• Nenhum resultado encontrado

Expectativas sociais para a educação escolar básica de qualidade: sentidos e significados para o desenvolvimento humano

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Expectativas sociais para a educação escolar básica de qualidade: sentidos e significados para o desenvolvimento humano"

Copied!
139
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTU SENSU EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

LAÍS BASSO

EXPECTATIVAS SOCIAIS PARA A EDUCAÇÃO ESCOLAR BÁSICA DE QUALIDADE: SENTIDOS E SIGNIFICADOS PARA O DESENVOLVIMENTO

HUMANO

IJUÍ 2016

(2)

LAÍS BASSO

EXPECTATIVAS SOCIAIS PARA A EDUCAÇÃO ESCOLAR BÁSICA DE QUALIDADE: SENTIDOS E SIGNIFICADOS PARA O DESENVOLVIMENTO

HUMANO

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação Scrictu Sensu em Educação nas Ciências da UNIJUÍ como requisito parcial da obtenção do título de doutor.

Orientador: Prof. Dr. Otavio Aloisio Maldaner

IJUÍ 2016

(3)
(4)
(5)

Dedico

A minha mãe querida, minha Neli, por ser tão forte e por ensinar tanto por meio do amor e da confiança.

(6)

AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos com que pude contar nesta caminhada, que me dedicaram seu apoio, ajuda e amizade, porque tornaram o caminho mais leve e foram decisivos para que todas as andanças e anos de vida fizessem sentido. Os laços de amizade, o amor e o carinho voluntários, a ajuda inesperada, as palavras de incentivo, o brilho nos olhos de um professor, o esforço e a curiosidade de um estudante nos permitem admirar o quão bonito pode ser o humano.

Agradeço, de forma especial, pelos ensinamentos e acolhimento:

À família, pelo carinho especial, pelo incentivo e à luz de nossas vidas...

Aos colegas de aulas e de trabalho, de grupo de pesquisa, de pós, de escola, que sempre foram mais do que colegas, mas pessoas queridas e amigas para toda vida.

Aos muitos professores com quem tive o privilégio de conviver e que permitiram que eu construísse tamanha admiração pela nossa profissão.

Ao professor Otavio Maldaner, por acreditar em mim e por me orientar com muita paciência por quase uma década.

(7)

Há escolas que são gaiolas. Há escolas que são asas.

Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do voo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados têm sempre um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o voo. Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são os pássaros em voo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o voo, isso elas não podem fazer, porque o voo já nasce dentro dos pássaros. O voo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado. As escolas serão gaiolas? Vão falar-me da necessidade das escolas dizendo que os adolescentes precisam de ser educados para melhorarem de vida. De acordo. É preciso que os adolescentes, que todos tenham uma boa educação. Uma boa educação abre os caminhos de uma vida melhor. Mas eu pergunto: as nossas escolas estão a dar uma boa educação? O que é uma boa educação? O que os burocratas pressupõem sem pensar é que os alunos ficam com uma boa educação se aprendem os conteúdos dos programas oficiais. E, para testar a qualidade da educação, criam mecanismos, provas e avaliações, acrescidos dos novos exames elaborados pelo Ministério da Educação. Mas será mesmo? Será que a aprendizagem dos programas oficiais se identifica com o ideal de uma boa educação?

Pobres professores, também engaiolados… São obrigados a ensinar o que os programas mandam. Isso é um hábito velho das escolas.

O sujeito da educação é o corpo, porque é nele que está a vida. É o corpo que quer aprender para poder viver. É ele que dá as ordens. A inteligência é um instrumento do corpo cuja função é ajudá-lo a viver.

As estatísticas oficiais anunciam o aumento das escolas e o aumento dos alunos matriculados. Esses dados não me dizem nada. Não me dizem se as escolas são gaiolas ou asas.

Mas eu sei que há professores que amam o voo dos seus alunos. Há esperança…

(ALVES, Rubem. Gaiolas ou Asas: a arte do voo ou a busca da alegria de aprender. Porto: Editora Asa, 2004. Excertos adaptados).

(8)

RESUMO

A presente pesquisa teve como objetivo identificar e compreender as principais expectativas sociais acerca do que seja Educação Escolar Básica de Qualidade. A análise baseou-se no posicionamento de diferentes setores da sociedade: representantes da mídia, selecionados via um movimento social (Todos Pela Educação); referências republicanas, via legislação e avaliações em larga escala (ENEM e PISA); perspectiva histórico-cultural, em obras de Vigotski. A centralidade da pesquisa está na seguinte questão: o que se espera da Educação Escolar Básica brasileira de Qualidade? Essa temática teve sua origem em questionamentos que perpassam a carreira de professora ao experienciar situações diversas em que se evidencia a incompatibilidade da Educação Escolar Básica que vem sendo proporcionada, com aquilo que todos esperam ser o papel da escola. Em meio a situações de impotência e desânimo emergem caminhos possíveis na medida em que o acesso ao conhecimento e desenvolvimento humano é assumido como direito de todos os cidadãos e função central da instituição escolar. No decorrer da pesquisa constatou-se que os sentidos e significados para Educação Escolar Básica de Qualidade sinalizam para a corresponsabilização dos sujeitos com a potencialização dos processos de humanização e cidadania. A escola cumpre sua função por meio do acesso sistemático e intencional à tradição cultural, de forma a complexificar a experiência de viver e conviver em um país tão diverso. A educação escolar carece de ressignificação quando a excelência não tem relação com a coletividade e o cuidado com o outro. Tais sentidos extrapolam as exigências de avaliações em larga escala, embora essas apresentem potencial de induzir mudanças desejadas ao se constituírem instrumentos de gestão da educação. O exercício do direito à aprendizagem escolar é garantido pela significação cultural, com excelência e equidade, e com conhecimentos e saberes que corroboram com uma cidadania mais plena e convivência mais harmônica e menos competitiva. Educação Escolar Básica de Qualidade se constrói com trabalho colaborativo, com vistas à promoção da dignidade humana e à recriação da cultura e das condições sociais do país com vistas ao bem comum.

(9)

ABSTRACT

The present research had as objective identifying and understanding the main social expectations concerning what it is a good-quality Basic School Education. The analysis was based on the positioning of different sectors of the society: representatives of the media, selected by the social movement All For Education (Todos Pela Educação); republican references, legislation and large-scale evaluations(ENEM and PISA); historic-cultural perspective; in references from Vygotsky. The main point of the research lies in the following question: What is expected from a Brazilian good-quality Basic School Education? This theme had its origin in questionings that appear along the career of a teacher while experiencing several situations where the incompatibility of Basic School Education provided is evidenced when compared with what everyone expects as the role of the school. Being through situations of powerlessness and loss of heart end up opening ways when the access to the knowledge and human development is assumed as right of all the citizens and central function of to the school institution. Through the research it was evidenced that the directions and meanings for good-quality Basic School Education point to the joint responsibility of the related ones with the optimization of the processes of humanization and citizenship. The school fulfills its function by means of the systematic and intentional access to the cultural tradition, in order to intensify the experience of living and coexisting in a so diverse country. The school education lacks of meaning when the excellency does not have relation with the collective and the care with the other. Such directions surpass the requirements of evaluations on a large scale, even if these present potential to induce the desired changes, constituting therefore instruments of management of education. The exercise of the right to school learning is guaranteed by the cultural signification, with excellence and equity, and with such knowledge and expertise as to corroborate with a broader citizenship and more harmonic and less competitive life in society. Good-quality Basic School Education is built with collaborative work, desiring respect to the human dignity and the recreation of the culture and the social conditions of the country always aiming the common good.

(10)

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ... 10

1. PROBLEMÁTICA E CAMINHOS ESCOLHIDOS ... 12

1.1 Educação Escolar Básica de Qualidade: necessidade social e pessoal ... 12

1.2 Percursos metodológicos da investigação ... 22

2. EXPECTATIVAS SOCIAIS SOBRE A EDUCAÇÃO ESCOLAR BÁSICA DE QUALIDADE: SOB O OLHAR DA MÍDIA ... 27

2.1 Socioeconômica ... 33

2.2 Avaliações externas ... 42

2.3 Direito à aprendizagem ... 50

3 EXPECTATIVAS REPUBLICANAS: LEGISLAÇÃO E PROCESSOS AVALIATIVOS EM LARGA ESCALA ... 61

3.1 Políticas públicas ... 63

3.2 Qualidade Social, Científica e Cultural ... 84

3.3 Direito à aprendizagem e ao pleno desenvolvimento humano ... 89

4 EXPECTATIVAS SOCIAIS À LUZ DA PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL: DESENVOLVIMENTO DE FUNÇÕES MENTAIS SUPERIORES .... 94

4.1 Humanização ... 96

4.2 Tradição cultural ... 100

4.3 Aprendizagem e desenvolvimento ... 103

4.4 Mediação Escolar ... 108

5 SENTIDOS PARA A ESCOLA NECESSÁRIA NO CONTEXTO CONTEMPORÂNEO ... 113

REFERÊNCIAS ... 124

REFERÊNCIAS ARTIGOS ANALISADOS ... 134

(11)

APRESENTAÇÃO

A pesquisa tem como tema expectativas sociais para a Educação Escolar Básica de Qualidade. A escola de qualidade e a sua função na sociedade tornaram-se o foco de preocupação, sobretudo, pelas expectativas pessoais que deposito nessa instituição, como caminho de oportunidades para que os brasileiros acreditem que o país possa ser um lugar melhor de se viver e que cada um tem um papel nesse movimento de mudança, que é lento, mas que precisa contar com o apoio e empenho de todos.

Em pesquisa anterior (dissertação de mestrado; COSTA-BEBER, 2012) fora problematizada a importância atribuída à avaliação externa das escolas e o seu potencial de induzir melhorias com reorganizações curriculares e com um exame, no caso, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). No decorrer dos estudos realizados, a forte expectativa social para um bom desempenho dos alunos e das escolas nessa avaliação nacional passou a ser questionada, expectativa que outrora também era voltada para a aprovação em processos seletivos de ingresso no ensino superior. Por outro lado, se tornou consistente a questão de que se essa não deve ser a centralidade do papel das escolas, que outras expectativas a sociedade teria sobre ela e que aspectos são considerados pertinentes ao pensar sua qualidade.

Os primeiros passos da presente pesquisa foram dados a partir de questionamentos amplos, que posteriormente foram refinados. As seguintes questões iniciais motivaram a pesquisa:

1. Em que consiste e que expectativas agentes sociais (formadores de opinião, lideranças políticas, educativas, da mídia, ligadas ao setor produtivo,...) têm sobre a formação que se deseja desenvolver junto às novas gerações no decorrer de sua Educação Escolar Básica?

2. Exames e provas em larga escala são coerentes com essas qualidades que a sociedade espera? Quais seriam as características dessas avaliações consideradas mais adequadas, capazes de induzir esse tipo de desenvolvimento e de superar aspectos que podem estar dificultando esse processo? Como avaliar as múltiplas qualificações hoje requeridas ou esperadas das novas gerações para uma sociedade melhor?

3. Pensando na Educação Escolar Básica de Qualidade, que aproximações e distanciamentos existem entre: as expectativas relacionadas à mídia, as exigências dos processos avaliativos em larga escala (ENEM e PISA) e o desenvolvimento das Funções Mentais Superiores na perspectiva histórico-cultural?

(12)

4. O que esperar de uma Educação Escolar Básica de Qualidade? Quais condições e caminhos podem ser pensados nesse sentido?

Para tratar dessas questões, o Capítulo 1 apresenta o tema de pesquisa, a problemática, com motivações pessoais e sociais que justificam a escolha do tema, os objetivos e o percurso metodológico escolhido. O Capítulo 2 traz uma apresentação do movimento social sobre educação, que embasou a produção de dados para a sua elaboração, discute quem são os formadores de opinião que publicam nos veículos de comunicação e apresenta a análise das principais expectativas vinculadas à mídia. O Capítulo 3 apresenta e analisa as expectativas republicanas expressas na legislação, no que diz respeito a documentos que orientam as políticas públicas educacionais para esse nível de ensino, e no âmbito de avaliações em larga escala, são analisadas expectativas de um exame brasileiro, o ENEM, e de uma avaliação internacional em que o país participa e que tem sido bastante divulgada pela imprensa, o PISA (Programme for International Student Assessment). O Capítulo 4 discute as expectativas para a Educação Escolar Básica sob o viés da perspectiva histórico-cultural, a partir de Vigotski e seus contemporâneos. E o Capítulo 5, a título de considerações finais, é uma tentativa de expressar o que está sendo pensado como a escola de qualidade necessária no contexto contemporâneo, sua função a partir das diferentes expectativas analisadas, bem como caminhos que contribuem para a sua construção.

Ao mesmo tempo em que se reafirma a célebre frase de Nelson Mandela: "a educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo", pondera-se, com base em Anísio Teixeira (1954), para que essa não seja uma crença ingênua, mas algo a ser trilhado com trabalho e elementos teóricos e materiais que viabilizem rumos para um país com Educação Escolar Básica de Qualidade. O educador brasileiro chama a atenção para que a escola não seja considerada boa, se for pouca, inadequada ou totalmente ineficiente.

―Por uma confiança não mística no poder da educação escolar‖ (TEIXEIRA, 1954)

(13)

1. PROBLEMÁTICA E CAMINHOS ESCOLHIDOS

O tema de pesquisa compreende as expectativas sociais sobre a Educação Escolar Básica1 de Qualidade sob diferentes pontos de vista: da mídia, de referências republicanas e da teoria histórico-cultural. A seguir, apresenta-se uma justificativa sobre o tema escolhido, relatando um pouco das necessidades encontradas no cenário social e uma narrativa pessoal e profissional que conduziram o foco desta pesquisa à escola, sobretudo, pública e de qualidade para todos.

1.1 Educação Escolar Básica de Qualidade: necessidade social e pessoal

Em meados de 2013, o Brasil vivenciou uma onda de manifestações sociais que reivindicavam das autoridades governamentais que o dinheiro público fosse melhor empregado. Dentre as questões mais presentes estava: educação de qualidade. Mesmo sendo uma unanimidade de que a educação brasileira tem evoluído em termos de acesso e que agora precisa crescer em termos de qualidade, se fôssemos solicitar aos manifestantes para que explicassem o que esperam que aconteça para atender seu pedido, o que responderiam? Tais reivindicações são muito válidas, entretanto o desejo da sociedade por uma educação melhor cresce juntamente com reflexões e estudos sobre o que isso significa.

A educação básica é o primeiro nível da educação escolar dos brasileiros, no qual por pelo menos 13 anos irão desenvolver a base para o pleno exercício da cidadania e para o prosseguimento em seus estudos (BRASIL, 1988). Conforme Cury (2002, p. 170),

a própria etimologia do termo base nos confirma esta acepção de conceito e etapas conjugadas sob um só todo. Base provém do grego básis,eós e significa, ao mesmo tempo, pedestal, suporte, fundação e andar, pôr em marcha, avançar. A educação básica é um conceito mais do que inovador para um país que, por séculos, negou, de modo elitista e seletivo, a seus cidadãos o direito ao conhecimento pela ação sistemática da organização escolar.

Por muito tempo, no Brasil, pensava-se que a formação escolar básica não era necessária a todos ou que não era interessante para o projeto de sociedade vigente ampliar o acesso ao conhecimento de todos os cidadãos. Criou-se uma expectativa de

1 Optei pela utilização do termo ―Educação Escolar Básica‖, por considerar a forma expressa na

legislação brasileira, que define essa etapa formativa, ―educação básica‖, mas também, quis contemplar a forma que vem sendo utilizada na área da pesquisa em educação nas ciências, ―educação escolar‖. Portanto, ―educação escolar básica‖ é a expressão escolhida por entender que une a definição legal com a maneira utilizada por pesquisadores e professores, que parece atribuir mais importância e dar atenção a especificidade dessa instituição única e carregada de historicidade: a escola.

(14)

que para a constituição de uma sociedade melhor, mais justa e igualitária, os brasileiros deveriam relegar às decisões aos mais aculturados, aos especialistas. Essa ideia restrita de participação, de cidadania, passou a ser repensada de forma que uma boa educação escolar, para os dias de hoje, é aquela que prepara o indivíduo para participar ativa e criticamente na sociedade democrática (SANTOS; SCHNETZLER, 2003). Para esses autores, uma participação crítica fundamenta-se em conhecimentos, é ponderada nas diversas consequências e é indelegável. Isso seria possível por meio de uma integração entre o desenvolvimento técnico-científico, o meio ambiente e as necessidades vitais da humanidade. Nesse novo momento social, preconiza-se a universalização dos conhecimentos básicos para formar cidadãos com condições culturais de fazer escolhas, traçar caminhos mais acertados e buscar estratégias para superar as dificuldades que terão de enfrentar.

A formação escolar básica, pensada como um suporte de conhecimentos que todos os cidadãos devem ter, representa uma noção importante, mas em constante construção. A escola é a instituição que tem como objetivo a sistematização e socialização da cultura historicamente produzida pelos homens, capacitando-os a agir de forma mais consciente e sábia diante de situações já conhecidas e também diante da incerteza (VIGOTSKI, 2009; SCHÖN, 1997). Para isso, é feita uma seleção daqueles conhecimentos considerados necessários ao desenvolvimento humano, num determinado momento histórico da humanidade, com base naquilo que se almeja como projeto de sociedade, permeada de interesses múltiplos (LOPES, 2007). Segundo o, então, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Roberto Leão, a qualidade da Educação Escolar Básica ―é um conceito em disputa, não é um consenso e isso é algo que a sociedade tem que resolver‖ (QUALIDADE, 2014, p. web).

A ampliação do acesso, juntamente da legalização do direito e do dever à educação básica, se normatizou a partir da Emenda Constitucional n° 59/2009, redigida em 2009 com relação ao Art. 208 da Constituição Federal de 1988, que deve ser implementada até 2016. Conforme essa emenda o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de ―educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria‖ (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009) (BRASIL, 2009a). Há mais de sessenta anos a educação foi incluída como um direito humano fundamental no artigo 26 da Declaração Universal

(15)

dos Direitos Humanos de 1948, ―associada ao reconhecimento das condições indispensáveis para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária‖ (GENTILI, 2009, p. 1072). A questão é fazer cumprir esse direito de forma que efetivamente contribua com tais ideais de sociedade.

A Educação Escolar Básica brasileira organiza-se, atualmente, em três etapas: educação infantil (para crianças com até cinco anos), ensino fundamental (para estudantes de seis a 14 anos) e ensino médio (para estudantes de 15 a 17 anos), sendo que as duas últimas etapas são de caráter obrigatório (BRASIL, 1988). Conforme os Censos da Educação Básica e Superior de 2012, o país conta com mais de 190 mil instituições educativas, que comportam aproximadamente 50 milhões de estudantes na Educação Básica, nível formativo que vem sendo considerado central para alavancar a qualidade da educação formal no país; a qual também contempla a Educação Superior (com mais de 7 milhões de matriculados) e a Pós Graduação (com mais de 200 mil estudantes) (BRASIL, site 1). Tendo como foco a Educação Escolar Básica, principalmente a sua qualidade, há de se pensar sobre o que esperar da formação desses milhões de brasileiros para atender aos seus anseios e, também, às necessidades do país; e, ainda, o que deve ser atribuído à função da escola e a outras instituições educativas.

O acesso à Educação Escolar Básica, ainda que não universalizado, tem avançado significativamente no Brasil, sobretudo para atender a faixa etária obrigatória. Conforme relatório publicado pela UNESCO (2012), a partir de dados de 2009 do IBGE, das 56,8 milhões de pessoas com idade até 17 anos: 81,6% não possuíam acesso educacional na faixa até 3 anos, em que não há obrigatoriedade e, muitas vezes, é negado por opção familiar; 8% dos brasileiros com 4 a 17 anos estavam fora do sistema educacional (faixa abrangida pela obrigatoriedade de Emenda Constitucional), dos quais 2,4% se situam na faixa de 6 a 14 anos e 14,8% entre 15 e 17 anos. O Brasil está alcançando o acesso universal ao ensino fundamental, mas ainda enfrenta dificuldades com as desistências durante o ensino médio para garantir o previsto na Constituição. Outro desafio é ampliar a oferta e a procura à Educação Infantil até 3 anos (creches).

A Educação Escolar Básica obrigatória, presente na legislação nacional, coloca o Brasil a frente de muitos países, onde se vivenciam embates, sobretudo, devido aos limites impostos por doutrinas religiosas, diferença de gênero ou de nível social. Esforços nesse sentido foram reconhecidos pelo Comitê Nobel Norueguês, em outubro de 2014, ao atribuir o prêmio Nobel da Paz à jovem paquistanesa Malala Yousafzay e ao senhor indiano Kailash Satyarthi, por ―sua luta contra a supressão das crianças e

(16)

jovens e pelo direito de todos à educação" (MALALA, 2014, p. web). Malala tornou-se símbolo da militância em favor da educação para mulheres da região onde mora, onde por vezes o Talibã (um movimento fundamentalista islâmico) as proíbe de frequentarem a escola. A menina, que já escrevia com um pseudônimo para a BBC e tinha sido protagonista de um documentário do The New York Times, ganhou a atenção do mundo após sofrer uma tentativa de assassinato em 2012 pela luta por seus ideais, juntamente de outras duas meninas, quando tinham em torno de 15 anos e voltavam da escola de ônibus.

O desafio de uma escola para todos está sendo enfrentado no Brasil recentemente; ―O que muitos países fizeram no século XIX, outros no século XX, e o Brasil está fazendo agora!‖ (ALMEIDA E SILVA, sem ano, p. 24). O exemplo da jovem paquistanesa remete a reflexões acerca da realidade escolar brasileira: os estudantes de hoje têm noção de que a oportunidade de acesso à educação escolar não é algo natural ou dado, mas que se trata de uma conquista árdua de pessoas que buscavam e buscam justiça social? Que esta chance fora renegada a muitos de seus pais e avós e que ainda está distante de muitas pessoas?

Não ofertar vagas para que todos os cidadãos tenham acesso à Educação Escolar Básica gera exclusão, todavia quando não há condições de permanência e quando a educação escolar não apresenta a qualidade esperada o futuro dos estudantes também é comprometido. Escola de qualidade é condição fundamental ―de inclusão e democratização das oportunidades no Brasil, e o desafio de oferecer uma Educação Básica de qualidade para a inserção do aluno, o desenvolvimento do país e a consolidação da cidadania é tarefa de todos (BRASIL, 2006, p. 5)‖. A qualidade da educação do presente irá conduzir os caminhos que a humanidade irá seguir no futuro, uma vez que conforme estudos de Vigotski e Kant, o humano não é nada além daquilo que a educação e a cultura fazem dele. Cabe destacar, que a Educação Escolar Básica é responsável apenas por parte da formação humana, constituída a partir da interação com o outro em todos os contextos sociais, dos quais o contexto familiar ganha destaque na própria Constituição Federal (BRASIL, 1988; VIGOTSKI, 2009).

Definir o que se espera de uma Educação Escolar Básica de Qualidade já é algo muito complexo tendo em vista a necessidade de delimitar, diante da amplitude do conhecimento humano, o que é básico e o que precisa fazer parte desse nível educativo para potencializar o desenvolvimento da mente das crianças e jovens. Ainda mais complexo é criar indicadores que possam avaliar a qualidade da educação ofertada. A

(17)

preocupação com a qualidade da Educação Escolar Básica motivou minha pesquisa de mestrado (COSTA-BEBER, 2012), em que discuti a possibilidade do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) induzir melhorias no currículo escolar das Ciências da Natureza e suas Tecnologias, com vistas a acompanhar e/ou melhorar a educação escolar em nível médio. Nessa pesquisa, levei em consideração o fato de que as escolas tendem a organizar-se para satisfazer uma das principais expectativas dos pais e estudantes: o ingresso no Ensino Superior. Dessa forma, os processos seletivos de ingresso para as Intuições de Ensino Superior passaram a ser o foco de atenção, com ênfase ao ENEM, que a partir de 2009 passou a ter esta finalidade também. Ao analisar as exigências das provas do exame, foram identificadas aproximações com suas proposições teóricas e com o que os documentos oficiais brasileiros preconizam, bem como, distanciamentos.

A análise de questões do ENEM deu indícios de que nem todos os cinco eixos cognitivos – Domínio de linguagens; Compreensão de fenômenos; Enfrentamento de situações-problema; Construção de argumentação; Elaboração de propostas – estão sendo exigidos nas questões, ao menos nas provas de Ciências da Natureza e suas Tecnologias. Há a necessidade de rever se as operações mentais exigidas, entendidas como competências (RITTER, 2015), são passíveis de serem avaliadas por meio do ENEM, nos moldes que ele possui atualmente, com questões de múltipla escolha e uma redação. Mesmo que o ENEM não consiga avaliar adequadamente o que se propõe, o desempenho dos estudantes ao realizá-lo continua sendo um dos focos das escolas e um parâmetro muito utilizado pela mídia para qualificar ou desqualificar as mesmas. Seriam as exigências do ENEM que realmente devem conduzir a Educação Escolar Básica brasileira como um todo?

Desse contexto originou-se a problemática na qual se insere a proposta de investigação no doutoramento: se o ENEM avaliar conforme preconizam suas fundamentações teóricas, contemplando a exigência de todas as competências definidas, ele seria um bom parâmetro para avaliar a qualidade das escolas? O desempenho satisfatório dos estudantes em avaliações como esta ou internacionais, como o PISA, tem relação direta com a qualidade da escola e com o cumprimento de sua função social? A escola não deveria proporcionar outras aprendizagens ou perspectivas que não são contempladas nessas avaliações em larga escala? Ao aceitar os parâmetros seguidos pelas avaliações, não estaríamos direcionando a Educação Escolar Básica demasiadamente para expectativas restritas? Que outras expectativas a sociedade possui

(18)

sobre essa instituição? Corrobora-se com Gentili (2009, p. 1075) quando afirma que ―a luta pelos sentidos da educação e, indissoluvelmente, a controvérsia pelos sentidos do direito que deve garanti-la fazem parte de uma luta mais ampla pelo modelo de sociedade que queremos, imaginamos e aspiramos a construir.‖.

Estudos que tematizam a qualidade da educação apresentam linhas diferenciadas, tais como: sua dimensão política; a gestão; aspectos quali e quantitativos; qualidade para emancipação e para viver melhor; estudos comparativos; o efeito-escola; movimento das escolas eficazes; sucesso/fracasso escolar; indicadores de qualidade; qualidade total, eficiência e produtividade; função social da escola entre outros. Cada rumo pensado para a qualidade da educação escolar vincula-se a determinada ―lógica e direção da política educacional‖, naquele momento histórico (AZEVEDO, 2011 apud MARIUCCI, 2014, p. 90). Perspectivas acadêmicas alertam para os interesses que fundamentam as diferentes expectativas do que seja Educação Escolar Básica de Qualidade. O projeto de escola reflete o projeto de sociedade, de forma que o horizonte educacional não é neutro, pelo contrário, é consequência de escolhas políticas. Pensar o processo de formação e qualificação humana requer que ele seja político e historicamente situado (GURGEL, 1995). De acordo com Freire:

qualidade da educação; educação para a qualidade; educação e qualidade de vida, não importa em que enunciado se encontrem, educação e qualidade são sempre uma questão política, fora de cuja reflexão, de cuja compreensão não nos é possível entender nem uma nem outra. Não há, finalmente, educação neutra nem qualidade por que lutar no sentido de reorientar a educação que não implique uma opção política e não demande uma decisão, também política, de materializá-la (1993, p. 43).

No campo da pesquisa educacional há muitas possibilidades e ideias para melhorar a qualidade da Educação Escolar Básica ofertada, fomentar as discussões sobre o tema e incluir os professores no debate é fundamental para que elas saiam dos livros e artigos e passem a constituir as práticas escolares. Escolher dentre as diversas possibilidades exige decisões políticas, tendo em vista o horizonte almejado para os estudantes e para a sociedade.

Meu foco de pesquisa e meus projetos de vida sempre estiveram fortemente ligados à escola. Isso se deve, primeiramente, a importância que meus pais, mesmo com baixo nível de escolarização, atribuíram à educação. Para eles, a escolarização e o prosseguimento nos estudos sempre foram a principal atividade esperada de mim e de meu irmão. No contexto familiar, a educação era vista como o caminho possível para ter uma vida e um mundo melhor, realizar nossos sonhos. Concepção que foi aprimorada

(19)

no percurso acadêmico e que atualmente é pensada no sentido de que ―se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda‖ (FREIRE, 2000, p. 67). Ou, ainda, na importância da intencionalidade da instituição escolar para a constituição do especificamente humano (VIGOTSKI, 2009), na medida em que tem como objeto o conhecimento poderoso, capaz de ―fornecer explicações confiáveis ou novas formas de pensar o mundo‖ (YOUNG, 2007, p. 1294).

A educação escolar e a educação formal como um todo parecem ser vistas no Brasil como um caminho possível para obter melhores condições de vida, uma vez que elas têm sido pensadas como meios de alcançar emprego e maiores salários. Situação bem diferente pude observar na Espanha, durante os quatro meses em que estive cursando o doutorado sanduíche, onde percebi maior descrença no potencial da educação. Embora a população espanhola possua um nível de escolarização mais elevado, com uma tradição educativa, inclusive de ensino superior, bem anterior a nossa, as condições sociais não são consideradas satisfatórias pela população. O maior nível de escolarização ou os diplomas universitários não têm garantido melhores condições de vida para os espanhóis, sobretudo, pelo ponto de vista da empregabilidade.

Na Espanha a previsão de duração média de escolaridade para as crianças de 5 anos é de 17,2 anos (REDE EURYDICE, 2012), enquanto no Brasil, atualmente, a melhor média de anos de escolarização está com as pessoas que possuem entre 20 e 24 anos, com 9,8 anos de estudo. Conforme dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios), de 2011, o brasileiro com mais de 15 anos estudou em média 7,7 anos, (HELENE, 2012). Por outro lado, a elevada taxa de desemprego (em torno de 25% em 2014) e a austeridade enfrentada na Espanha e em outros países da comunidade europeia, como Portugal (cerca de 15% de desempregados em 2014), demonstram que a relação entre os anos de estudo e a melhoria nas condições de vida não é algo dado. Nesse mesmo período o Brasil apresentou um taxa de desemprego abaixo de 5%. Essa situação fez com que muitos cidadãos espanhóis desacreditem no poder da educação para transformar a realidade social. Novamente, reafirmo o pensamento freireano de que a educação não se basta em si mesma, mas que sem ela, todo o resto fica ainda mais difícil.

Comecei minha aproximação com a pesquisa educacional, em 2007, na iniciação científica, quando ingressei no grupo de pesquisa, Gipec-Unijuí (Grupo Interdepartamental de Pesquisa em Educação nas Ciências da UNIJUÍ). Em seguida cursei o mestrado e logo o doutorado. Nesse ambiente formativo, o trabalho como

(20)

pesquisadora foi assumido não com o objetivo de ―dizer à escola e aos professores o que fazer e como fazer, mas para entender e contribuir na construção desse objeto chamado educação‖ (LOPES, 2007, p. 21). Para isso, a relação com o contexto escolar sempre foi muito intensa, por meio do acompanhamento de aulas, de estudos, escritas em colaboração com os professores e na participação em eventos educacionais, em eixos diretamente ligados à escola. Mesmo estando engajada com a causa Educação Escolar Básica de Qualidade e este ser meu foco central de estudo, em diversas situações meu trabalho foi questionado pelo fato de eu não estar na escola, não atuar como professora. Então, como poderia pensar a educação escolar de fora da escola? Isso porque na teoria tudo é mais simples, já a realidade é bem mais desafiadora. Não concordo com esse posicionamento, principalmente, porque estar inserido no contexto escolar não garante que os profissionais estejam tentando repensá-lo e reconstruí-lo.

Mesmo assim, tornou-se uma necessidade meu desejo de trabalhar como professora, ir além da pesquisa, me envolver com a educação química, conhecer por esse outro ângulo as instituições educacionais, sobretudo, a escola e os sujeitos que lhe dão vida. Diante disso, no início de 2014, portanto, no terceiro ano do doutorado, solicitei a dispensa da bolsa de dedicação exclusiva e me inseri no contexto profissional, foi dado um passo importante numa direção diferente daquela em que eu estava acostumada a caminhar. Essa decisão trouxe consigo experiências interessantes para minha constituição profissional e para o enriquecimento das reflexões e estudos relacionados a minha pesquisa.

Iniciei o exercício da minha profissão, em fevereiro de 2014, quando trabalhei com o Ensino Superior durante um semestre, na própria universidade em que estudo, com aulas de Química Geral para Ciências Biológicas (licenciatura e bacharelado) e para Agronomia. Mesmo que breve, essa experiência foi muito importante, uma vez que reforçou minha posição de que precisamos focar na formação básica dos sujeitos, que chegam ao Ensino Superior sem terem construído conhecimentos básicos não só de Ciências da Natureza, mas também de interpretação de texto, de resolução de operações matemáticas simples e de leitura de mundo de modo geral (FREIRE, 1987). Em junho, assumi o concurso para o magistério estadual, dando início ao meu trabalho na escola da cidade onde morava, Bozano. Trabalhei com Ciências e Química em cinco séries diferentes, do oitavo ano do ensino fundamental até o terceiro ano do ensino médio, o que me proporcionou muito aprendizado e muita reflexão sobre o meu tema de pesquisa: a Educação Escolar Básica de Qualidade. Atualmente, atuo como Técnica em

(21)

Assuntos Educacionais em uma universidade federal, em que tenho como atribuição principal o apoio didático e pedagógico, enfocando a aprendizagem e a permanência dos estudantes e a formação continuada dos professores e o currículo do ensino superior. Essas vivências trazem consigo reflexões, tais como: o que cada pessoa com que tive a oportunidade de conviver nesses últimos tempos espera de uma Educação Escolar Básica de Qualidade?

O exercício da minha profissão, o pertencimento a uma escola, a instituições de ensino superior, o reconhecimento como professora, dos conhecimentos de conteúdo, pedagógico geral e do contexto (SHULMAN, 1987), o convívio com profissionais que trabalham com a Educação Escolar Básica e superior há muitos anos ou recentemente como eu, têm sido uma experiência muito produtiva. As experiências nessas instituições de ensino têm me proporcionado um crescimento e amadurecimento profissional que eram uma necessidade em minha formação. Esses passos dados na minha constituição como professora representam um momento muito significativo, assim como foi o período no exterior do Brasil, para qualificar esta pesquisa, que seria mais pobre se eu não tivesse vivido essa diversidade de experiências, mas optado por acelerar esse processo formativo educacional.

Uma questão sempre levantada em situações diversas foi a incompatibilidade da educação escolar, que vem sendo proporcionada, com o aquilo que todos esperam ser o papel da escola. Quanto a isso, em conversas do dia-a-dia, nos meios de comunicação e até mesmo em falas de especialistas, muitas vezes, são apontados culpados, sejam eles os professores, os alunos, os pais, o governo, o vestibular... Enfim, há um descontentamento com o que a escola tem sido capaz de oferecer e nos diferentes contextos sociais alguém é responsabilizado. Entendo que todos os cidadãos mais experientes são responsáveis pela educação das novas gerações e que os problemas que estão dificultando a construção da escola almejada, não serão superados com soluções pontuais nem com a culpabilização ou desresponsabilização de alguns grupos sociais. Todos os envolvidos têm sua parcela de culpa e de vítima, ou melhor, todos podem fazer melhor a sua parte e merecem melhores condições para si e mais empenho do outro. Na escola isso é bem marcante, todos acham que o problema é que o outro não faz bem a sua parte, diferente de si. Isso fica muito evidente em falas como: os alunos não são mais os mesmos, não querem estudar, não são como éramos; os pais não educam, não acompanham, não dão exemplo; o governo não valoriza, não oferta as condições necessárias; a direção não está cumprindo com a sua função, exige pouco ou

(22)

exige errado;... Um reclama dos outros, mas são poucos os que admitem que poderiam fazer mais ou fazer diferente.

De maneira geral, as expectativas que percebo entre os que constituem a escola, sobretudo professores, são muito pessimistas. Quanto a isso, é preciso considerar que diante das condições atuais de trabalho e da valorização social que é atribuída ao professor, são raros os casos em que há o desejo de permanecer trabalhando na Educação Escolar Básica pública estadual. Realmente é desanimador observar que dos poucos profissionais da área que se formam quase mais ninguém quer ficar ou nem sequer ingressar na escola. A esperança de que as coisas vão melhorar também não é muito difundida. Lembro de quando me dirigi até a coordenadoria regional de educação para assumir o concurso como professora da Educação Escolar Básica, uma funcionaria, uma professora, me aconselhou a não trabalhar no magistério estadual, mas em um lugar que valorize a formação que tive e estava em andamento, que procurasse a iniciativa privada.

Ao longo desses anos de envolvimento com a escola, vi muitos profissionais partirem atrás de oportunidades em que são mais valorizados. Permanecer como professor de escola pública estadual é um desafio, casos em que isso é feito com competência e seriedade serão cada vez mais escassos se não tornarmos esse lugar mais respeitado e atraente. Cada vez seremos menos criteriosos nas atribuições dessa função, o que pode ser observado com o índice de reprovação nos dois concursos para o magistério do Rio Grande do Sul, em que no primeiro sobraram vagas e no segundo a média de acertos também foi muito baixa. A conformidade com essa situação não parece nada favorável à Educação Escolar Básica de Qualidade.

Contudo, a questão que mais me preocupa, desde que comecei a trabalhar como professora, é a baixa expectativa das pessoas envolvidas sobre o potencial da educação em proporcionar novas condições culturais e sociais para os sujeitos. Circula um pensamento de que tendo em vista as condições materiais e, principalmente, humanas que temos, não há muito o que fazer, não adianta lutar contra a correnteza. E isso sim é preocupante. Se o aluno não quer, os pais não se preocupam, o governo não nos valoriza, as condições não têm perspectiva de melhorar: sejamos realistas, não somos capazes de muita coisa, façamos o possível. E esse possível às vezes parece tão pouco. Quase uma luta para fazer o que sempre foi feito, mas que agora se sabe que não funciona.

(23)

Em meio a essa situação não muito animadora, encontrei profissionais realmente empenhados em tentar fazer mais, que assumem a importância do seu trabalho e buscam superar as adversidades. Esses professores – que não medem esforços para tentar proporcionar uma educação de qualidade – e os estudantes – que merecem oportunidade de acesso ao conhecimento e desenvolvimento como direito de todos os cidadãos – são os grandes motivadores da minha pesquisa. Colocando-me na posição de pesquisadora e, especialmente, de professora: qual é o nosso horizonte para a formação escolar básica? Quem esperamos entregar à sociedade depois dos anos de escola? Em que pretendemos contribuir com a sua formação?

Diante das necessidades sociais e pessoais mencionadas, apresento o tema de pesquisa: expectativas de diferentes setores da sociedade sobre o que seja uma Educação Escolar Básica de Qualidade. Investigo o que é esperado por diferentes segmentos sociais que se manifestam sobre a escola necessária no contexto contemporâneo e problematizo as possibilidades de construí-la.

O objetivo geral foi identificar e compreender as principais expectativas sociais acerca do que seja uma Educação Escolar Básica de Qualidade, a partir do posicionamento de diferentes setores da sociedade: representantes da mídia, selecionados via um movimento social (Todos Pela Educação); referências republicanas, legislação e avaliação em larga escala (ENEM e PISA); desenvolvimento da mente a partir da perspectiva histórico-cultural, obras de Vigotski e de seus contemporâneos. A centralidade da pesquisa está na seguinte questão: o que se espera da Educação Escolar Básica brasileira de Qualidade? Busca-se delinear um sentido para essa pergunta ao contrapor as expectativas da sociedade, supostamente representadas em diferentes veículos de comunicação, com as expectativas de políticas públicas educacionais, bem como com a natureza do desenvolvimento da mente discutido no âmbito da perspectiva histórico-cultural.

1.2 Percursos metodológicos da investigação

A investigação se organiza em etapas e procedimentos com a atenção voltada para conhecimentos, saberes e outras expectativas relacionadas à Educação Escolar Básica. A pesquisa, de caráter qualitativo, busca identificar, produzir e discutir respostas e/ou entendimentos sobre expectativas para a escola a partir de diferentes contextos sociais. De natureza qualitativa documental, segundo Lüdke e André (1986, p. 11-13)

(24)

fundamentadas em Bogdan e Biklen, a pesquisa ―tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento‖; ―os dados coletados são predominantemente descritivos‖, ―a preocupação com o processo é muito maior do que com o produto‖, ―o significado que as pessoas dão às coisas e à sua vida são focos de atenção especial pelo pesquisador‖ e ―a análise dos dados tende a seguir um processo indutivo‖.

A produção do material empírico teve como foco três eixos centrais: a mídia, referências republicanas e a perspectiva histórico-cultural. Cada contexto apresenta diferentes olhares para a Educação Escolar Básica (Figura 1 – Focos centrais de produção de dados para as expectativas para a Educação Escolar Básica de Qualidade).

Figura 1 – Focos centrais de produção de dados para as expectativas para a Educação Escolar Básica de Qualidade (EEBQ).

Fonte: Elaborada pela autora.

Os dados produzidos a partir desses focos foram analisados a partir de Análise Textual Discursiva – ATD (MORAES; GALIAZZI, 2007; GEHLEN, 2009). Conforme propõem esses autores, o material analisado, constituído essencialmente de produções textuais, denomina-se o corpus da análise textual. Nessa pesquisa, ele se refere a documentos já existentes previamente, de forma que a produção de dados consistiu em selecioná-los e organizá-los tendo em vista a questão de pesquisa. O material que compõe esses três focos, a seguir identificado, foi analisado conforme indicado pela ATD, de maneira que os textos passaram por: a) fragmentação em Unidades de Significado, a partir da palavra ―qualidade‖, para a mídia e expectativas republicanas, e das palavras ―função‖ ou ―funções‖, para os textos da perspectiva histórico-cultural; b)

Perspectiva histórico-cultural: Funções Mentais Superiores Mídia: Movimento Todos pela

Educação

Referências republicanas:

legislação e avaliação em larga escala (ENEM e PISA)

Expectativas sociais para a

(25)

agrupamento em categorias de análise, que foram produzidas a partir de pré-categorias, identificadas na bibliografia, ou que foram criadas após análise das Unidades de Significado que se distanciavam do que já havia sido identificado nas leituras; c) elaboração de textos descritivos e interpretativos (metatextos) acerca das categorias produzidas. As principais ideias das categorias são sintetizadas em proposições, que são ―afirmativas defendidas ao longo do texto com argumentos produzidos pela interpretação dos dados empíricos em contínuo processo de análise com o referencial teórico escolhido pertinente e apropriado.‖. (RITTER, 2015, p. 82).

As seguintes etapas e procedimentos explicitam os caminhos pelos quais a pesquisa foi conduzida:

1) Identificação e discussão de expectativas sobre a Educação Escolar Básica de

Qualidade por meio do posicionamento sobre o tema em diferentes veículos de comunicação.

Realizou-se a análise sobre quem são os formadores de opinião e o que pensam sobre a temática. Os dados sobre a mídia incluem notícias de jornais, revistas, televisão, rádios e sites de notícias. A ideia inicial era realizar a busca compreendendo um pouco da diversidade de meios de comunicação do país, após selecioná-los em um período de tempo. Além disso, a ideia era identificar as expectativas de um movimento social ligado à educação, foi assim que conheci o site do movimento social denominado Todos Pela Educação (TPE). Esse movimento publica um clipping diário diversificado com notícias sobre a Educação Escolar Básica publicadas em diversos veículos de comunicação do País, então a escolha foi produzir os dados a partir desse site que possui um campo de busca para palavras e data. É possível receber esse clipping diariamente por e-mail, inscrevendo-se no site do movimento, mas a produção dos dados foi feita diretamente pelo site do TPE no sítio Educação na Mídia, pela opção Índice.

Num primeiro momento, foi feito um recorte de tempo, uma vez que a produção de dados de 2013 e 2014 selecionava um número elevado notícias e artigos. Assim, a busca foi feita de 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2013. Num segundo momento, o recorte foi feito nos termos de busca, uma vez que a ideia inicial era buscar pelas palavras ―qualidade‖, ―ENEM‖, e ―PISA‖. Foram obtidos 1029 artigos para ―qualidade‖, 458 para ―ENEM‖ e 138 para ―PISA‖. No entanto, observou-se que os artigos que citavam as avaliações, geralmente, também continham a palavra ―qualidade‖. Por isso, foram analisados esses 1029 artigos, dos quais se fazem presentes

(26)

no texto àqueles que tratam mais diretamente sobre a qualidade da Educação Escolar Básica e que foi identificada uma Unidade de Significado com ideias ainda não encontradas em outras Unidades para compor as categorias.

2) Estudo sobre as expectativas de uma Educação Escolar Básica de Qualidade

sob o viés das referências republicanas discriminadas nas seguintes políticas públicas educacionais:

- Legislação que orienta a Educação Escolar Básica: documentos oficiais brasileiros

atuais sobre a educação básica (pós LDB). Segundo a secretaria de educação básica os documentos que norteiam esse nível de ensino e que serão analisados são:

a) Lei nº 9.394, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB); b) Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica;

c) Plano Nacional de Educação, aprovado pelo Congresso Nacional em 26 de junho de 2014.

- Avaliações em larga escala: ENEM e PISA. Análise a partir dos documentos:

a) BRASIL. Exame Nacional do Ensino Médio (Enem): fundamentação teórico-metodológica / Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Brasília: O Instituto, 2005.

b) BRASIL. Matriz de Referência do ENEM 2009. Ministério da Educação e dos Desportos. Disponível em: <http://www.inep.matrizdecompetenciaenem2009>. Acesso em: março de 2010.

c) BRASIL. Edital nº 10, de 14 de abril de 2016 Exames Nacional do Ensino Médio – ENEM 2016. Brasília: O Instituto, 2016.

d) Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Relatório Nacional PISA 2012 Resultados brasileiros. São Paulo, Fundação Santillana: 2013. e) Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). PISA 2006: estrutura da avaliação. Conhecimentos e habilidades em ciências, leitura e matemática. Originalmente publicado pela OCDE. São Paulo, Moderna, 2007.

3) Identificação de expectativas sobre Educação Escolar Básica de Qualidade na

perspectiva histórico-cultural, com ênfase ao desenvolvimento da mente e às funções mentais superiores. A partir das principais obras de Vigotski utilizadas em Educação nas Ciências foram identificados e apresentados significados atribuídos a funções mentais superiores e produzido categorias tendo em vista sua relação com a função da Educação Escolar Básica e sua qualidade. As seguintes obras foram analisadas:

(27)

- Pensamento e linguagem (VIGOTSKI, 2008).

4) Confrontamento das categorias produzidas a partir das expectativas: dos

diferentes contextos midiáticos analisados; exigências expressas na legislação educacional brasileira e a partir de processos avaliativos em larga escala; a perspectiva histórico-cultural. Fazer um cruzamento tendo em vista direcionamentos acerca do que entendem ser a escola necessária no contexto contemporâneo.

O capítulo seguinte apresenta expectativas sobre a Educação Escolar Básica de Qualidade ao considerar posicionamentos da mídia, que de alguma forma também sinalizam algumas expectativas do contexto acadêmico e de determinadas políticas públicas.

(28)

2. EXPECTATIVAS SOCIAIS SOBRE A EDUCAÇÃO ESCOLAR BÁSICA DE QUALIDADE: SOB O OLHAR DA MÍDIA

O estudo sobre o que a mídia tem publicado como expectativas sobre uma Educação Escolar Básica de Qualidade foi feito a partir de publicações em todo o país, organizadas, primeiramente, pelo movimento Todos Pela Educação (TPE). TPE é um movimento da sociedade civil brasileira fundado em 2006, que tem como missão ―contribuir para a garantia do direito de todas as crianças e jovens brasileiros à Educação Básica de qualidade‖ (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2013, p. 3). ―É uma instituição que atua como produtora de conhecimento, fomentadora e mobilizadora. Com o objetivo de contribuir de forma decisiva para que a oferta de Educação de qualidade passe do patamar de importante para urgente no País‖ (idem, p. 4). A ideia do TPE é que diversos segmentos da sociedade estejam engajados na busca da qualidade da Educação Escolar Básica brasileira e que esta não seja responsabilidade apenas dos governos.

Trata-se de uma organização social sem fins lucrativos que conta com o apoio de mantenedores e parceiros para viabilizar as suas ações, que compreendem: pesquisas; encontros periódicos entre especialistas e jornalistas; relatório anual; distribuição mensal de conteúdo editorial gravado para radialistas; campanhas publicitárias; site institucional e redes sociais; plataforma online que traz o monitoramento das metas e estratégias do Plano Nacional de Educação (PNE); grupos de assessoramento sobre temas da Educação; articulações políticas e institucionais; boletim com reportagens e sugestões de pautas geradas pelo movimento; clipping diário com notícias sobre educação básica publicadas nos principais veículos de comunicação do País (a partir do qual foi produzido o material empírico referente à mídia) (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2013).

De acordo com o documento de criação do movimento (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2006), ele surgiu a partir de iniciativas experimentadas pela sociedade brasileira desde o início dos anos noventa, por meio de ações como:

Pacto de Minas pela Educação, O Direito é Aprender, no Rio Grande do Sul, Aliança de Campinas pela Educação, Acorda, Brasil! Está na hora da Escola (MEC), Conselho de Educação da FIEMG (Federação das Indústrias de Minas Gerais), O Movimento pelo Direito à Educação da ABMP (Associação Brasileira de Magistrados e Promotores da Infância e da Juventude). (p. 4).

Embora tenham apresentado impactos positivos, essas iniciativas perderam força ao longo dos anos e no decorrer das mudanças políticas, negando o acesso à população

(29)

de desenvolvimento do seu potencial pessoal, social e produtivo. Para superar tais dificuldades ―o compromisso todos pela educação‖ foi criado para enfrentar ―a descontinuidade, o imediatismo, a falta de constância de propósito e o pouco realismo quanto às dificuldades a serem enfrentadas.‖ (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2006, p. 4).

O principal objetivo do movimento é até 2022, ano do bicentenário da Independência do Brasil, assegurar a todas as crianças e jovens o direito a educação básica de qualidade. Para tanto, atua em três áreas interligadas e complementares: Técnica (produz conhecimento e monitora as metas do movimento e as políticas educacionais), Comunicação (divulga dados, informações e conhecimentos para fomentar a demanda social por educação de qualidade), Articulação (conecta o poder público, organizações da sociedade civil e iniciativa privada). O TPE fundamenta-se em metas, bandeiras e atitudes (Quadro 1), que foram estabelecidas ao longo dos anos como necessárias para efetivar os principais direitos educacionais dos alunos (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2013).

Quadro 1: Metas, Bandeiras e Atitudes do Todos Pela Educação.

Metas Bandeiras Atitudes

1- Toda criança e jovem de 4 a 17 anos na escola;

1- Formação

e carreira dos professores;

1- Valorizar os professores, a aprendizagem e o conhecimento; 2- Toda criança plenamente

alfabetizada até os 8 anos;

2- Definição dos direitos de aprendizagem;

2- Promover as habilidades importantes para a vida e para a escola;

3- Todo aluno com aprendizado adequado ao seu ano;

3- Ampliação da exposição do aluno ao ensino;

3- Colocar a Educação escolar no dia a dia;

4- Todo jovem de 19 anos com Ensino Médio concluído;

4- Uso relevante das avaliações na gestão educacional;

4- Apoiar o projeto de vida e o protagonismo dos jovens; 5- Investimento em Educação

ampliado e bem gerido.

5- Aperfeiçoamento da gestão e da governança da Educação.

5- Ampliar o repertório cultural e esportivo das crianças e dos jovens.

Fonte: adaptado de TODOS PELA EDUCAÇÃO (2013)

O movimento mostrou-se uma fonte produtiva e com credibilidade para a produção de parte do material empírico da pesquisa pela diversidade de opiniões que divulga, variedade de meios de comunicação considerados quando se refere à mídia e pela repercussão que seu trabalho tem tido na sociedade. Conforme o Relatório de Atividades 2013, só nesse ano, o TPE recebeu aproximadamente 600 solicitações de

(30)

imprensa e foi mencionado (dados, entrevistas, projetos) em cerca de 1.600 reportagens publicadas na grande imprensa, em televisão, rádio, revistas, jornais e veículos online.

Os 1029 artigos encontrados para o termo ―qualidade‖ no ano de 2013, no campo de busca do site do movimento Todos Pela Educação (denominado índice), passaram a constituir as diferentes categorias e suas proposições, a partir da análise textual discursiva, tendo em vista expectativas sociais sobre a Educação Escolar Básica de Qualidade. A forma de organização das Unidades de Significado para esses artigos selecionados pelo movimento Todos pela Educação pode ser visualizada no Anexo 1 (Modelo do quadro com as Unidades de Significado sobre a mídia). Essa organização foi feita em tabela do Microsoft Excel e os textos arquivados no Microsoft Word, numerados de 1 a 1029. A forma de citar os textos segue as normas da ABNT, como não há autor, é citada a primeira palavra do título, seguida do ano de 2013, sem paginação, uma vez que os textos não estão numerados na internet. Apenas uma parcela dos artigos possui Unidades de Significado no texto da tese, essa seleção considerou a presença de ideias consideradas importantes para a constituição de categorias, bem como, que o artigo apresentasse ideias que já não tivessem sido contempladas por Unidades de Significado já selecionadas. A seleção baseou-se em trazer ideias diferentes e não apresentar mais que algumas Unidades de Significado que possuíam um conteúdo semelhante. Os artigos utilizados na elaboração da tese foram 46 e estão discriminados em ―Referências artigos analisados‖.

A autoria dos artigos é bastante diversa, envolve jornalistas, economistas, lideranças empresariais e políticas, gestores, professores da educação básica e superior, enfim, formadores de opinião que têm suas ideias publicadas em jornais, revistas, rádio, televisão, sites de notícias e movimentos sociais ligados à educação. De acordo com artigo publicado na Revista Nova Escola (FALA, 2015), os professores de escola têm tido pouca representação no debate educacional. A Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi) e o Ministério da Educação (MEC) realizaram uma pesquisa por meio da análise de mais de 5.000 textos jornalísticos publicados por 57 jornais brasileiros. A conclusão corrobora com a percepção que tive ao realizar a minha pesquisa, mas que não quantifiquei; a de que

os convidados a pautar na mídia o debate educacional são organizações da sociedade civil, pesquisadores ou fontes oficiais (como o próprio MEC, o Ministério Público e os conselhos de Educação). Apenas 5,9% das fontes ouvidas eram professores das etapas básicas de ensino. (FALA, 2015, p. web).

(31)

Em algumas áreas como medicina ou engenharia, os profissionais são consultados, independentemente de serem pesquisadores ou representantes da categoria, enquanto que no caso dos professores eles não são considerados especialistas, mesmo quando o assunto em foco seja a sua realidade profissional. A ―afonia‖ dos professores é atribuída à mídia, ao governo, à legislação e aos próprios professores (FALA, 2015). O artigo denota reflexões sobre o papel da mídia em reforçar a desvalorização social da docência e a abertura a profissionais de outras áreas no debate educacional, o que pode ser interessante, para trazer posições de outros segmentos da sociedade sobre os rumos da instituição escolar. Por outro lado, essa participação diversificada torna-se um problema na medida em que substitui a escuta aos professores, que têm formação para pensar sua práxis e conhecem a realidade das escolas como nenhum membro externo.

A questão fica ainda mais delicada pela ênfase dada à opinião sobre educação de economistas, que ocupam o espaço de professores da educação básica e, também, de professores pesquisadores que atuam no ensino superior, os quais eram, anteriormente, consultados nesses casos. O artigo da revista cita a dissertação de Fernanda Campagnucci, a qual argumenta que os professores acabam interiorizando a percepção social negativa, fruto de décadas de desvalorização. Em tempos que os professores nem sequer recebem em dia pelo trabalho que fazem, fica difícil produzir uma identidade social de valorização. Até mesmo os professores passam a assumir uma identidade depreciada, de maneira que não se consideram referências no assunto e preferem relegar a opinião em educação para os "especialistas" (FALA, 2015). Os professores não seriam autoridades no assunto Educação Escolar Básica?

As próprias instituições escolares e os sistemas de educação, por vezes, requerem dos professores a autorização de um dirigente para falar com a imprensa, uma vez que proíbem ou induzem o silenciamento de críticas aos órgãos onde os profissionais atuam, sobretudo, em situações de greve ou denúncias. Além dos casos de recomendação direta, ―muitos professores vivenciam o temor de represálias por parte da escola ou da rede‖ (FALA, 2015, p. web). Essa articulação de fatores faz com que os professores de escola participem modestamente do debate educacional, seja pela desvalorização do seu posicionamento ou do perfil de incapaz que passam a ocupar. Para recuperar a voz dos professores é preciso convencê-los de ―que o embate vale a pena, a começar pela defesa da liberdade de opinião e expressão e da livre manifestação do pensamento (...). Um debate público diversificado é essencial para a democracia. E o professor pode contribuir.‖ (FALA, 2015, p. web).

(32)

A profissionalização do trabalho docente (SCHÖN, 1997) e a sua valorização social são necessárias para que os rumos da escola não sejam conduzidos por leigos no assunto, políticos que propõe projetos mais intencionados em sua promoção, antes mesmo de se inteirar das pesquisas educacionais e da história da educação brasileira, ou por profissionais de outras áreas, que desconhecem a realidade escolar e não possuem a formação necessária para deliberar sobre o lócus de trabalho dos professores. A condução das políticas públicas educacionais precisa ser resultado de trabalho sério, resultado de décadas de pesquisa sobre a Educação Escolar Básica e participação intensa de professores que atuam nas escolas e universidades. Isso é o que a sociedade precisa exigir: um projeto educacional de Estado, debatido e construído coletivamente pelos profissionais e sociedade civil, realmente interessada em educar as próximas gerações com qualidade, tendo em vista a inserção cultural e a justiça social. Os professores precisam ter coragem para reclamar a sua participação, para que o futuro das escolas não fique nas mãos de amadores, governos ou interesses que se distanciam do bem comum. A opinião dos professores está muito mais presente neste trabalho pela própria atuação profissional e pelas trocas com colegas no cotidiano escolar, em conversas informais, do que pela produção de material empírico específico, visto que a voz dos professores tem sido pouco contemplada pelo discurso da mídia.

O governo federal, empossado em 2015, defendeu a educação como prioridade ao definir como lema: ―Brasil, Pátria Educadora‖. O desejo por uma Educação Escolar Básica de qualidade não é recente, já em 1988 a Constituição Federal Brasileira (BRASIL, 1988, p. web) preconizava como um dos princípios básicos para o ensino a ―garantia de padrão de qualidade‖. O que chama a atenção é que nos dias de hoje a temática Educação Escolar Básica de Qualidade está presente em muitos contextos e tem sido pensada e problematizada sob diferentes enfoques e diferentes níveis de aprofundamento. De forma que ―não raros são os momentos em que a palavra ‗qualidade‘ assume significados diferentes, por vezes, opostos – indicando múltiplas formas de defini-la e, consecutivamente, alcançá-la.‖ (QUALIDADE, 2014, p. web). Essa diversidade, quando se pensa os significados atribuídos à Educação Escolar Básica de Qualidade, é compreensível, uma vez que se trata de algo complexo, que necessariamente envolve incertezas e interesses distintos.

A partir das respostas de entrevistas, publicadas pelo Portal Aprendiz (QUALIDADE, 2014), realizadas com representantes de diferentes segmentos sociais, foram produzidos alguns significados para a noção de qualidade da educação veiculada

Referências

Documentos relacionados

Este trabalho buscou, através de pesquisa de campo, estudar o efeito de diferentes alternativas de adubações de cobertura, quanto ao tipo de adubo e época de

Portanto, mesmo percebendo a presença da música em diferentes situações no ambiente de educação infantil, percebe-se que as atividades relacionadas ao fazer musical ainda são

62 daquele instrumento internacional”, verifica-se que não restam dúvidas quanto à vinculação do Estado Brasileiro à jurisdição da Corte Interamericana, no que diz respeito a

de lôbo-guará (Chrysocyon brachyurus), a partir do cérebro e da glândula submaxilar em face das ino- culações em camundongos, cobaios e coelho e, também, pela presença

The lagrangian particle tracking model was used to stu- dy the dispersion of particles released in different lagoon channels, the advection of particles released

Dessa forma, a partir da perspectiva teórica do sociólogo francês Pierre Bourdieu, o presente trabalho busca compreender como a lógica produtivista introduzida no campo

• Quando o navegador não tem suporte ao Javascript, para que conteúdo não seja exibido na forma textual, o script deve vir entre as tags de comentário do HTML. &lt;script Language

The present study evaluated the potential effects on nutrient intake, when non- complying food products were replaced by Choices-compliant ones, in typical Daily Menus, based on