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Where we've planted our roots : representações da colônia puritana no século XIX

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Academic year: 2021

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Gabriela de Souza Morais

Where we’ve planted our roots:

Representações da colônia puritana no século XIX

Campinas 2018

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Gabriela de Souza Morais

Where we’ve planted our roots:

Representações da colônia puritana no século XIX

Dissertação apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para obtenção do título de Mestra em História, na Área de História Cultural.

Orientador: Prof. Dr. Leandro Karnal

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA GABRIELA DE SOUZA MORAIS E ORIENTADA PELO PROF. DR. LEANDRO KARNAL

Campinas 2018

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Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)

Departamento de História

A comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação de Mestrado, composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 13 de março de 2018, considerou a candidata Gabriela de Souza Morais aprovada.

Prof. Dr. Leandro Karnal (Orientador) / IFCH- Unicamp ________________________

Prof. Dra. Eliane Moura da Silva / IFCH- Unicamp ________________________

Prof. Dr. Luiz Estevam de Oliveira Fernandes /ICHS- UFOP ________________________

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica da aluna.

Campinas 2018

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Dedico este trabalho a minha avó, Fátima, Que com suas memórias fez com que eu me apaixonasse pela História.

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AGRADECIMENTOS

E aprendi que se depende sempre De tanta, muita, diferente gente Toda pessoa sempre é as marcas

Das lições diárias de outras tantas pessoa

E é tão bonito quando a gente entende

Que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá E é tão bonito quando a gente sente

Que nunca está sozinho por mais que pense estar (“Caminhos do Coração”- Gonzaguinha)

Quando finalmente um trabalho acadêmico chega ao fim, pensamos que a parte mais complicada já passou. Deparamos-nos, então, com a parte dos agradecimentos e descobrimos que não é exatamente assim. Embora um trabalho acadêmico pareça solitário, acredito que ele sempre é um conjunto de ideias redigidas por mim, mas com a contribuição (seja ela intelectual ou emocional) de cada uma das pessoas que me formaram ou que me fizeram chegar onde estou. Aqui é o lugar de agradecê-las, por mais que talvez as palavras não possam dimensionar a real gratidão que tenho por cada uma delas.

Gostaria primeiro de agradecer a CAPES pela bolsa concedida, que trouxe tranquilidade a realização do trabalho.

Agradeço a Deus, que é parte de quem sou e minha “sorte personificada”. Talvez eu tenha feito por merecer, mas graças a Ele, felizmente, não recebo tudo que mereço.

Agradeço ao programa e ao curso de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas- IFCH, aos funcionários da secretaria do departamento, da pós-graduação e da biblioteca.

Agradeço aos professores que fizeram parte da minha formação durante o período do mestrado: Prof. Dr. Edgar de Decca (in memorian), Profa. Dra. Margareth Rago, Profa. Dra. Néri de Barros e Prof. Dr. Rui Rodrigues.

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Aos professores Dra. Eliane Moura e Dr. Luiz Estevam de Oliveira Fernandes agradeço por terem participado da minha banca de qualificação, com sugestões e indicações precisas e, novamente, aceitarem o convite para banca de defesa. Certa vez, o professor Luiz Estevam me disse que eu não devia acreditar (como é corrente escutar na academia) que o mundo acadêmico é povoado apenas de picuinhas e egoísmo, mas que nele havia espaço para muitas pessoas generosas e dispostas a ajudar: você, e a profa. Dra. Aline Vieira de Carvalho, certamente foram essas pessoas, por isso um agradecimento especial, já que acreditaram nessa pesquisa quando ela era apenas uma ideia.

Ao pessoal do Laboratório de Estudos Americanos (LEA): Maria Emília, Eduardo, Ricardo e Ana Carolina, agradeço pelos encontros de discussões de textos e parceria na realização de nosso I Congresso de América Colonial. Com a Ana, tenho uma grande dívida, por toda a ajuda durante a graduação, no projeto de mestrado e na pós-graduação, por ler meus textos e pelas sugestões para melhorá-los: muito obrigada!

À Nadhiny, amiga que me acompanhou durante toda a graduação e mestrado, agradeço por todo o companheirismo, amizade, risadas e compartilhamentos de ansiedades e alegrias, viagens para congressos e pesquisas, trocas de bibliografias e pela companhia infalível nas aulas (que se tornavam bem mais suportáveis e engraçadas com sua presença).

À Ana Clara e a Beatriz, por serem as melhores amigas que uma pessoa poderia ter.Agradeço por estarem comigo em todos os momentos, mesmo quando nem eu me aguentava mais.

Ao prof. Dr. Leandro Karnal: nenhum muito obrigado é suficiente para agradecer todas as indicações bibliográficas e sugestões, pelos empréstimos de livros, pela orientação precisa, pelo respeito e, principalmente pela liberdade de pesquisa e pensamento. Com ele aprendi tudo que sei sobre o ofício do historiador.

Agradeço também à minha família por me apoiar mesmo não sabendo exatamente a função do que estava fazendo: à minha tia, Clara, que mesmo passando por um momento muito difícil sempre encontrou tempo para ajudar a quem precisa; à minha tia Rosana; ao Philip e Paulo, que enchem nossa casa e nossa vida de alegria, à Daniella e ao André, primos que carregaram, literalmente, meu conhecimento nas costas; e à minha avó Fátima, por todo o cuidado, carinho e orações para que tudo desse certo.

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Por fim, agradeço as pessoas mais importantes da minha vida: Meu pai Roberto, minha mãe Marta e meu irmão Rafael, por todo apoio irrestrito. Sem vocês esse trabalho literalmente não existiria. A vocês, dedico esse trabalho, por tudo que são na minha vida.

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“Pois uma sociedade não é constituída simplesmente pela massa dos indivíduos que a compõe, pelo solo que ocupa, pelas coisas que utilizam, pelos movimentos que realiza, mas, antes de tudo, pela ideia que ela faz de si mesma.” (Émile Durkheim)

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RESUMO

Essa pesquisa busca trabalhar com a memória da experiência puritana produzida no século XIX por meio da análise de pinturas históricas. Neste período, foram produzidos quadros que retratavam a empreeitada e a chegada dos peregrinos à Nova Inglaterra no século XVII. Elas estavam em diálogo com a tentativa da construção de uma memória nacional que buscava encontrar neste passado as raízes que identificasse os verdadeiros americanos. Esta memória recupera e reforça aspectos políticos e religiosos que aparecem como representações nas pinturas analisadas e nos textos do século XVII, em que os pintores se espelhavam para produzir suas obras. Por meio da análise de nossa documentação, procuramos pensar que aspectos seriam reafirmados pelos americanos ao escolherem este passado e estas representações, e quais princípios são afirmados ao optar-se pelos pais peregrinos e pelo Thanksgiving como modelo de fundação, em detrimento de outros. A combinação entre a memória religiosa e política nos Estados Unidos daria origem a uma religião civil institucionalizada. O que pretendemos com nosso trabalho é pensar que aspectos deste passado colonial específico colaboram para a construção de uma memória nacional, calcada nesta religião civil, por meio da análise de representações iconográficas.

PALAVRAS-CHAVE: 1. Memória e representação; 2. Pinturas; 3. Religião Civil; 4.

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ABSTRACT

This research seeks to work with memory of the Puritan experience produced in the 19th through the analysis of a few historical paintings. With in that period were produced tableus that portrayed the arrival of the pilgrims to the New England, in the 17th century. Those paintings stablished a dialogue with the attempt to build a national memory that wanted to find in the colonial past the roots that would enable the identification of the “real americans”. This memory recovers and reinforces political and religious aspects that are represented in the paintings analysed in this research and in the writtings from the 17th by which the paint ors got inspired to produce their work. Throughout the analysis of the documents we’ve chosen, we thought over which aspects had been affirmed by the americans when they chosean specific past and specific representations, and which moral principles were reaffirmed when they’ve chosen the founding fathers and the thanksgiving as the foundational model, letting other models out. The religious and the political memory combined would lead the foundations for an institutional civil religion. Our work makes a reflection about various aspects of this specific colonial past that cooperated with the building of a national memory endorsed by this civil religion. We do soby the analysis of iconographic representations.

KEYWORDS: 1. Memory and representations; 2. Paintings; 3. Civil Religion. 4.

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DOCUMENTAÇÃO ICONOGRÁFICA

Figura 1: GAST, John. American Progress, 1872. ...58

Figura 2: COLE, Thomas. Gelyna ou View near Ticonderoga, 1826-1828...63

Figura 3: CHAPMAN, John. Bapstism of Pocahontas, 1840. ...75

Figura 4: Esboço de John Chapman do quadro Bapstism of Pocahontas. ...80

Figura 5: PARKER, E. after WEIR, R. Embarkation of the Pilgrims, Original: 1843/ Cópia: 1857/ Recriação: 1875. ...82

Figura 6: Esboço de Robert Weir do quadro Embarkation of the Pilgrims. ...85

Figura 7: LUCY, Charles. Departure of the Pilgrims from Delft Haven, 1847………. 86

Figura 8: LUCY, Charles. Landing of the Pilgrims, 1850. ...87

Figura 9: ROTHERMEL, Frederick. The Landing of the Pilgrims at Plymouth Rock, 1864.88 Figura 10: MATTESON, Tompkins. Signing the Compact on Board the Mayflower, 1853..91

Figura 11: GISBERT, Antonio. The Arrival of the Pilgrim Fathers, 1864..………...93

Figura 12: BOUGHTON, George Henry. Pilgrims Going to Church, 1867. ...94

Figura 13: BACON, H. The Landing of the Pilgrims, 1877. ...96

Figura 14: FERRIS, Jean Gerome. The Mayflower Compact 1620, 1899...98

Figura 15: FERRIS, Jean Gerome. The First Sermon Ashore, 1899...100

Figura 16: MORAN, Edward Percy. The Signing of the Compact in the Cabin of the Mayflower, 1900. ...101

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Figura 17: MORAN, Edward. The Pilgrims Landing, 1900. ...102

Figura 18: FERRIS, Jean Gerome. The first Thankgiving, 1621. 1912...120

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 16

1-Motivações da pesquisa ... 16

2-A memória da colônia ... 16

3- Memórias e representações ... 18

4-Estrutura da dissertação ... 21

CAPÍTULO 1. ... 24

1-Memória e imagem ... 24

2-A constituição da série documental ... 29

3-A pintura histórica ... 30

4-O século XIX e a História... 32

5-Religião Civil e a Memória Nacional ... 35

6- O século XVIII e a Religião Civil ... 42

7- A Guerra Civil (1861-1865) ... 47

8- Industrialização e imigração ... 54

9- Expansionismo no século XIX: A Fronteira e o Destino Manifesto ... 56

10-Escola do Rio Hudson x Pinturas Históricas ... 60

CAPÍTULO 2. ... 64

1-O uso político das imagens ... 64

2- O período colonial na Nova Inglaterra ... 65

3- O Mito da América ... 68

4- A Colônia em imagens ... 77

4- 1. Antebellum (1843- 1859) ... 78

4- 2. A Guerra Civil e o período de Reconstrução (1864-1882) ... 92

4- 3. O início do Século Americano (1899-1900) ... 97

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1-O primeiro Thanksgiving ... 104

2-A invenção de uma tradição para uma comunidade imaginada ... 106

3-A Religião Civil e o Thanksgiving ... 116

4-Thanksgiving como Cerimônia de Posse ... 117

5-Thanksgiving em imagens ... 118

CONCLUSÃO ... 126

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INTRODUÇÃO

1-Motivações da pesquisa

Estudei, em minha pesquisa de iniciação científica, as representações literárias, iconográficas e cinematográficas produzidas nos séculos XIX e XX sobre os julgamentos de mulheres acusadas de praticarem bruxaria em Salem nos anos de 1692 e 1693. Muitas coisas me intrigavam nessa pesquisa: a fixação que os americanos tinham por este episódio em específico, a relação extremamente complexa entre política e religião no primeiro país que separou as duas oficialmente e a recorrência da retórica puritana ao longo dos séculos posteriores, mesmo que esta corrente religiosa tenha sido minoritária nos Estados Unidos.

Ao fim da pesquisa de iniciação científica, estas dúvidas ainda me inquietavam e resolvi tentar me aprofundar neste tema, voltando-se ainda mais para colônia da Nova Inglaterra. Ao apresentar minha ideia ao meu orientador, Prof. Leandro Karnal, ele sugeriu que eu trabalhasse com a produção de pinturas históricas que retravam especificamente estes eventos. Sua sugestão foi, como sempre, frutífera, e esta pesquisa de mestrado começou a ser desenvolvida a partir de então.

2-A memória da colônia

“Nearly 400 years ago, a small band of Pilgrims fled persecution and violence and came to this land as refugees in search of opportunity and the freedom to practice their faith. Though the journey was rough and their first winter harsh, the friendly embrace of an indigenous people, the Wampanoag -- who offered gracious lessons in agriculture and crop production -- led to their successful first harvest. The Pilgrims were grateful they could rely on the generosity of the Wampanoag people, without whom they would not have survived their first year in the new land, and together they celebrated this bounty with a festival that lasted for days and prompted the tradition of an annual day of giving thanks.

This history teaches us that the American instinct has never been to seek isolation in opposite corners; it is to find strength in our common creed and forge unity from our great diversity. On that very first thanksgiving celebration, these same ideals brought together people of different backgrounds and beliefs, and every year since, with enduring confidence in the power of faith, love, gratitude, and optimism, this force of unity has sustained us as a people. It has guided us through times of great challenge and change and allowed us to see ourselves in

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those who come to our shores in search of a safer, better future for themselves and their families [...].”1

Em sua última proclamação do Thanksgiving, em 2016, o presidente Barack Obama, ao conclamar os americanos a comemorar a data, rememora a experiência peregrina do século XVII. Ele ressalta, em um contexto de grandes discussões sobre os milhares de imigrantes que buscavam asilo, que, assim como eles, a nação americana foi fundada por refugiados que, em busca de oportunidades e liberdade para praticar sua fé, a encontraram em solo americano. Eles teriam sido ajudados por indígenas que gentilmente os teriam acolhido e auxiliado o seu estabelecimento no novo mundo. Independente da veracidade do episódio de 1621, o que esta declaração do presidente nos mostra é a força do mito fundacional e sua capacidade de se ressignificar a cada época, sempre como um esforço de produzir união.

A influência da memória religiosa na esfera pública norte-americana existe e é notória, como é possível perceber em uma rápida análise dos discursos presidenciais como o mencionado acima. Nossa pesquisa, desde o princípio, foi norteada por esta premissa. Para tentar entender os pressupostos religiosos que estavam presentes na tentativa da construção de uma memória nacional na segunda metade do século XIX, nós procuramos analisar uma série de pinturas históricas, produzidas entre os anos 1843 e 1914, que retratam a chegada e estabelecimento dos peregrinos na região da Nova Inglaterra, no século XVII. Estas pinturas tratam de um esforço imagético para produzir união em um país que procurou sua identidade em um passado que reforça uma autoimagem.

O objetivo inicial da pesquisa foi tentar compreender de que forma um passado colonial específico foi reapropriado com o intuito de criar uma memória nacional, que ao fim tentava unir um país por meio de um projeto de nação, que, na prática, até aquele momento, não havia existido.

Para isto, procuramos analisar uma série de pinturas históricas, da segunda metade do século XIX e começo do século XX, e textos produzidos no século XVII que serviram de projeto para que os pintores construíssem suas obras. A escolha destes documentos se justifica porque tais pinturas recuperam aspectos políticos e religiosos que estavam presentes na retórica puritana do século XVII, e as representam resignificadas no

1

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século XIX. Além disto, procuramos, por meio da análise destes documentos, pensar nos aspectos que estavam sendo reforçados pelos americanos ao optarem por esta memória, entendida como institucional, e por estas representações, e que princípios são reafirmados quando são escolhidos o pais peregrinos e o Thanksgiving como modelo de fundação. Significa pensar, como afirma François Hartog: “como, em certos momentos-chave, o passado fora retomado no presente, para fazer dele um passado siginificante [...]”.2

A maior parte das pinturas que analisamos não foram, diretamente, encomendadas por um poder público com a intenção deliberada de produzir uma coleção visual sobre o passado norte-americano. No entanto, acreditamos que elas, pela popularidade que alcançaram, serviram, ainda que indiretamente, como auxiliares para esta memória que se tentava construir, uma vez que possuem a capacidade de moldar e influenciar uma memória sobre determinado evento, assim além de serem representações produzidas por meio de uma memória, elas são também produtoras de novas memórias.

Esta pesquisa surgiu de uma inquietação: a recorrente presença do mito dos peregrinos nos discursos oficiais e nas produções culturais norte-americanas, além da comemoração do Thanksgiving, que se tornou o feriado mais amplamente comemorado nos Estados Unidos, independente da origem econômica, social, religiosa ou cultural. Basicamente, a pergunta que desencadeou esta pesquisa foi: como uma memória que celebrava uma parcela mínima da população se tornou uma memória nacional? Em linhas gerais: “por que razão uma sociedade, num dado momento de sua história se reconhece numa representação do passado transmitida pela memória?” 3

3- Memórias e representações

Toda memória pressupõe silêncios. Quando um passado é escolhido, outros são, automaticamente, deixados de lado. A memória do Thanksgiving, ainda que tenha sido institucionalizada por um decreto presidencial de 1863, não foi automaticamente e nem posteriormente aceita por todos. Ela recebeu uma série de resistências nos anos seguintes. Por exemplo, o Sul, derrotado na Guerra Civil, reclamava a precedência de Jamestown e acusava o Norte de ter apagado sua memória; os indígenas questionavam a sua representação neste mito e o espaço que ocupavam na formação da nação:

2 HARTOG, François. Regimes de Historicidade. Belo Horizonte: Ed. Autêntica, 2013. Pág. 183.

3 LABORIE, Pierre. Memória e opinião. In: AZEVEDO, Cecília; BICALHO, Maria F.; KNAUSS, Paulo (Org.).

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“[...] o espaço memorial na baía de Plymouth/E.U.A., tido como local de desembarque de colonos ingleses é altamente contestado, de embate entre os defensores da narrativa dominante que enfatiza a contribuição destes primeiros imigrantes protestantes (conhecidos como “peregrinos”), contra ativistas, muitos deles indígenas, que lutam para introduzir uma versão alternativa da história no local. Ainda que os primeiros ingleses tenham chegado à região no século XVII, grande parte dos memoriais foram construídos há aproximadamente 100 anos. Portanto, foi no início do século XX que se decidiu memorializar esta narrativa histórica contra qual se opõem os manifestantes de Plymouth, que se reúnem na baía da cidade todo Thanksgiving e veem a chegada dos europeus como o início de uma campanha genocida contra a população nativa [...].”4

Os conceitos que permearam nossa pesquisa são os de memória e representação. As pinturas cumprem a função de uma dupla representação: ao mesmo tempo em que, por meio das narrativas escritas (que servem de modelo para as obras), representam o século XVII, elas são principalmente uma representação do momento em que foram produzidas: a segunda metade do século XIX.

Acreditamos que a memória funciona como um terceiro lugar, criado a partir do diálogo entre a realidade do passado e do presente. Ela, por meio das representações, recria o real, e é apenas por meio delas (memórias e representações), que o historiador pode ter acesso a um passado. Por meio de uma ótica translúcida, enxergamos partes do verdadeiro para construir uma narrativa, pelo menos verossímil. Não acreditamos que o passado seja totalmente opaco e impossível de ser conhecido, mas também não o enxergamos como transparente, em sua totalidade, já que, por mais apoiados em documentos que estivermos, eles nunca nos mostrarão a verdade, por serem subjetivos, mas, também, porque toda pesquisa histórica, como coloca Michel De Certeau, se conjuga a um lugar de produção socioeconômico, político e cultural5:

“[...] Implica um meio de elaboração circunscrito por determinações próprias: uma profissão liberal, um posto de observação ou de ensino, uma categoria de letrados, etc. Ela está, pois, submetida a imposições, ligada a privilégios, enraizada em uma particularidade. É em função desse lugar que se instauram os métodos, que se delineia uma topografia de interesses, que os documentos e as questões, que lhes serão propostas, se organizam” 6

4GORDENSTEIN, Samuel Lira. A materialidade das práticas de memória na terra do Thanksgiving. Revista

Arqueologia Pública, v.10, n.3, 2016. Pág. 6.

5 CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. 3 edição. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 2011. Pág.

47.

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As imagens assumem a função, em nossa pesquisa, de lugar de memória7, já que nelas cristalizam-se as memórias da nação8 que estava sendo construída, tratam de um lugar simbólico que serviu como auxiliar para a construção de uma identidade para os americanos. E, como todo lugar de memória, ela também é fruto de batalhas de memória pelo passado. A memória pelo passado norte-americano estava em plena disputa no século XIX. Artistas como Jean Gerome Ferris, pintam em sua coleção telas sobre temas da história americana, quadros sobre os peregrinos, mas também sobre Pocahontas. Quando se encomendaram os painéis que ficariam expostos na Rotunda do Capitólio, na década de 1830 e 1840, são escolhidos os peregrinos, mas também o batismo de Pocahontas (unificados por um discurso cristão, evidente em ambas). Isto demonstra que havia batalhas pela construção de uma versão oficial dos fatos, a luta pelo estabelecimento de um mito de origem9.

Outro importante conceito que norteou nossa pesquisa foi o de religião civil. Para o sociólogo Robert Bellah, que aplicou o termo pela primeira vez a realidade norte-americana, religião civil seria a junção entre a memória política e religiosa. Esta junção, segundo o autor, se expressava por meio de crenças, símbolos e ritos10.

O historiador Peter Gardella, ao ser questionado em uma entrevista, sobre qual a relação entre o excepcionalismo americano e a religião civil, responde que o excepcionalismo é uma religião civil extraordinariamente desenvolvida nos Estados Unidos. Isto porque, segundo ele, os americanos necessitam desta religião civil, pois são excepcionais em sua falta de cultura natural11:

“[...] We have a borrowed language, a land we took from the Native Americans, no native cuisine, no native perspective on history. Even the other nations in the Americas, like Mexico possess more of a native culture than we do.

Take the Mexican flag—the native symbols of the eagle with the serpent are depicted. The Mexican capital still sits on the old site of the Aztec capital. Mexicans are much more deeply rooted in their place than we are. We are very unusual in that we have this great void [...] “12

7 NORA, Pierre. Entre história e memória: a problemática dos lugares. Revista Projeto História. São Paulo, v.

10, p. 7-27. 1993.

8 FERNANDES, Luiz E.O. Patria mestiza Memória e História na invenção da nação mexicana entre os séculos

XVIII e XIX. 2009. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas. Pág. 21.

9 CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas. São Paulo: Cia das Letras, 2012. Pág. 35.

10BELLAH, Robert N. Civil Religion in America. Journal of the American Academy of Arts and

Sciences. 96 (1): 1–21. 1967. Pág. 3.

11https://johndwilsey.com/2015/01/23/interview-with-peter-gardella-author-of-american-civil-religion/. Acesso

em: 17/01/2018.

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O historiador, ao atribuir um novo significado ao excepcionalismo norte-americano, demonstra uma lacuna, que os americanos tentaram preencher no século XIX, procurando no passado puritano raízes que teriam sido plantadas e, a partir das quais, se estabeleceram os pilares que sustentariam a nação. Eles encontraram estas raízes? É o que tentamos procurar em nossa pesquisa. O que acreditamos, até aqui, é que, mesmo séculos depois, a imagem do peregrino ainda ressoa na consciência nacional norte-americana como o primeiro, e, portanto, o exemplo principal do que seria eventualmente conhecido como sonho americano.

4-Estrutura da dissertação

Optamos por dividir nossa pesquisa em três capítulos. Eles não tratam de temas independentes, já que todos estão interligados de alguma forma. Na parte inicial do primeiro capítulo, fizemos uma breve apresentação dos conceitos e autores que foram norteadores para nossa pesquisa: memória e representação.

Ainda nesta parte inicial, explicamos como constituímos nossa série documental. Ela foi dividida entre os textos - que serviram de narrativa para os pintores construírem seus quadros, em geral produzidos no século XVII por puritanos que chegaram à Nova Inglaterra - e as pinturas históricas, expostas entre os anos 1843 e 1914.

Foi discutido também, no capítulo 1, o conceito de religião civil e sua aplicação ao longo dos séculos XVIII e XIX. Além disso, fizemos uma breve síntese da complexidade religiosa norte-americana, tendo em vista o número de vertentes que se instalaram e se desenvolveram naquele território. Em seguida, trabalhamos com a Guerra Civil, já que acreditamos que, dentre as inúmeras mudanças pelas quais passou os Estados Unidos no século XIX, ela foi, sem dúvida, um marco na história do país, seja pelo gigantesco número de baixas que produziu, seja como propulsora de batalhas de memória, seja pela produção cultural que gerou. Este momento é marcado pela tentativa sistemática de produzir uma memória nacional que produzisse uma união e que justificasse os Estados Unidos como nação.

Por fim, neste capítulo, analisamos duas ideias muito caras aos americanos: o Destino Manifesto e a tese da Fronteira. Ambas as ideias utilizam a representação discursiva puritana do século XVII. Acreditamos que estas duas ideias colaboram para o entendimento das metáforas, questões e conceitos que procuramos identificar por meio das pinturas.

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No segundo capítulo, focamos na análise das pinturas. Mas, antes disto, fazemos uma apresentação dos eventos que teriam ocorrido no século XVII e que são narrados pelos pregadores puritanos em seus textos: a saída da Holanda, a travessia a bordo do Mayflower, a chegada e o estabelecimento no Novo Mundo. Em seguida, trabalhamos com o discurso tipológico que foi produzido na colônia, as metáforas e associações bíblicas que os escritores desenvolveram. Em especial, três metáforas foram norteadoras desta retórica: a cidade no alto da colina (City Upon a Hill), a missão na natureza selvagem (Errand into the wilderness) e a jardinagem espiritual.

Nossa série de pinturas foi dividida, como já mencionado, em quatro grupos, na ordem em que foram produzidas. No capítulo 2, analisamos os três primeiros. Acreditamos que em cada um dos períodos são destacados determinados temas. As pinturas foram divididas, nesse capítulo, em: Antebellum, o período anterior à Guerra Civil, entre os anos 1843 e 1859; o segundo grupo compreende as pinturas produzidas durante a Guerra e no período de reconstrução, entre os anos 1864 e 1882; o terceiro foca na virada do século, com pinturas produzidas em 1899 e 1900.

No terceiro e último capítulo, nosso foco foi a análise do Thanksgiving. Trabalhamos com ele com uma tradição inventada13, criada com o intuito de unir um país marcado por antagonismos que foram ainda mais reforçados com a Guerra Civil e a necessidade de assimilar a massa de imigrantes que chegava ao país vindo de vários lugares do mundo. Foi necessário, neste contexto, procurar um mito de fundação que abarcasse todos os americanos, seja por nascimento ou por imigração.

Escolhemos trabalhar com esta comemoração, pois acreditamos que ela funde todo o simbolismo deste passado que foi reapropriado no século XIX e tomado como memória nacional. Além disto, como diz Georges Duby ao analisar a recorrência da Batalha de Bouvines, acreditamos que é justamente:

“[...] por ter grande ressonância, porque foi aumentado pelas impressões das testemunhas, pelas ilusões dos historiadores, porque a muito se fala deles, porque sua irrupção suscita uma torrente de discursos, que o acontecimento sensacional assume inestimável valor. Pelo que bruscamente ele esclarece. Por seus efeitos de ressonância, por tudo aquilo cuja explosão provoca a ascensão desde as profundezas do não-dito, pelo que ele revela ao historiador das latências. Pelo próprio fato de ser excepcional, o acontecimento faz emergir, no afluxo de palavras

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que ele libera vestígios que, se não nos detivéssemos nele, permaneceriam nas trevas [...]”14

Por fim, analisamos o último conjunto de imagens, produzidas entre 1912 e 1914. Elas retratam o primeiro Thanksgiving, que teria ocorrido em 1621. Nelas são reafirmados os aspectos que a comemoração do Thanksgiving pretende celebrar: o nascimento deste povo, desta nação, da nova civilização cristã, da adaptação no novo mundo15. Ele é a celebração do nascimento de uma nação que surgiu sob o signo de povo eleito.

14 DUBY, Georges. O domingo de Bouvines. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1993. Pág. 10-11.

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CAPÍTULO 1.

SÉCULO XIX: ENTRE MEMÓRIAS E REPRESENTAÇÕES

1-Memória e imagem

As pinturas são as principais fontes desta pesquisa. Isto se deve principalmente ao fato de que acreditamos que nelas há um grande potencial de comunicação e porque elas - como dupla representação (já que representariam o século XVII, mas, ao mesmo tempo, são representações do século em que foram produzidas) - serem produtoras de memórias, dotadas de historicidades e de caminharem em diálogo com o que está sendo produzido e discutido à sua volta. Por isto, antes da análise propriamente dita, é essencial uma breve discussão sobre o potencial cognitivo da imagem, sua análise pelo historiador cultural e sobre a escolha e montagem da série aqui trabalhada.

Partimos da ideia de que imagens não são meras ilustrações do empreendimento histórico, mas, sim, documentos que, tal como os textos escritos, representam e estabelecem um diálogo entre o presente e o passado. Elas contribuem para um melhor entendimento das formas por meio das quais, no passado, as pessoas representaram sua história e historicidade e se apropriaram da memória cultivada individual e coletivamente16. Além disto, é importante ressaltar que análise das imagens nesta pesquisa não se deu por um viés da História da Arte, mas pelo da História Cultural, isto porque foi dada uma atenção maior às representações icônicas e figurativas e ao seu poder simbólico do que aos aspectos técnicos ou metodológicos. Isto não significa acreditar que a História da Arte se resuma a tais finalidades, mas apenas destacar que algumas das preocupações desta área são, para este trabalho, menos relevantes.

É relativamente recente o uso sistemático de imagens como documentação histórica. Elas foram por muito tempo um apêndice ou uma ilustração na análise historiográfica. Embora as imagens pertençam ao universo dos vestígios mais antigos da vida humana17, sua importância enquanto representação do passado para os historiadores não é tão antiga. Muitos historiadores datam esta gradativa importância a partir da década de 1960,

16 PAIVA, Eduardo França. História & Imagens. Belo Horizonte: Ed. Autêntica, 2002. Pág. 13.

17 KNAUSS, Paulo. O desafio de fazer História com imagens: arte e cultura visual. ArtCultura, Uberlândia, v. 8,

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quando se fundamentou a ampliação da noção de documento18 a partir da chamada “Nova História”, com a abertura de novos horizontes documentais.

Até o final do século XIX, a análise histórica estava muito restrita à concepção cientificista do documento escrito (usado como sinônimo de fonte histórica, que, por sua vez, era entendida como verdade do passado), e a historiografia não permitia reconhecer as possíveis aberturas para outras fontes importantes na percepção das dimensões múltiplas do processo histórico19. É só no final do século XIX e começo do XX que, segundo Ulpiano Meneses, a História da Arte começa a encaminhar-se para aceitação dos direitos de “cidadania da fonte iconográfica”, o que ocorrerá de forma plena somente posteriormente, na História Cultural20.

Ainda segundo Meneses, durante a Revolução Francesa foram incentivadas a produção de imagens como instrumento político na luta revolucionária e contrarrevolucionária, o que colaborou para estabelecer uma “relação visual com o passado” 21. Isto significa dizer que, diante dos usos públicos da História, a imagem é um componente de destaque, mesmo que não tenha sido valorizada como fonte de pesquisa pelos próprios profissionais da área22.

A partir do século XX, principalmente com a Escola dos Annales, passou-se a criticar a concepção cientificista da história, que tinha predominado até então. Com isto, questionou-se também a definição de documento histórico, o que impôs a revalorização das imagens como fonte de representações sociais e culturais23. Ao contrário da ideia positivista de que os documentos exprimiam uma verdade do passado, passou-se a entendê-los mais como:

“[...] parte da perspectiva de que os registros do passado que chegam até os dias de hoje não são inocentes. Se os vestígios do passado atravessaram os tempos, é porque, em grande medida, originaram-se dos esforços de antigas gerações de legar uma certa ideia de seu tempo e de sua sociedade às gerações futuras. São, assim,

18 MENESES, Ulpiano Bezerra. Fontes visuais, cultura visual, História visual. Balanço provisório, propostas

cautelares. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 23, nº 45, pp. 11-36 – 2003. Pág. 19.

19 TATSCH, Flávia Galli. A construção da imagem visual da América: gravuras dos séculos XV e XVI. 2011.

Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas. Pág. 23.

20 MENESES, Ulpiano Bezerra. Fontes visuais, cultura visual, História visual. Balanço provisório, propostas

cautelares. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 23, nº 45, pp. 11-36 – 2003. Pág. 13.

21 Idem, Ibidem. Pág. 13.

22 KNAUSS, Paulo. O desafio de fazer História com imagens: arte e cultura visual. ArtCultura, Uberlândia, v. 8,

n. 12, p. 97-115, jan.-jun. 2006. Pág. 98.

(26)

produtos de uma operação seletiva que traduz o controle sobre as informações que a sociedade exerce sobre si mesma. [...]”24

As imagens, especificamente aqui, as pinturas, são, como tudo que foi produzido pela sociedade, fontes de representações e, como tais, não exprimem uma verdade do passado. Como afirma Roger Chartier, todas as manifestações humanas são representações. Ele considera: "[...] não haver prática ou estrutura que não seja produzida pelas representações, contraditórias e em confronto, pelas quais os indivíduos e os grupos dão sentido ao mundo que é o deles. [...]” 25. A imagem não é uma mera ilustração, mas é um local de construção e figuração do lugar simbólico, é uma representação e esta representação é “produzida e incorporada a uma sociedade, mas sua criação já existe antes mesmo de sua forma e estrutura” 26.

Como representações do passado, estas pinturas revelam muito da época e da sociedade que as produziram e, neste sentido, desempenham papel decisivo no processo de construção visual do passado27. Elas são responsáveis por produzir uma memória sobre parte de um passado específico que se quer ressaltar e, no caso trabalhado na pesquisa, caminha em diálogo com a memória oficial e institucional da segunda metade do século XIX nos Estados Unidos. Pensando nesta memória oficial, Paul Ricoeur levanta em sua obra questões acerca da memória exercitada por meio de uma memória oficial, que, em alguns casos, encobre outras memórias que não fazem parte desta ordem oficial. Isto geraria, segundo o autor, um conflito com a história, que seria responsável, muitas vezes, por criar as bases para a imposição da memória oficial através do discurso de um elemento comum em uma determinada sociedade, já que “[...] nesse nível aparente, a memória imposta está armada por uma história ela mesma ‘autorizada’, a história oficial, a história aprendida e celebrada publicamente. [...]” 28.

Existe, como afirma Ricoeur, uma dupla função da memória em relação à história, se pensarmos nela de uma forma circular e não linear (que seria pensar a memória como simples matriz da história). Desta forma, ela é, sim, matriz da escrita da história, mas depois se torna também um canal de reapropriação do passado histórico29. As pinturas, assim como a

24Idem, Ibidem. Pág. 102.

25CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Estudos Avançados. São Paulo, v. 5, n. 11, 1991. Pág. 177. 26TATSCH, Flávia Galli. A construção da imagem visual da América: gravuras dos séculos XV e XVI. 2011.

Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas. Pág.66.

27SCHLICHTA, Consuelo A. B. D. A pintura histórica e a elaboração de uma certidão visual para a nação no

século XIX. 2006. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal do Paraná. Pág. 5

28RICOEUR, Paul. A Memória, a História, o Esquecimento. São Paulo: Ed. UNICAMP, 2007. Pág. 98.

29RICOEUR, Paul. Memory, history, oblivion (Conferência). “Haunting Memories? History in Europe after

(27)

memória, também têm esta dupla função, uma vez que elas são matrizes para a obra de arte e, ao mesmo tempo, produtoras de novas memórias. As imagens são representações do passado reapropriadas através da memória e esta memória surge por meio de uma imagem do passado que está ausente, mas que consideremos que um dia existiu30

“[...] o passado está, por assim dizer, presente na imagem como signo da ausência, mas se trata de uma ausência que, não estando mais, é tida como tendo estado. Esse “tendo estado” é o que a memória se esforça por reencontrar. Ela reivindica a sua fidelidade a esse “tendo estado” [...] “31

Toda elaboração da memória se dá no presente e para responder a solicitações do presente. Quando uma obra de arte é produzida, mesmo que representando e tentando reconstruir o passado, é uma produção da memória do presente, que dialoga e nos diz mais sobre o momento em que foi criada do que sobre o passado que quer representar. Nossa análise, então, não foge à regra: ela se dá por questões levantadas no presente. É possível olhar o passado, saber que ele de alguma forma existiu, mas é impossível virar as costas para o presente, pois ele influencia a visão que se tem do passado, já que, como lembra Michel de Certeau: “[...] uma leitura do passado, por mais controlada que seja pela análise dos documentos, é sempre dirigida por uma leitura do presente [...]” 32.

Não pretendemos, nesta pesquisa, levantar um debate profundo a respeito da memória e sua relação como a história33. Não acreditamos que aja, entre as duas, uma hierarquia, mas que ambas, ao se utilizarem de seu substrato comum, o passado, se tornam objetos políticos. Todo uso político do passado, visa, por meio de um discurso nivelador e pretensamente universal, como afirma Jeanne Marie Gagnebin, a se vangloriar de uma história verdadeira e, portanto, única certa ou possível, que obedece a interesses precisos34. Isto não significa acreditar que toda memória se dá de cima para baixo, mas que qualquer poder institucional necessita delas para se constituir.

30Idem, Ibidem. Pág. 2. 31Idem, Ibidem. Pág. 2.

32CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. 3 edição. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 2011. Pág.

8.

33 As discussões sobre Memória e História são infindáveis. Para um mapeamento do tema recomendamos alguns

textos importantes. A coletânea do historiador Jacques LeGoff, História e Memória, apesar de datada em alguns aspectos, é imprescindível para um primeiro contato com o tema. O sociólogo Maurice Halbwachs, em 1949, cunhou em seu livro Memória Coletiva o termo que influenciou diversos trabalhos produzidos posteriormente. Ulpiano Bezerra de Meneses, na tentativa de mapear esta relação, produziu, em 1992, um importante artigo “A História, cativa da Memória?”. Por fim, um texto mais recente e que dialoga com a obra seminal de Paul Ricouer A memória, a história, o esquecimento, é Lembrar Escrever Esquecer, de Jeanne Marie Gagnebin (todas as referências estão citadas na bibliografia).

(28)

Para se manter e validar, no entanto, qualquer esforço oficial precisa da participação da população. E neste entremeio se desencadeia uma série de batalhas de memórias. Cada grupo reivindica o seu passado como o correto e verdadeiro e, como afirma Ricouer, “[...] o que justifica essa preferência pela memória “certa” é a convicção de não termos outro recurso a respeito da referência ao passado, senão a própria memória [...] “35. Embora estejamos de acordo com o autor a respeito do fato de a memória ser essencial como forma de acesso ao passado, é preciso levar em conta que ela é também manipulada e produzida no presente, consciente ou inconscientemente, se adaptando a mudanças ou diretrizes que cada pessoa ou grupo queira lhe dar.

“[...] A elaboração da memória se dá no presente e para responder a solicitações do presente. É do presente, sim, que a rememoração recebe incentivo, tanto quanto as condições para se efetivar.”36

Ulpiano Bezerra de Meneses distingue três tipos de memória: a individual, a coletiva e a nacional37. A individual não seria, a princípio, objeto das ciências sociais, a não ser quando se juntam mais de uma em uma interação social38. A coletiva geralmente é compartilhada por um grupo social que asseguraria uma coesão e solidariedade em momentos de crise ou pressão, não é espontânea e precisa ser constantemente reavivada. Ademais, várias memórias coletivas podem coexistir39. A memória nacional, por outro lado, busca não a coexistência de várias memórias coletivas, mas a unificação e integração em torno de uma só, muitas vezes parte do Estado ou de classes dominantes, e busca o desenvolvimento e a formulação de uma identidade nacional40.

O que nos interessa neste trabalho é pensar como, via memória ou história, tentou-se constituir uma memória nacional na tentou-segunda metade do século XIX, apoiando-tentou-se na escolha de um passado específico, com o intuito de promover uma união e uma reconciliação optando por aspectos que, teoricamente, os americanos teriam em comum. Como mencionado, no entanto, toda memória institucional necessita de aceitação da população, e, também, como toda memória, é escolhida em detrimento das demais, excluindo história, passado e grupos desta ordem oficial. Por meio das pinturas, nosso intuito foi pensar em como

35 RICOEUR, Paul. A Memória, a História, o Esquecimento. São Paulo: Ed. UNICAMP, 2007. Pág. 40.

36 MENESES, Ulpiano Bezerra. A história cativa da memória. Para um mapeamento da memória no campo das

Ciências Sociais. Revista Est. Bra. , 34, 1992. Pág. 11.

37 Idem. Ibidem. Pág. 14. 38 Idem. Ibidem. Pág. 14. 39 Idem. Ibidem. Pág. 15. 40 Idem. Ibidem. Pág. 15.

(29)

uma memória popular específica da Nova Inglaterra (o Thanksgiving) e, no caso americano, religiosa, estabeleceu um diálogo com o poder público a ponto de ser, pelo menos em parte, reconhecida como um passado e uma tradição nacional até os dias de hoje.

2-A constituição da série documental

A maior parte da base documental da pesquisa é constituída de imagens, pinturas dos séculos XIX e XX. Acreditamos que a pesquisa ganha muito quando combinamos as imagens a outros tipos de evidências. Por este motivo, junto às pinturas, procuramos analisar alguns textos escritos no século XVII, que narram os eventos pintados séculos depois. Todavia, como as pinturas são a maioria, é importante discutir como se deu a construção da série aqui trabalhada.

Primeiro, é importante ressaltar que “[...] independente de sua qualidade estética, qualquer imagem pode servir de evidência histórica [...].” 41, além disto, como lembra Ginzburg, “uma pintura pode ser significativa para o historiador, por testemunhar determinadas relações culturais, importante para o estudioso iconográfico e, ao mesmo tempo, irrelevante do ponto de vista estético” 42.

Como afirma Meneses, é essencial que se construam “séries iconográficas” 43. Flávia Tatsch, por sua vez, afirma que “[...] agrupar gravuras em série é fundamental para se perceber como determinados temas ou significados surgiram, como se deu seu ritmo de desenvolvimento, as permanências, as regularidades e os desvios” 44. Acreditamos que o mesmo vale para as pinturas.

A constituição de nossa série se deu por uma questão temática e cronológica. Focamos em pinturas produzidas na segunda metade do século XIX e começo do século XX, período no qual as chamadas pinturas históricas predominaram nos Estados Unidos. Dentro do recorte, no entanto, as organizamos em quatro grupos: as que foram produzidas antes da Guerra Civil (1847-1859); as que foram pintadas durante a Guerra e o período de reconstrução do país (1864-1882), as da virada do século (1899 a 1900), e as do começo do século XX até o início da Grande Guerra (1912-1914). Na questão temática, optamos por

41 BURKE, Peter. Testemunha ocular: História e imagem. Bauru: EDUSC, 2004. Pág. 20-21. 42 GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais. São Paulo: Cia das Letras, 2014. Pág. 57.

43 MENESES, Ulpiano Bezerra. Fontes visuais, cultura visual, História visual. Balanço provisório, propostas

cautelares. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 23, nº 45, pp. 11-36 – 2003. Pág. 27.

44 TATSCH, Flávia Galli. A construção da imagem visual da América: gravuras dos séculos XV e XVI. 2011.

(30)

pinturas que retratavam a colônia puritana da Nova Inglaterra: a saída dos peregrinos da Holanda, a viagem a bordo do Mayflower, a chegada deles em Plymouth e o Thanksgiving, focando principalmente nas demonstrações e metáforas religiosas presentes nas imagens.

3-A pintura histórica

Procuramos utilizar na pesquisa pinturas que se encaixam em um gênero específico: o da pintura histórica. Este tipo de pintura atraiu um vasto público aos salões de arte em todo o mundo, sobretudo no século XIX45. Embora já há muito tradicional, este gênero, a partir do Renascimento, ganhou força como essencialmente ligado a preceitos morais46. A valorização deste tipo de pintura consistia no fato de existir, neste período, uma hierarquia que seria responsável por reger as diferentes categorias, e o de pintura histórica ocupava o mais alto patamar47. Isto se dava porque o homem era visto como a mais perfeita obra de Deus, tornando as representações de seus feitos a forma mais elevada de arte48. Este gênero incluía quadros de cenas históricas, religiosas e da mitologia pagã, e geralmente focava em grandes e famosos acontecimentos e personagens49. Como afirma Cláudia Mattos: “a pintura de história não deveria reproduzir a história propriamente dita, mas sim extrair dela o seu caráter perene e, portanto, ideal” 50.

Houve, no entanto, dentro do próprio gênero de pintura histórica, um embate a partir do final do século XVIII. O gênero histórico, entendido e pintado a partir do Renascimento com um caráter moral, e muitas vezes de forma metafórica (uma cena histórica ou da mitologia eram usadas como metáfora de um fato contemporâneo) 51 passa a ser criticada. Nasce, então, uma concepção de pintura histórica como registro fiel do fato histórico52 (o que está em diálogo com a concepção histórica de que o passado pode ser

45 PEREIRA, Walter L. C. de M. Imagem, nação e consciência nacional: os rituais da pintura histórica no

século XIX. in: Cultura Visual, n. 17, maio/2012, Salvador: EDUFBA, p. 93-105. Pág. 93.

46 MATTOS, Cláudia V.; OLIVEIRA, Cecília H. S (org.). O brado do Ipiranga. São Paulo: Edusp, 1999. Pág.

120.

47 Idem, Ibidem. Pág. 121. 48 Idem, Ibidem. Pág. 121.

49 PEREIRA, Walter L. C. de M. Imagem, nação e consciência nacional: os rituais da pintura histórica no

século XIX. in: Cultura Visual, n. 17, maio/2012, Salvador: eDUFBA, p. 93-105. Pág. 95.

50 MATTOS, Cláudia V.; OLIVEIRA, Cecília H. S (org.). O brado do Ipiranga. São Paulo: Edusp, 1999. Pág.

123.

51 Idem, Ibidem. Pág. 129. 52 Idem, Ibidem. Pág. 125.

(31)

enxergado tal qual realmente foi), concepção que prevaleceu e se intensificou entre o período da Revolução Francesa (1789) e da Primeira Guerra Mundial (1914) 53.

As pinturas norte-americanas analisadas estão em diálogo com a concepção de história e de fato típica do século XIX, que enxerga a disciplina como ciência e que procura um compromisso com o real, de reproduzir o passado tal qual ele teria ocorrido. Como toda representação do passado nos diz mais do presente do que sobre o que está sendo representado, há, nestas pinturas, também, uma série de metáforas, principalmente religiosas, nas quais é possível enxergar o conceito de religião civil ali representado, já que, para se expressar, ela necessita de mitos de origem (ou de refundação), símbolos, heróis e ritos54, e acreditamos que é possível enxergá-los nas imagens.

A pintura histórica do século XIX está fortemente atrelada a um viés político, ligada ao ideário de nação típico da segunda metade deste século. Para Schlichta, este tipo de pintura seria fonte de compreensão e de representação dos acontecimentos históricos, e se configuraria como um instrumento de legitimação simbólica para a construção da nação, que seria moldada em torno dos objetivos comuns de uma leitura gloriosa do passado55. Ela considera que estes tipos de pinturas são discursos que, assim como os textos escritos, tentam impor uma autoridade e legitimar uma visão56 que, embora aspirem à universalidade, são sempre marcadas pelos interesses daqueles que as produzem57. Como exemplo do uso político das imagens, podemos citar a França de Napoleão58 e o Brasil Imperial59, ou seja, uma série de pinturas responsáveis por criar uma memória nacional na qual é possível forjar um passado épico e monumental60.

Outra característica própria da pintura histórica é que ela, na maioria das vezes, é fruto de narrativas. Os pintores do XIX não tiveram acesso aos eventos do XVII, então suas obras são construídas a partir de relatos, textos ou documentos, das narrativas do passado.

53 BURKE, Peter. Testemunha ocular: História e imagem. Bauru: EDUSC, 2004. Pág. 196.

54 CATROGA, Fernando. Nação, mito e rito. Fortaleza: Edições NUDOC/Museu do Ceará, 2005. Pág.7.

55 SCHLICHTA, Consuelo A. B. D. A pintura histórica e a elaboração de uma certidão visual para a nação no

século XIX. 2006. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal do Paraná. Pág. 1.

56 Idem, Ibidem. Pág. 12. 57 Idem, Ibidem. Pág. 13.

58 STOIANI, Raquel. Da Espada à Águia: Construção Simbólica do Poder e Legitimação Política de Napoleão

Bonaparte. 2002. Dissertação (Mestrado em História)- Universidade de São Paulo.

59 SCHLICHTA, Consuelo A. B. D. A pintura histórica e a elaboração de uma certidão visual para a nação no

século XIX. 2006. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal do Paraná.

60 CASTRO, Isis. Pintura, memória e história: a pintura histórica e a construção de uma memória nacional.

(32)

Existia aí uma forte relação entre o trabalho do pintor histórico e do historiador: ambos eram engajados na construção de um passado e de uma memória. As fontes não eram entendidas como representações, mas como a própria materialidade do passado: “(...) a pintura histórica, por lidar com fatos históricos, também deveria utilizar fontes e buscar a verdade (...)” 61. Este tipo de pintura, no entanto, oferece alguns problemas:

“Pinturas narrativas trazem problemas de sua própria natureza tanto para pintores quanto para leitores – a metáfora da “leitura” de imagens é especialmente apropriada nesse caso. Por exemplo, há o problema da representação de uma seqüência dinâmica na forma de uma cena estática, em outras palavras, do uso do espaço para substituir ou representar o tempo. O artista tem de condensar ações sucessivas numa única imagem, geralmente em momento de clímax, e o espectador tem de estar consciente dessa condensação. [...] “62.

Por isto, havia necessidade de estas pinturas virem acompanhadas de um título, subtítulos e algumas vezes até pequenos textos explicativos (o iconotexto) 63. Além disto, é preciso levar em conta um fator importante para o historiador: de que o “leitor” da imagem está lendo o passado pela lente do pintor, o que envolve todas as problemáticas do presente do pintor e do leitor.

4-O século XIX e a História

O período entre a segunda metade do século XIX (principalmente após a Guerra Civil) e o começo da Grande Guerra foi marcado por mudanças intensas nos Estados Unidos. Mais do que no período da Independência, este é o momento em que o país está pretendendo se consolidar como uma nação e quando são intensificados os processos e as batalhas para a construção de uma memória nacional e a criação de uma narrativa do passado que a justificasse.

Como menciona Luiz Estevam Fernandes: “[...] para formar uma identidade nacional, baseada na ideia de uma cultura homogênea, herdeira de tradições comuns, era necessário escolher um passado. [...]” 64. Nos Estados Unidos, este passado é o da colônia puritana, dos pais peregrinos, do Mayflower e do Thanksgiving. Ao optar por este passado, outros tantos são silenciados.

61 Idem, Ibidem. Pág. 347.

62 MATTOS, Claúdia V.; OLIVEIRA, Cecília H. S. O brado do Ipiranga. São Paulo: Edusp, 1999. Pág. 178. 63 Idem, Ibidem. Pág. 178.

64 FERNANDES, Luiz E.O. Patria mestiza Memória e História na invenção da nação mexicana entre os séculos

(33)

“[...] A história, a geografia e a literatura têm sido campos férteis para a produção de narrativas que oferecem bases “verdadeiras” para a construção de identidades nacionais. Entretanto, sabemos que as identidades nacionais foram construídas, e estas construções envolvem conflitos entre as diferentes propostas de representações sobre a nação. ”65

Antes de pensar esta memória específica norte-americana, que é um imbricamento de memórias políticas e religiosas, é necessário entender qual o papel que a História, como disciplina, desempenhava no país, já que: “antes de saber o que a história diz de uma sociedade, é necessário saber como funciona dentro dela [...] ”66

Philippe Joutard, ao comparar a relação da disciplina na França e nos Estados Unidos, afirma que, de um lado, está a França, um país com uma história muito antiga, que desde o século XIII funda sua identidade em uma memória histórica bastante elaborada e que se intensifica em períodos de crise, como a Guerra dos Cem Anos, ou as inúmeras guerras religiosas. Do outro lado está os Estados Unidos (considerando aqui o país que se estabeleceu depois da Independência), que, por sua vez, possuía uma história muito mais curta e recente67. Este tipo de relação com o passado é refletido na forma como cada um pensa a história. Para os franceses, ela é uma espécie de paixão, ao contrário do que aparenta para os americanos. À primeira vista, a relação que os Estados Unidos têm com o passado é bastante frágil68

, o que Alexis de Tocqueville já afirmou ao escrever que os americanos rejeitam a tirania do passado.

Para Joutard, a aparente indiferença com relação ao passado por parte dos norte-americanos, se comparado à França, tem a ver, a princípio, com a rejeição do passado europeu69, o que não impediu o desenvolvimento de um sistema de história-memória tão ou mais desenvolvido que o francês70. O sentimento de negação das origens européias esteve presente principalmente no século XVIII e início do XIX, durante e após todo o processo de Independência, como lembra Mary Junqueira:

“[...] Com a Independência criou-se ainda outra ideia: a de que o norte-americano era um novo tipo de homem, completamente desvinculado do passado, “emancipado da História”. (...) o início de uma nova História desconectada do passado: o Adão americano tinha apenas o futuro pela frente. (...) a nascente democracia

65 OLIVEIRA, Lúcia. Americanos. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2000. Pág. 10.

66 CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. 3 edição. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 2011. Pág.

63.

67JOUTARD, Philippe. “Memória e identidade nacional” (p. 59-78). In: AZEVEDO, Cecília; BICALHO, Maria

F.; KNAUSS, Paulo. (Org.). Cultura política, memória e historiografia. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2009. Pág. 59.

68 Idem, Ibidem. Pág. 59-60.

69 JOUTARD, Philippe. “Memória e identidade nacional”. In: AZEVEDO, C.; BICALHO, M.F.; KNAUSS, P.

(Org.). Cultura política, memória e historiografia. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2009. Pág. 59.

69 Idem, Ibidem. Pág. 60. 70 Idem, Ibidem. Pág. 60.

(34)

americana vinha acompanhada por um enorme sentimento de possibilidades, mas também por sentimentos de impaciência, intolerância e hostilidade. Ao novo homem norte-americano, tido como inocente e dotado de energia excepcional, cabia uma tarefa incomum: construir um mundo a partir do zero. ”71

Esta relação tumultuada com o passado e com a história por parte dos americanos é apenas aparente. Embora a mais antiga associação entre historiadores e professores de história, a American Historical Association (AHA), tenha sido criada apenas no final do século XIX, em 1884, a preocupação com a disciplina e com a escrita do passado data de bem antes. Um dos primeiros presidentes da AHA, o famoso historiador George Bancroft, por exemplo, começou a escrita do seu famoso compilado de dez volumes, History of the United States, em 1834. Bancroft, oriundo de uma família abastada da região da Nova Inglaterra, teve grande parte de sua formação na Alemanha e, influenciado pelo romantismo alemão, foi um dos grandes representantes deste movimento nos Estados Unidos. Além disto, foi um dos primeiros historiadores a reconhecer o papel do período colonial, das relações estrangeiras e da fronteira para a história do país72. O Romantismo, na Europa, resgatava a Idade Média, como no novo mundo não havia período medieval, escolheu-se o passado colonial.

Durante todo o século XIX e começo do XX, a historiografia norte-americana apresentou sucessivos paradigmas de compreensão da história73. É preciso levar em conta, no entanto, que os historiadores americanos, principalmente os especialistas em história dos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que se profissionalizaram e especializaram, mantiverem-se, quase sempre, dentro de um campo bastante comum do excepcionalismo74.

Neste período, um grupo de historiadores e sua maneira de pensar a história norte-americana ganharam força na historiografia. Eram os representantes da história científica, chamados também de evolucionistas conservadores, como afirma Ernst Breisach: “[...] historians did not escape the fascination with Darwin´s evolutionary model [...]” 75. Este grupo se estabeleceu, teoricamente, em contraposição à corrente “romântica” 76. Sua abordagem dialogava com as preocupações do nacionalismo conservador que ganhou força no

71 JUNQUEIRA, Mary A. Ao Sul do Rio Grande. Bragança Paulista: EDUSF, 2000. Pág. 77.

72https://www.britannica.com/biography/George-Bancroft-American-historian. Acesso em: 18/01/2018. 73 MOURA, Gerson. História de uma história: rumos da historiografia norte-americana no século XX. São

Paulo: Edusp,1995. Pág. 13.

74 OLIVEIRA, Lúcia. Americanos. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2000. Pág. 34. 75

BREISACH, Ernst A. American Progressive History: In Experiment in Modernization. Chicago: The University of Chicago Press, 1993. Pág. 17.

76 MOURA, Gerson. História de uma história: rumos da historiografia norte-americana no século XX. São

(35)

país nos anos posteriores à Guerra Civil, em um momento de afirmação da unidade nacional e de uma nova estabilidade política. Esta corrente estava convencida de que o Estado Nacional constituía a forma mais alta de organização da humanidade e, por este motivo, procurava entender os processos que levaram ao crescimento da nação. Eram, em geral, adeptos do ideal de unidade nacional, da homogeneidade da sociedade e da continuidade da história. O que explica a preferência por temas coloniais, que ajudariam a esclarecer as origens da nação77, já que, como afirma Gerson Moura: “vivendo na atmosfera do evolucionismo, esses historiadores buscaram uma explicação nas instituições coloniais americanas na própria história européia, diferentemente dos “românticos”, que tinham acentuado a singularidade das colônias inglesas na América. ”78.

5-Religião Civil e a Memória Nacional

A memória nacional norte-americana está fortemente ligada a uma memória religiosa. A concepção de identidade nacional (ou a tentativa da sua construção), a partir do século XIX, está permeada por um ideário político-religioso que procurou estabelecer suas bases ou suas raízes no passado colonial da Nova Inglaterra. É importante, antes de entrar nesta discussão, fazer uma ressalva: nos Estados Unidos, há um enorme debate sobre o papel que o período colonial tem na história do país, diferente do que acontece em outros países do continente. Para parte da historiografia do século XIX, não haveria uma confusão entre história nacional e colonização inglesa. Para eles, o início de sua história teria se dado a partir da Independência. Contudo, a construção de uma identidade nacional se basearia, consideravelmente, nos princípios religiosos encontrados nas colônias puritanas que se estabeleceram a partir do século XVII79

.

A relação entre religião e identidade nacional nos Estados Unidos já foi e ainda é tema recorrente em diversas pesquisas. No entanto, o primeiro e mais famoso nome nesta reflexão é Robert Bellah, e, por isto, passar por seus estudos e definições é muito importante para esta pesquisa. O artigo que utilizou o conceito pela primeira vez aplicado à realidade

77 Idem, Ibidem. Pág. 19. 78 Idem, Ibidem. Pág. 19.

79RIBEIRO, Paulo Rodrigues. O dia de ação de graças nos eua: pressupostos religiosos na construção da

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O novo tratado pode contribuir para melhorar as relações bilaterais entre os Estados Unidos e a Federação Russa e contribuir para a agenda do desarmamento global, uma vez que