... 73 2.3 ESQUERDA HEGELIANA NA ALEMANHA (1840-1842)... 78

2.4 COMUNISMO NA SUÍÇA (1843)... 83

2.5 A TEORIA POLÍTICA BAKUNINIANA ENTRE 1836 E 1843... 84 2.5.1 Período fichteano (1836-1837)... 85

2.5.2 Primeiro período hegeliano (1837-1840)... 86 2.5.3 Segundo período hegeliano (1841-1842)... 89 2.5.4 Momento de saída da filosofia (1843)... 95

Capítulo 3

AMOR-LIBERDADE E EMANCIPAÇÃO (1836-1837) 96

3.1 MUNDO INTERIOR E MUNDO EXTERIOR... 96 3.2 DEUS E RELIGIÃO DA HUMANIDADE:

IMANENTISMO ANTROPOCÊNTRICO... 98 3.3 AÇÃO ÉTICA RACIONAL... 99

Capítulo 4

ALIENAÇÃO VERSUS RECONCILIAÇÃO COM A REALIDADE E UNIDADE TEORIA-PRÁTICA (1837-1840)

101

4.1 CONHECIMENTO, SUBJETIVISMO E ALIENAÇÃO... 101 4.2 REALIDADE E TEORIA-PRÁTICA... 108

4.3 MÉTODO CRÍTICO-DIALÉTICO... 117 4.4 FILOSOFIA DA AÇÃO E EDUCAÇÃO... 119

(10)

5.1 DIALÉTICA NEGATIVA: TEORIA REVOLUCIONÁRIA DA HISTÓRIA... 125 5.2 EUROPA, INÍCIO DOS ANOS 1840: CONTRADIÇÕES,

CRISE REVOLUCIONÁRIA E DECOMPOSIÇÃO DO VELHO MUNDO... 128 5.3 PARTIDO REACIONÁRIO E PARTIDO DEMOCRÁTICO... 132

5.4 DIALÉTICA NEGATIVA: LÓGICA REVOLUCIONÁRIA... 145

Capítulo 6

PRIMADO DA PRÁTICA E AUTOGOVERNO DO POVO (1843) 149

6.1 INSUFICIÊNCIA DA FILOSOFIA, NOVA TEORIA E PRÁTICA CONCRETA... 149 6.2 RADICALISMO E COMUNISMO... 153

PARTE II

O PAN-ESLAVISMO REVOLUCIONÁRIO (1844-1863)

Capítulo 7

“A LIBERDADE, A IGUALDADE E A FRATERNIDADE DAS NAÇÕES”: O PAN-ESLAVISMO REVOLUCIONÁRIO (1843-1863)

159

7.1 SOCIALISMO E MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO NO TRIÂNGULO SUÍÇA-BÉLGICA-FRANÇA (1843-1845)... 159

7.2 CAUSA RUSSO-POLONESA EM PARIS E BRUXELAS (1845-1848)... 164 7.3 REVOLUÇÃO DE FEVEREIRO E INTERNACIONALIZAÇÃO (1848)... 170 7.4 ESLAVISMO E LIBERTAÇÃO NACIONAL NO TRIÂNGULO

ÁUSTRIA-POLÔNIA-PRÚSSIA (1848-1849)... 174 7.5 PRISÕES, EXÍLIO E FUGA (1849-1861)... 182

7.6 RETOMADA DA CAUSA ESLAVA EM LONDRES E FRUSTRAÇÃO COM A INSURREIÇÃO POLONESA (1862-1863)... 191

7.7 A TEORIA POLÍTICA BAKUNINIANA ENTRE 1844 E 1863... 198 7.7.1 Período pan-eslavista revolucionário (1844-1863)... 198

Capítulo 8

ESTADO, NAÇÃO-RAÇA E IMPERIALISMO (1844-1863) 204

8.1 EUROPA DOS ANOS 1848-1849, CONTEXTO DA PRIMAVERA DOS POVOS... 204 8.2 CLASSES SOCIAIS, ESTADO, NAÇÃO-RAÇA E IMPERIALISMO... 211

8.3 PODER POLÍTICO E ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL NA RÚSSIA IMPERIAL... 218 8.4 OPRESSÃO NACIONAL DOS ESLAVOS RUSSOS E NÃO RUSSOS... 230

Capítulo 9

LIBERTAÇÃO NACIONAL E AUTODETERMINAÇÃO DOS POVOS (1844-1863) 238

9.1 PAN-ESLAVISMO, NACIONALISMO E PATRIOTISMO... 238

9.2 REVOLUÇÃO E FEDERAÇÃO ESLAVA: DO VELHO AO NOVO MUNDO... 241 9.3 CENTRALISMO, DITADURA, PAPEL DO CZAR E DA BURGUESIA

NA EMANCIPAÇÃO DOS ESLAVOS E ANTIGERMANISMO... 249

PARTE III

DO SOCIALISMO AO ANARQUISMO (1864-1876)

Capítulo 10

“A LIBERDADE SEM O SOCIALISMO É O PRIVILÉGIO, A INJUSTIÇA; O SOCIALISMO SEM A LIBERDADE É A ESCRAVIDÃO E A BRUTALIDADE”:

DO SOCIALISMO AO ANARQUISMO (1864-1876) 263

10.1 FRATERNIDADE INTERNACIONAL: SOCIALISMO, FEDERALISMO E ANTITEOLOGISMO NA ITÁLIA (1864-1867)... 263

10.2 ANARQUISMO, ALIANÇA E INTERNACIONAL NA SUÍÇA (1867-1876)... 271 10.2.1 Socialismo, federalismo e antiteologismo:

(11)

10.2.6 Últimos anos... 314

10.3 A TEORIA POLÍTICA BAKUNINIANA ENTRE 1864 E 1876... 323 10.3.1 Período socialista revolucionário (1864-1876)... 324 10.3.2 Passagem ao anarquismo (1868)... 328 Capítulo 11 MATERIALISMO CIENTÍFICO-NATURALISTA, CIÊNCIA E LIBERDADE (1864-1876) 333 11.1 NATUREZA-MATÉRIA E CIÊNCIA... 333 11.2 ANIMALIDADE E HUMANIDADE... 342

11.3 GÊNESE DA RELIGIÃO: AUTORIDADE DIVINA E AUTORIDADE HUMANA... 349

11.4 DISTINTAS FORMAS DE IDEALISMO... 354 11.5 LIBERDADE, SOCIEDADE E INDIVÍDUO... 362

Capítulo 12

HISTÓRIA, FORÇA SOCIAL E DOMINAÇÃO (1867-1876) 370

12.1 HISTÓRIA E SOCIEDADE... 370 12.2 FORÇAS SOCIAIS E CONFLITO... 375

12.2.1 Forças em jogo na Guerra Franco-Prussiana... 380 12.3 DOMINAÇÃO, CLASSES SOCIAIS E LUTA DE CLASSES... 382

12.4 SISTEMA ESTATISTA-CAPITALISTA: DOMINAÇÃO EM TODOS OS NÍVEIS... 388 12.4.1 Estado moderno: imperialismo, coerção física, dominação burocrática... 388 12.4.2 Capitalismo: exploração do trabalho... 395

12.4.3 Sistema estatista-capitalista e outros mecanismos de legitimação... 401

12.4.4 Ascensão histórica do Estado moderno, da burocracia, do capitalismo e da burguesia... 405 12.4.5 Imperialismo pangermânico e os eslavos... 411

Capítulo 13

REVOLUÇÃO SOCIAL, ORGANIZAÇÃO DE MASSAS E ORGANIZAÇÃO DE QUADROS (1868-1876)

414

13.1 DIALÉTICA DESTRUIÇÃO-CONSTRUÇÃO: SOCIALISMO COLETIVISTA-FEDERALISTA E REVOLUÇÃO SOCIAL... 414 13.2 FORÇA SOCIAL, ORGANIZAÇÃO E FEDERALISMO... 420 13.3 ORGANIZAÇÃO DE MASSAS: INTERNACIONAL... 427

13.3.1 Aspectos constitutivos, fins emancipadores caráter internacionalista e de massas... 428

13.3.2 Luta econômica e educação prática da luta de classes... 431 13.3.3 Seções de ofício e seções centrais... 436

13.3.4 Lutas de libertação nacional e anti-imperialismo... 440 13.4 ORGANIZAÇÃO DE QUADROS: ALIANÇA... 444

13.4.1 Necessidade de um nível organizativo complementar... 444 13.4.2 Aspectos constitutivos, objetivos gerais e específicos,

caráter internacionalista e de quadros... 449 13.4.3 Princípios, programa e critérios de conduta... 455 13.5 DITADURA DOS ALIADOS E ANTISSEMITISMO... 459

Considerações finais

“EM POLÍTICA NÃO HÁ POSSIBILIDADE DE PRÁTICA HONESTA E ÚTIL SEM UMA TEORIA”: UM BALANÇO DA TEORIA POLÍTICA E DA TRAJETÓRIA DE BAKUNIN

465 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 470 Anexo I ESCRITOS DE BAKUNIN (1837-1876) 486 Anexo II

PERIODIZAÇÃO, POSIÇÕES TEÓRICAS E POLÍTICAS DE BAKUNIN (1836-1876) 491

(12)

Nota sobre as traduções e as citações das

Obras Completas de Bakunin

Tendo em vista que a maior parte da obra e dos estudos de Bakunin está em outros idiomas, foram necessárias inúmeras traduções nesta tese. Em razão disso, foi impossível citar os trechos no idioma original em nota, como usualmente se faz. Considerei também inadequado e, em alguma medida desrespeitoso com os leitores, fazer todas as citações nos idiomas originais. De modo que, apesar da custosa tarefa, traduzi todos os trechos para o português, cumprindo as exigências desse tipo de trabalho. Portanto, as traduções desta tese foram por mim realizadas e assumo a responsabilidade por qualquer problema.

Para as citações, priorizei a bibliografia em português – quando disponível –, que, em geral, está bem traduzida. Nos casos em que foi necessário recorrer à bibliografia em outros idiomas, privilegiei, com poucas exceções, o idioma original dos autores, no caso dos comentadores, e os textos em francês das Obras Completas (Instituto Internacional de História Social, Amsterdã, 2000), no caso de Bakunin.1

Essa fonte fundamental divide a obra de Bakunin em escritos, cartas e outras produções, e numera todos esses textos. Por uma questão operacional, decidi seguir essa divisão e essa numeração, tanto na bibliografia quanto nas citações. Nas citações, graças a essa divisão, há uma especificação de que os textos são: escritos [e], cartas [c] ou outras produções [o]. Graças a essa numeração, a referência dos textos é sempre feita por uma sequência de cinco números, sendo que os dois primeiros representam o ano de produção, e os outros três, o número daquele texto no ano. Por exemplo, o texto 48020[e] é o escrito número 20 de 1848. Em todos os casos das Obras Completas, as páginas que aparecem nas referências são dos manuscritos originais. Quando, sob a mesma numeração, há distintos trechos ou versões de um mesmo texto, não coloco referência ao número de página.

Por fim, quanto à grafia dos nomes russos e não russos, dei preferência, em vários casos, ao modo como estes foram consagrados ou são utilizados com maior frequência. Não necessariamente segui a recomendação da transliteração ou da tradução contemporânea atualizada.

1 Como mais de 60% dos escritos e quase 40% das cartas de Bakunin foram redigidos originalmente em francês

(Péchoux, 1979, pp. 58-59), esse foi o idioma escolhido para publicação das Obras Completas (Bakunin, 2000a). Nelas, além desses originais em francês, encontram-se, nos originais e em traduções, os outros textos, redigidos sobretudo em russo, alemão e italiano.

(13)

INTRODUÇÃO

Esta tese constitui um estudo interdisciplinar da obra e da vida do revolucionário russo Mikhail Aleksandrovitch Bakunin (1814-1876). Mais especificamente, ela formaliza e discute, de maneira relativamente aprofundada, a teoria política de Bakunin produzida entre 1836 e 1876, ancorando-a na trajetória político-intelectual do autor e no contexto que cercou sua existência. Trata-se de uma história do pensamento político de Bakunin, que abarca todos seus escritos, suas mais importantes cartas, e dialoga com seus principais comentadores.

Ela insere-se no campo das produções de autores simpáticos ao anarquismo que, sem perder a capacidade crítica, têm sido cada vez mais frequentes e que, depois da publicação das Obras Completas de Bakunin – em 2000, pelo Instituto Internacional de História Social (Amsterdã) –, vêm tomando um fôlego renovado. Contrariando diversos estudos marxistas, liberais e mesmo alguns desses autores simpáticos, sustento neste trabalho que Bakunin possui contribuições relevantes no campo da teoria política, expondo-as sistematicamente e dividindo-as em três grandes períodos, de modo a situá-las historicamente e para que seja possível entender seu desenvolvimento e suas mudanças. Ademais, argumento que, se devidamente periodizada, essa teoria política guarda considerável coerência, tanto em termos internos, quanto em relação à prática política de Bakunin.

* * *

Mas, por que estudar Bakunin em pleno século XXI? Entendo que, basicamente, por dois motivos: por sua importância histórica no passado e pelos aportes que ele pode trazer ao presente.

Quando analisamos sua importância histórica, distintos aspectos podem ser sublinhados. O maior deles, sem dúvida, tem a ver com o motivo que lhe tornou um pensador clássico globalmente conhecido: suas contribuições para a conformação do anarquismo (e também do sindicalismo revolucionário e do anarcossindicalismo) e sua influência num considerável conjunto de militantes e num setor do movimento operário da Europa, influência esta que se espalhou, durante sua vida e depois, por todos os continentes.

De acordo com os renomados acadêmicos Benedict Anderson, Lucien van der Walt e Steven Hirsch, depois do fim da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) – e,

(14)

sobretudo, após a morte de Karl Marx, em 1883 –, o anarquismo tornou-se o elemento predominante na esquerda internacionalista. Posição esta que, principalmente pela força do sindicalismo revolucionário e do anarcossindicalismo, expressões de massa do anarquismo, perdurou até depois da Revolução Russa de 1917 e estendeu-se, em muitos casos, até os anos 1930. (Anderson, 2014; Van der Walt e Hirsch, 2010a) Como argumentei em outro momento2, até o final dos anos 1930 os anarquistas tiveram protagonismo em quatro revoluções – México (1910-1913), Ucrânia (1919-1921), Manchúria (1929-1932) e Espanha (1936-1939) –, e intervieram de forma determinante nas lutas populares das Américas, da Europa, da África, da Ásia e da Oceania. (Corrêa, 2015)

Tal expressividade, embora tenha diminuído significativamente depois disso, não cessou de destacar-se em países como Bulgária (anos 1940), Cuba (no contexto da revolução de 1959), Uruguai (anos 1960 e 1970) – nestes três casos, os anarquistas estiveram presentes em lutas sindicais e armadas –, Argélia (no contexto da luta de libertação, entre 1954 e 1962) e França (durante o “Maio de 1968”). (Van der Walt e Hirsch, 2010b; Corrêa, 2015)

Acompanhando esse movimento, no Brasil, durante as primeiras décadas do século XX, o anarquismo esteve entre as principais forças do movimento operário. Foi determinante no desenvolvimento do sindicalismo revolucionário e em episódios como a Greve Geral de 1917, em São Paulo, e a Insurreição Anarquista de 1918, no Rio de Janeiro. Mesmo depois disso, até o golpe civil-militar de 1964, o anarquismo continuou, em particular por meio de grupos e organizações específicas, a ter presença e influência notável dentre trabalhadores e estudantes, as quais foram maiores ou menores a depender do contexto. (Santos e Silva, 2018; Samis, 2004; Silva [Rafael], 2017)

Ainda que haja valorosas exceções – e elas existem, tanto no mundo militante quanto no mundo acadêmico –, de modo geral o anarquismo não tem sido devidamente estudado, dentro e fora das universidades. (Van der Walt e Hirsch, 2010a, p. xxxviii) Pode-se dizer que a oposição entre as alternativas político-ideológicas que se colocaram ao mundo durante o século XX – liberalismo capitalista e socialismo marxista, culminando na Guerra Fria – contribuiu de maneira direta para esse problema. Como um tipo de socialismo, o anarquismo

2 Refiro-me, em especial, à minha dissertação de mestrado Rediscutindo o Anarquismo: uma abordagem teórica

(Corrêa, 2012), depois modificada e publicada em livro sob o título de Bandeira Negra: rediscutindo o

anarquismo (Corrêa, 2015). Nela, esses e outros estudiosos do anarquismo são mobilizados para um trabalho em

que: 1.) Faço um balanço crítico da literatura mais influente dos estudos sobre o anarquismo em português, inglês, espanhol e francês; 2.) Identifico os problemas e as lacunas desses estudos; 3.) Proponho uma nova abordagem teórico-metodológica capaz de sanar tais problemas e suprir essas lacunas; 4.) Por meio dessa abordagem, efetuo uma releitura do anarquismo, tomando por base 80 autores e organizações, que estiveram presentes no mundo todo nos últimos 150 anos, e proponho uma redefinição, ao responder o que é o anarquismo, quais são seus principais debates e suas correntes.

(15)

não motivou interesse (a não ser crítico) por parte dos liberais. Como uma doutrina libertária e uma alternativa no campo anticapitalista, não motivou interesse (também, a não ser crítico) por parte dos marxistas. O anarquismo terminou muitas vezes ignorado ou simplesmente apagado da história.

Por meio de uma análise adequada do cânone anarquista, comprova-se, sem muitos esforços, que “o anarquismo e o sindicalismo [sindicalismo revolucionário e anarcossindicalismo] foram formulados sobretudo por duas de suas imponentes figuras: [Mikhail] Bakunin e [Piotr] Kropotkin”. Assim, Bakunin deve ser considerado um dos dois maiores anarquistas da história, em especial por seu papel de precursor e em razão da influência que exerceu, tanto em seu tempo quanto depois, direta e indiretamente. (Van der Walt, 2016a, pp. 85-88)

Homem carismático, de imensa capacidade de oratória e persuasão, Bakunin foi criador da Aliança, a primeira organização política anarquista da história, e, por meio dela, interviu de maneira contundente na Associação Internacional dos Trabalhadores a partir de 1868. Relacionou-se com figuras centrais do movimento operário europeu e contribuiu determinantemente para os rumos desse movimento na Suíça, onde viveu de 1867 até o fim de sua vida, e em outros países. De 1869 em diante, encabeçou a corrente hegemônica da Internacional (federalista-coletivista) e foi o maior adversário de Marx até a denominada “cisão” de 1872. A chamada Internacional Antiautoritária, criada naquele ano, e que deu continuidade à obra da Internacional até 1877, teve em Bakunin seu maior inspirador. Muitos de seus militantes eram chamados de “bakuninistas”, e, não raro, referia-se a todo esse campo internacionalista antiautoritário como “bakuninismo”. No início dos anos 1870, Bakunin participou de dois levantes insurrecionais: a Comuna de Lyon, em 1870, na França, que precedeu a Comuna de Paris, e a Insurreição de Bolonha, na Itália, em 1874. Foi, enfim, por meio de sua influência e de seus seguidores aliancistas que o anarquismo e o sindicalismo de intenção revolucionária (sindicalismo revolucionário e anarcossindicalismo) estabeleceram-se na Suíça, na Espanha, na Itália, na França, em Portugal e estenderam-se a outros continentes.

Com Bakunin, ocorre mais ou menos o mesmo que com os estudos do anarquismo. Durante o século XX, também em meio a valorosas exceções, houve uma significativa quantidade de estudos sobre ele, feitos inclusive por intelectuais renomados, que oscilam entre o senso comum, a reprodução das posições dos adversários e inimigos de Bakunin e do anarquismo, e os enfoques teórico-metodológicos inadequados. Há um impressionante conjunto de disparates sustentados com verniz de seriedade que foi – e, em alguns casos, que

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continua a ser – promovido por estudiosos do campo marxista, liberal e mesmo libertário, que carecem de qualquer lastro na história. A título de exemplo, podem-se mencionar as seguintes caracterizações de Bakunin: revolucionário em função de uma impotência sexual e do amor pela própria irmã (Carr, 1961, pp. 24-25, 35-36); pensador sem qualquer seriedade intelectual ou originalidade no campo do pensamento (Berlin, 1978, p. 108); defensor da ditadura da intelligentsia e movido pela vontade de tomar o controle ou de destruir a Internacional (Draper, 1978, pp. 93-96); reacionário e precursor do fascismo (Arvon, 1971, pp. 9, 15).

Apenas o fato de o anarquismo e Bakunin possuírem tal envergadura histórica, e não virem sendo devidamente estudados, já justificaria os trabalhos contemporâneos sobre eles. Mas, quando se trata de Bakunin, há ainda outros motivos de ordem histórica. Em 1887, o sociólogo e socialista italiano Filippo Turati escreveu que “contar a vida de Bakunin é contar a vida do socialismo e da revolução na Europa durante mais de 30 anos (1840-1876), pois ele contribuiu ou participou de todos os progressos da ideia e dos fatos revolucionários”. (Lehning, 1999, p. 7) No mencionado período anarquista, que vai de 1868 em diante, tais contribuições e participações são mais conhecidas. Mas, além delas, há outras, anteriores, que correspondem ao período pré-anarquista, e que podem ser aqui mencionadas para reforçar a importância histórica de Bakunin naqueles anos. Uma breve passagem pelas iniciativas que empreendeu, pelas pessoas com as quais se relacionou, pelas causas em que se envolveu, pelas lutas das quais participou e pela influência que exerceu, dá uma ideia de sua envergadura política.

Bakunin foi a maior figura do hegelianismo na Rússia entre 1838 e 1840, destacando-se como membro do círculo impulsionado por Nikolai Stankevitch, que, junto com o círculo de Aleksandr Herzen e Nikolai Ogarev, foi responsável pela formação de uma parte substancial da intelligentsia russa daqueles tempos. Ali, relacionou-se com os importantes críticos literários russos Vissarion Belinski e Pavel Annenkov. Este último destacou, no fim de sua vida, que “Bakunin deu prova da maior aptidão para a dialética, de qualidades indispensáveis para dar forma viva às fórmulas da lógica abstrata, para retirar dela deduções que pudessem ser aplicadas à vida”. E ainda afirmou: “Todos nos dirigíamos a ele para esclarecer um ou outro aspecto obscuro ou difícil do sistema de Hegel”, de modo que “dez anos mais tarde (em 1846), Belinski ainda me dizia que não conhecia ninguém que soubesse dissipar melhor que Bakunin [...] qualquer dúvida relativa ao sentido [...] do sistema filosófico de Hegel”. (Lehning, 1999, pp. 31-32)

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Na Alemanha, entre 1840 e 1842, alçou-se a uma destacada posição, ainda que heterodoxa, na esquerda hegeliana. Teve aulas com Karl Werder, Friedrich Schelling, Leopold von Ranke, e foi influente colega do músico Adolf Reichel, da artista Bettina von Arnim, do periodista Arnold Ruge, do comunista Wilhelm Weitling e do romancista Ivan Turgueniev, que alegou ter utilizado Bakunin como inspiração para seu romance Rudin. A habilidade em Hegel, elogiada por Annenkov e Belinski, seria também reconhecida ao longo do tempo por aliados como Pierre-Joseph Proudhon, Ruge e Herzen, e por adversários como Karl Marx e Friedrich Engels.

Na França, em 1844, Bakunin conheceu diversas personalidades que, além de Marx e Proudhon – sobre o qual ele exercerá alguma influência nos anos seguintes –, incluíam: a romancista George Sand, o historiador Jules Michelet, e ainda H. F. R. de Lamennais, Pierre Leroux, Étienne Cabet, Ferdinand Flocon, Louis Blanc e Victor Considerant. Em 1848, participou ativamente, de armas à mão, das barricadas e manifestações da Revolução de Fevereiro na França. Naquele contexto da Primavera dos Povos, envolveu-se ainda em dois outros levantes: a Insurreição de Praga (junho de 1848) – levada a cabo logo depois do Congresso Eslavo, do qual Bakunin participara e que ficaria mais tarde conhecido como o primeiro congresso pan-eslavista da história – e a Insurreição de Dresden (maio de 1849), na qual se destacou como comandante militar e contou com a colaboração de seu amigo músico Richard Wagner. Preso, permanecerá um longo período na prisão e no exílio, de 1849 a 1861, quando protagoniza uma fuga espetacular, saindo da Sibéria, passando pelo Japão, pelos Estados Unidos e chegando de volta à Europa.

Retoma então a causa do pan-eslavismo revolucionário, que ocupara a maior parte de seus esforços políticos desde 1844, quando conheceu a causa da Polônia por intermédio do historiador Joachim Lelewel. Passará, em seguida, à defesa da causa russo-polonesa e, depois, à causa da libertação nacional dos eslavos. Em 1862, na Inglaterra, somou-se ao periódico Kolokol, com Herzen e Ogarev, numa iniciativa cujo impacto foi sentido diretamente pelo populismo na Rússia – em 1860, chegou a ser defendido pelo próprio Nikolai Tchernichevski, numa polêmica acerca do mencionado romance de Turgueniev. (Lehning, 1999, p. 183) Naquele momento, esteve próximo dos nacionalistas italianos Giuseppe Mazzini e Giuseppe Garibaldi, conheceu o general polonês Ludwik Mierosławski e o rei da Suécia Carlos XV, por intermédio do poeta Emil von Qvanten.

Participou, ao lado de Garibaldi, do Congresso da Paz, realizado na Suíça, em 1867, que havia sido endossado, dentre outras personalidades, por John Stuart Mill e Victor Hugo.

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Interviu ali como membro da Fraternidade Internacional, sociedade secreta que havia fundado em seu período na Itália (1864-1867), quando esteve vinculado à princesa Zoe S. Obolensky. Foi eleito para o comitê central da Liga Internacional da Paz e da Liberdade, criada naquele congresso. Em 1868, quando culmina um progresso considerável em termos político-estratégicos, ingressou na Associação Internacional dos Trabalhadores e converteu-se em definitivo ao anarquismo.

Contudo, como coloquei antes, Bakunin não é importante apenas nesses termos históricos, mas também pelos aportes que pode trazer ao mundo contemporâneo. Primeiro, no que diz respeito às contribuições ao próprio campo político-ideológico do anarquismo, que tem, desde os anos 1980, vivenciado um ressurgimento em nível global, fortalecendo-se com o fim da bipolarização posterior à queda do Muro de Berlim e ao fim da antiga União Soviética.

Nesse contexto, o anarquismo vem crescendo em presença e força. Tem sido notado e influenciado distintos setores das sociedades e dos movimentos populares, tais como a Ação Global dos Povos (AGP, rede internacional que impulsionou o Movimento de Resistência Global ou “antiglobalização” em diversas partes do mundo) e a Comuna de Oaxaca, no México, em 2006. (Van der Walt e Hirsch, 2010b; Corrêa, 2015) No Brasil, esse ressurgimento, iniciado no fim dos anos 1970, tem contado com inúmeras iniciativas, tais como: periódicos, centros de cultura, organizações políticas, ateneus, editoras, grupos de estudo, bibliotecas, eventos de diferentes tipos, participações mais e menos organizadas nos movimentos sindical e popular, e nos movimentos feministas, negro, LGBT, de subcultura jovem. Nos últimos anos, o anarquismo brasileiro desempenhou papel importante, direta e indiretamente, nas lutas contra o neoliberalismo encabeçadas pela AGP, na formação e nas concepções do Movimento Passe-Livre (MPL), na retomada e na prática da tática Black Bloc, assim como nas chamadas “Jornadas de Junho” de 2013.3 (Rocha et alli, 2018; Ortellado et alli, 2013; Solano et alli, 2014; Ferreira, 2016; Moraes, 2016)

Mas os aportes de Bakunin não precisam restringir-se aos anarquistas. Suas realizações práticas e produções teóricas parecem ser capazes de fornecer elementos analíticos e estratégicos para uma renovação de setores mais amplos da esquerda, estejam eles vinculados à construção de pensamento crítico ou à organização e à luta popular.

3 Não deixa de ser curioso que, em 2014, num inquérito da Polícia Civil que incriminava 23 militantes por

protestos violentos no Rio de Janeiro, Bakunin constasse entre os suspeitos. (Cf. https://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/07/1492074-acusada-de-articular-atos-violentos-professora-diz-que-inquerito-e-ficcao.shtml)

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Principalmente no caso daqueles que acreditam, ainda hoje, ser necessário enfrentar as consequências do capitalismo, do neoliberalismo e do Estado moderno, por meio de uma conciliação entre igualdade e liberdade. Afinal, vários temas discutidos por Bakunin ao longo de sua vida continuam a ter relevância no presente: os problemas da alienação e da dominação/exploração, assim como as alternativas para o combate e a superação desses problemas; as relações e mediações desejáveis entre teoria e prática; os ferramentais analíticos e conceituais mais adequados para uma interpretação crítica da sociedade; as possibilidades de lutas anti-imperialistas, inclusive daquelas que não apontam para as soluções estatistas; as perspectivas do sindicalismo e das organizações políticas. Muitos outros poderiam ser citados.

* * *

A tese “‘Unidade Real de Pensamento e Ação’4: teoria política e trajetória de Mikhail Bakunin” está dividida conforme os seguintes eixos.

No capítulo inicial, “1. ‘A Vida e as Ideias de Bakunin Merecem Ser Completamente Reexaminadas’”5, realizo um balanço bibliográfico crítico dos estudos sobre o autor que foram produzidos durante os séculos XX e XXI, assim como uma história do reestabelecimento e da publicação do corpus bakuniniano, o qual levou mais de um século para ser concluído. Além disso, em particular quando abordo o Brasil, invisto na elaboração de um inventário quase exaustivo sobre os estudos de Bakunin, até então inexistente. Enfim, apresento os fundamentos metodológicos deste trabalho.

Em seguida, a tese conta com três partes, que correspondem à periodização proposta da vida e da obra de Bakunin: “Da Filosofia à Práxis (1836-1843)”; “O Pan-Eslavismo Revolucionário (1844-1863)”; “Do Socialismo ao Anarquismo (1864-1876)”. Em cada uma dessas partes, há um capítulo de abertura com a trajetória político-intelectual do autor naquele período e o contexto histórico que cercou sua existência. São estes os capítulos: “2. ‘A Paixão da Destruição é, ao Mesmo Tempo, uma Paixão Criativa’6: da filosofia à práxis (1814-1843)”;

“7. ‘A Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade das Nações’7: o pan-eslavismo revolucionário

(1843-1863)”; “10. ‘A Liberdade Sem o Socialismo é o Privilégio, a Injustiça; o Socialismo Sem a Liberdade é a Escravidão e a Brutalidade’8: do socialismo ao anarquismo

4 Bakunin, 2014g[e], p. 139. 5 Leier, 2006, p. xiv. 6 Bakunin, 2007a[e], p. 136. 7 Bakunin, 48020[e], p. 10. 8 Bakunin, 1988a[e], p. 38.

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1876)”.9 Ao final de cada um deles, exponho determinados comentários que julguei importantes para a compreensão da teoria política bakuniniana do período em questão. Procedi à redação desses capítulos levando em conta a relevância do período na vida do autor, de modo que, propositalmente, eles diferem uns dos outros em tamanho e profundidade.

Os outros capítulos da tese correspondem às contribuições de teoria política de Bakunin; nos títulos, estão os conceitos discutidos, dando uma ideia geral do conteúdo abordado. Na Parte I, esses capítulos estão divididos cronológica e tematicamente; nas Partes II e III, eles estão divididos apenas por tema. Na Parte I, os capítulos: “3. Amor-Liberdade e Emancipação (1836-1837)”; “4. Alienação Versus Reconciliação com a Realidade e Unidade Teoria-Prática (1837-1840)”; “5. Teoria da Revolução e Dialética Negativa (1841-1842)”; “6. Primado da Prática e Autogoverno do Povo (1843)”. Na Parte II, “8. Estado, Nação-Raça e Imperialismo 1863)”; “9. Libertação Nacional e Autodeterminação dos Povos (1844-1863)”. Na Parte III, “11. Materialismo Científico-Naturalista, Ciência e Liberdade (1864-1876)”; “12. História, Força Social e Dominação (1867-(1864-1876)”; “13. Revolução Social, Organização de Massas e Organização de Quadros (1868-1876)”.

Ao final, a tese possui dois anexos. O primeiro é uma lista de todos os escritos de Bakunin (não inclui as cartas e outras produções), com seus títulos traduzidos ao português e com uma sinalização que os classifica em livros, artigos mais e menos importantes. O segundo é um quadro-resumo, que expõe a periodização (períodos e subperíodos) da obra e da vida de Bakunin e, em cada um deles, os principais países de residência, as posições teórico-filosóficas, as posições político-estratégicas e os principais conceitos.

* * *

Gostaria, enfim, de mencionar alguns desafios que tive de enfrentar na elaboração desta tese. Primeiro, o fato de ter feito a pesquisa sem bolsa durante quase todo o ano de 2014 e de meados de 2016 até este início de 2019, período este que permaneci trabalhando como docente universitário. Segundo, em função da maior parte da obra e da quase totalidade dos comentadores estar em outros idiomas, principalmente em francês e inglês, e em alguns casos em espanhol. Teria sido impossível fazer este trabalho sem o conhecimento de tais idiomas. Não apenas para a consulta das obras, mas, sobretudo, para as inúmeras citações, que, conforme mencionei, preferi traduzir para facilitar a compreensão dos leitores.

9 Os trechos entre aspas simples que dão nome a esses capítulos foram redigidos por Bakunin durante o período

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Terceiro, o fato de as Obras Completas de Bakunin terem sido editadas em CD-ROM, se por um lado facilitou a consulta digital dos textos e as buscas por termos, por outro também trouxe dificuldades. Pela escolha dos editores responsáveis, os textos do CD-ROM são bastante “sujos”: além de contarem com todos os trechos retirados ou modificados por Bakunin (devidamente sinalizados), a paginação, que respeita os manuscritos originais, é muito mais complicada de localizar que a de um livro ou artigo. Quarto, os obstáculos temáticos que um estudo interdisciplinar desse tipo implica. Durante sua vida, Bakunin ocupou-se de temas muito variados e isso, tomando em conta minha formação, acabou me colocando frente a grandes desafios. Se em certos momentos tive maior facilidade – destacadamente com a teoria política do terceiro período, aquele que eu mais conhecia, assim como com a trajetória de Bakunin, que eu vinha estudando desde 2010 – também tive dificuldades com contextualizações históricas tão variadas e, sobretudo, com as partes mais duras de filosofia e aquelas que abordavam a questão eslava.

Espero, ao final, ter conseguido realizar um estudo sério que, mesmo com suas limitações, proporcione ao público um bom ponto de partida para a compreensão da obra e da vida de Bakunin, de sua teoria política e sua trajetória.

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Capítulo 1

“A VIDA E AS IDEIAS DE BAKUNIN MERECEM

SER COMPLETAMENTE REEXAMINADAS”

Este capítulo discute o estado da arte dos estudos sobre Bakunin e a reconstituição de seu corpus, dividindo-se em cinco partes: 1.) Bakunin no século XX; 2.) O corpus bakuniniano; 3.) Bakunin no século XXI; 4.) Bakunin no Brasil; 5.) Síntese bibliográfica. Ao final, numa sexta parte, serão apresentados os fundamentos metodológicos desta tese.

1.1 BAKUNIN NO SÉCULO XX

É possível organizar o inventário bibliográfico dos estudos sobre Bakunin no século XX por meio de distintos critérios: tipo de estudo (biografias, estudos filosóficos, teóricos, temas etc.), região de produção (tradições românica, eslava, germânica etc.)10 ou idioma11, ordem cronológica (data e/ou período em que foram escritos)12, corrente ideológica (marxista, liberal, anarquista etc.).

Esse último critério – que subsidia a breve crítica bibliográfica realizada por Brian Morris em Bakunin: the philosophy of freedom [Bakunin: a filosofia da liberdade] (Morris, 1998, pp. vii-4, 71-77) – parece, neste momento, oferecer boas possibilidades para a elaboração de um breve estado da arte acerca dos estudos que tomaram como objeto a vida e a obra de Bakunin durante o século XX.

1.1.1 Abordagens de autores marxistas

Dentre os marxistas, um ponto de partida incontornável é um documento intitulado “L’Alliance de la Démocratie Socialiste et l’Association Internationale des Travailleurs” [A

10 Tal é o caso de Robert Cutler que, em “Bakunin and the Psychobiographers: the anarchist as mythical and

historical object” [Bakunin e os Psicobiógrafos: o anarquista como objeto histórico e mítico], sustenta haver três tradições na historiografia sobre o revolucionário: a românica, na maioria francesa, que “é a mais simpática a Bakunin”; a germânica, principalmente estadunidense-inglesa, que “é a mais antipática”; a eslava, na maioria russa, que é “a mais controversa”. (Cutler, 1990, p. 17)

11 Esses são os casos de Jon Bekken, em “Bakunin and the Historians” [Bakunin e os Historiadores], de 1992

(atualizado e republicado em 2015), para as publicações em inglês (Bekken, 1992, 2015), e de meu artigo “A Bibliografia de Bakunin”, de 2010, para as publicações em português (Corrêa, 2010b).

12 Tal é o caso de Arthur Lehning, em “Michel Bakounine et les Historiens: un aperçu historiographique”

[Mikhail Bakunin e os Historiadores: um sumário historiográfico], que é, ainda hoje – mesmo tendo sido produzido e publicado aos fins dos anos 1970 e que, por isso, precise ser atualizado –, o melhor balanço bibliográfico dos estudos sobre ele. (Lehning, 1979a)

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Aliança da Democracia Socialista e a Associação Internacional dos Trabalhadores], redigido por Paul Lafargue, Friedrich Engels e Karl Marx13, e publicado na Inglaterra em 1873.14 Esse texto formaliza uma série de acusações relativas a Bakunin e torna públicos documentos secretos (estatuto, programa, regulamento etc.) da Aliança, organização política da qual ele era membro, com a pretensão de comprovar a existência desta organização em diferentes países – o que contrariava as resoluções da Conferência de Londres, de 1871 –, e mostrar as incompatibilidades dela com a Internacional, e o papel de Bakunin como seu chefe autoritário e maquiavélico.15

Esse escrito, que só pode ser adequadamente compreendido no contexto dos conflitos na AIT, visava a respaldar a expulsão de Bakunin e de seu companheiro James Guillaume da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) – chamada mais tarde de “Primeira Internacional” (1864-1877)16 –, ocorrida no Congresso de Haia, em 1872, assim como a

consequente “cisão” da associação.

Diz o texto de Lafargue, Engels e Marx (1978, pp. 297-301) que “a Aliança da Democracia Socialista é de origem completamente burguesa”, e que seus “esforços, em vez de estarem dirigidos contra a burguesia e os governos existentes, voltavam-se contra a própria Internacional” e “contra os revolucionários que não aceitam sua ortodoxia e sua direção”. A Aliança “tenta, de início, governá-la [a Internacional], e trabalha para desorganizá-la no momento que percebe o fracasso de seu plano”. “Substitui descaradamente o amplo programa, as grandes aspirações de nossa organização, com seu programa sectário e suas ideias estreitas.” E “para chegar a seus fins, não recusa nenhum meio, nenhuma deslealdade; a mentira, a calúnia, a intimidação, a emboscada lhes servem igualmente”. Assim, concluem que a Aliança é a “inimiga mortal” da Internacional.

13 Sobre a autoria desse texto – originalmente assinado por E. Dupont, F. Engels, Léo Frankel, C. Le Moussu, K.

Marx e A. Serralier, mas depois atribuído a Lafargue, Engels e Marx –, cf. Guillaume, 1985, vol. 3, p. 148. Conforme coloca Guillaume, em uma carta ao Conselho Geral de 1873, Engels afirma: “o relatório sobre a Aliança está sendo escrito neste momento; Lafargue e eu trabalhamos todos os dias”. Em 26 de julho, Engels escreve a Sorge: “A brochura cairá como uma bomba sobre os autonomistas, e Bakunin será um homem morto. [...] Lafargue e eu a escrevemos e somente a conclusão foi escrita por Marx e por mim”.

14 Esse documento pode ser encontrado em edição fac-símile do original em francês na Biblioteca Gallica, da

Biblioteca Nacional da França [http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k65650545], ou em castelhano, na obra

Marx/Bakunin: Socialismo Autoritario, Socialismo Libertario, que foi organizada e comentada por Georges

Ribeill (1978, pp. 296-402). A versão original do livro de Ribeill, em francês, publicada em 1975 pela Union Générale d’Éditions de Paris, não conta com o documento.

15 Os juízos de Marx e Engels acerca de Bakunin e do anarquismo, anteriores a este documento, encontram-se

compilados no livro Acerca del Anarquismo y el Anarcosindicalismo [Sobre o Anarquismo e o Anarcossindicalismo]. (Marx, Engels, Lênin, 1976)

16 Tomo como base a data de 1877 como fim da Internacional por entender, como argumentarei adiante, que o

setor que deu continuidade à obra desta associação foi aquele conhecido como “antiautoritário”, e não aquele vinculado ao Conselho Geral que, de 1872 em diante, praticamente deixou de existir, decretando seu fim de modo formal em 1876.

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Segundo os autores, ao articular instâncias secretas e públicas, a Aliança nada mais era do que uma estrutura para propagar as concepções ditatoriais de Bakunin: “Mas essa Aliança pública ocultava por trás de si outra, a qual, por sua vez, era dirigida pela Aliança todavia mais secreta dos irmãos internacionais, os Cem Guardiões do ditador Bakunin”. Os ataques diretos a Bakunin perpassam todo o texto, incluindo outras acusações. No período anarquista, a responsabilidade por tudo o que fez e produziu o jovem russo Serguei Netchaiev, a dissociação entre discurso e prática e a apologia da destruição. Antes disso, a delação de revolucionários, a defesa de um pan-eslavismo racista e subordinado ao czar, o desfrute de favores governamentais, as mentiras no contexto de sua fuga da Sibéria em 1861 e o flerte com o czar em 1862.

Por mais que os próprios estudiosos marxistas reconheçam a fragilidade empírica desse documento17, para não falar nos anarquistas18, ele não deixou de sintetizar e propagar muito daquilo que, até hoje, se afirma de Bakunin nos meios políticos e intelectuais do marxismo.

Com a Revolução Russa de 1917, a relação dos russos com Bakunin ganhou outros contornos, e o interesse na vida e na obra do revolucionário russo, que vinha se reavivando desde 1905-1907, cresceu consideravelmente. Yuri M. Steklov (nascido O. Nakhamkis) – bolchevique que, depois da revolução, tornou-se redator de Izvestia entre 1917 e 1925, colaborou com Pravda e foi eleito membro do Comitê Central do partido – publicou, entre 1926 e 1927, uma biografia de Bakunin em quatro volumes. Em Михаил Александрович Бакунин: Его жизнь и деятельность [Mikhail Aleksandrovitch Bakunin: sua vida e sua obra], Steklov, além de expor um amplo conjunto de elementos biográficos da vida de Bakunin, promove a tese de que sua trajetória é relevante para os revolucionários russos, sobretudo por sua influência entre os populistas, e que ele deve ser considerado um precursor do bolchevismo. Apoiando-se num trecho da “Confissão” de 185119, redigida muitos anos

17 Franz Mehring (2014, p. 530), por exemplo, marxista e principal biógrafo de Marx, considera que esse

documento encontra-se “num nível abaixo de qualquer outra coisa jamais publicada por Marx e Engels”, e que ele “não é um documento histórico, mas uma acusação, cujo caráter tendencioso é aparente em cada página”.

18 Max Nettlau (2008, pp. 148, 174-175), por exemplo, historiador partidário dos anarquistas, é mais enfático na

crítica. Para ele, esse documento é “uma maquinação desprovida de provas, um tecido de mentiras”, e faz parte da “estupeficante falta de honestidade que é característica de todas as suas polêmicas [de Marx e Engels], embasada numa documentação insuficiente que, segundo seu [dos autores] hábito, completavam por afirmações arbitrárias que seus discípulos consideravam verídicas, quando, de fato, eram apenas deploráveis deformações, erros ou disfarces destituídos de escrúpulos”.

19 Trata-se de uma longa carta que Bakunin – preso na Fortaleza de Pedro e Paulo na Rússia e sem qualquer

perspectiva de saída – escreveu a Nicolau I, conforme demanda do próprio czar, fazendo um balanço de sua vida até a prisão em 1849. Com a Revolução Russa de 1917, esse escrito foi descoberto e, pouco depois, tornou-se público.

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antes de Bakunin tornar-se anarquista, o bolchevique argumenta que ele criara nesse escrito o conceito de poder soviético, prevendo a forma política que assumiria a ditadura do proletariado. Mesmo que com ressalvas, considerava que o legado de Bakunin deveria ser assumido como parte da pré-história do bolchevismo. (Steklov, 1926-1927)

Em “Michel Bakounine et les Historiens: un aperçu historiographique” [Mikhail Bakunin e os Historiadores: um sumário historiográfico], Arthur Lehning (1979a, pp. 25-29) sustenta que essa relação entre Bakunin e o bolchevismo, ainda que matizada na Rússia pelo próprio Steklov, ou mesmo refutada por outros bolcheviques como Vyacheslav Polonsky, foi também reforçada por teóricos e historiadores da socialdemocracia alemã. Ao associar o bolchevismo leninista à tradição de Bakunin, os socialdemocratas acusavam os partidários de Lênin de um verdadeiro desvio da tradição marxista. Na União Soviética, embora já tivesse havido, até o início dos anos 1920, uma imensa repressão dos bolcheviques a todas as correntes dissidentes do campo revolucionário, incluindo os anarquistas20, havia, ainda, certa possibilidade de debate e divergência.

Em 1923, as Edições do Estado decidiram publicar – seguindo a aceitação, por parte de Lênin, em 1920-21, do pedido de Michel Sajine (Armand Ross), um antigo companheiro de Bakunin – as obras completas de Bakunin, sob a direção de Steklov. Num complicado processo que envolveu a recusa dos anarquistas (especialmente Max Nettlau) a fornecerem os originais graças aos descaminhos da revolução, o primeiro volume só foi lançado em 1934, seguido de outros três, publicados até o ano seguinte. Entretanto, o processo que havia sido iniciado em 1931, com a carta de Stálin sobre “algumas questões da história do bolchevismo” à redação da revista Revolução Proletária, finalizou-se, entre 1935 e 1936, já no contexto do Grande Expurgo stalinista, com o aprofundamento da censura, da repressão e da perseguição à dissidência. Terminou, com isso, o interesse do regime soviético na vida e na obra bakuniniana, e o próprio Steklov, entusiasta desse projeto, foi preso em 1938 e morreu num campo de concentração de Stálin.

Depois disso, os respeitáveis estudos de Bakunin realizados por Steklov, Polonsky e outros russos como Evgueni Tarle e Aleksandr Kornilov21 – os quais, mesmo tendo sido

20 Sobre a repressão dos bolcheviques aos anarquistas na Revolução Russa até 1921, cf., entre muitos outros:

Tragtenberg, 2007. O Dossiê 100 Anos da Revolução Russa: anarquismo, revoluções russa e ucraniana, organizado por Pablo Mizraji no Instituto de Teoria e História Anarquista (ITHA), possui outros materiais sobre o tema. [https://ithanarquista.wordpress.com/revolucao-russa/]

21 De acordo com Lehning (1979a, pp. 22-26), foram publicados, sobre Bakunin: uma curta biografia, por

Eugene Tarle, em 1907; um estudo sobre a juventude, em 1915, e uma obra sobre seus anos de peregrinação, em 1925, ambos por Alexandr Kornilov; e outra curta biografia, desta vez por Vyacheslav Polonsky, em 1920

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produzidos numa época de imensas adversidades, em particular pelo complicado acesso às fontes, e mesmo que tenham sofrido certos “ajustes” para se adequar aos interesses do Partido Comunista, possuíam certa seriedade historiográfica – cederam lugar a produções completamente ideologizadas, sem qualquer correspondência com a realidade, e que respondiam apenas a interesses políticos.

Em 1950, a segunda edição da Grande Enciclopédia Soviética, rejeitando em todos os aspectos a rica historiografia soviética sobre Bakunin, o descreve como um “rebelde pequeno-burguês, incapaz de comprovar sua consistência, sua disciplina e seu estoicismo revolucionário. Sua versatilidade pequeno-burguesa fez com que traísse os interesses fundamentais do movimento revolucionário. Apesar de sua fraseologia ‘revolucionária’, seu papel foi o de um traidor, avesso aos democratas revolucionários russos. Sua luta contra Marx visava a destruir o partido político internacional da classe trabalhadora”. (Lehning, 1979a, p. 31) Com raras exceções, os escritos ulteriores do campo marxista seguiram esse mesmo caminho ao abordar Bakunin e o anarquismo. E isso se deu tanto no campo político quanto no campo acadêmico; tanto no caso de autores e correntes stalinistas quanto no caso dos não stalinistas.

No epílogo da compilação de textos de Marx, Engels e Lênin sobre o anarquismo e o anarcossindicalismo, publicada pela União Soviética com vistas à promoção do marxismo-leninismo, N. Y. Kolpinsky (1976, p. 333) afirma que o anarquismo é uma doutrina pequeno-burguesa, “alheia ao proletariado por seu conteúdo de classe”, que não possui fundamentos teóricos ou práticos, e que se caracteriza pelo “aventureirismo, nascido de concepções voluntaristas”. É, ademais, uma doutrina idealista e individualista, que substitui “a análise científica das leis do desenvolvimento social por sonhos utópicos sobre a liberdade absoluta do indivíduo”.

Em Revolucionários: ensaios contemporâneos, Eric Hobsbawm (2003, pp. 96, 84) vincula Bakunin ao liberalismo individualista e a uma forma pré-política, que, segundo ele, só poderia ter encontrado espaço em “países atrasados” como a Espanha. Em A Era do Capital (1848-1875), o mesmo Hobsbawm (2004a, pp. 227-228), referindo-se a Bakunin como “peripatético aristocrata russo que se lançava na agitação em todas as oportunidades que aparecessem”, sustenta que ele era um apóstolo da destruição, que “nutria um imprudente entusiasmo pelo potencial de criminosos e marginais da sociedade”, ainda que suas análises do campesinato e de algumas instituições tivessem algum fundamento. Para o historiador

(reeditada em 1924 e 1926), que forneceu a base para a publicação, em 1922-1925, de outro estudo biográfico mais ampliado.

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marxista, Bakunin “não era um grande pensador, mas um profeta e [... um] formidável organizador conspiratório”, qualidade que contribuiu para a difusão do anarquismo em países com características econômico-sociais específicas, tais como Itália, Suíça e Espanha.

Em Karl Marx’s Theory of Revolution, vol. 4: Critique of other socialisms [A Teoria da Revolução de Karl Marx, vol. 4: crítica de outros socialismos], Hal Draper (1990, pp. 130, 270-304) defende que o anarquismo bakuniniano caracterizou-se por uma “combinação de três ingredientes vagamente misturados”: o primeiro, “uma teoria social sugerida por Proudhon, com pelo menos um pouco de Stirner”; o segundo, “um programa socioeconômico que era uma visão (modificada) do coletivismo anticapitalista que vigorava nos círculos socialistas, incluindo apropriações ecléticas da teoria marxiana para preencher as lacunas”; o terceiro, em termos estratégicos, “o putschismo conspirador do jacobinismo de esquerda daquela época”, vinculado a “Babeuf, Buonarroti, Blanqui, Barbès” e chamado pelos historiadores de “blanquismo”, sendo que essa doutrina era ainda “distorcida por um terrorismo niilista de sotaque russo”. Bakunin é caracterizado por Draper como um conspirador autoritário, mentiroso e racista (antissemita) que queria rachar a Associação Internacional dos Trabalhadores.

Em Para Além do Capital: rumo a uma teoria da transição, István Mészáros (2006, pp. 577, 573, 812) também enfatiza a ascendência liberal e burguesa das concepções bakuninianas, assim como suas contradições. Segundo esse intelectual, Bakunin não possuía compreensão teórica da sociedade, fundamentava suas posições no voluntarismo sem mediação com a realidade sócio-histórica e não oferecia alternativas estratégicas para conciliar as lutas por melhorias imediatas (reformas) e a luta pela revolução.

Analisando as fontes desses trabalhos, constata-se que nenhuma delas leva em conta os escritos de Bakunin e/ou a historiografia produzida por autores simpáticos ao anarquismo. Kolpinsky toma como base escritos e cartas de Marx e seus companheiros, interpretadas na chave da tradição leninista-stalinista soviética. Hobsbawm não explicita suas fontes, mas, a julgar por seus argumentos, não se diferem muito das de Kolpinsky. Draper, por sua vez, utiliza desde ampla documentação marxista, até obras de historiadores liberais como Edward Hallet Carr, Arthur P. Mendel e Eugene Pyziur (os quais são mobilizados para sustentar sua tese). Mészáros toma como base apenas as notas críticas de Marx ao livro Estatismo e Anarquia de Bakunin (Marx, 2012).

Como se pode notar, depois de praticamente um século, excetuando o interregno russo do contexto da Revolução de Outubro, o campo do marxismo tem permanecido atrelado aos

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argumentos sustentados no documento de 1873 redigido por Lafargue, Engels e Marx. Como pretendo demonstrar adiante, a quase totalidade dessas afirmações está equivocada e não se sustenta, quando confrontada com a história.

1.1.2 Abordagens de autores liberais

Dentre os liberais, o primeiro esforço relevante de abordar sistematicamente Bakunin ocorreu na biografia Michael Bakunin [Mikhail Bakunin], de Edward Hallet Carr, publicada em 1937 em Londres.22 Carr foi um diplomata e intelectual (historiador e teórico das relações internacionais) inglês que se interessou pela Rússia e, a partir dos anos 1930, escreveu copiosamente. Destacou-se por suas biografias (que, além de Bakunin, incluem Fiódor Dostoiévski e Marx), por seus livros sobre política internacional e teoria da história, e pela obra A History of Soviet Russia [Uma História da Rússia Soviética], publicada em 14 volumes entre 1950 e 1978. Mikhail Bakunin permaneceu, por décadas, como a mais influente biografia do revolucionário russo, principalmente nos países de língua inglesa e espanhola (em função da tradução para o castelhano nos anos 1970 pela Ediciones Grijalbo).

Além das fontes primárias, Carr fundamenta seu estudo sobretudo nos autores russos; na maioria dos casos Steklov, mas também Kornilov, Polonsky e Mikhail Dragomanov. Para o período da maturidade, há referências importantes aos quatro volumes de L’Internationale: documents et souvenirs [A Internacional: documentos e recordações], de James Guillaume. Carr acabou produzindo uma obra rica em detalhes e que contribui muito para entender distintos elementos da trajetória de vida de Bakunin; entretanto, sua preocupação central com as peculiaridades da personalidade sui generis de Bakunin teve complicadas consequências. Bakunin é explicado por meio de inúmeros detalhes politicamente irrelevantes de sua vida e numa chave psicologizante, pouco fundamentada e convincente, que não raro ignora o contexto histórico, seu pensamento político e mesmo sua racionalidade.

Carr (1961) dedica-se à minuciosa exposição desse intrigante personagem, destacando suas “enormes dimensões” e “sua aparência e seu modo de andar”, que pareciam os “de um elefante” (p. 475); seu enorme prazer pelos cigarros, pela bebida e pela comida (p. 215), sendo que “o modo grosseiro de comer e beber” costumava chocar as companhias mais desavisadas (p. 255); seu completo desapego pelos bens materiais (p. 133), estando, “como sempre, vestido de modo descuidado” (p. 343), e sendo irresponsável com suas finanças, que

22 Incluo Carr dentre os liberais pois essa era sua posição quando escreveu a biografia de Bakunin (assim como a

de Marx), embora reconheça a complexidade de seu pensamento e que suas posições foram caminhando cada vez mais à esquerda ao longo de sua vida.

Referências

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