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Ainda em 2006, foi gravado o CD “Angola, capoeira mãe”, com músicas de autoria do então Professor Topete, Seu Nico, Leonardo, Mestre Bahia, Dona Eva (que foi aluna do CM Topete até 2008) e de outros integrantes do Centro Esportivo de Capoeira Angola (CECA) do Estado de São Paulo.

Imagem 35: Ensaio para a gravação do CD. Fotografia cedida por Fredy Colombini. 2006.

A produção do CD foi totalmente independente. Cada um dos participantes contribuiu com uma parte para custear a gravação do CD, que foi feita na casa de um amigo do Topete, o

qual possuía equipamento para gravação. A arte gráfica foi desenvolvida pelo Fredy e a reprodução e a impressão feitas pelo Professor Topete em lojas do centro de Campinas.

Ilustração 36: Encarte do CD "Angola, capoeira mãe".

Cabe aqui destacar o significado da composição deste CD, produto de um trabalho coletivo, uma vez que ele representa o esforço de cada membro do grupo em partir das suas experiências pessoais somadas à capoeira para compor suas músicas, tendo em vista que as musicas são também uma forma de registrar e divulgar a memória e a cultura local. A partir das musicas, conta-se historias, rememorando ritmos e tempos passados en-cantados no presente, fazendo florescer o potencial poético e artístico dos(as) capoeiras.

Odair Felix, aluno da ECAR, Ogan33 há mais de 15 anos, com uma vivência muito profunda com a cultura negra, no candomblé, na umbanda e no samba-de-roda, também comentou sobre como a música pode estimular, mandar recados, mexer com o sentimento das pessoas:

Essa capoeira angola, ela mexe com a gente. Ela é uma coisa de sentimento. E é legal quando você fala "é pra mim". A cantiga quando ela bate no coração da gente, fala... às vezes ela não precisa ser tudo pra você, mas um pouquinho ela serve. Um pouquinho para cada um. (…) Um ponto cantado, dependendo do ponto, você faz alguma coisa. Você cura, você ajuda, você faz a pessoa levantar, faz a pessoa se sentir bem. Uma cantiga estimula as pessoas. Você vê que sempre o Contra-mestre fala isso. (Entrevista, 2013)

Podemos compreender a importância e significado da música na capoeira (percussão e canto) pela função primordial que a música exerce na roda de capoeira, indicando rumos para o jogo ou para os toques, dando conselhos, criticando, elogiando e/ou cantando histórias com fundos metafóricos (ou diretos) que podem dizer muito aos jogadores presentes, como nos ensina

33 Conforme explica Abdias Nascimento, “os ogans funcionam como espécie de patronos honorários do candomblé, em geral pessoas com prestígio bastante para proteger o terreiro, seu corpo sacerdotal e seus frequentadores-crentes, da violência costumeira das autoridades públicas” (2002, p. 155). O ogan é quem toca os atabaques e entoa os pontos cantados em um terreiro de candomblé.

Contra-mestre Topete:

A capoeira tem uma coisa que é muito rica para a vida do ser humano, que é a musicalidade. E a musicalidade ela canta paz, ela canta guerra, ela serve como terapia - tem gente que usa a música como terapia - a música serve pra arrumar namorada, a música também pode fazer amor. Enfim, a música é riqueza. A capoeira tem a música. A música é alimento para o ser humano. E a musicalidade é o alimento para a nossa alma, o alimento para os capoeiristas. (...) Agora, você tem que saber qual música que é pra cada aspecto desse. Por isso que a colocação da música é muito interessante. (Entrevista, 2013)

Como ressaltou CM Topete, a capoeira se enquadra também em dança e o que determina o ritmo e, digamos, a “temática” dos movimentos dançados, é a música tocada e a cantiga cantada. Contudo, o cantador e o tocador34 devem saber da responsabilidade que têm nessa sua função para, assim, saber conduzir a roda da capoeira, com atenção para evitar acidentes, mantendo toques e o cantos que dêem um bom andamento à roda, estimulando seus participantes e se adequando às mudanças ocorridas no decorrer dos jogos e do ritual como um todo:

[Para saber] qual música, você tem que estudar a capoeira mesmo, por isso que ela se enquadra em dança, porque canta uma música pra você dançar, essa parte de dançar. Nos cantos da capoeira, você canta paz, a pessoa fica tranquila; e canta guerra, que é um jogo mais pesado, que provoca briga, estímulo. E eu posso dizer que os cantos da capoeira, na manifestação, as pessoas que muitas vezes são bravas, são violentas, dependendo do ritual da capoeira, ela fica mansa. A turma não entende: "Pô, o cara é tão violento, o jogo é tão duro..." Porque o estímulo dele deu de paz. (Entrevista, 2013)

Imagem 37: Trecho do caderno de anotações de Jesus Barbosa, sobre um ensinamento de Contra-mestre Topete durante a Roda do Gueto, em março de 2012.

Jesus Barbosa é um dos poucos alunos que faz o uso intensivo do caderno de anotações na ECAR, prática sugerida a todos pelo CM Topete. Capoeirista há anos, sambista e sambador, Jesus é um aluno da ECAR que se dedica muito a aprender a capoeira e desenvolver seu lado artístico. Nesse caderno, ele escreve os pontos importantes das aulas, faz atas sobre as reuniões, registra as falas das pessoas, as movimentações treinadas nos treinos, as músicas cantadas, os ensinamentos apreendidos.

Imagem 38: Trecho das anotações no caderno de Jesus Barbosa, sobre uma aula de musicalidade e sobre uma reunião da ECAR, em setembro de 2010.

Como podemos observar em suas anotações, Jesus também utiliza desenhos para ilustrar os aprendizados das aulas. Ao longo de seu caderno de anotações encontramos vários deles, que enriquecem ainda mais esse material e faz com que Jesus desenvolva suas habilidades ao registrar os saberes de maneira acessível e didática:

Imagem 39: Desenhos de Jesus Barbosa sobre o "palmeado" utilizado na capoeira e no samba-de-roda. Acima a descrição dos tipos de palmas. Maio de 2010.

Nas aulas, Contra-mestre Topete incentiva seus alunos e alunas, além de tocar e cantar músicas de domínio público e de outros Mestres, a criarem suas próprias cantigas, como forma de se expressar e desenvolver um repertório de cantos e improvisos próprios a serem utilizados na roda. Incentiva, também, outras atribuições artísticas, como artesanato, pintura, teatro, poesia, etc. “O capoeirista, o angoleiro35, é artista, ele pode ser percussionista, ele pode ser artesão, ele pode ser um cantor. Ele pode chegar, através dos ensinamentos, mas não significa que todos os angoleiros são” (Contra-mestre Topete. Entrevista, 2013). Abaixo alguns exemplos de aptidões artísticas de integrantes da ECAR:

Imagem 40: Desenho de Jesus publicado na primeira edição do Jornal comunitário "A voz do Gueto", em 2010.

Imagem 41: Apresentação de dança no 3º Encontro das Mulheres. Com: Flaviana, Gabriela e Márcia. 2010

Imagem 42: Banda Nego Mantra, que possui 3 alunos da ECAR entre seus integrantes: Rodrigo (contra-baixo, de azul à esquerda), Tartaruga (Voz e violão, ao centro, de verde) e Professor Leonardo (vocal e berimbau, de laranja). Apresentação na sede do Urucungos, 2011.

Imagem 43: Nívea exibindo a almofada que fez. Ela também produz tocas, bonés e gorros de tricot. 2013.

Partindo dessa constatação, entendemos que o desenvolvimento artístico também dependerá da dedicação e decisão dos(as) angoleiros(as) em agregar esses ensinamentos à sua vida e aos aspectos artísticos que podem suscitar. Antônio Bueno, também aluno da ECAR, trabalha como serralheiro e nos falou sobre como a capoeira auxilia no trabalho e na criatividade do dia-a dia:

Então [na capoeira] tem muita área artística e a gente pode utilizar isso na vida, no trabalho, para quem está estudando, musica, artes, cinema... Eu acho que a capoeira tem um pouco de tudo. E o ser humano desconhece um pouco essas faculdades mentais, artísticas, e isso ajuda muito na criatividade do dia-a-dia, no trabalho, na sociedade, na família, para a saúde do corpo, saúde da mente. Eu vejo que aqui a gente pode encontrar um pouquinho de tudo. (…) A gente

Só que elas também não buscam formas de tentar melhorar. Eles vão atrás da cura. A hora que está ruim, vai atrás de um médico, mas não procura uma forma de fazer um exercício mental. Não digo exercício físico, mas procurar reuniões, algum curso que não tenha nada a ver com a sua área. "Ah, mas isso não tem nada a ver com a minha área", mas o que importa é que você está ali, trabalhando, utilizando um pouco da sua criatividade. (Antônio. Entrevista, 2013)

A capoeira pode favorecer a criatividade e o exercício físico e mental de seus praticantes, segundo Antônio, justamente por deslocar nossa atenção para áreas e questões que não estão diretamente ligadas ao nosso trabalho, o que propicia a criatividade e pode prevenir problemas de saúde ligados à ansiedade e ao estresse, por exemplo. Assim, nessa concepção, a capoeira também atuaria como uma função terapêutica, em um processo de libertação corporal e mental das neuroses, que são frutos de mecanismos disciplinadores e de controle social36.

Professor Leonardo (na capoeira), pedagogo (na formação universitária) e educador social (na profissão), trabalha em instituições voltadas para ações socioeducativas com crianças e adolescentes. Em seu trabalho, utiliza a arte-educação para atuar com os educandos e educandas, tendo como uma das perspectivas de educação os saberes da capoeira angola, que está sempre presente em suas relações de vida e de trabalho.

A arte e a cultura são o que impulsionam a vida. Quando a gente tem a possibilidade de transformar o que a gente sente, materializar isso de alguma forma, seja com um movimento corporal, um gesto, uma dança, uma luta, um pincel sobre um pedaço de papel, uma tela, uma palavra escrita, rabiscada no chão da rua mesmo, ou também em um papel, eu acho que a gente consegue viver a vida com uma profundidade maior. Quando a gente consegue materializar o que a gente sente sobre o mundo e sobre a gente mesmo, a gente vive mais intensamente. Acho que a gente consegue exercer a existência com um poder. A gente consegue sentir o poder que a gente tem para transformar a realidade, para transformar o que é o mundo a nossa volta, o que é a gente, o que é a nossa casa, o que é o nosso espaço de trabalho, o que é a escola que a gente estuda, o que é a nossa rede de amigos, nossos camaradas, nossas amigas, nossos companheiros, companheiras... Eu acho que a arte, a cultura, possibilitam a gente ser transformador. Transformador de si e do mundo. Eu acho que é isso que faz toda a diferença. Onde eu estou eu sempre tenho essa perspectiva de estar sendo transformador de mim junto com as pessoas com as quais eu estou.(Professor Leonardo. Entrevista, 2013)

Nessa passagem, de maneira muito bonita, Professor Leonardo fala sobre a arte na (da) vida, de como ela pode ser trans-formadora em situações in-tensas e aprofundadoras de vivência e de existência poderosa que mexe de dentro para fora e de fora para dentro, em contextos e momentos trans-formais.

A roda de capoeira é um espaço propício para despertar essas experiências artísticas de

36 A respeito da capoeira angola como terapia para as neuroses, ver o trabalho da Somaterapia, criada por Roberto Freire, que tem como proposta uma terapia anarquista baseada nas teorias do austríaco Wilhelm Reich (1897-1957). http://www.somaterapia.com.br/

libertação e expressão corporal, musical, gestual, marcial e espiritual. Ela é fundamental para o aprendizado do/a capoeirista, pois é nela que ele/a vai colocar em prática os conhecimentos adquiridos nas aulas e expressar aqueles vividos na vida, participando do ritual como um todo, com canto, toque e jogo. Tendo em vista essa importância, durante seis anos, de 2005 até 2011, Contra-mestre Topete manteve duas rodas por semana, sendo uma dentro do salão, às quintas-feiras, e uma fora, às sextas-feiras, a Roda do Gueto. Porém, para o ritual de capoeira angola ser executado com qualidade e plenitude, é interessante que tenha pelo menos 10 pessoas (8 na bateria mais 2 jogadores), ou mais. A reunião dessa quantidade de alunos e alunas nem sempre é fácil, o que dificulta a execução do ritual com a qualidade ou com a periodicidade desejada.

Na Bahia, nem todos os trabalhos tem roda toda semana, semanal. É de 15 em 15 dias e, em alguns trabalhos grandes é uma vez por semana. Na minha escola, teve período que a gente fazia roda 5ª e 6ª. Quinta dentro da academia, sexta a Roda do Gueto. E aí, por motivo de poucas pessoas mesmo, porque dois dias de roda por semana, eu falei para os meus alunos: "não dá para fazer dia de quinta, vamos concentrar só dia de sexta" (Contra-mestre Topete. Entrevista, 2013).37

É muito difícil um trabalho de capoeira ter rodas semanais, ainda mais difícil é manter duas rodas por semana. No decorrer dessa pesquisa, realizei trabalhos de campo na Bahia e em outras cidades do Estado de São Paulo, a partir dos quais pude constatar que, em alguns grupos, há somente rodas mensais, ou quinzenais. São raros os que mantêm maior quantidade de rodas e, se mantêm, outra dificuldade é ter que contar com capoeiristas de fora para ter uma boa quantidade de pessoas para “fechar a roda”, como comenta CM Topete: “tem rodas de mestres na Bahia que eles vão fazer a roda, faz a bateria, mas nem todas as pessoas que estão na bateria são alunos deles. De grandes nomes da capoeira angola”(Idem). E aqui novamente a importância da divulgação, de convidar outros grupos, da dedicação para manter a roda.

Apesar de todas as dificuldades para mantê-la, no ano de 2007 a Roda do Gueto completou quatro anos, sendo realizada toda sexta-feira:

Imagem 44: Cartaz para a comemoração de 4 anos da Roda do Gueto. Acervo ECAR. Março de 2007.

Imagem 45: Camiseta com o cartaz de 4 anos da Roda do Gueto, impressa em serigrafia. Março de 2004.

Observamos no cartaz que nessa época já estavam presentes a Orquestra de berimbaus e o "Batuque das quebradas" (que atualmente chamamos “Batucada da Resistência” e existe com uma outra configuração), duas atividades ainda desenvolvidas na ECAR, além da capoeira angola. Essas atividades se mantêm até os dias de hoje, somadas a outras como: samba-de-roda, puxada-de-rede, maculelê e dança-do-fogo, como veremos adiante.

Outra questão interessante é o "4 anos de Resistência", referindo-se à Roda do Gueto, pois nessa época ainda não existia a Escola de Capoeira Angola “Resistência”. Essa concepção de Resistência significa ressaltar que, apesar de todas as dificuldades, a Roda do Gueto persistiu e existe, resistindo aos percalços e oposições, assim como a história da capoeira, a história do Contra-mestre Topete e o que será a própria história da ECAR.

E eu sou muito feliz em ter esse trabalho e durante esse trabalho muito obstáculo e oposição existiu, mas a gente está aqui. Então, por isso esse nome de Resistência. A minha vida, as dificuldades com a Roda do Gueto, as dificuldades com o trabalho... Hoje tem 20 anos que, em conjunto do artesanato da capoeira, que é considerado artesão, com as aulas de capoeira, é a minha renda do mês e eu sou feliz. (…) Tudo isso é resistência. É resistência no momento financeiro, é resistência de eu vir dar aula aqui e ter um aluno, eu dou a minha aula, tem 10 alunos eu dou aula; é você começar na Roda do Gueto sem aluno nenhum, precisando de outros capoeiristas amigos pra fazer. (Contra-mestre Topete. Entrevista, 2013)

Esse cartaz também foi transposto para camisetas pelo método de serigrafia38, ou

38 Antiga técnica de impressão, originada no oriente, em que a tinta emulsiva fotosensível é vazada, pela pressão de um rodo, para uma tela (normalmente de seda, nylon ou poliéster) e, a partir de um processo de

silk-screen impressas por Leonardo, que trouxe essa experiência de sua época no movimento anarco-punk. As camisetas possibilitam uma divulgação muito interessante das atividades e do grupo, assim como também servem para rememorar esses momentos, pois elas são utilizadas durante muitos anos pelos capoeiristas, nas rodas e no dia-a-dia.

Nesse dia de comemoração dos quatro anos da Roda do Gueto, estava chovendo e a roda teria que ser realizada na “varanda” em frente ao salão-sede do núcleo, saindo do seu lugar “original”. Antes de sairmos para o cortejo (acompanhamento sonoro) pelo meio do Terminal Central com a Orquestra de Berimbaus, Contra-mestre Topete reuniu todos no salão para dar as primeiras palavras e agradecimentos e comentou sobre a chuva e as dificuldades, inclusive climáticas, de manter o trabalho com a capoeira representado pela Roda do Gueto:

Hoje está um tempo chuvoso, mas nem por isso [não vamos fazer a roda], temos nossa varanda aí na frente. Mas não fiquem chateados porque uns precisam de chuva para ganhar o seu dinheiro, o seu sustento; outros precisam de sol para tirar o sustento. Então, fez sol, quem depende do sol já ganhou o seu dinheiro. Então, com certeza, alguém está precisando de chuva para o seu trabalho. Isso está ajudando alguém. Essas pessoas que estão precisando de chuva, em lavoura, no sertão, elas estão felizes, vão tirar o seu sustento. Então é assim mesmo. 'O pouco com Deus é muito, o muito sem Deus é nada'.

Imagem 46: 1: Orquestra de Berimbaus nos camelôs / 2: Roda do Gueto na “varanda” - detalhe na presença de dois Mestres que, posteriormente, serão padrinhos da ECAR: Mestre Bahia, de amarelo; e Mestre Bigo, ao fundo, de camisa branca e pochete. / 3: "Batuque das quebradas". Imagens extraídas do registro audiovisual. 2007.

A partir dessa época, reconhecido pela sua experiência e didática com a capoeira, convidado por alunos do CECA de outros países, Topete fez viagens para fora do Brasil. Em 2005, passou três meses na Europa, ministrando aulas na Suécia, além de oficinas e workshops na Dinamarca, Alemanha, Noruega e Holanda; em 2006, ficou um mês no México; e, em 2007, três meses nos Estados Unidos. Segundo ele, além de poder conhecer outras culturas e lugares, essas viagens foram muito importantes porque, visitando outros grupos e capoeiristas no exterior, pôde

saber como a capoeira está se desenvolvendo em outros países39. Outra questão importante foi o reconhecimento que recebeu, tanto em termos financeiros (vendas de artigos, pagamentos pelas aulas e pelas viagens) como em termos de amizades e de divulgação de seu trabalho internacionalmente.

No período em que Topete estava fora do país, os alunos mais avançados ficaram responsáveis por manter as atividades em Campinas, tanto as aulas quanto as rodas. Isso também acontece quando Topete está ausente por outros motivos: um Professor fica responsável; na ausência dele, um Trenel e assim por diante, de acordo com a hierarquia do grupo. Essa forma de trabalho, colaborativa, faz com que o grupo não dependa sempre do Mestre para funcionar, assim como, ajuda na preparação dos alunos mais avançados e no respeito dos iniciantes para com eles.

Imagem 47: Treino realizado em 2004 na casa de Topete, enquanto ele estava na Suécia. Foto 1: Fredy, Dani, Leonardo, Aliethi e Camilo na bateria / Foto 2: Fredy, Camilo, Leonardo e Aliethi na bateria; Dani e William (filho do Topete) agachados. Fotografias de Fredy Colombini. 2004.

Porém, antes de assumirem as responsabilidades, durante os treinos e com a presença do Mestre, os alunos são preparados: “às vezes eu gosto de pôr os alunos mais velhos e também os alunos mais novos pra ir aprendendo a ministrar aulas e o aluno pegar, aprender a pegar aula com esses alunos mais velhos e respeitá-lo, porque ele ainda vai ser Professor, um Trenel” (Contra-mestre Topete. Entrevista, 2013). Vemos, então, que essa preocupação do Mestre em preparar os alunos para assumir algumas responsabilidades é uma forma de deixar a Escola com uma certa autonomia na sua ausência, mas também uma forma de avaliação para a graduação de seus alunos e alunas.

39 Hoje a capoeira está presente em mais de 150 países. Segundo o “Dossiê: Inventário para Registro e Salvaguarda da Capoeira como Patrimônio Cultural do Brasil” emitido pelo Ministério da Cultura, essa “globalização” da capoeira foi feita sem incentivo governamental, ocorreu devido às “errâncias dos capoeiristas, verdadeiros embaixadores informais da cultura brasileira.” (Brasil, 2007)

Quando voltou da sua última viagem, aos Estados Unidos, em 2007, Professor Topete sentiu a necessidade de retomar seus estudos e fazer faculdade40, a fim de se especializar ainda mais na sua área:

Através da capoeira, eu terminei o ensino médio, foi supletivo em 6 meses no Colégio Evolução de Campinas. Aí eu falei "eu quero fazer uma faculdade. Eu tenho que fazer uma faculdade". Dentro da capoeira, eu tive oportunidade de viajar para 9 países, trabalhando com capoeira, dando aula. Tem muitas pessoas que tem uma educação, um curso superior e nunca saiu do país.