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Repassando o passado : produção e divulgação de saberes na Escola de Capoeira Angola Resistência

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Academic year: 2021

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DANILO DE ABREU E SILVA

REPASSANDO O PASSADO:

PRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO DE SABERES NA

ESCOLA DE CAPOEIRA ANGOLA RESISTÊNCIA

CAMPINAS,

2013

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

LABORATÓRIO DE ESTUDOS AVANÇADOS EM JORNALISMO

-LABJOR

DANILO DE ABREU E SILVA

REPASSANDO O PASSADO:

PRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO DE SABERES NA

ESCOLA DE CAPOEIRA ANGOLA RESISTÊNCIA

Orientadora: Profª. Drª. Cristiane Pereira Dias

Dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem e ao Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo, da Universidade Estadual de Campinas, para obtenção do título de mestre em Divulgação Científica e Cultural, na área de Divulgação Científica e Cultural.

CAMPINAS,

2013

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem

Teresinha de Jesus Jacintho - CRB 8/6879

Abreu e Silva, Danilo de,

Ab86r AbrRepassando o passado : produção e divulgação de saberes na Escola de Capoeira Angola Resistência / Danilo de Abreu e Silva. – Campinas, SP : [s.n.], 2013.

AbrOrientador: Cristiane Pereira Dias.

AbrDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem.

Abr1. Capoeira. 2. Comunicação. 3. Cultura popular. 4. Memória. 5. Educação não-formal. I. Dias, Cristiane Pereira. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Bygone being done : production and communication of knowledges at

"Resistência" School of Capoeira Angola.

Palavras-chave em inglês: Capoeira Communication Popular culture Memory Non-formal education

Área de concentração: Divulgação Científica e Cultural Titulação: Mestre em Divulgação Científica e Cultural Banca examinadora:

Cristiane Pereira Dias [Orientador] Olga Rodrigues de Moraes von Simson Susana Oliveira Dias

Data de defesa: 24-06-2013

Programa de Pós-Graduação: Divulgação Científica e Cultural

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RESUMO

A capoeira angola, por meio de sua prática e história de resistência cultural frente às racionalidades hegemônicas, desempenha papéis relevantes para a difusão da cultura afro-brasileira, acompanhado as mudanças históricas, científicas e tecnológicas da sociedade. Assim, sua história e institucionalização nos conduz para uma reflexão em torno das formas e potencialidades da produção e divulgação cultural de seus saberes populares específicos, bem como da própria legitimidade da capoeira angola.

Nesse contexto, esta dissertação de mestrado tem como objetivo identificar e analisar quais são os saberes produzidos na Escola de Capoeira Angola Resistência (ECAR); compreender como eles são re-construídos e circulados entre os/as integrantes da Escola; assim como analisar as formas de divulgação interna e externa desses conhecimentos. Procuramos ainda, descrever como a ECAR utiliza os meios tradicionais (oralidade, roda de capoeira, musicalidade) e contemporâneos (internet, fotografias, vídeos) para produzir e divulgar os conhecimentos e as memórias da capoeira angola.

Para isso, desenvolvemos teoricamente a discussão sobre a memória e a divulgação do conhecimento popular e científico na atualidade, com vistas à valorização e ampliação da divulgação cultural dos saberes populares. Também discutimos as relações entre a educação formal, informal e não-formal estabelecidas em uma escola baseada nos saberes populares da capoeira angola e na vida cotidiana de seus integrantes.

Partindo da metodologia referenciada nos estudos da memória e da história oral, colhemos depoimentos e fotografias dos integrantes da ECAR (Contra-mestre, Professores, Treneis, alunas e alunos) e, somada a uma observação participante (em que o pesquisador também faz parte do grupo pesquisado), construímos uma narrativa por meio do diálogo entre os teóricos acadêmicos e os sujeitos da pesquisa acerca de seus próprios saberes. Dessa forma, a dissertação buscou contribuir com os processos educativos interiores à escola; com o acervo de pesquisas em torno da capoeira angola e dos saberes populares, bem como com o fazer científico pautado em processos solidários e coletivos para re-pensar a educação e a comunicação popular.

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ABSTRACT

The capoeira angola, through its experience and history of cultural resistance by hegemonic rationalities, plays important rules in the diffusion of the afro-brazilian culture, following the historical, scientific and technological changes of the society. Therefore, its history and institutionalization conduct us to a reflection surrounding production’s forms and potentialities and the cultural propagation of its specific popular knowledges, as well as the legitimacy of the capoeira angola itself.

In this context, this dissertation aims to identify and analyze which are the knowledges produced at “Resistência” School of Capoeira Angola (ECAR); understand how they are reorganized and worked between the members of School; as well as examine ways of internal and external disclosure of such knowledges. We also seek to describe how ECAR uses traditional means (orality, capoeira street ritual, musicality) and contemporary (internet, pictures, videos) to product knowledges and memories of capoeira angola.

For this, we developed a theoretical discussion about the memory and communication of popular and scientific knowledges today with a view to recovery and wider advertising of cultural propagation of popular knowledges. We also discussed the relationship between formal, informal and non-formal education established in a school based on popular knowledge of the capoeira angola and on everyday life of its members.

Based on the methodology referred to memory studies and oral history, we collected testimonials and photographs of the members of ECAR (Contra-mestre, Teachers, Treneis and students) and, added to a participant observation (in which the researcher is also part of the researched group), we constructed a narrative through dialogue between the academic theorists and the researched subjects about their own knowledges. Thus, this dissertation seeks to contribute with educational processes into the School; with the body of research around capoeira angola and popular knowledges, as well as the scientific work guided by solidarity and collective processes to re-think popular education and communication.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...1

Capítulo 1...17

Saber e cultura popular a partir da memória: repassando a ECAR...17

1.1. A memória enquanto produtora de história...17

1.2. O início da história da ECAR pela memória de seu fundador...21

1.3. Mestre Pastinha e a criação do Centro Esportivo de Capoeira Angola (CECA)...27

1.4. Mestre João Pequeno e a criação da Academia de João Pequeno de Pastinha (AJPP). .35 1.5. O trabalho com a capoeira, as viagens e a escolha pela capoeira angola...37

1.6. O gueto: espaço para o trabalho e para a roda de capoeira angola...41

1.7. Globalização, Estado e Comunidade...47

1.8. Saberes compartilhados na capoeira angola: resistência e enraizamento...53

1.9. Capoeira angola e educação não-formal: o passado repassado...57

1.10. Criticidade científica pela descolonização dos saberes oprimidos...60

1.11. Educação popular...62

Capítulo 2...65

Modos de circulação dos saberes através da cultura da vida...65

2.1. Função socioeducativa e graduação na capoeira angola...65

2.2. Música, arte e resistência na capoeira angola...74

2.3. Práxis e tempo de aprendizagem na capoeira angola...86

2.4. Temporalidades, cidadania e projetos de vida no aprendizado da capoeira angola...90

2.5. O aprendizado para a vida e para a arte: controle, intuição e calma...98

Capítulo 3...107

Organização, atividades e simbologias na Escola de Capoeira Angola Resistência...107

3.1. A ECAR e sua simbologia: o pan-africanismo e a cultura de encruzilhadas...108

3.2. “Escola porque é mais científico, é mais profundo”...114

3.3. As aulas na ECAR...118

3.4. Percussão, canto e dança afro...121

3.5. Os núcleos da ECAR...126

3.6. O Núcleo de Estudos e o Cinema Popular...131

3.7. Novas mídias de divulgação e seus usos...135

3.8. “Quando a gente ama e alguém busca um pouco do nosso saber, a gente quer divulgar.” ...140

Considerações Finais...143

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AGRADECIMENTOS

São muitas as pessoas que participaram do meu processo de formação durante o mestrado, desde os estudos e dedicação necessária ao meu ingresso, até o difícil momento de concretização deste sonho, com a finalização desta dissertação.

Primeiramente agradeço ao meu Mestre Topete quem ensinou, quem me ensina, a capoeira, a liberdade, a resistência, a amizade, a falsidade, a malandragem, roda da vida, da volta ao mundo, que o mundo deu, que o mundo dá, que ainda vai dar! E por contribuir e apoiar a realização desse trabalho.

Também agradeço imensamente à ECAR na figura dos e das capoeiristas que se dispuseram a compartilhar comigo suas experiências, seus saberes, suas angústias e malandragens advindas da capoeira: Professor Nico, Professor Leonardo, Trenel Alex, Trenel Fernando, Mariana, Odair, Ewerton, Jesus, Da Silva, Fredy, Gabi, Rodrigo Fujiwara, Toninho, Mestre Jahça, Cassi, Zullo, Ericson, Rodrigo Bosi, Nívea, Adilson, Carlos e os/as demais que contribuíram direta ou indiretamente na pesquisa e contribuem no dia-a-dia da Escola. Esta dissertação só foi possível por e com essas pessoas.

Um agradecimento muito especial à Carolina Orquiza Cherfem por me dar forças, alegrias, orientações, ensinamentos, ouvidos e carinho durante todos os momentos que passei na realização dessa pesquisa. Pelo companheirismo mesmo de longe, perto. Sem a ajuda dela esse resultado não seria concluído, ou aconteceria com muito mais dificuldade.

Agradeço à Profa. Dra. Cristiane Pereira Dias, pelo acolhimento, orientação, apoio, liberdade e por me ensinar através de sua ampla experiência e conhecimento. Agradeço também às Professoras Dras. Olga von Simsom e Susana Oliveira Dias, banca examinadora, as quais, generosamente e com grande rigor acadêmico, permitiram inúmeras contribuições a este trabalho. Agradeço à minha família que possibilitou toda a estrutura para que eu chegasse até aqui, sempre incentivando os meus estudos, compreendendo meus momentos e acreditando em meu potencial. E, durante toda nossa vida, prezarem pela união e pelo amor.

Aproveito ainda para agradecer a todas as amigas e os amigos que me ajudam a ser quem eu sou e que vivenciam comigo todo o aprendizado da vida: à Cristiane Santos Souza pelas leituras, axé e carinho; Fabiana Guerra pela amizade permanente e pela ajuda que me deu na pesquisa do ano de 2006; ao Vinícius Wagner, meu Mestre do software livre, pela amizade e por

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me iniciar e acompanhar nesse caminho de liberdade e cooperação; à Patrícia Gimeno pelas altas conversas, indicações e reflexões; agradeço todas as pessoas amigas, colegas, camaradas e conhecidas que se somam na constituição do meu ser.

Por fim, agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo importante financiamento concedido a esta pesquisa, bem como ao Instituto de Estudos da Linguagem e ao Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo, da Universidade Estadual de Campinas, por possibilitarem a realização deste trabalho.

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Índice de ilustrações

Imagem 1: I Calundub caipira. Arquivo pessoal - 2004...3

Imagem 2: Desenho de um aluno do CCI, representando capoeiras na mata - 2005...5

Imagem 3: Desenho de uma aluna do CCI, representando um navio negreiro - 2005...5

Imagem 4: Contra-mestre Topete, na época Professor (de regata vermelha), ministrando oficina de construção de berimbau na Unesp em Bauru, junto com seus alunos Leonardo (camiseta laranja) e Fernando (bermuda azul), atualmente Professor e Trenel, respectivamente, na ECAR...5

Imagem 5: Trabalho de campo na Roda do Gueto em 2006...7

Imagem 6: Mestre Antônio e Mestre Jahça - Arquivo Só Mandinga...8

Imagem 7: Escola de Capoeira Angola Resistência, à direita. Acima da escola, o Viaduto Cury. 2011...10

Imagem 8: Valdisinei Ribeiro Lacerda, o Contra-mestre Topete. Acervo ECAR...21

Imagem 9: Mestre Maya e Mestre Godoy. Acervo ECAR. Década de 1990...24

Imagem 10: “Jornal A Tarde”, Salvador, 16 de março de 1936...25

Imagem 11: Contra-capa do LP “Curso de Capoeira Regional”, de Mestre Bimba, 1963...26

Imagem 12: Retificação do registro do CECA no manuscrito (PASTINHA, 1960)...29

Imagem 13: Capa e contra-capa dos manuscritos de Mestre Pastinha...30

Imagem 14: Desenhos e observações de capoeira (PASTINHA, 1960)...31

Imagem 15: Capa do livro “Capoeira Angola”, de Mestre Pastinha, 2ª ed...32

Imagem 16: Parte da comissão de brasileiros indo para o festival de Dakar, em 1966 (Acervo Mestre Gildo de Alfinete)...33

Imagem 17: Capa do LP “Mestre Pastinha e sua academia”, 1969...33

Imagem 18: “Roda de capoeira”, de Mestre Pastinha, pintura à óleo, s/d...34

Imagem 19: Capa do livro "Uma vida de capoeira", de 2000...36

Imagem 20: José Nicodemos Cabral, o Professor Nico. Acervo ECAR...38

Imagem 21: Treino de capoeira no Jardim Amanda, em Hortolândia. Topete segura o primeiro berimbau (o Gunga) à esquerda. Nota-se a formação da bateria na configuração utilizada na capoeira angola (três berimbaus, pandeiro, reco-reco, agogô e atabaque). Fotografia cedida por Fredy Colombini, feita entre 1997 e 1998...39

Imagem 22: Primeira turma do Topete no CECA, quem ficou com ele em sua mudança para a capoeira angola: Dede, Dani, Nico, Dinda e Fredy. Fotografia cedida por Fredy Colombini, para quem “essa foto merece um carinho especial”, tirada entre 2003 e 2004...40

Imagem 23: Jardim dos Cisnes, localizado no centro do Viaduto Vicente Cury, na década de 70. Fonte: Blog Pro-memória de Campinas-SP...41

Imagem 24: Local onde era a Praça Lago dos Cisnes, hoje o Terminal Central. (Google Maps). .41 Imagem 25: Roda do Gueto, com a ECAR ao fundo. Arquivo ECAR, 2011...43

Imagem 26: Comemoração de 10 anos da Roda do Gueto. Roda realizada na "varanda" da Escola. Acervo ECAR, 2013...44

Imagem 27: Aula de capoeira sob o Viaduto Cury, durante evento da ECAR em setembro de 2011. Acervo ECAR...46

Imagem 28: Vista aérea do Terminal Central e do Viaduto Cury: 1- Salão abandonado pela Sanasa (hoje a sede da ECAR); 2- Local onde se realiza a Roda do Gueto; 3- Local onde se localizava a banca de capoeira. Fotografia extraída do Google Maps. 2013...66

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Imagem 29: Yukai, com 2 anos, brincando a capoeira "de cabeça para baixo". Fotografia de Trenel Fernando e Mariana. 2012...68 Imagem 30: Cartaz/folheto da comemoração de dois anos da Roda do Gueto. Acervo ECAR, março de 2005...70 Imagem 31: Roda do Gueto em 2004. Fotografia cedida por Fredy Colombini...71 Imagem 32: Roda do Gueto em 2005. Detalhe na loja de calçados Dallas, à direita. Essa loja existiu até 2007, quando foi fechada. Em 2008, seu salão foi demolido, deixando um grande vão embaixo do viaduto. Fotografia de Fredy Colombini. Novembro de 2005...72 Imagem 33: Banca onde Topete e Seu Nico vendiam seus artigos de capoeira, roupas,

instrumentos, CDs, DVDs, colares e outros adereços. Fotografia de Fredy Colombini. 2006...72 Imagem 34: Cartaz/folheto da comemoração de três anos de divulgação da Roda do Gueto. Acervo ECAR, março de 2006...73 Imagem 35: Ensaio para a gravação do CD. Fotografia cedida por Fredy Colombini. 2006...74 Ilustração 36: Encarte do CD "Angola, capoeira mãe"...75 Imagem 37: Trecho do caderno de anotações de Jesus Barbosa, sobre um ensinamento de

Contra-mestre Topete durante a Roda do Gueto, em março de 2012...77 Imagem 38: Trecho das anotações no caderno de Jesus Barbosa, sobre uma aula de musicalidade e sobre uma reunião da ECAR, em setembro de 2010...78 Imagem 39: Desenhos de Jesus Barbosa sobre o "palmeado" utilizado na capoeira e no

samba-de-roda. Acima a descrição dos tipos de palmas. Maio de 2010...79 Imagem 40: Desenho de Jesus publicado na primeira edição do Jornal comunitário "A voz do Gueto", em 2010...80 Imagem 41: Apresentação de dança no 3º Encontro das Mulheres. Com: Flaviana, Gabriela e Márcia. 2010...80 Imagem 42: Banda Nego Mantra, que possui 3 alunos da ECAR entre seus integrantes: Rodrigo (contra-baixo, de azul à esquerda), Tartaruga (Voz e violão, ao centro, de verde) e Professor Leonardo (vocal e berimbau, de laranja). Apresentação na sede do Urucungos, 2011...80 Imagem 43: Nívea exibindo a almofada que fez. Ela também produz tocas, bonés e gorros de tricot. 2013...80 Imagem 44: Cartaz para a comemoração de 4 anos da Roda do Gueto. Acervo ECAR. Março de 2007...83 Imagem 45: Camiseta com o cartaz de 4 anos da Roda do Gueto, impressa em serigrafia. Março de 2004...83 Imagem 46: 1: Orquestra de Berimbaus nos camelôs / 2: Roda do Gueto na “varanda” - detalhe na presença de dois Mestres que, posteriormente, serão padrinhos da ECAR: Mestre Bahia, de amarelo; e Mestre Bigo, ao fundo, de camisa branca e pochete. / 3: "Batuque das quebradas". Imagens extraídas do registro audiovisual. 2007...84 Imagem 47: Treino realizado em 2004 na casa de Topete, enquanto ele estava na Suécia. Foto 1: Fredy, Dani, Leonardo, Aliethi e Camilo na bateria / Foto 2: Fredy, Camilo, Leonardo e Aliethi na bateria; Dani e William (filho do Topete) agachados. Fotografias de Fredy Colombini. 2004...85 Imagem 48: Contra-mestre Topete na sua colação de grau, acompanhado de sua esposa Márcia e seu filho William. Março de 2013...88 Imagem 49: Jogo entre Professor Leonardo (de branco) e Mestre Moreno na roda de

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que aparece na foto tocando pandeiro, de boina. Acervo ECAR. Novembro de 2012...99 Imagem 50: Odair mostrando como segurou o punhal do agressor em seu peito. Imagem retirada do vídeo gravado durante a sua entrevista. 2013...100 Imagem 51: Logotipo da Escola de Capoeira Angola Resistência. Acervo ECAR, 2009...108 Imagem 52: Contra-mestre Topete exibindo os berimbaus e o atabaque (ao fundo), com as cores pan-africanas...110 Imagem 53: Bandeira da Etiópia utilizada entre 1897 e 1974, época da criação da OUA por Haile Selassie e que continua popular entre seus seguidores e pelos adeptos do movimento Rastafari. ...111 Imagem 54: Bandeira da Etiópia de 1975 a 1987 e de 1991 a 1996. Apesar de não ser

pan-africana na sua concepção, tem influenciado as bandeiras de muitas organizações políticas pan-africanas...111 Imagem 55: Bandeira pan-africana adotada pela AUPN em 1920...112 Imagem 56: Momento de louvação após o canto da ladainha. Roda realizada em frente à Catedral Metropolitana de Campinas em janeiro de 2013...112 Imagem 57: Pérolas formadas no interior de uma ostra...116 Imagem 58: Maculelê sendo apresentado no Colégio Doctus, em 2010. Acervo ECAR...121 Imagem 59: Maculelê apresentado embaixo do Viaduto Cury, em novembro de 2011, no espaço deixado pela demolição da loja de Calçados ao lado da ECAR...121 Imagem 60: Puxada-de-rede sendo apresentada em um evento de capoeira em Valinhos-SP, em 2010. Acervo ECAR...122 Imagem 61: Puxada-de-rede sendo apresentada no Quilombo Brotas, em Itatiba-SP. Novembro de 2010. Acervo ECAR...122 Imagem 62: Dança-do-fogo no vão lateral da ECAR, sob o Viaduto Cury, durante o evento de novembro de 2011. Acervo ECAR...122 Imagem 63: Dança-do-fogo sendo apresentada no SESC Campinas, em 2012. Acervo ECAR.. 122 Imagem 64: Samba-de-roda após roda de capoeira em frente à Catedral Metropolitana de

Campinas, em 2010. Acervo ECAR...122 Imagem 65: Samba-de-roda na ECAR, em 2012, com a presença de Mestre Limãozinho, nascido no recôncavo baiano. Acervo ECAR...122 Imagem 66: Batucada da Resistência em apresentação no SESC Campinas, em maio de 2012. Acervo ECAR...123 Imagem 67: Roda de encerramento das atividades do ano de 2012 no núcleo da ECAR em

Hortolândia. Acervo ECAR...127 Imagem 68: Roda de encerramento das atividades do ano de 2011 na Unicamp. Essa roda

também foi uma homenagem a Mestre João Pequeno, que havia falecido há poucos dias (nota-se no fundo, à esquerda, sua foto e uma vela acesa). Acervo ECAR...128 Imagem 69: Núcleo da ECAR em Três Lagoas-MS, durante a visita do Contra-mestre Topete. Foto cedida por Professor Anastácio. 2013...129 Imagem 70: Matéria em jornal de Pirassununga anunciando o início da ECAR na cidade, em janeiro de 2011. Acervo ECAR...130 Imagem 71: Aula realizada na moradia. Nesse dia, o núcleo recebeu a visita do Contra-mestre Topete. Acervo ECAR, 2013...131 Imagem 72: Cartaz de divulgação do Núcleo de Estudos no ano de 2010. Acervo ECAR...133 Imagem 73: Cinema Popular em Novembro de 2011...134

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Imagem 74: Núcleo de estudos de março de 2012. Acervo ECAR...134 Imagem 75: Cinema Popular de maio de 2013. Acervo ECAR...135

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“Sou livre como o vento, A minha linguagem é nobre. Nasci dentro da grandeza Não nasci da raça pobre. Quero que fique sabendo: Desde um dia um cantador, Quando me vejo outra vez, Na arte de professor. A minha obediência Me deu o meu valor. Você diz que tem ciência, Dê uma explicação: O que é que em doze horas Se dá uma transformação? O Sol não é quem se move, E fica em seu lugar. A Terra tá sobre um eixo, O eixo faz rodar. Uma cobra tão pequena, Mata um boi agigantado, camará!” Ladainha cantada por Mestre Boca Rica

Dedico esta dissertação à Escola de Capoeira Angola Resistência e aos capoeiristas que resistem e re-fazem historias pela capoeira.

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INTRODUÇÃO

As pesquisas na área de Divulgação Científica e Cultural (DCC) têm sido muito importantes no sentido de compreender os papéis da ciência na sociedade e as formas utilizadas para estabelecer a comunicação entre cientistas e entre estes e o público geral. A divulgação e a comunicação da ciência para a sociedade se constitui por diferentes linguagens e meios, que vão desde eventos, revistas e periódicos científicos, destinados à divulgação entre cientistas até a divulgação através de mídias que atingem públicos mais amplos, tais como jornal, rádio, televisão, internet, museus, exposições e experimentações em espaços urbanos.

As pesquisas em DCC têm se destinado ao estudo da disseminação de um tipo de conhecimento definido e categorizado como científico pelo modelo de racionalidade presente na ciência moderna. Baseada em valores ocidentais estruturados a partir de uma lógica dominante, essa racionalidade se distingue pelo afastamento e ruptura face aos demais conhecimentos, excluindo as outras racionalidades, considerando-as como “irracionalidades”, como conhecimentos “não-científicos” (Souza Santos, 2007; Santos, 2003; Dussel, 1986). Apresentado como o único e o verdadeiro, esse conhecimento está subordinado aos interesses do sistema e da cultura dominante, que busca os valores do centro, o enriquecimento e o desenvolvimento de acordo com o que o sistema econômico exige, ou seja, de quais serão suas fontes de financiamento.

A existência de conhecimentos para além do científico, com características distintas dos produzidos dentro da academia formal e com propósitos diferentes daqueles da ciência ocidental, é o que nos motiva nessa pesquisa a pensar na divulgação destes “outros saberes”, principalmente os saberes populares, e a sua relação com a divulgação cultural, abordagem pouco explorada nas pesquisas em DCC.

Nossa proposta, então, é estudar a forma como a produção e a divulgação dos saberes da cultura popular são feitas, ou seja, estudar os saberes produzidos a partir de uma determinada cultura contra-hegemônica, buscando compreender seus objetivos e a maneira como essa cultura se relaciona com a divulgação científica, a partir de um estudo sobre a produção, o ensino e a

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divulgação de saberes populares. Para tal, abordaremos a cultura e os saberes da capoeira angola1, expressão cultural afro-brasileira que tem se difundido ultimamente, através de uma retomada de suas tradições.

Com papéis e posicionamentos importantes para a difusão da cultura afro-brasileira, a capoeira angola tem acompanhado as mudanças históricas, científicas e tecnológicas da sociedade, se estabelecendo como forma de resistência cultural frente às racionalidades hegemônicas. Assim, sua história e institucionalização nos conduz para uma reflexão em torno das formas e potencialidades da produção e divulgação cultural de seus saberes populares específicos, bem como da própria legitimidade da capoeira angola.

Nesse contexto, esta dissertação de mestrado tem como objetivo identificar e analisar quais são os saberes produzidos na Escola de Capoeira Angola Resistência (ECAR); compreender como eles são re-construídos e circulados entre os/as integrantes da Escola; assim como analisar as formas de divulgação interna e externa desses conhecimentos. Procuramos ainda, descrever como a ECAR utiliza os meios tradicionais (oralidade, roda de capoeira, musicalidade) e contemporâneos (internet, fotografias, vídeos) para produzir e divulgar os conhecimentos e as memórias da capoeira angola.

Para isso, desenvolvemos teoricamente a discussão sobre a memória e a divulgação do conhecimento popular e científico na atualidade, com vistas à valorização e ampliação da divulgação cultural dos saberes populares. Também discutimos as relações entre a educação formal, informal e não-formal estabelecidas em uma escola baseada nos saberes populares da capoeira angola e na vida cotidiana de seus integrantes.

Cabe destacar nesta introdução, a minha trajetória de pesquisa e de formação na capoeira angola que me proporcionaram chegar a esta indagação de pesquisa. Durante o meu percurso de graduação em Comunicação Social, com habilitação em Radialismo (Rádio e TV), entre os anos de 2003 e 2006 na Unesp de Bauru, detive meus estudos e trabalhos voltados para as diversas expressões das culturas populares e suas inter-relações com as mídias, como formas de partilhas de saberes a partir da música, das técnicas corporais, da oralidade e de sua transposição para

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linguagens escritas2. Já no ano de 2003 participei de uma disciplina de Extensão na Unicamp chamada “Introdução ao folclore – conceito e Metodologia de Pesquisa”, o que me levou, no final do mesmo ano, a realizar uma monografia na matéria de Sociologia da Comunicação sobre a música caipira3 e sua relação com as mudanças e adaptações aos diferentes contextos históricos, sociais e tecnológicos.

No ano de 2004 realizei, junto com um coletivo de estudantes, um evento chamado Calundub Caipira, cujo objetivo foi discutir questões relacionadas à cultura popular negra e caipira e suas relações com as novas tecnologias e formas de expressão. Na ocasião, levamos representantes acadêmicos e populares para a universidade para discutirem e apresentarem os temas sob diversos aspectos, por meio de oficinas, vídeos, debates, vivências e apresentações musicais.

Imagem 1: I Calundub caipira. Arquivo pessoal - 2004

Além de apresentações tradicionais, como a Folia de Reis, a Catira e os violeiros, tivemos a participação de bandas que misturam ritmos musicais tradicionais do Brasil, como a música caipira, o baião e o forró com ritmos mais modernos com influências internacionais, como o hip-hop, o rock e o reggae. Com isso, percebíamos a dinamicidade da cultura popular, que se

2 ABREU E SILVA, Danilo de. Cordel: educomídia no discurso popular. In: IX CELACOM - Colóquio Internacional sobre a Escola Latino-Americana de Comunicação, 2005, São Bernardo do Campo, SP. Comunicação Digital, 2005.

3 ABREU E SILVA, Danilo de. Música Caipira: raízes resistentes de um campo miscigenado.. In: VII Jornada Multidisciplinar:, 2005, Bauru-SP. VII Jornada Multidisciplinar- Humanidades em Comunicação.. Bauru-SP : Gráfica Editora Sena, 2005. v. 1. p. 36-36.

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adapta às mudanças históricas e tecnológicas e, ao mesmo tempo, a importância que as culturas tradicionais têm como marcas identitárias entre pessoas de lugares, tempos e cotidianos diferentes, recordando as memórias, costumes e histórias dos seus antepassados.

Nesse mesmo ano, mantendo meu interesse pelo tema, cursei a disciplina “Folclore” (que mais tarde passaria a se chamar “Antropologia das Culturas Populares”) com o curso de Educação Artística. Como atividade de campo da disciplina, fomos para o Festival Nacional de Folclore de Olímpia para analisarmos as mudanças e influências que um evento desse gênero levava aos grupos participantes. A docente da disciplina foi a Profª Drª Rosa Maria Araújo Simões que, em meados de 2004, iniciou o Projeto de extensão “A capoeira angola de Mestre João Pequeno de Pastinha”, no qual eu comecei a estabelecer um maior contato com esse jogo-de-luta-dançada, como alguns mestres e estudiosos classificam, a capoeira.

Desde o meu início nos treinos da capoeira angola, eu me identifiquei muito com a musicalidade, a movimentação, as histórias e os valores trabalhados na capoeira em seus diversos aspectos, o que me chamou muita atenção para querer pesquisá-la e vivenciá-la cada vez mais. Assim, passei a me dedicar à sua prática e estudo, participando de todos os treinos e buscando cada vez mais fontes para meu aprendizado, que iriam de livros à convivência com outros Mestres e angoleiros4.

No ano de 2005 fui bolsista do projeto pela Pró-reitoria de Extensão Universitária (Proex/Unesp), desenvolvendo pesquisas em caráter de iniciação científica e atuando junto ao Centro Esportivo de Capoeira Angola – Academia de João Pequeno de Pastinha (CECA-AJPP), com atividades práticas de extensão, divulgação cultural e educação, participando dos treinos, de eventos e ministrando aulas de expressão corporal e percepção musical através da capoeira angola para crianças de cinco e seis anos do Centro de Convivência Infantil (CCI) “Gente Miúda” da Unesp de Bauru5.

4 Termo utilizado para identificar os capoeiristas que seguem os princípios da capoeira angola, dentro e fora da roda de capoeira, introjetando-os em suas vidas cotidianas.

5 ABREU E SILVA, Danilo de; SIMÕES, Rosa Maria Araújo. A Capoeira Angola de Mestre João Pequeno de Pastinha: uma experiência pedagógica com as crianças do CCI/Unesp In: V Encontro de Arte e Cultura. Bauru:

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Imagem 2: Desenho de um aluno do CCI,

representando capoeiras na mata - 2005 Imagem 3: Desenho de uma aluna do CCI, representando um navio negreiro - 2005

O contato das crianças dessa faixa etária com esse tipo de atividade proporciona grandes desenvolvimentos relativos à consciência corporal e espacial; à percepção musical; às relações sociais e ao aprendizado da história do Brasil e da cultura brasileira por uma visão muitas vezes ausente nas aulas convencionais. Podemos, aqui, lembrar e reafirmar a frase de Mestre Pastinha, que diz que “capoeira é pra homem, minino e mulhé e só não aprende quem não qué” (ABREU E SILVA & SIMÕES, 2006b)

A partir de 2005, passei a ter contato com o Contra-mestre Topete e seus alunos e alunas de Campinas que também faziam parte do CECA-AJPP e eram referência para o grupo, devido à sua organizado e à qualidade de seu trabalho. Vale ressaltar que, antes de me mudar para Bauru, eu morava com meus pais em Campinas. Então, com eles ainda morando na cidade, ficava mais fácil a minha visita ao núcleo campineiro.

Imagem 4: Contra-mestre Topete, na época Professor (de regata vermelha), ministrando oficina de construção de berimbau na Unesp em Bauru, junto com seus alunos Leonardo (camiseta laranja) e Fernando (bermuda azul), atualmente Professor e Trenel, respectivamente, na ECAR.

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No ano de 2006, realizei como monografia de conclusão de curso um estudo etnográfico sobre a Roda do Gueto6, uma roda de capoeira angola, organizada desde 2003 pelo CM Topete, que acontece toda sexta-feira a partir das 18h no passeio público do comércio popular do Viaduto Vicente Cury, junto ao Terminal Central de Ônibus Urbano de Campinas.

A Roda do Gueto é realizada em uma viela rodeada de camelôs, bares e vendedores ambulantes. É uma das passagens para entrar no terminal, e isso faz com que passem por lá milhares de pessoas por dia, indo trabalhar ou fazer quaisquer outras atividades que dependem do transporte público. (...) É uma “roda de rua” realizada em um grande centro urbano, regrada pelos fundamentos da capoeira angola e aberta a todos aqueles que quiserem participar, mas com “educação” e “respeito” , como afirma o Professor Topete, que tem uma banca no local, onde vende artigos de capoeira, tais como CDs, roupas e instrumentos musicais feitos, na maioria dos casos, por ele e pelo Seu Nico, que trabalha na banca. (ABREU E SILVA, 2006a, p. 5-6)

Nesse estudo, observei que os registros etnográficos escritos (feitos em cadernos de campo e anotações) não seriam suficientes para a análise do objeto e que eles limitariam a quantidade de pessoas que teriam acesso aos resultados da pesquisa. Diante deste cenário, busquei fazer a pesquisa utilizando o vídeo7 como uma forma de expressão, um suporte para a elaboração de ideias e linguagens eficazes para abarcar a complexidade de uma pesquisa etnográfica sobre um ritual que envolve múltiplos elementos performáticos, cênicos e polissêmicos como a Roda de Capoeira Angola pesquisada.

6 ABREU E SILVA, Danilo de. A Roda do Gueto: uma etnografia sobre a capoeira no Terminal Central de Ônibus Urbano de Campinas. 2006. 57p. Monografia (Conclusão do Curso de Comunicação Social com habilitação em Radialismo). Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Unesp, Bauru.

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Imagem 5: Trabalho de campo na Roda do Gueto em 2006

Para isso, busquei referências bibliográficas e metodológicas na Antropologia Visual8 e suas contribuições para o exercício do olhar em um trabalho de campo, revisando métodos e procurando novos olhares para um público diversificado, que iria do “acadêmico” ao “popular” e do “popular” ao “acadêmico”, utilizando o vídeo não somente como uma questão de método de pesquisa para a antropologia, mas como um meio de difusão de um conhecimento sendo produzido em razão da comunicação. Ou seja, nesse estudo já comecei a pensar na forma de divulgação desses saberes produzidos tanto pela universidade como pelo grupo de cultura popular. Assim, o vídeo e as fotografias tiveram grande importância tanto na produção quanto na divulgação desse estudo.

Ao realizar esse trabalho, como pesquisador e capoeirista, fazendo parte do grupo pesquisado, percebi que fotografias, textos, cartazes e vídeos fazem parte dos arquivos pessoais dos capoeiristas e que os grupos estavam cada vez mais organizando e divulgando esses materiais nos meios emergentes, aproveitando as facilidades e técnicas da digitalização e do compartilhamento pela internet, através de sites, blogs e das redes sociais.

Em 2007 voltei para Campinas e continuei minhas pesquisas e vivências na capoeira, sendo agora aluno do Contra-mestre Topete e um dos responsáveis pelo registro e divulgação do

8 Antropologia visual é uma área de pesquisa antropológica que utiliza a imagem em diversos aspectos: como questão de método; como artefato cultural (objeto de estudo); a linguagem audiovisual como alternativa à etnografia clássica para divulgação de pesquisas; além da própria questão da imagem, em qualquer um dos casos, ser discutida epistemologicamente na prática antropológica.. Vide ABREU E SILVA (2006a)

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grupo. Mantive também meus estudos acadêmicos em disciplinas isoladas da graduação e da pós-graduação da Unicamp (como aluno especial e aluno ouvinte).

Nesse ano Alex Manetta, geógrafo e capoeirista que havia contribuído com minha pesquisa sobre a Roda do Gueto, me convidou para participar como pesquisador colaborador em uma pesquisa financiada pelo Programa “Capoeira Viva” do Ministério da Cultura. A pesquisa, proposta por ele e mais duas pesquisadoras capoeiristas, Cassiana Rodrigues e Marina Milito, seria realizada sobre Mestre Antônio Ambrózio, personagem muito importante na história da capoeira no Estado de São Paulo, responsável pela formação de muitos mestres da velha guarda de Campinas; e um de seus formados, Mestre Jahça – Jacinto Rodrigues da Silva, dançarino popular do Instituto de Artes da Unicamp que trabalha com cultura popular há mais de 30 anos. Cabe destacar que hoje tanto Alex como Cassiana são alunos da ECAR, assim como Mestre Jahça, quem os iniciou na capoeira.

Imagem 6: Mestre Antônio e Mestre Jahça - Arquivo Só Mandinga

Com essa pesquisa pudemos estudar mais sobre a história do negro em Campinas e no Estado de São Paulo, através de fotografias, vídeos, matérias de jornais e depoimentos de mestres e mestras da cultura popular. Foi possível construirmos histórias, momentos e amizades ao

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promovermos encontros entre as pessoas que conviveram com Mestre Antônio e que até hoje convivem com Mestre Jahça , rememorando fatos e eventos marcantes de suas vidas:

Pesquisas em fontes orais e documentais foram realizadas e seus resultados embasaram as biografias desses dois Mestres, ilustradas por imagens e depoimentos selecionados. Todo o material coletado e produzido ao longo do projeto está mantido em formato de acervo digital.9

Novamente, estive diante de uma pesquisa envolvendo a capoeira, a ser registrada e divulgada científica e culturalmente, baseada em fontes orais e em arquivos imagéticos pessoais dos capoeiristas (álbuns de fotografias, recortes de jornais, gravações em vídeo, desenhos, etc) que rememoraram a capoeira da região para esse trabalho, inserido no contexto das recentes políticas de incentivo às praticas culturais afro-brasileiras10, através de editais e concursos públicos.

A partir dessas pesquisas e da minha atuação no grupo de capoeira angola como responsável, dentre outras funções, pelos registros fotográficos e audiovisuais, fui percebendo como as tecnologias digitais proporcionam novas formas de se construir e pensar a memória, os arquivos, a organização e a divulgação dessa cultura que se mantém e se transmite há séculos embasada na oralidade, na ritualidade, na música e na memória dos mestres.

Além disso, a internet possibilitou para a capoeira o acesso a diversos materiais que antes eram de difícil ou nenhum acesso. Vídeos, documentários, programas de TV, imagens feitas por pesquisadores, gravações das décadas de 50 e 60, fotografias, gravações de áudio, estudos e manuscritos escritos por velhos mestres passam a ser disponibilizados e difundidos na rede. O que antes estudávamos por meio de livros acadêmicos ou pela oralidade dos mestres, agora chegava a nós pela oportunidade de assistir, ouvir e ler a produção dos pesquisadores, dos próprios mestres e capoeiristas em geral. Muitos desses materiais são atualmente postados pelos próprios capoeiristas, brasileiros ou estrangeiros, que passam a compartilhar, em sites, blogs e redes sociais, os arquivos e documentos que antes mantinham guardados.

Contudo cabe destacar que, se por um lado a internet possibilitou o registro, a divulgação e o acesso a materiais produzidos por sujeitos diversos, por outro ela também pode servir como

9 MANETTA, Alex; MILITO, Marina; RODRIGUES, Cassiana; ABREU E SILVA, Danilo de. Projeto Só Mandinga. (Relatório de pesquisa) Ministério da Cultura. Brasil, 2007.

10 Essas políticas afirmativas, assim como a lei 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas, são importantes conquistas do Movimento Negro no Brasil nas últimas décadas.

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instrumento de dominação, seja pela exclusão e dificuldade para seu acesso para populações menos favorecidas, seja pelo predomínio de grandes corporações controlando a infraestrutura e selecionando o que pode e o que não pode ser disponibilizado e armazenado nos seus domínios e provedores. Aprofundaremos essas questões ao longo da dissertação.

No que tange ao aspecto positivo, os novos meios permitiram a divulgação da capoeira que, marginalizada durante toda a sua história, manteve sua memória inscrita em diversos suportes, desde a voz e o corpo até pinturas, fotografias, boletins policiais e jornalísticos, fotografias e produções acadêmicas. Com o acesso a novas tecnologias, a capoeira passa a ser registrada e divulgada de outras maneiras, adequando-se aos instrumentos de cada época.

No ano de 2009, o então Professor Topete recebe o título de Professor Mestrando, que é o equivalente a Contra-mestre. Assim, com o intuito de desenvolver um trabalho com maior autonomia e liberdade, em um projeto diferenciado, deixa o CECA-AJPP e, no dia 9 de setembro de 2009, funda a Escola de Capoeira Angola Resistência (ECAR).

Seu núcleo é localizado no centro da cidade de Campinas-SP, sob o Viaduto Vicente Ferreira Cury, onde também fica o Terminal Central de Ônibus Urbano e de onde saem algumas das principais vias de acesso aos diversos cantos da cidade. A poucos metros do espaço é onde ocorre a Roda do Gueto.

Imagem 7: Escola de Capoeira Angola Resistência, à direita. Acima da escola, o Viaduto Cury. 2011

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Os treinos realizados na ECAR, de segunda a sábado, em diversos horários, abordam os fundamentos da capoeira angola, sua história, musicalidade, princípios e ritual. Além da capoeira, ocorrem aulas direcionadas para outras expressões culturais de matrizes africanas, com ritmos percussivos (Ijexá, Barravento, Congo-de-ouro, Avamunha), cantos e danças (Maculelê, Puxada de Rede, Samba de Roda, Dança do Fogo).

Além das atividades cotidianas da escola, das rodas, dos eventos e das apresentações culturais, a ECAR utiliza outros suportes de registro e divulgação cultural, como o site (www.escolaresistencia.com.br), onde há textos, fotos e vídeos; a produção de cartazes para divulgação de eventos; produções sonoras e multimídia (CDs e DVDs); e o jornal “A Voz do Gueto11”.

Contra-mestre Topete costuma dizer, em suas aulas ou conversas sobre a importância da divulgação na capoeira angola, que “a mídia da capoeira são os próprios capoeiristas”. Ele, capoeirista desde 1986, é considerado por muitos como um grande divulgador dessa expressão cultural. Desde 1993 viaja para eventos de capoeira de dentro e fora do estado de São Paulo, ministrando cursos e oficinas e vendendo artigos de capoeira. Possui uma banca localizada no mesmo espaço da ECAR, onde são vendidos artesanatos, CD's, DVD`s, livros, roupas, instrumentos e outros artigos de capoeira.

Nessa direção, Pedro Abib (2005a) reflete sobre os processos de transmissão do saber popular, suas características e os princípios de aprendizagem social dos sujeitos de um grupo, que para tanto se utilizam da memória, da oralidade, da ancestralidade, e da ritualidade.

Por um lado, vemos tradições sendo preservadas e recuperadas e o sentimento de pertencimento étnico e identitário sendo reforçado, apesar de todas as contradições que esse processo encerra; por outro, estratégias sendo desenvolvidas por esses mesmos grupos, no sentido de se integrarem cada vez mais ao mercado da sociedade globalizada, como uma necessidade de sobrevivência política e econômica. (ABIB, 2005a, p. 80-81)

Cabe ressaltar que esse estudo de Pedro Abib, “Capoeira angola: cultura popular e o jogo dos saberes na roda” (2005), será utilizado como base para nossa pesquisa, na medida em que ele faz um estudo sobre esses saberes da capoeira angola produzidos nas escolas não-formais, ressaltando as relações entre os mestres e os fundamentos dessa cultura que tem como princípios

11 Jornal coletivo e comunitário de manifestos artísticos e culturais que teve sua primeira edição em julho de 2010. Existiu até a sua quarta edição (duas em 2010 e duas em 2011) e acabou sendo extinto, pela dificuldade em conseguir parceiros para escrever e apoio para as impressões. As edições podem ser acessadas online pelo site http://www.readoz.com/publication?i=1031626 ou pelo blog http://avozdogueto.blogspot.com.br/.

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a memória, a ritualidade, a ancestralidade e a coletividade, respaldado em alguns conceitos teóricos dos quais também utilizaremos nessa pesquisa. Abib é aluno do CECA-AJPP e, portanto, seu estudo também se baseia na capoeira angola do Mestre Pastinha e do Mestre João Pequeno, a mesma linhagem utilizada como fundamento da ECAR. Contudo, nosso estudo fará as análises para identificações desses saberes, assim como de seu ensino e divulgação, partindo da experiência particular do pesquisador com o grupo, somada aos depoimentos e demais materiais produzidos pelos integrantes da Escola.

Assim, a presente dissertação utilizará como metodologia, além da pesquisa bibliográfica, a história oral dos integrantes da ECAR, colhida por meio de entrevistas gravadas em áudio e vídeo, somada ao uso de imagens fotográficas e videográficas produzidas e arquivadas pelos próprios integrantes (assim como pelo pesquisador), que contribuirão para a compreensão e para o registro das visões de mundo dos indivíduos envolvidos na pesquisa.

Utilizando as memórias individuais dos integrantes da ECAR, a partir de relatos que possuem a capacidade de acumulação e reserva de um certo grau de memória comum (FERREIRA, 1996), construiremos uma memória da própria escola, tendo como pano de fundo a reflexão sobre os saberes produzidos no processo de aprendizagem dessa instituição de educação não-formal (ou trans-formal, como veremos). Utilizaremos ainda alguns aportes e reflexões da antropologia visual e da pesquisa participante, na medida em que o pesquisador faz parte do grupo estudado e contribui para o mesmo como aluno e como um dos responsáveis pela parte dos registros da ECAR, tanto de fotos quanto de vídeos. Assim, o material constituído pela pesquisa, também será utilizado para a divulgação da Escola, e vice-versa, criando um acervo que contribui para o registro da memória e para a divulgação do conhecimento produzido.

Para construir a narrativa da pesquisa, utilizaremos fotografias ou imagens que remetam a algo que está sendo discutido ou analisado. Nem sempre faremos a análise das imagens, porque em alguns casos elas serão somente ilustrativas ou provocativas. As imagens poderão ser fotografias, desenhos, frames de vídeos ou trechos de manuscritos digitalizados.

No que tange o uso de imagens para pesquisa e registro, Moreira Leite (1998) explica que, enquanto o texto verbal é consagrado pela tradição europeia e acadêmica como forma prioritária de expressão ocidental e moderna, o texto imagético é associado ao contexto artístico e social. Devido às suas complexidades e ambiguidades interpretativas, acaba não sendo valorizado da

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mesma forma que o primeiro.

Contudo, a autora aponta que a imagem não é restituição, mas reconstrução de uma realidade, com alguma alteração voluntária ou involuntária. O observador a incorpora entre suas imagens mentais e, através dessa associação de imagens, se dá a apreensão de significados. Nas palavras da autora,

mecanismos perceptivos e cognitivos ampliam a compreensão das relações entre a imagem e as diferentes formas de memória, que, pelo re-conhecimento e pela re-memoração, constroem a ponte para o texto verbal. Ao que é impossível descrever, torna-se indiscutível a prioridade da imagem visual, por sua capacidade de reproduzir e sugerir, por meios expressivos e artísticos, sentimentos, crenças e valores. (Ibid, p. 44)

As atuais facilidades de acesso às novas tecnologias de transmissão de informação cultural, como fotos, vídeos e internet, são assimiladas na ECAR como possibilidades de somar conteúdos no processo de ensino e de aprendizagem da capoeira angola, aliando o conhecimento prático à pesquisa e ao conhecimento teórico. Nossa pesquisa, assim como as atividades da ECAR, busca estabelecer uma comunicação intercultural numa relação tripartite entre a produção do saber, o sujeito desse saber e seu público. Conforme aponta Dominique Gallois (1998), uma comunicação destinada a diversos públicos feita de maneiras críticas e inovadoras, utilizando agentes visuais como meios de difusão de um conhecimento produzido em razão da comunicação.

Os processos de educação e transmissão de saberes presentes na ECAR são realizados a partir de uma relação de diálogo entre os alunos no cotidiano da Escola, orientados pelo Contra-mestre Topete. Em relação a este engajamento intencional da educação e da comunicação, Paulo Freire fundamenta a possibilidade de conhecer nessas inter-relações entre todos os participantes do processo:

O sujeito pensante não pode pensar sozinho; não pode pensar sem a co-participação de outros sujeitos no ato de pensar sôbre o objeto. Não há um 'penso', mas um 'pensamos'. É o 'pensamos' que estabelece o 'penso' e não o contrário. Esta co-participação dos sujeitos no ato de pensar se dá na comunicação (FREIRE, 1975, p. 66).

Durante os encontros, rodas, eventos e apresentações há sempre a preocupação do registro, por meio de um caderno de presença e de fotografias, que são disponibilizadas no site da ECAR. Assim, é construída uma memória fotográfica desses momentos que pode ser acessada e revisitada por meio da internet. Vídeos também são utilizados para o registro e a divulgação. Todos eles são armazenados e alguns também disponibilizados na rede. Dessa forma, esses

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arquivos podem ser acessados por pessoas de distintos lugares do mundo, entre elas capoeiristas, pesquisadores e admiradores.

Buscando alcançar os objetivos de identificar os saberes da ECAR, analisando sua circulação e divulgação, como dissemos, foram realizadas entrevistas com integrantes da Escola, em áudio e vídeo12. Essas entrevistas foram transcritas e articuladas com as temáticas trabalhadas no texto. Para isso, apresentei a proposta de pesquisa aos integrantes da Escola Resistência e pedi, para aqueles que pudessem e quisessem, que contribuíssem com materiais ou depoimentos em entrevistas. Marquei datas e lugares com algumas pessoas que pediram, mas também fui à ECAR em alguns horários para gravar entrevistas com quem estivesse presente e se dispusesse a dar o seu depoimento.

Visando não estabelecer um roteiro para as entrevistas – evitando, assim, direcionar ou influenciar as respostas de maneira mais direta - antes da entrevista, eu explicava qual era o objetivo da pesquisa e pedia para que falassem sobre o que a capoeira significava na sua vida; que tipo de conhecimento eles/elas apreendiam na ECAR; por que buscavam aquele conhecimento; o que os “prendia” ali e, ainda, como esse conhecimento influenciava em suas vidas e trabalhos. Por fim, pedia para comentarem o que pensavam sobre a divulgação desses saberes.

Em algumas entrevistas eu pouco intervinha. Em outras, eu ia comentando as passagens, como em um bate-papo. Deixava a câmera em um tripé do meu lado, enquanto o(a) entrevistado(a) ficava sentado à frente. Para não ter problemas com o som utilizei, na maioria delas, um microfone direcional, que a pessoa entrevistada escolhia se queria segurar ou não.

A partir desse material, assim como da revisão bibliográfica sobre o tema, dividiremos as análises de uma maneira que possamos compreender melhor o que são esses saberes que são construídos, registrados, arquivados e divulgados pelos integrantes da ECAR, através de suportes e linguagens diversas. Assim, no primeiro capítulo, buscaremos identificar e compreender a produção dos saberes da capoeira angola na ECAR, seus limites e deslocamentos entre formalidades, cientificidades e objetividades. Primeiramente faremos uma discussão sobre o conceito de memória enquanto produtora de história para, então, iniciar a construção da história

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da ECAR a partir dos depoimentos de seu fundador e dos demais integrantes. A partir dessas reflexões, buscaremos compreender os valores, princípios e fundamentos que constituem o grupo, assim como as relações que a produção desses saberes têm com o contexto histórico e espacial do cotidiano de seus sujeitos. Abordaremos ainda neste capítulo os conceitos de enraizamento e globalização, bem como de educação não-formal, descolonização dos saberes e educação popular, os quais são fundamentais para as analises realizadas.

O segundo capítulo será dedicado a compreender os modos de circulação dos saberes da capoeira angola para um aprendizado da vida. Assim, destacaremos a função socioeducativa que esses saberes podem exercer a partir da arte, da música e de seus aspectos de resistência cultural. Estudaremos, ainda, a relação entre as aprendizagens da capoeira angola e da educação não-formal, destacando seus usos na práxis cotidiana e os modos como podem contribuir para a formação cidadã, para a conscientização política e para a construção de projetos de vida. Nessa relação entre aprendizagens formal, informal e não-formal, destaca-se a valorização da intuição, da paciência e de uma lógica temporal circular, não-linear, que podem contribuir para a construção de diferentes habilidades e conhecimentos em ambos contextos educativos.

Por fim, o terceiro capítulo será dedicado ao enfoque às formas de organização, metodologia e simbologias que constituem a Escola de Capoeira Angola Resistência. Num primeiro momento, faremos um estudo sobre o denominado pan-africanismo, movimento de união dos povos africanos e de constituição de movimentos raciais que, como filosofia, influenciará a constituição das aulas e das simbologias da Escola. Já num segundo momento, passaremos para a descrição e análise das formas de organização das aulas da ECAR, além dos estudos realizados em torno da capoeira angola. De um lado esses estudos referem-se a aprendizagem da própria capoeira enquanto um jogo e atividade física que exige dedicação e treino. De outro lado, os estudos mostram a importância da capoeira como forma de conscientização de diferentes relações de dominação. Tal abordagem será feita enfatizando os seus cantos, musica, dança, toques, eventos e diferentes aulas. Por fim, faremos algumas reflexões sobre as formas de divulgação desses saberes, identificando os problemas e as soluções encontradas para a construção da memória coletiva do grupo a partir dos materiais de registro (foto, texto, vídeo, som) utilizados para arquivamento e para comunicação com o público externo.

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Capítulo 1

Saber e cultura popular a partir da memória: repassando a ECAR

Este capítulo será desenvolvido partindo da memória do Contra-mestre Topete ao nos contar a sua história e a história da Escola de Capoeira Angola Resistência. A essa história, cruza-se as memórias e observações dos estudantes da ECAR, desde os mais antigos que construíram a escola com o Topete, aos mais novos que nos ajudam a identificar os saberes que a Escola consegue consolidar em sua prática. E porque essa escolha teórico-metodológica de partir da memória para a nossa construção teórica?

1.1. A memória enquanto produtora de história

A memória permite-nos (re)construir valores e tradições, olhando os fatos a partir dos indivíduos e buscando neles a clareza e a confiança dos acontecimentos e das relações que sustentam suas visões de mundo. Construída a partir de uma leitura do presente, nas condições atuais de produção, a memória é atravessada por acontecimentos históricos-sociais do passado.

Olga von Simson explica que memória “é a capacidade humana de reter fatos e experiências e retransmití-los às novas gerações através de diferentes suportes empíricos (voz, música, imagem, textos etc.)” (2003, p.14). A memória organiza a identidade social e coletiva, constrói o sentimento de pertença a um lugar ou a uma coletividade e informa o código simbólico necessário para desvendar, documentar e divulgar a cultura de um corpo social. Essa construção é feita através de “conjuntos documentais racional e tecnicamente tratados” (Ibid., p.18) e “se baseia na cultura de um agrupamento social e em códigos que são aprendidos nos processos de socialização que se dão no âmago da sociedade” (Ibid., p.17).

Milton Santos, pensando a cultura do homem a partir do espaço, nos diz que a cultura é uma herança que nos dá a consciência de pertencer a um grupo. Para o geógrafo, cultura é “um reaprendizado das relações profundas entre o homem e o seu meio, um resultado obtido através do próprio processo de viver” (2000a, p.61), a forma de comunicação do indivíduo e do grupo

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com o universo.

Assim, a nossa cultura é o filtro para o processo de seleção e construção da memória da sociedade em que vivemos, como ressalta Iuri Lotman13. Segundo o autor, para uma informação ser patrimônio da memória, ela deve ser codificada para um texto cultural, ou seja, traduzida para um conjunto de signos que organiza tal informação de uma maneira e não de outra, para então poder ser transmitida, reconhecida (decodificada) e conservada.

Lotman nos chama atenção que a comunicação só é possível se há algum grau de memória comum e que um texto é um condensador de memória social. O texto tem capacidade de acumulação e reserva de memória e “se define pelo tipo de memória que ele necessita para ser entendido” (FERREIRA, 1995, p.119). O texto, então, contribui tanto para a memória como para o esquecimento. Ou, melhor, tanto a memória como o esquecimento contribuem para o texto.

Simson (2003) reforça que a memória, em sua organização, passa por um processo de seleção, pois não podemos guardar tudo o que vivemos e experimentamos e nem há suporte para isso. Na nossa memória individual, retemos aquelas informações e experiências que possuem significado ou importância para nossa existência e decisões futuras e descartamos o resto. Ou seja, é a memória de cada um de nós, constituída pelos processos de socialização que vivenciamos. Já na constituição da memória coletiva, a definição de qual discurso será esquecido e qual será guardado como memória oficial é feita pelos grupos dominantes, que selecionam os fatos e aspectos julgados relevantes para eles e os consolidam como o que seria o passado coletivo, nossa memória oficial.

Assim, os grupos dominantes formam um discurso de memória coletiva em que há o apagamento de certas tradições, costumes e conhecimentos e afirmação de outros. Esses discursos são legitimados nos lugares de memória oficiais, tais como “memoriais, monumentos, arquivos, bibliotecas, hinos oficiais, quadros e obras literárias e artísticas” (SIMSON, 2003, p. 14-15), que reforçam as histórias do grupo dominante. Portanto, o processo de dominação também influencia e atua sobre a memória. Lotman ressalta que o esquecimento é o “mecanismo explorado por uma instituição hegemônica, tendo em vista excluir da tradição os elementos indesejáveis da memória coletiva” (FERREIRA, 1995, p. 117).

13 Semiólogo e historiador cultural soviético que viveu entre 1922 e 1993, considerado um dos primeiros estruturalistas. No texto “Cultura é Memória”, de 1995, Jerusa Pires Ferreira faz um apanhado acerca de seus

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Porém este discurso e história dominante, por sua vez, encontra resistência por parte dos oprimidos que, percebendo e vivendo a sua realidade, criam símbolos e obras que fortalecem seus compromissos históricos e políticos. Assim, criam e recriam a sua memória coletivamente a partir da convivência no cotidiano da comunidade. Essas comunidades produzem o que Simson chama de memórias subterrâneas ou marginais, que são aquelas produzidas pelos grupos populares e que se encontram guardadas “no âmago de famílias ou grupos sociais dominados nos quais são cuidadosamente passadas, de geração a geração” (2003, p. 15). Por meio da oralidade, de relatos, de contos, de músicas, fotografias e escritos, o grupo retoma momentos ou experiências vividas naquele grupo, mesmo que em tempos e espaços diferentes, o que faz com que vivam aquele presente plenamente. Nesse sentido, Enrique Dussel reflete sobre a diferença de temporalidade presente na memória popular:

“O que acontece é que essa memória do povo funciona num ritmo que não é tão entusiasta, em dia e aloucado como o da elite ilustrada. Cresce como plantas; tem que esperar a primavera para crescer e não pode crescer em qualquer momento com cultivo e fertilizantes: sabe esperar. Tem um ritmo que parece a-histórico. (...) Cultura popular é o fruto da vida, do compromisso e da história do povo. (...) A memória popular ‘recorda’ quem é aquele que explora, quem é aquele que suga seu sangue” (DUSSEL, s/d, p. 176)

É essa memória popular que resiste e existe, com suas características, temporalidades e racionalidades próprias, que nos interessa nesse estudo. Ieda Martins (2002) chama atenção, citando Pierre Nora, que os saberes da cultura negra não são resguardados somente nos lugares de memória, mas também a partir dos ambientes de memória, ou seja, dos repertórios orais e corporais das pessoas, dos gestos, dos hábitos, cujas técnicas e procedimentos de transmissão são meios de criação de passagem, produção e reservação dos saberes. As performances rituais, os cerimoniais, os festejos, por exemplo, são férteis ambientes de memória, são atos de inscrição da memória, uma grafia. A autora nos alerta, então, pensando o corpo como lugar de inscrição, resguardo, disseminação e revisão da memória, que não existem culturas ágrafas.

Simson reforça que essa convivência para a construção compartilhada da memória constrói fortes laços de relacionamento entre os indivíduos e “constitui uma estratégia muito valiosa nestes tempos em que tudo é transformado em mercadoria e tudo possui valor de troca” (2003, p.16). Ao utilizarmos os “óculos do presente” para reconstruir vivencias e experiências passadas, há um melhor entendimento dos problemas do presente, tornando mais sólidas e realistas as ações futuras e constituímos, assim, uma memória compartilhada. Enfim, ao rever

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nossa história passada pela palavra e pelo ponto de vista do povo que a viveu, nos enraizamos e buscamos enraizar. Mais conscientes de nossas origens, conseguimos compreender melhor os problemas contemporâneos.

“O trabalho com a memória também possibilita uma transformação da consciência das pessoas nele direta ou indiretamente envolvidas, no que concerne à própria

documentação histórica, (...) e compreendendo melhor o valor do documento na vida

local, passando assim a engendrar novas maneiras de recuperá-lo e conservá-lo” (ibid, p. 17, grifos da autora).

Com essas reflexões, pensando memória como cultura, podemos dizer que a memória é constitutiva da divulgação cultural, já que não há cultura sem memória. Ou seja, divulgação cultural é a comunicação de visões de mundo constituídas em um grupo social, organizadas por um conjunto de signos que formam textos que são guardados e transmitidos por suportes diversos.

Segundo Simson, esse trabalho de “coleta, seleção, organização, guarda, manutenção adequada e divulgação da memória de grupos sociais ou da sociedade em geral” (Ibid., p.16) é feito tanto pelo próprio grupo social, quanto por instituições surgidas com esse propósito, como museus, arquivos, bibliotecas e centros de memória. Para o registro, a manutenção e a divulgação da memória são utilizados suportes como: documentos escritos, desenhos, pinturas, materiais de imprensa, fotografia, vídeo, discos, CDs, DVDs, disquetes, dentre outros meios analógicos e digitais.

Dessa forma, considera-se fundamental relacionar as diferentes memórias presentes na ECAR para identificar os saberes da capoeira angola que são desenvolvidos, criados e recriados nesta escola de capoeira que é o foco do nosso estudo. Para tal, este capítulo será dividido em duas partes. Na primeira retomaremos a história do Contra-mestre Topete para a formação da ECAR. Nesse percurso identificaremos a história de outros mestres e alguns saberes da capoeira angola levantados nessas reflexões. Na segunda parte, relacionaremos a memória dos outros integrantes da ECAR àquela do Topete e, a partir dela, ampliaremos a identificação dos saberes da capoeira angola e faremos uma discussão desses saberes com os saberes científicos. Também discutiremos os conceitos de educação formal, informal e não-formal como modos pelos quais a capoeira se desenvolve.

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1.2. O início da história da ECAR pela memória de seu fundador

Para falarmos da ECAR temos que falar de Valdisinei Ribeiro Lacerda, o Contra-mestre Topete, seu fundador. Hoje com 42 anos, é casado com Márcia das Graças Ribeiro Lacerda, com quem tem um filho de 15 anos, William Claro Lacerda. Valdisinei nasceu no dia 8 de janeiro de 1971, em Cambira, no Estado de Paraná. Filho de Maria das Graças Ribeiro Lacerda e Francisco Pucinheira Lacerda, logo com um ano e meio, mudou para Sumaré, na Região Metropolitana de Campinas, com seus pais, três irmãs e um irmão, que faleceria em 1989, aos 19 anos.

Imagem 8: Valdisinei Ribeiro Lacerda, o Contra-mestre Topete. Acervo ECAR.

Valdisinei começou a trabalhar muito cedo, por causa da dificuldade financeira de sua família. Entre 5 e 7 anos, trabalhou limpando cocheira, limpando canteiros de hortas e vendendo sorvetes.

Aos sete anos eu comecei a vir [a Campinas] para vender sorvete. Colocava a caixa nas costas e ia. Só que chegava aqui eu - como um moleque com dificuldade financeira, também passei até necessidade de alimento em casa - eu pegava o sorvete, pegava 30 e chupava 20. E vendia 10. Aí eu chegava para acertar na sorveteria, eu estava devendo. Aí eu pegava mais e vinha. Só que em Campinas tem um órgão que rege as pessoas que não têm registro em carteira, que trabalham por conta, a Cetec. Eu não sabia disso e muitas vezes a Cetec tomava a minha caixa com sorvete e tudo. Aí não deu muito certo. Eu fiquei devendo muito e o homem da sorveteria foi na minha casa falar com a minha mãe e aí ela teve uma baita despesa para acertar com o sorvete. (Contra-mestre Topete, Entrevista, 2013)

Referências

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