• Nenhum resultado encontrado

TEORIA DA REVOLUÇÃO E DIALÉTICA NEGATIVA (1841-1842)

5.4 DIALÉTICA NEGATIVA: LÓGICA REVOLUCIONÁRIA

Com o que foi discutido, é possível afirmar que, para Bakunin, os fundamentos da dialética negativa, distintamente daquilo que ele preconizava no período anterior, tornam-se, no período de 1841 a 1843, os seguintes: na tentativa de realizar-se, um princípio produz sua negação e, com isso, uma contradição, que termina por destruí-lo; num retorno a si, esse princípio retoma seu movimento, mas não (como na concepção anterior) integrando aquilo que parecia negá-lo e elevando-se a outro estágio de reconciliação, senão que (nessa nova concepção) se afirmando como um novo princípio, evidenciando a preponderância da negação sem relação com o antigo. Assim, o princípio positivo produz o negativo e, com isso, constitui uma contradição que, num determinado momento histórico, tem como fim a destruição do positivo pelo negativo e a conformação de um novo positivo, que não é a síntese mediada entre negativo e positivo e nem conserva qualquer aspecto do antigo positivo, mas que incorpora a transformação revolucionária da antiga negação numa renovada afirmação.

Essa dialética, entendida como movimento negativo, pode ser então formalizada, naquilo que se refere a seus fundamentos lógicos e revolucionários.

A contradição entre positivo e negativo – quando se eleva de mera diferença, contrariedade, à oposição, conforma a contradição e atinge seu momento culminante – só pode ser considerada em sua totalidade, em relação indissociável entre as partes contraditórias – não é mais possível entender as partes isoladamente. Ou seja, é necessário, nesse momento, “compreender a contradição em sua totalidade para conhecermos a verdade”. De acordo com a “Lógica de Hegel, onde ele faz um estudo tão notável sobre a categoria da contradição”, é da própria “natureza da contradição” o fato de que “a existência de um termo da contradição [pressupõe] a existência do outro”, e isso “[não é uma pressuposição positiva, mas uma pressuposição negativa, dissolvente]”. Como totalidade relacional, “a própria contradição, que enquanto tal inclui os dois termos [unilaterais], é total, absoluta, verdadeira”; seus termos, positivo e negativo, não podem ser entendidos separadamente, de maneira unilateral. A contradição “não é somente o negativo, mas é também o positivo e, englobando-os inteiramente, ela é a plenitude total, absoluta, não deixando nada fora dela”.113

Contudo, abarcar a contradição em sua totalidade não é algo simples. Isso porque a contradição não existe como totalidade; “ela é somente uma totalidade em si e escondida, e a sua existência [é] precisamente [a divisão contraditória] dos seus dois termos: o positivo e o negativo”. De modo de “a contradição, enquanto verdade total, é a união indissolúvel da sua simplicidade e da sua própria divisão”. A totalidade da contradição enquanto tal não pode ser imediatamente percebida, visto que ela aparece numa existência parcial, na exclusividade de seus termos positivo e negativo. Ela “só existe unicamente sob a forma da divisão dos seus termos e não é mais que a adição do positivo e do negativo”. No entanto, “estes termos excluem-se um ao outro tão categoricamente, que esta exclusão recíproca constitui toda a sua natureza”. (Bakunin, 1976a[e], pp. 115-116)

Se se procede de modo equivocado, tomando em consideração apenas o princípio positivo, de modo autônomo, pode-se crer que ele é o termo estático da relação. Entretanto, ao se abordar a contradição em sua totalidade, verifica-se que ela não pode ser concebida senão como relação dinâmica entre ambos os termos, e que a mera existência da contradição implica movimento dialético.

O positivo parece ser, primeiramente, o elemento calmo e imóvel; e mesmo é positivo unicamente porque nele não repousa nenhuma causa de perturbação e não há nada nele que possa ser uma negação, porque, enfim, no interior do positivo não há nenhum movimento, visto que todo o movimento é uma negação. Mas precisamente o positivo é tal que nele a ausência de movimento está estabelecida como tal, e assim, tomado em si, tem por imagem a ausência total do movimento; ora, a imagem que evoca em nós a imobilidade está indissoluvelmente ligada à do movimento, ou antes, elas não são mais que uma só e mesma imagem, e assim o positivo, repouso absoluto, só é positivo em oposição ao negativo, agitação absoluta; [dentro de si, o positivo está relacionado ao negativo como sua própria determinação viva]. A situação do positivo relativamente ao negativo apresenta-se assim sob dois aspectos: de uma parte, traz consigo o repouso, e esta calma apática que o caracteriza não tem qualquer traço do negativo, em si; de outra parte, para conservar este repouso, afasta energicamente dele o negativo, como se tivesse qualquer coisa de oposto ao negativo. Mas a atividade que desenvolve para excluir o negativo é um movimento, e assim o positivo, tomado em si mesmo e precisamente por causa da sua positividade, já não é mais o positivo, mas o negativo; eliminando dele o negativo, elimina-se a ele próprio e corre para a sua própria [ruína]. (Bakunin, 1976a[e], p. 117)

Na contradição, o positivo, aparentemente repouso absoluto, só é positivo na medida em que se opõe ao negativo, agitação ou movimento absoluto. Mas, ao opor-se ao negativo, o positivo coloca a si mesmo e a toda a contradição em movimento. Tentando afastar o negativo, o positivo põe-se em movimento e nega sua positividade; torna-se, ele próprio, o

negativo, de modo que quando elimina o negativo não faz mais que destruir a si mesmo. “O positivo e o negativo não são, em consequência, iguais em direitos” e “a contradição não é um equilíbrio, mas uma preponderância do negativo, que é o momento de sobreposição”. Não se trata, assim, de uma contradição que chega a determinado ponto de equilíbrio das partes contraditórias, mas de uma contradição que se resolve com a preponderância do negativo, o qual, “[como vida determinante do próprio positivo,] encerra só em si a totalidade da contradição” e é “o único que [é absolutamente legítimo]”. (Bakunin, 1976a[e], p. 117, grifos adicionados)

É somente com a abstração do negativo, quando ele é excluído do positivo, que o negativo torna-se tão parcial quanto o positivo. Quando o positivo, como força negativa, nega o negativo, cumpre uma função lógica e sagrada, sem saber que o faz. O movimento do positivo desperta o negativo de seu sono e o recoloca no sentido de sua vocação: a negação e a destruição de tudo aquilo que tem existência positiva. O positivo, então, torna possível ao negativo efetivar essa vocação.

O negativo não deve ser egoísta, [mas deve entregar-se] com amor ao positivo para absorvê-lo e, neste ato de [negação] religioso, cheio de fé e de vida, revelar a sua natureza íntima inesgotável e cheia de futuro. O positivo é negado pelo negativo e, [reciprocamente], o negativo [é negado] pelo positivo. Portanto, o que é comum a ambos e quem os domina? [A negação, a ruína, a absorção apaixonada do positivo,] mesmo quando este procura [finamente] esconder-se sob os traços do negativo. O negativo [legitima-se] nesta negação [impiedosa] – e como tal está absolutamente [legitimado]: [porque, como tal, ele é o ato do] espírito prático [presente invisivelmente] na contradição, o espírito que, por esta tempestade de destruição, exorta ardentemente à penitência das almas pecadoras dos [mediadores] e anuncia a sua vinda próxima [e sua manifestação] próxima numa Igreja da Liberdade [efetivamente democrática e universalmente humana]. (Bakunin, 1976a[e], p. 118)

É, portanto, na negação, na destruição, que se encontram as possibilidades práticas de um novo futuro – negar e destruir são condições prévias para a nova afirmação e a reconstrução revolucionária. Em sua negação, o termo negativo da contradição tem como essência o princípio democrático, que funciona como antítese do princípio reacionário do elemento positivo. Como força revolucionária, a democracia, a igualdade realizando-se na liberdade, só pode ser entendida por meio da referência negativa à não liberdade, e só pode ser efetivada pela negação dessa não liberdade. Quando, enfim, nessa contradição o negativo destrói o positivo, absorvendo-o, ele conforma um novo futuro e o princípio democrático realiza-se efetivamente como um novo princípio positivo. Não se trata, como se pode ver, de suprassunção ou síntese, mas de destruição do positivo pelo negativo. É a realização efetiva

da liberdade, da igualdade, da democracia. Portanto, esse conflito se resolve com a autoexpressão do negativo, com a destruição, por parte do negativo, de sua contraparte dialética, o positivo. Com isso, o negativo deixa de ser um outro, um termo negativo, para desaparecer junto com o positivo e reemergir como um novo positivo. (McLaughlin, 2002, pp. 48-49)

Capítulo 6

Documentos relacionados