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2. EXPECTATIVAS SOCIAIS SOBRE A EDUCAÇÃO ESCOLAR BÁSICA DE

2.2 Avaliações externas

Um dos fatores mais citados para definir o que é uma boa escola refere-se ao desempenho dos estudantes em avaliações em larga escala, nacionais, como o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) e o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação básica), e internacionais, como o PISA (Programme for International Student Assessment). O Ideb, contudo, tem sido considerado o ―principal indicador de qualidade do Ensino brasileiro‖ (OURO, 2013, p. web), índice que tem como princípios avaliativos o desempenho escolar na aprendizagem, por meio da Prova Brasil, e o fluxo escolar. De um lado as pesquisas têm reconhecido o potencial das avaliações em larga escala induzir melhorias para a educação (LICITAÇÃO, 2013), via legitimação e recondução de políticas públicas, e por meio de exigências de determinadas características curriculares, voltadas a competências específicas, tendo em vista padrões mínimos de qualidade.

Por outro lado, as críticas às avaliações em larga escala recaem sobre o incentivo extremo à competição, agravamento de desigualdades educacionais, afunilamento curricular, e por apresentarem, por vezes, um sentido contrário ao pretendido, estimulando comportamentos perversos e a exclusão; entretanto, as principais críticas incidem sobre questões relativas ao uso inadequado de seus resultados (BAUER; ALAVARSE; OLIVEIRA, 2015). Esses autores, tematizaram em sua pesquisa o potencial das avalições em larga escala se constituírem como instrumentos de gestão de redes de ensino e de responsabilização de profissionais da educação. Eles chegaram a conclusão que as avaliações têm potencialidades para produzir avanços no campo educacional na medida em que são garantidas determinadas condições e sua adequada utilização, de forma que seus resultados contribuam com a gestão do sistema, com vistas a redução da desigualdade e a garantia do direito ao aprendizado a todos (BAUER; ALAVARSE; OLIVEIRA, 2015). Isso implica em repensar práticas que tendem a premiar os mais bem colocados, ao invés de concentrar esforços em propor ações que garantam as condições para que as escolas com desempenho inferior progridam em termos de qualidade e em busca de equidade.

Um dos principais desafios é superar formas de utilização dos resultados que não corroboram com a Educação Escolar Básica de Qualidade. Os resultados desse tipo de avaliação são, frequentemente, utilizados pela mídia para denunciar a ineficiência de algumas instituições brasileiras, sobretudo, públicas e gratuitas, além da carência nos níveis educativos brasileiros em relação a outros países. Esses números vêm sendo utilizados como base da crítica à educação brasileira pela mídia nacional, a qual não apenas compara sistemas de ensino e instituições sem considerar condições extraescolares e diversas variáveis, como também raramente questiona as exigências dos processos avaliativos em questão.

O economista Gustavo Ioschpe criou o projeto Ideb na porta da escola, que virou projeto de lei e passou a vigorar em alguns estados e municípios, o qual previa a publicação do índice da escola ―em uma placa de um metro quadrado na porta das instituições‖ (EXIBIÇÃO, 2013, p. web). A iniciativa foi criticada por especialistas, que julgaram inconstitucional a exposição dos estudantes, e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep), sob a argumentação de que apenas o índice não sinaliza a qualidade da escola (EXIBIÇÃO, 2013). São muitas as possibilidades de utilização dos resultados das avaliações em larga escala, os profissionais da área têm a incumbência de pensar vias que realmente contribuam com a formação escolar desejada.

Outro desafio é intervir de forma construtiva nas instituições que obtiveram resultados abaixo do esperado. Uma das características do Ideb é incentivar a superação da distorção idade/série, para isso é necessário obter mais aprovação, combatendo a reprovação e o abandono Escolar, com mais aprendizagem (A EDUCAÇÃO, 2013). A questão está em analisar os motivos da aprendizagem não acontecer conforme o esperado e elevar os níveis de reprovação e evasão. Se a escola decidir não abaixar as exigências das avaliações, como podem intervir para melhorar seu desempenho? Isso exige da instituição e dos profissionais uma autoavaliação que indique o que é passível de ser realizado com as condições que vivenciam. Os gestores do sistema educacional, externos a escola, também têm a responsabilidade de contribuir com condições e soluções para melhorar o desempenho da instituição.

Num segundo momento, é preciso considerar que avaliações em larga escala não apontam sozinhas a qualidade da escola, nem tudo o que se ensina e se aprende é avaliado internamente, mais complexo ainda por métodos avaliativos externos. ―Educação é um processo, em grande parte, subjetivo (diria, na maior parte), embora o subjetivo esteja imerso no coletivo e seja dele indissociável, e nem tudo o que se

aprende é passível de ser mensurado.‖ (UM GRANDE, 2013, p. web). Até mesmo porque as avaliações externas e a utilização de seus resultados podem produzir consequências bem distantes do projeto de escola e sociedade que queremos, conforme fora denunciado pela seguinte Unidade de Significado extraída da Agência Senado:

Preocupado com a propaganda enganosa feita por escolas de ensino médio que selecionam seus melhores alunos para realizar o Enem, o relator da proposta incluiu no substitutivo um dispositivo que proíbe qualquer instituição de ensino participante do Enem de ―estabelecer critérios ou qualquer outra forma de discriminação que dificulte a participação de

qualquer de seus alunos na realização do referido exame‖. ―Muitas escolas

aproveitam-se do caráter voluntário do exame para escolher os alunos que se submeterão à prova e, com isso, divulgar níveis de qualidade de ensino que, na verdade, não são fidedignos‖, afirmou Valadares. (PARTICIPAÇÃO, 2013, p. web).

Nem sempre os resultados das avaliações condizem com a realidade escolar, as informações podem estar enfatizando determinados dados, conforme alguns interesses. Ou as próprias instituições usam de estratégias para maquiar o seu real desempenho e elevar a sua avaliação. A utilização dos resultados não contribui com a qualidade da educação que queremos quando ocorre: destinação prioritária de recursos a ―escolas com melhores resultados, a definição de bônus para professores, o estabelecimento de rankings estimulando a competição entre escolas e redes de ensino, e seu entendimento como indicador único e principal de qualidade de ensino‖ (BAUER; ALAVARSE; OLIVEIRA, 2015, p. 1).

Tendo em vista a importância da formação escolar básica na constituição humana, considera-se delicado direcionar as instituições escolares excessivamente para atender as expectativas de um único contexto, como o das avaliações externas, ficando em débito com a formação esperada por outros âmbitos sociais. O estudante não é formado para o trabalho ou para conseguir vaga no Ensino Superior ou para ter sucesso no prosseguimento dos estudos ou para pensar e atuar no cotidiano, mas para que tenha subsídios suficientes, formação cultural, que atenda a todas essas expectativas para que decida que caminhos deseja privilegiar ao longo de sua vida.

Joana Borges de Gusmão, mestre da Faculdade de Educação da USP, escolhida para representar as universidades em entrevista sobre a qualidade escolar, salientou o reducionismo da noção de qualidade da educação a um aspecto instrumental, quando o desempenho em avaliações em larga escala torna-se o seu principal ou até único significado (QUALIDADE, 2014). Ela reafirma a disputa que envolve a noção de qualidade que é múltipla, social e historicamente referenciada. E destaca como lideranças sobre o tema: o Ministério da Educação (com o Ideb – Índice de

Desenvolvimento da Educação Básica – influenciando políticas por estados e municípios); o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância, que busca melhorar o aprendizado das crianças, principalmente as mais vulneráveis à repetência e à evasão escolar3); o Todos pela Educação (por pautar muito a mídia) e a Campanha Nacional pelo Direito à Educação (um grupo que articula mais de 200 organizações da sociedade civil4 e publica o custo-aluno qualidade).

Rosa (2011) pesquisou a qualidade da educação escolar em sistemas de gestão de instituições do Brasil e da Coreia que obtêm bons resultados em avaliações externas. A metodologia utilizada para a realização da pesquisa desse autor segue princípios da educação comparada, que recorre ―à síntese analítica de todas as práticas educacionais em contextos múltiplos‖ (CERVI, 1986, p. 48 apud Rosa, 2011, p. 86). Os estudos de pesquisas sobre educação comparada foram vistos sempre considerando que se trata de realidades diferentes, nesse caso, culturas bastante diferenciadas, e que é preciso ter cautela para não cair na armadilha de tentar reproduzir iniciativas em contextos tão diversificados.

Rosa (2011) estudou artigos publicados na revista Educação e Sociedade com o tema qualidade na educação. Dentre as interpretações encontradas destacou os estudos em que a qualidade da educação envolve: turno integral; laicidade e maior investimento em recursos para o ensino público; melhor modelo de avaliação; gestão educacional e menos gestão escolar; metas de desempenho, considerando que é preciso cautela quanto à confiabilidade nos indicadores de qualidade; avaliações externas, tendo em vista que não tenham como pano de fundo a ‗teoria da responsabilização‘ liberal; política na sua interpretação e na sua implementação; entre outros. A qualidade da instituição escolar não compreende apenas o resultado de avaliações em larga escala, mas envolve outros fatores, tais como: infraestrutura; recursos humanos; gestão democrática; transferência de recursos; quantidade de estudantes matriculados, com número médio de estudantes por ano/série (AVANÇO, 2013); transporte Escolar e merenda de qualidade; ampliação da jornada escolar; capacitação dos diretores e conselhos Escolares; orientações sobre currículos; valorização do magistério (A EDUCAÇÃO, 2013). Quais desses fatores deveriam participar da construção de indicadores de qualidade? Que responsabilidade os

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Conforme o site institucional: http://www.unicef.org/brazil/pt/overview.html. Acesso em: 07 de maio de 2015.

4 incluindo movimentos sociais, sindicatos, organizações não-governamentais nacionais e internacionais,

fundações, grupos universitários, estudantis, juvenis e comunitários e cidadãos (conforme o site institucional: http://www.campanhaeducacao.org.br/?pg=Institucional. Acesso em: 07 de maio de 2015).

gestores teriam em situações em que os indicadores não condizem com as metas e expectativas planejadas? Conforme defendido por Isaac Roitman, no Correio Braziliense, ―é pertinente a construção de indicadores que possam avaliar a qualidade da Educação como instrumento para punir os gestores públicos responsáveis por sua inadequação no nível federal, estadual e municipal.‖ (EDUCAÇÃO, 2013d, p. web). Será?

Para Perrenoud (2003) o debate sobre a eficácia ou eficiência dos sistemas educacionais está atrelado à prestação de contas sobre os resultados, definindo o sucesso institucional por duas vias: a que rege a avaliação escolar no cotidiano das escolas e a que é definida por organismos governamentais ou internacionais quando avaliam as instituições educacionais. O autor faz ressalvas quanto à inversão do sentido do processo avaliativo nas escolas, uma vez que o currículo não tem por finalidade atender aos indicadores de qualidade, mas esses que devem colocar-se a disposição dos objetivos da organização curricular. O currículo é a prioridade, a avaliação se fundamenta nele e se encarrega de ―discernir se ele está sendo assimilado de maneira inteligente e duradoura, para além das rotinas escolares e sem se tornar estreitamente dependente de listas de classificação das escolas‖ (PERRENOUD, 2003, p. 26).

A centralidade está no conhecimento, em sua organização, portanto, no currículo (LOPES, 2007). A questão é que quando se discute qualidade o conhecimento de cada estudante ao longo de sua escolarização, o progresso dele mesmo, é pouco considerado. O que se analisa são pontos de chegada comuns, desconsiderando-se pontos de partida bastante distintos, como se a aprendizagem e o desenvolvimento esperado para todos seja o mesmo. Por mais que o currículo tenha uma base comum, na realidade, cada estudante tem maior ou menor afinidade e aproximação com determinadas áreas ou disciplinas. Os objetivos são iguais para todos e quando se tematiza qualidade são enfatizados dados gerais, não casos específicos. O sucesso escolar não significa sucesso de cada estudante, mas da maioria deles. Conforme Perrenoud (2003, p. 10), a ideia de sucesso escolar é entendida em dois sentidos:

• de modo muito geral, é associada ao desempenho dos alunos: obtêm êxito aqueles que satisfazem as normas de excelência escolar e progridem nos cursos;

• com a moda das escolas efetivas e a publicação das ―listas de classificação das escolas‖, o ―sucesso escolar‖ acaba designando o sucesso de um estabelecimento ou de um sistema escolar no seu conjunto; são considerados bem-sucedidos os estabelecimentos ou os sistemas que atingem seus objetivos ou que os atingem melhor que os outros.

Compreende-se que a escola de qualidade é aquela que pensa cada aluno como único, portanto, a qualidade não é homogênea e não pode ser mensurada apenas em avaliações padronizadas. Tem-se qualidade na formação escolar básica ao aprovar para o ensino superior, ao proporcionar condições de cursar com êxito um curso técnico, a conseguir um emprego, ao se expressar mais adequadamente, ao propor soluções para melhorar a realidade local, ao interpretar melhor as mídias e as pessoas, ao entender fenômenos cotidianos, ser aprovado em um concurso, agir com gentileza, ter cuidado com o outro, enfim. Estar na escola faz repensar o que é qualidade, mais do que ter melhores índices de IDEB ou subir no ranking do ENEM, o que se quer é que aqueles estudantes tenham uma vida melhor e isso não é igual pra todos, não há um único caminho a ser seguido, não há padrões.

Emerique (2007) discute o papel da escola na vida dos estudantes e a concepção de qualidade da educação. O autor relembra a afirmação do Relatório Coleman (1966) sobre a origem social do status escolar dos estudantes, que relacionou o desempenho do aluno ao nível socioeconômico da sua família; constando, inclusive que as escolas não faziam diferença na vida dos alunos. A partir de então uma linha de pesquisa foi formada sobre o que a instituição acrescenta ao aluno em termos de conhecimento escolar: o estudo do efeito-escola e o movimento das escolas eficazes. (EMERIQUE, 2007). O movimento das escolas eficazes iniciou-se a partir dos anos 70, tendo como foco características da vida interna da escola determinantes do sucesso do aluno. Ele tinha como o objetivo identificar e compreender características distintivas em algumas escolas e de que forma afetavam os resultados dos alunos, sua aprendizagem e desenvolvimento (LIMA, 2008). Tais estudos apontaram características desejáveis para a qualidade da Educação Escolar Básica, conforme expressa o Quadro 3.

Quadro 3: Características das escolas eficazes

Fonte: Sammons (1999, p. 195) in Lima (2008, p. 193)

Embora tenham identificado características importantes para a qualidade educacional, tais estudos foram criticados pela ênfase quantitativa e estatística. Mariucci (2014) entende que o tema qualidade da educação tem sido pensado no discurso das políticas educacionais recentes de forma quantitativa, a partir de indicadores de padrões de qualidade estabelecidos por organismos internacionais ligados ao Banco Mundial. Fundamenta-se em Hargreaves (1994; 2003; 2004; 2007) para criticar a dimensão quantitativa e defender que a educação ―não pode limitar-se à ortodoxia dos exames padronizados‖ (p. 90). Por outro lado, traz uma dimensão qualitativa com base em Armstrong (2008), que propõe uma noção de qualidade da educação voltada ao desenvolvimento humano. Defende, com base em Pedro Demo (1997, 2012), a ―articulação quantitativa e qualitativa dos elementos que compõem a qualidade da educação, evita a dicotomização entre tecnicistas e humanistas e busca uma síntese entre os argumentos de ambas as tendências.‖ (idem, p. 90). E, finalmente, explica seu entendimento de qualidade da educação em uma perspectiva freireana:

a qualidade da educação em Paulo Freire está no movimento emancipatório do aluno e na atuação conjunta entre educando e educador para o rompimento de uma educação bancária e reprodutora de sistemas opressivos (FREIRE, 2004; 2009); na potencialização da dimensão ética e política da educação (FREIRE, 2004; 2009); na promoção de relações sociais justas, solidárias e libertadoras (FREIRE, 2004); no exercício do pensar certo e do rigor metódico (diferente de rigidez ou rigorismo), que a educação abra possibilidade de uma "leitura crítica do mundo" para transformá-lo em um lugar melhor para se viver (FREIRE, 2004; 1979). (MARIUCCI, 2014, p. 119).

A centralidade da Educação Escolar Básica de Qualidade está no conhecimento e no desenvolvimento humano, ao articular o quanti e o qualitativo e buscar produzir relações sociais mais justas, solidárias e libertadoras, num movimento emancipatório. Responsabilizar processos avaliativos em larga escala a avaliarem adequadamente todas as dimensões da formação humana seria desconsiderar o papel da escola, que mesmo não tendo as condições necessárias e que merece, acompanha o desenvolvimento do estudante por mais de uma década. A avaliação realização pela escola sempre trará mais elementos do que avalições externas pontuais. É preciso investir para que as exigências das provas em larga escala, sejam cada vez mais coerentes com o que se espera de uma boa formação escolar. Entretanto, elas não podem assumir a centralidade do sentido da Educação Escolar Básica de Qualidade, uma boa formação vai além do que um exame pode avaliar: o desenvolvimento humano a partir do desenvolvimento cultural amplo.

Proposição: Avaliações em larga escala podem ser indutoras de características desejadas para a Educação Escolar Básica de Qualidade ao se constituírem como instrumentos de gestão da educação, desde que não sejam o principal indicador de qualidade, nem o principal objetivo das escolas; mais importante do que a competição para ter melhores índices de IDEB ou subir nos rankings do ENEM e do PISA, é que os estudantes tenham uma vida melhor, o que nem sempre é contemplado em avaliações que seguem pelo caminho da padronização e homogeneização ou que fornecem indicadores que podem trazer distorções da realidade. Uma boa formação vai além do que um exame pode avaliar, visto que nem tudo o que é função da Educação Escolar Básica é possível de ser mensurado, ainda mais em avaliações do porte das nacionais e internacionais. A centralidade da Educação Escolar Básica de Qualidade está no conhecimento e no desenvolvimento humano. Busca-se a consolidação de sistemas de avaliação coerentes com políticas públicas educacionais em longo prazo, que estejam a disposição dos objetivos da organização curricular e dos projetos de escola e de sociedade.

A seguir apresento a terceira e última categoria produzida sobre significados para a Educação Escolar Básica de Qualidade a partir da mídia e sua proposição: Direito à aprendizagem.