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4 EXPECTATIVAS SOCIAIS À LUZ DA PERSPECTIVA HISTÓRICO-

4.4 Mediação Escolar

A quarta categoria destacada na obra de Vigotski para uma concepção de Educação Escolar Básica de Qualidade, objeto de compreensão da presente tese, diz respeito à “Mediação Escolar”. As funções mentais superiores são constituídas pela significação cultural ocorrida a partir da mediação semiótica, portanto, não faz sentido relacioná-las ao plano imediato, conforme o paradigma tecnoinstrumental, ao saber fazer. ―A mediação é um processo essencial para tornar possível as atividades psicológicas voluntárias, intencionais, controladas pelo próprio indivíduo‖ (OLIVEIRA, 2002, p. 33). É no contexto escolar que os sujeitos encontram um espaço propício para conhecer o mundo e para conhecer a si mesmos a partir do acesso aos meios culturais, sobretudo, aos signos organizados de forma sistematizada e introduzidos de forma a impulsionar o seu desenvolvimento potencial.

―O uso de meios artificiais – a transição para a atividade mediada – muda, fundamentalmente, todas as operações psicológicas‖ (VIGOTSKI, 2007, p. 56). Tais mudanças vão constituindo o processo de humanização, que mesmo que esteja sempre em construção, quando a escola não produz a mediação esperada, a mente dos estudantes acaba não desenvolvendo plenamente o seu potencial. E, tendo em vista, as peculiaridades que tornam única a mediação desse lugar, se comparada a outras instituições, pode ser que as próximas gerações tenham o seu desenvolvimento comprometido. Para Vigotski, ―o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer.‖ (2007, p. 103).

De acordo com Pino (2000, p. 69-70), Vigotski concebe ―o psiquismo como um conjunto de funções (...), que estão sempre se (re)fazendo e em perpétuo movimento (...), como um acontecer permanente‖. É nesse sentido que a preocupação com a qualidade do desenvolvimento das capacidades especificamente humanas no contexto escolar ou com as dificuldades enfrentadas para desenvolver plenamente a capacidade de pensamento dos estudantes, é amenizada com o entendimento sobre o inacabamento e a incompletude da constituição humana. O desenvolvimento não ocorre de vez, mas em espiral, ―passando por um mesmo ponto a cada nova revolução, enquanto avança

para um nível superior.‖ (VIGOTSKI, 2007, p. 56). Isso significa que a construção do conhecimento ocorre de forma contínua e é potencializada na medida em que o conceito é retomado e recontextualizado em diferentes situações e não só repetido mecanicamente em um só contexto (GURGEL, 1999).

Se por um lado o conhecimento sempre tem chance de ser significado e construído em perspectiva própria, por outro lado, a cultura não se torna parte da natureza de cada pessoa espontaneamente e nem de forma equivalente para todos, mesmo que aconteça em espaços de educação não formal. O acesso a materiais semióticos, em diferentes níveis de generalidade, e se tratando de conhecimentos de natureza diferenciada, como são os conhecimentos científicos e do cotidiano, há interferências na construção da base dos processos mentais superiores. Vigotski (2007, p. 157) esclarece que "se modificarmos os instrumentos de pensamento disponíveis para uma criança, sua mente terá uma estrutura radicalmente diferente". Daí a necessidade de priorizar a disponibilização de condições para que todos possam ter uma significação cultural de qualidade, o que implica uma atividade complexa, em que todas as operações mentais elementares participam, em uma combinação específica, tendo em vista a formação de conceitos e, consequentemente, uma atuação social mais responsável e consciente. A formação dos conceitos não pode se reduzir

à associação, à atenção, à formação de imagens, à inferência ou às tendências determinantes. Todas são indispensáveis, porém insuficientes sem o uso do signo, ou palavra, como o meio pelo qual conduzimos as nossas operações mentais, controlamos o seu curso e as canalizamos em direção à solução do problema que enfrentamos. (VIGOTSKI, 2007, p. 72-73).

Vigotski atribui o uso das palavras à função mediadora, ―para centrar ativamente a atenção, abstrair determinados traços, sintetizá-los e simbolizá-los por meio de um signo.‖ (2007, p. 101). Por isso, a importância da fala na organização e desenvolvimento das funções mentais superiores e no controle e direcionamento do próprio comportamento. O signo torna os sujeitos capazes de dirigir as funções mentais superiores. ―Na formação de conceitos, esse signo é a palavra, que em princípio tem o papel de meio na formação de um conceito e, posteriormente, torna-se um símbolo.‖ (VIGOTSKI, 2008, p. 69-70). A significação cultural especificamente escolar fundamenta-se em sistemas conceituais e atribui aos professores uma função determinante no desenvolvimento das funções mentais superiores a partir da aprendizagem, que na escola tem sua base nos sistemas conceituais das ciências, vai se dar pela mediação. Vigotski (2008) chama a atenção para a sensibilidade necessária nos

processos educativos, uma vez que as características do aprendizado escolar, suas características curriculares, tais como sequências e regras de sua organização, não coincidem com as leis internas dos processos de desenvolvimento das funções mentais superiores.

Infere-se da teoria histórico-cultural a importância da instituição escolar e da atuação inteligente do professor na promoção do diálogo e de outras formas de interação entre os sujeitos da comunidade escolar. A organização intencional em que os estudantes interagem com novos meios a partir de exposições orais, livros didáticos, todo gênero de textos e meios de comunicação, colaboração de companheiros e orientação do professor promovem o ensino e a aprendizagem, de modo que ―os conteúdos socialmente elaborados do conhecimento humano e as estratégias cognitivas necessárias para sua internalização são evocados nos aprendizes (...).‖ (VIGOTSKI, 2007, p. 164-165). O trabalho docente ocupa papel indispensável no desenvolvimento da mente dos educandos na medida em que propõe os meios selecionados historicamente e que compõem o currículo escolar; promove atividades de trabalho colaborativo, proporcionando o desenvolvimento potencial e, ainda, intensifica a criação da necessidade de significação cultural. Vigotski (2007) coloca em pauta a possibilidade de criar incentivos eficazes, motivações e tendências para colocar o estudante em ação. É a necessidade gerada nos sujeitos que impulsiona a aprendizagem e, consequentemente, o desenvolvimento das funções mentais superiores. Trata-se, principalmente, de uma necessidade cultural circulante no meio social. Neste meio, nem sempre a necessidade crucial da escola é suficientemente valorizada. Assim, a questão é: como criá-la?

A complexidade dos desafios de uma Educação Escolar Básica de Qualidade, que precisam ser pensados e enfrentados para potencializar o desenvolvimento humano, não condiz com as condições de trabalho que o atual contexto social, como o que se desenha e percebe no caso brasileiro, oferece ao principal responsável pela significação cultural necessária, promovida a partir da mediação escolar. O responsável e portador dessa significação, em última instância, na instituição escolar – o Outro da interação social e que ocupa o lugar simbólico e histórico da humanidade – o professor, tem padecido em termos de valorização e de condições dignas para protagonizar a condução do desenvolvimento da mente dos estudantes (PINO, 2000).

De acordo com Saviani (2010, p.145), o ―papel da escola é o de ser o ambiente adequado para que o professor possa exercer da melhor forma possível o seu papel.‖.

Tendo em vista a conjuntura social, política e econômica que o país vive, marcada por uma crise, antes de mais nada, ética; a posição que a educação, sobretudo, a escolar, ocupa na sociedade brasileira; a desvalorização social da profissão professor; as condições de ensino e aprendizagem ofertadas aos estudantes nas escolas; o fechamento de cursos de licenciatura; os cortes nos investimentos em programas importantes para a formação de professores, como o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid); a possibilidade de privatização da educação básica, entre outras tantas questões, fazem com que esse ―ambiente adequado‖, citado por Saviani, pareça cada vez mais distante da Educação Escolar Básica, juntamente, com as expectativas da sua oferta pública, gratuita e de qualidade.

Mais do que ocupar-se com as coisas da escola, cada vez mais os professores e toda a comunidade escolar são convidados a participar das discussões e a reclamar a efetivação de direitos básicos, como o acesso a todos os cidadãos ao conhecimento que constitui a base para o desenvolvimento da mente. Facci e Tuleski (2006) alertam para o possível empobrecimento da capacidade de humanização, atribuída à falta de investimento e cuidado com a instituição especializada em desenvolver as funções especificamente humanas num nível de operação mais complexa – a escola. Estaria a escola desempenhando o seu papel no desenvolvimento qualificado das funções mentais superiores? Um exemplo, como a atenção voluntária para uma boa aprendizagem, está presente na formação dos estudantes que concluem a Educação Escolar Básica? Suas dificuldades de concentração para leituras mais longas, como ocorrem em questões do ENEM ou em prestar a atenção por um tempo mais prolongado em alguma coisa dão indícios de que, talvez, a aprendizagem que impulsiona tal desenvolvimento não tenha acontecido de forma satisfatória.

O significado acerca das funções mentais superiores e alguns exemplos das mesmas indicam a natureza do desenvolvimento da mente esperado para potencializar a constituição do humano e devem estar no horizonte da Educação Escolar Básica e do trabalho docente na mediação escolar, o que me permite explicitar a quarta proposição teórica: Educação Escolar Básica de Qualidade é aquela que disponibiliza os meios necessários para uma atuação mais responsável e consciente na sociedade; tem como prioridade a significação como mediadora e reconhece que o principal portador dessa significação nessa instituição – o Outro, que ocupa o lugar simbólico e histórico da humanidade – é o professor; há que se valorizar e ofertar condições dignas e

interessantes ao principal protagonista na condução do desenvolvimento da mente dos estudantes.

A seguir, em vias de conclusão dessa pesquisa, são discutidas algumas considerações a partir dos movimentos produzidos durante a realização desse trabalho na medida em que as expectativas sobre a Educação Escolar Básica de Qualidade foram analisadas sob diferentes pontos de vista.

5 SENTIDOS PARA A ESCOLA NECESSÁRIA NO CONTEXTO