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ESLAVISMO E LIBERTAÇÃO NACIONAL NO TRIÂNGULO ÁUSTRIA-POLÔNIA PRÚSSIA (1848-1849)

O PAN-ESLAVISMO REVOLUCIONÁRIO (1843-1863)

7.4 ESLAVISMO E LIBERTAÇÃO NACIONAL NO TRIÂNGULO ÁUSTRIA-POLÔNIA PRÚSSIA (1848-1849)

Nessa intenção de fortalecer a união dos povos eslavos, um comitê tcheco iniciara a articulação de um congresso eslavo, que deveria acontecer em Praga nos primeiros dias de junho de 1848. Sem perspectivas na Breslávia, Bakunin decidiu participar desse evento, chegando em Praga no início das sessões. O Congresso Eslavo reuniu, sob a presidência de František Palacký, 340 delegados eslavos – dentre os quais tchecos, eslovacos, morávios, silésios, rutenos, poloneses, croatas, sérvios e dálmatas; Bakunin era um dos dois russos presentes – entre 2 e 12 de junho de 1848. Tratava-se de um evento pioneiro, que reunia os eslavos para discutir as variadas opressões às quais vinham sendo submetidos e encontrar possíveis saídas para o futuro; ficaria posteriormente conhecido como o primeiro congresso pan-eslavo.

Num primeiro momento, o congresso permitiu que Bakunin (1976b[e], p. 82) conhecesse outros eslavos: “até então – com exceção dos poloneses e, certamente, dos russos – eu não havia conhecido nenhum eslavo”. Foi útil, também, para que presenciasse o emocionado encontro de seus compatriotas eslavos. “Parecia que os membros de uma mesma

família [...] encontravam-se reunidos pela primeira vez, depois de uma grande e dolorosa separação. Choravam, riam, abraçavam-se.” Mas, num segundo momento, as enormes diferenças culturais e políticas forjadas durante séculos fizeram-se sentir. Elas evidenciavam- se nas caracterizações históricas e conjunturais, assim como nas proposições e nos caminhos

concebidos para a solução dos problemas que o congresso pretendia resolver. Os eslavos, apesar da esperançosa impressão causada pelo encontro, estavam profundamente marcados pela discórdia, e isso complicava qualquer comunhão em termos de análise, projetos ou interesses.

Grawitz oferece alguns elementos para a compreensão desse complexo e conflituoso xadrez:

Os poloneses, que eram os mais nacionalistas e ambiciosos, queriam assumir a direção de uma federação eslava, eliminando seus inimigos e rivais: a Alemanha, a Áustria e a Rússia. [...] Inúmeros ucranianos desejavam igualmente se separar da Rússia. Os eslavos do sul compreendiam os eslovenos, que jamais haviam tido autonomia, e, católicos, encontravam- se mais ou menos integrados à Áustria e à Itália. A Croácia havia sido anexada à Hungria em 1102, ao passo que a Bulgária, a Sérvia e a Bósnia, submetidas à religião grega ortodoxa, passaram a fazer parte, depois dos séculos XIV e XV, do Império Otomano. O avanço dos russos na direção do Mar Negro suscitava a esperança de serem libertados do jugo dos turcos. Mas o sonho de uma grande Sérvia chocava-se com aquele de uma grande Croácia; servos e croatas disputavam a Bósnia e a Herzegovina, compostas de muçulmanos, gregos ortodoxos e católicos romanos. Os eslovacos aceitavam falar latim, língua oficial do reino da Hungria, mas não a língua de seus inimigos, os magiares, que eram aliados dos poloneses e que, juntos, desconfiavam dos outros eslavos. Enfim, os tchecos da Boêmia e da Morávia faziam parte da Confederação Germânica, mas, na medida em que surgia um verdadeiro Estado nacionalista alemão, eles também buscavam retomar sua independência. Nesse imbróglio de línguas, religiões, tradições, passado, influências, interesses e esperanças, como resgatar uma vontade comum? (Grawitz, 1990, p. 145)

Em termos políticos, tais diferenças de projetos e interesses ajudam a explicar, em certa medida, as posições que foram adotadas no Congresso Eslavo. De acordo com Berthier (2010, vol. 2, pp. 76-79) e Cipko (1990, p. 4), o encontro foi majoritariamente marcado pelas posições nacionalistas e conservadoras. Por um lado, pretendia-se promover o interesse de uma nação em detrimento de outra(s) – os tchecos, por exemplo, que compunham a maior delegação, pretendiam promover sua hegemonia e impor aos outros eslavos sua língua e sua nacionalidade. Por outro, tencionava-se encontrar nos grandes impérios a solução para a questão eslava, conformando-se, para tanto, duas tendências: uma, que pretendia transformar a monarquia austríaca em monarquia eslava com hegemonia tcheca, e outra, que tencionava agregar as terras eslavas da Áustria à Rússia, e mesmo colocar nas mãos desta última o destino de todos os eslavos. (Cf. também: Hepner, 1950, pp. 250-256)

O congresso e essas posições tiveram, para Bakunin, impactos e encaminhamentos ambíguos. Mesmo imersos em tantos conflitos, os eslavos mostravam-se parte de uma mesma

nacionalidade, de uma mesma família; e, ao mesmo tempo, pareciam encarnar um enorme potencial em termos revolucionários e democráticos. Isso, em alguma medida, relativizava, para Bakunin (1976b[e], p. 82), a experiência parisiense de fevereiro: “Em Paris, eu havia me deixado arrastar pela exaltação democrática, pelo heroísmo das massas populares, mas aqui me vi seduzido pelo calor e pela sinceridade desse sentimento eslavo, ingênuo, mas profundo. Sentia bater em mim um coração eslavo”. Isso fornecia subsídios para uma expansão dos horizontes da causa russo-polonesa, fazendo dela algo mais abrangente e ambicioso: a causa eslava.

Para Bakunin, um projeto de libertação dos eslavos exigia que se trabalhasse duramente para dirimir as diferenças e minimizar os conflitos anteriormente mencionados, e também de encontrar os caminhos adequados para tanto. Entretanto, no congresso as discussões vinham desenrolando-se, contrariamente, no sentido de exaltar os particularismos nacionais e encontrar nos maiores inimigos, os impérios, a solução para o dilema eslavo. Bakunin discordava, porque entendia que os eslavos eram um só povo, e que sua libertação era solidária. Para ele, uma nação, uma “raça”, só seria livre com a libertação de todas as outras. Não se tratava de discutir quem deveria dominar, mas de colocar a própria dominação em xeque. E havia ainda outro problema: as discussões pareciam a ele muito pouco práticas, não apontando para encaminhamentos capazes de concretizar qualquer projeto.

Bakunin (1976b[e], pp. 111, 115) – que destaca, naquela ocasião, sua “necessidade de movimento e de ação”, sob a insígnia “amor à liberdade e ódio invencível a toda opressão” –, sustentava que a liberdade dos povos eslavos só poderia ser concretizada por meio de uma prática revolucionária, na qual todos os eslavos teriam de ser aliados, e os impérios, especialmente da Áustria e da Rússia, deveriam ser encarados como inimigos inconciliáveis. Essa liberdade, de mais a mais, só seria encontrada na construção pós-revolucionária de uma federação eslava, que, nos termos de Hepner (1950, pp. 210, 218), era uma iniciativa “meio política, meio revolucionária”, e cujas inspirações estavam tanto nos decembristas e nos liberais poloneses quanto em Proudhon. Tais posições seriam formalizadas num artigo intitulado “Principes Fondamentaux de la Nouvelle Politique Slave” [Princípios Fundamentais da Nova Política Eslava], publicado ao longo de 1848 em distintos idiomas.129

Compreendendo que o Congresso Eslavo não oferecia condições para esse projeto, tanto pelos rumos das discussões, quanto por seu caráter público, Bakunin, sob inspiração do

129 Esse texto foi publicado: em julho, no Dziennik Domowy (Poznan), em polonês; em setembro, no Wcela

(Praga), em tcheco; em dezembro nos Jahrbücher für Slawische Literatur, Kunst und Wissenschaft (Leipzig), em alemão; e mais adiante, em novembro de 1861, no Cech (Genebra), em tcheco. (Nettlau, 1976, p. 212)

carbonarismo, articulou, pela primeira vez, uma sociedade secreta, chamada de Os Amigos Eslavos, composta por eslovacos, morávios, croatas e sérvios, a qual terminou durando poucos dias, em função do desenrolar dos acontecimentos.

Em 12 de junho de 1848, o congresso foi interrompido pela irrupção de um levante na própria cidade de Praga, onde se realizava o congresso. Era, precisamente, um dos desdobramentos da Primavera dos Povos, que agora envolvia a luta dos tchecos contra a Áustria. Articulada por estudantes e democratas tchecos, com participação de artesãos e operários, a Insurreição de Praga irrompeu por uma indignação relativa à ação das tropas austríacas, que atiraram numa manifestação pacífica. Não era, contudo, uma insurreição totalmente espontânea, visto que vinha sendo preparada há algum tempo, inclusive com a pretensão de envolver os camponeses. Bakunin, contrário ao que foi posteriormente afirmado, não foi o maior articulador da insurreição – ele tomou conhecimento dos planos apenas um dia antes da irrupção. E, julgando-lhes profundamente insatisfatórios, ainda tentou dissuadir os insurgentes. Para ele, apesar do contexto revolucionário favorável, o comandante Windisch-Graetz tinha, naquela ocasião, plenas condições para uma rápida vitória, e isso garantiria às suas tropas elevação da moral e reforço da disciplina. Mas, sem conseguir convencer os insurgentes, decidiu, com outros congressistas eslavos, somar-se ao levante, participando daquela que seria sua segunda experiência insurrecional-revolucionária em armas.

Ainda na “Confissão”, Bakunin (1976b[e], pp. 116-117) relatou: “Armado com um fuzil, ia de uma barricada a outra, disparei várias vezes, mas sem deixar de ser, em tudo isso, uma espécie de convidado”. Sugeriu aos revolucionários que depusessem o governo local, impedindo as negociações com Windisch-Graetz, e que este governo fosse substituído “por um comitê militar que estivesse dotado de poderes ditatoriais”. Mas não houve tempo para tanto, e, depois de uma mediação em que Palacký tomou parte, em 17 de junho, os insurgentes capitularam, e Bakunin teve de fugir. (Cf. também: Bakunin, 48019[e])

Entre junho e setembro de 1848, Bakunin foi a Breslávia e depois a Berlim, de onde enviou uma carta a Herwegh criticando duramente as estratégias parlamentares. (Bakunin, 2010b[c]) Sentiu, por meio dos alemães, um impacto enorme do boato de que ele seria um agente do governo russo, o qual foi reforçado por uma publicação, em julho, na Neue Rheinische Zeitung [Nova Gazeta Renana], de Marx.130 Acusado de ter planos de assassinar o

130 A publicação, de 6 de julho de 1848 – amplamente difundida, não apenas entre os alemães –, dava conta que

George Sand tinha documentos comprovando que Bakunin era um agente do governo russo. Por mais que a

czar, Bakunin foi preso e expulso da Prússia. Dirigiu-se a Breslávia, fazendo contato com a maçonaria local, e, sob ameaça de deportação, passou por Dresden e encontrou refúgio, em outubro, no principado Anhalt-Köthen, cuja autonomia da legislação prussiana e saxônica oferecia possibilidades a muitos exilados. Lá permaneceria até dezembro. (Hepner, 1950, p. 241)

Naqueles meses, dedicou-se a redigir seu “Apelo aos Eslavos por um Patriota Russo”, inicialmente em francês [Appel aux Peuples Slaves par un Patriote Russe] e depois em alemão [Aufruf an die Slaven von einem russischen Patrioten], versão que foi publicada, e cujo amplo impacto fez-se sentir entre alemães, tchecos, poloneses e franceses, tornando-se seu segundo grande escrito. (Leier, 2006, p. 139) Ainda com base no quadro teórico-filosófico de “A Reação na Alemanha”, Bakunin analisa a dialética revolução-reação na Europa, com foco na questão eslava, e formaliza mais detalhadamente as posições defendidas em Praga, visando a contribuir com minimização das rusgas entre os eslavos e com sua aproximação dos democratas alemães.131 Combate também a possibilidade de uma aliança com o Império da Áustria e prega sua destruição, assim como aquela dos impérios da Rússia, da Prússia e da Turquia. Preconiza a liberdade e a autodeterminação dos povos, na chave de uma libertação nacional oposta ao nacionalismo, as quais só poderiam ser conquistadas coletivamente e como resultado de uma política revolucionária e democrática com implicações nas relações externas (questão nacional) e internas (questão social).132 (Bakunin, 48020[e])

a pedido do próprio Bakunin), esse fato prejudicou enormemente as atividades políticas de Bakunin. Para Barrué, provavelmente o boato partiu de Engels. (Barrué, 2015a, pp. 173-174)

131 Ao falar do Congresso Eslavo, Bakunin (1976b[e], p. 83) apontara que “entre os eslavos, o sentimento

predominante é o ódio aos alemães”; sentimento este que encontrava reciprocidade, na medida em que havia, também, aversão aos eslavos por parte dos alemães.

132 Na versão alemã, que foi difundida nas publicações, todo o trecho que discutia a “questão social” foi

suprimido. (Para todos os trechos suprimidos, cf. Bakunin, 48019[e]) Isso ocorreu por sugestão dos amigos democratas de Berlim, em função dos propósitos do texto. Assim, a visão de Bakunin sobre o tema em questão terminou sendo apenas parcialmente conhecida pelo público. (Berthier, 2010, vol. 2, p. 103) Dentre outros fatores, isso contribuiu para que autores tenham insistido que, neste período, Bakunin substituiu a questão social pela questão nacional. O “Apelo aos Eslavos” foi duramente criticado por Engels no artigo “Der demokratische Panslawismus” [O Pan-eslavismo Democrático], publicado na Nova Gazeta Renana, em fevereiro de 1849. O artigo, ao qual Bakunin provavelmente não teve acesso, apoiava-se em duas críticas: 1.) Que o projeto de Bakunin era quimérico, pautado em abstrações e, portanto, irrealizável. 2.) Que os eslavos eram um povo sem história e intrinsecamente contrarrevolucionário, sem perspectivas nacionais. Por isso, Engels defendia, como

Edição alemã do “Apelo aos Eslavos”, 1848

Ainda em Anhalt-Köthen, Bakunin associou-se aos democratas alemães William Hexamer e Karl D’Ester, trabalhando para minimizar as desavenças entre alemães e eslavos. Com eles foi, em fins de dezembro de 1848, para Leipzig, onde conheceu os estudantes tchecos Gustav e Adolf Straka, e tentou articulações com democratas de Praga, dentre os quais Emmanuel Arnold. Em Leipzig, onde ficou até março de 1849, tomou conhecimento dos planos realizados nos círculos democráticos acerca de uma insurreição geral, que deveria ser levada a cabo ainda naquele primeiro semestre e envolver vários territórios da Alemanha. Anunciavam-se os episódios que agitariam o país a partir de fevereiro, passando pelas Märzerrungenschaften [conquistas de março] e pelos os levantes insurrecionais de maio e junho.

Naquele momento, a região vizinha da Boêmia passou a atrair a atenção e os esforços políticos de Bakunin. Inserida nos planos insurrecionais alemães para 1849, ela já o havia impressionado quando, em solidariedade à Insurreição de Praga, alguns meses antes, levantara-se em armas, Ademais, Bakunin percebia aquela região não havia sido atingida fortemente pela reação europeia, possuía disposição, motivação e os meios necessários para uma revolução. Essa posição confirmou-se durante sua breve visita a Praga, no mês de março, na qual lhe impressionaram o espírito vivo das Märzerrungenschaften, a liberdade popular, o povo em armas e a solidariedade entre estudantes e soltados. Para Bakunin, possivelmente a Polônia, anteriormente considerada como foco para o estalar insurrecional, estava esgotada, desmoralizada, presa em seu nacionalismo restrito e mais propensa às relações com o ocidente do que com o mundo eslavo. Era assim, ao menos temporariamente, substituída como locus da faísca revolucionária, que deveria incendiar o mundo eslavo e a Europa.

De março de 1849 em diante, Bakunin esteve em Dresden, onde estabeleceu laços com August Röckel, editor do periódico radical Volksblatt, e, por meio dele, com o músico Richard Wagner. Durante o período em Leipzig e Dresden, Bakunin dedicou-se à preparação da Insurreição da Boêmia, cujos esforços encontram-se detalhadamente descritos num longo trecho da “Confissão”. (Bakunin, 1976b[e], pp. 128-163) Seu projeto, que ele tentaria implementar até os fins de abril, constituía em reunir alemães, eslavos e húngaros num amplo movimento, capaz de romper com o envolvimento restrito das cidades e avançar para uma

necessidade histórica, a germanização e a magiarização dos eslavos. Essa opressão nacional e mesmo o imperialismo – Engels defende abertamente, como uma obra civilizatória, a tomada do território mexicano da Califórnia pelos Estados Unidos em 1848 – eram necessários para o desenvolvimento das forças produtivas e, com isso, para a realização do socialismo. (Engels, 2010) Para bons comentários sobre a polêmica, cf. Angaut, 2009, pp. 52-61; Berthier, 2010, vol. 2, pp. 101-117; Leier, 2006, pp. 139-142.

mobilização massiva de camponeses. Pretendia forjar as bases para uma revolução de massas, cujo objetivo era conformar um governo revolucionário com poderes ditatoriais.

Para tanto, Bakunin envolveu-se numa tentativa de entendimento entre alemães e tchecos, redigindo um “Aufruf an die Czechen” [Apelo aos Tchecos], que foi publicado em abril de 1849 na Dresdner Zeitung. (Bakunin, 49001[e]) Além disso, produziu, naquele mesmo mês, uma série de artigos intitulada “Russische Zustände“ [A Situação na Rússia], cujos dois primeiros também foram publicados na Dresdner Zeitung. A série dedicava-se a explicar a conjuntura política russa a partir de análises do exército, do povo, da nobreza, da Igreja, da burocracia e das finanças de sua terra natal. (Bakunin, 49005[e], 49006[e], 49007[e], 49008[e], 49009[e], 49010[e])

Tentou, pela segunda vez, articular sociedades secretas altamente hierarquizadas e disciplinadas em Praga e por toda a Boêmia, assim como mobilizar trabalhadores e envolver a sociedade nacionalista tcheca Tilo Eslavo em seus planos. Contudo, as coisas não saíram como planejadas. A única conquista concreta de Bakunin e seus associados foi uma melhoria na relação dos eslavos com alemães, franceses, poloneses e italianos. Mas, no que tange ao projeto de insurreição na Boêmia, este não se concretizou, dentre outras razões, por falta de membros, envolvimento, responsabilidade e recursos financeiros.133

Como parte dos episódios de maio de 1849 na Alemanha, estourou no início daquele mês a Insurreição de Dresden. Conforme contextualização de Grawitz, a origem desse levante encontra-se na

vontade expressada pela câmara dos deputados de fazer com que o rei da Saxônia também aceitasse uma constituição como a de Frankfurt. Em 22 de abril de 1849, a Vaterlandsverein, reunindo aproximadamente 75 mil cidadãos, votou a recusa do pagamento de impostos enquanto as reivindicações constitucionais não fossem atendidas. Tendo o rei da Prússia prometido ajuda militar a toda autoridade real em dificuldades, o rei da Saxônia decidiu dissolver a câmara e apelar ao exército prussiano. A multidão enfurecida agrupou-se em frente ao arsenal, reivindicando armas contra os inimigos invasores. A Guarda Nacional disparou, deixando cinco mortos. (Grawitz, 1990, pp. 169-170)

133 Para um comentário mais aprofundado sobre o projeto de Bakunin da Insurreição na Boêmia, cf. Berthier,

2010, vol. 2, pp. 117-128. Cumpre notar a similaridade, destacada por Berthier nessas páginas, entre o modelo insurrecional preconizado por Bakunin para essa região e o projeto concretizado na Revolução Russa de 1917.

Em 3 de maio, a população tomou espontaneamente as ruas e construiu mais de 100 barricadas. No dia seguinte, proclamou um governo provisório de três membros: o democrata Samuel Tzschirner e os constitucionalistas Otto L. Heubner e Carl Todt. Logo em seus primeiros dias, aquele movimento de alguns milhares de insurgentes combateu em armas as forças da ordem e incendiou edifícios, fazendo avançar suas reivindicações. Ele radicalizava- se rapidamente, e a bandeira constitucional era substituída pela democrática, afastando assim a burguesia moderada.

Naquela que seria sua terceira experiência insurrecional-revolucionária, Bakunin atuou nesse levante alemão como dirigente político e militar. Fora do governo provisório, concebeu estratégias e aconselhou Tzschirner, com o qual chegou a fazer planos relativos aos eslavos, caso a revolução prosperasse. Comandou – em constante enfrentamento com o chefe oficial da milícia revolucionária, Alexander Heinze – os despreparados insurretos nas barricadas, estimulando-os e contribuindo, na medida do possível, com sua organização. Sua atuação foi, inclusive, elogiada pelos adversários Marx e Engels.134 Na

prisão, Bakunin (2010c[c], p. 60) confidenciaria a seu advogado Franz Otto: “Se eu não fosse russo, se eu me tivesse encontrado numa situação diferente, e se tivesse tido um conhecimento melhor dos locais, eu teria provavelmente feito muito mais coisas”.

Com a falta de recursos por parte dos insurgentes (principalmente munição) e o aumento da repressão, muitos desertaram – dentre os quais Tzschirner e os poloneses Heltman e Krzyzanowski. Bakunin permaneceu no enfrentamento graças à persistência de Heubner, por quem havia se afeiçoado, e às acusações de agente russo, que queria ver dissipadas – ele esperava que, com aquela

atitude, pudesse comprovar na prática que era um revolucionário honesto. Contudo, os exércitos saxão e prussiano reprimiam os insurgentes severa e cruelmente.135 Na iminência da

derrota, que se tornava cada vez mais evidente entre os dias 6 e 9, Bakunin chegou a propor a

134 Cf. a carta de Marx ao New York Daily Tribune de 2 de outubro de 1852 e o livro de Engels Revolução e

Contrarrevolução na Alemanha de 1851-1852.

135 Na “Confissão”, Bakunin (1976b[e], p. 176) pondera acerca da questão da violência: “Jamais pude conceber

que se lamentasse mais pelas casas e coisas inanimadas do que pelos homens. Os soldados saxões e prussianos divertiam-se disparando em mulheres inocentes que olhavam pelas janelas, e isso não surpreendia ninguém; mas quando os democratas puseram-se a incendiar casas em sua própria defesa, todo mundo gritava aos céus, qualificando isso como barbárie”.

explosão do prédio da prefeitura, mas, sem apoio, articulou a retirada dos insurretos. A insurreição terminou com mais de 200 mortos e mil presos. No trajeto da retirada, Bakunin, na passagem por Freiberg, chegou a propor a retomada da guerra, mas todos estavam esgotados e desmoralizados e não houve acordo para tanto.

Esgotado, em Chemnitz, enquanto dormia numa pensão na noite de 9 para 10 de maio de 1849, foi preso com Röckel e Heubner por burgueses conservadores e entregue às autoridades prussianas em Altemburgo – Wagner conseguiu fugir. Começava ali a pior fase

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