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3 EXPECTATIVAS REPUBLICANAS: LEGISLAÇÃO E PROCESSOS

3.3 Direito à aprendizagem e ao pleno desenvolvimento humano

A Educação Escolar Básica de Qualidade é um direito assegurado pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. A educação representa um direito inalienável de todos os cidadãos, que capacita os sujeitos a exercerem outros direitos humanos de forma plena, direitos sociais e econômicos, direitos civis e políticos (BRASIL, 2013). Aloizio Mercadante, Ministro da Educação no período da publicação das DCNEM, entende que a formação escolar é um dos fundamentos para a efetivação do projeto de Nação que o país está construindo, trata-se de ―condição primeira para o exercício pleno da cidadania e o acesso aos direitos sociais, econômicos, civis e políticos. A educação deve proporcionar o desenvolvimento humano na sua plenitude‖ (BRASIL, 2013, p. 4).

Petroni e Souza (2009) pesquisaram aproximações e distanciamentos encontrados nos trabalho de Freire e de Vigotski, pesquisadores que tem exercido forte influencia na pesquisa educacional, internacional e brasileira. As autoras entendem que

ambos veem a educação ―como prática social que tem como fim último promover o desenvolvimento humano‖ (p. 354). O estudo apontou outras aproximações entre os teóricos: na base epistemológica, visto que ambos têm como fundamentos princípios e conceitos do marxismo; a concepção do sujeito como histórico-cultural; a perspectiva interacionista, atribuída ao diálogo, por Freire, e à linguagem, por Vigotski; ambos consideram que o modo como a educação tem se desenvolvido não é adequado, uma vez que criticam à mera transmissão de conhecimento (PETRONI; SOUZA, 2009). A maior diferença entre os teóricos é a ênfase de Freire a aspectos pedagógicos, enquanto que Vigotski tem sua atenção voltada mais para o desenvolvimento psicológico do sujeito (GADOTTI, 1996 apud PETRONI; SOUZA, 2009). Embora Freire e Vigotski acreditam que a centralidade da função social da escola seja o desenvolvimento humano, a perspectiva vigotskiana traz mais elementos e estudos para pensar os processos de aprendizagem e desenvolvimento que constituem a mente.

De acordo com Cury (2014), o próprio PNE tem como horizonte o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para a cidadania e qualificação para o trabalho, tendo em vista a redução da pobreza, marginalização e desigualdades sociais e regionais. Esse autor, afirma que a educação escolar tornou-se um direito da cidadania de modo ampliado, reforçado quando o Brasil passou a ser signatário de Tratados e Convenções Internacionais sobre direitos humanos, que incluem a educação. Escolar Básica de Qualidade é aquela possibilita o desenvolvimento humano em sua plenitude, potencializando a qualidade de vida e a cidadania para todos. A garantia do direito à aprendizagem é coerente com uma educação que, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, insere os estudantes no mundo do conhecimento e privilegia o caráter formativo, em detrimento do quantitativo e classificatório (BRASIL, 2013). De forma a assegurar o acesso, permanência e educação de qualidade.

O desafio de garantir a permanência dos estudantes na escola exige atenção a questões sociopolíticas e culturais, que se referem a diferenças individuais, como é o caso, por exemplo, dos fluxos migratórios (BRASIL, 2013). Outros desafios a serem enfrentados para a garantia do direito à Educação Escolar Básica de Qualidade são: obstáculos para a gestão participativa; a qualificação dos funcionários; a integração entre instituições escolares de diferentes sistemas educativos; a inclusão de estudantes com deficiência; valorização das diferenças; atendimento à pluralidade e à diversidade cultural (BRASIL, 2013). O próprio PISA admite que a inclusão com qualidade é uma tarefa difícil, mas necessária (OCDE, 2013). As DCNEM sinalizam a possibilidade de a

escola superar tais desafios ao centralizar o diálogo, a colaboração, os sujeitos e as aprendizagens, resgatando e respeitando os direitos humanos e as várias manifestações de cada comunidade (BRASIL, 2013).

Essa visão de escola contempla um trabalho de inclusão educacional, que reconhece e valoriza a diversidade, seja ela atendendo e respeitando as especificidades dos sujeitos que compõem o contexto escolar, ou àquela que se refere aos diferentes conhecimentos e saberes que devem circular no espaço educativo. Os processos pedagógicos podem ser enriquecidos pela diversidade, uma vez ampliado o espectro de assimetrias das interações entre os sujeitos, aumentam as chances de desenvolver a aprendizagem. ―Em uma sala de aula, todos podem, de algum modo, contribuir. Mesmo aquele que fala ou realiza algo muito discrepante ou sem sentido pode ajudar‖. (...) Isso significa que ―a questão é como aproveitar uma expressão humana em favor de algo que é superior a ela.‖ (BRASIL, 2005, p. 27).

Há que se valorizar as ―diferenças manifestadas pelos sujeitos do processo educativo, em seus diversos segmentos, respeitados o tempo e o contexto sociocultural‖ (BRASIL, 2013, p. 23). Os conhecimentos e saberes do cotidiano permitiram com que as pessoas vivessem por séculos, anteriores à educação formal, uma vida em harmonia entre si e com a natureza e, ainda hoje, fundamentam muitas práticas diárias, mesmo de cientistas. Portanto, o conhecimento não-científico, não sistematizado, contribui também com a qualidade de vida e com o bom exercício da cidadania, de forma que a função da escola é trazer sua perspectiva de olhar o mundo, sem tentar superar outros conhecimentos e saberes. É preciso reconhecer que o conhecimento científico é uma possibilidade de entender e explicar a vida, mas não a única e, nem sempre, a melhor. Não é de se se esperar que o pensamento dos estudantes se constitua pela substituição de ideias alternativas ou do cotidiano por ideias científicas, tratam-se de diferentes perfis conceituais, que convivem e estão em evolução (MORTIMER, 1995).

As DCNEM deixam claro que o que justifica a existência das instituições escolares é: os estudantes em desenvolvimento. Além de garantir o seu acesso, inclusão, permanência, sucesso, a conclusão da etapa escolar e a possibilidade de continuidade em seus estudos, espera-se conduzir o trabalho escolar de forma que os estudantes sejam reconhecidos como sujeitos do processo de aprendizagens e tenham

sua identidade cultural e humana respeitada, desenvolvida nas suas relações com os demais que compõem o coletivo da unidade escolar, em elo com outras unidades escolares e com a sociedade, na perspectiva da inclusão social exercitada em compromisso com a equidade e a qualidade. (BRASIL, 2013, p. 35).

Atender a tais expectativas de garantia de condições para uma educação de qualidade para todos requer sensibilidade das escolas para atender às diferenças sociais, culturais, econômicas e, também, àquelas que envolvem necessidades educacionais específicas, como é o caso dos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação (BRASIL, 2013).

A qualidade social de vida contribui com a qualidade educacional, a boa educação escolar, por sua vez, também cria condições sociais mais adequadas; portanto, é preciso valorizar a tendência de articulação entre os projetos de escola e de sociedade, ao estabelecer parcerias entre programas da educação com outras áreas, como saúde, trabalho e emprego, assistência social, esporte e cultura (BRASIL, 2014a). Uma vez que a Educação Escolar Básica de Qualidade, via desenvolvimento humano e cidadão, é parte do ideário de sociedade que busca o bem viver a todos e o sentido de ser humano.

Tal ideário diz respeito a noções de justiça social (GAMARNIKOW, 2013). A autora lembra que os direitos humanos modernos tiveram sua origem logo após o holocausto em forma de expressão do ―nunca mais‖. Em oposição ao mito da superioridade racial, os direitos humanos afirmam que é papel do Estado promover e proteger a humanidade igualitária, em termos de direito à dignidade com igualdade. Gamarnikow (2013) faz menção aos artigos 28 e 29 da Convenção sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU), relacionados à educação. O primeiro diz respeito às escolas e aos sistemas educacionais, sua reponsabilidade de garantir o direito da criança à educação, baseado na igualdade de oportunidade. Para a autora, ele apresenta problemas ao pressupor: a igualdade de oportunidade em uma sociedade desigual e a existência de uma capacidade ou inteligência inata ou biológica. Já o artigo 29 vai mais ao encontro do que se espera de uma educação de qualidade, por ir além da relação entre educação e trabalho, vinculando-a aos direitos humanos. Suas premissas contribuem com a ressignificação do papel da escola na medida em que promovem ―uma visão mais esperançosa e otimista daquilo que a educação pode/deve/precisa legalmente ser: o local do aprendizado sobre justiça social e o que significa um ser humano, que é o sujeito dos direitos humanos‖. (GAMARNIKOW, 2013, p. 196).

Tal Educação Escolar Básica de Qualidade é vigilante aos objetivos e consequências do capitalismo neoliberal, ao produzir outros tipos de relações de ensino e aprendizagem que têm como objetivo primeiro o respeito aos direitos humanos e a

garantia do direito de todos à educação. Nessa visão, a boa escola é aquela que contribui com a formação de sujeitos sensíveis à dor e ao sofrimento alheios, que utilizam seus conhecimentos em prol do bem-comum, para produzir um ambiente melhor de ser vivido por todos. E isso, nem sempre, caminha no mesmo sentido da maior produtividade, em termos de mercado e economia. Talvez, desse paradoxo denotem perigos de deixar que especialistas em economia façam diagnósticos e previsões para a escola e à educação do país.

Como lidar com tantos impasses provenientes de tantas possibilidades, diferenças e discordâncias sobre os rumos da escola? Sem dúvida, o princípio da autonomia pedagógica contribui para promover e desenvolver a capacidade de pensamento dos professores, para deliberar sobre o lugar que conhecem e, sobretudo, dos estudantes, para que consigam pensar, enfrentar problemas, elaborar propostas, dizer sim ou não, produzir argumentos, criticar, justificar, ter qualidade de pensamento para recriar as condições sociais e culturais da humanidade.

Proposição: Educação Escolar Básica de Qualidade é um direito de todos, assegurado pela inserção no mundo do conhecimento de modo a garantir o desenvolvimento humano em sua plenitude, potencializando a qualidade de vida e a cidadania. A garantia da aprendizagem a todos pressupõe a busca por justiça social e respeito à identidade cultural e humana, em condições de liberdade e dignidade, reconhecendo e valorizando as diferenças. Para tanto, há que se garantir os direitos humanos, sejam eles sociais, econômicos, civis ou políticos, por meio de práticas que promovam a inclusão educacional, a partir das condições sociais, culturais, emocionais, físicas e étnicas que se tem, em diálogo enriquecedor com a diversidade.

A discussão sobre as expectativas da sociedade sobre o que é uma escola de qualidade, como alcançá-la e avaliá-la requer reflexões sobre quais conhecimentos e saberes são esperados dessa instituição, compreendidos aqui, a partir da perspectiva histórico-cultural, como àqueles que permitem o desenvolvimento das funções mentais superiores. A qualidade da Educação Escolar Básica sob o viés teórico escolhido, que tem como referência Vigotski e alguns contemporâneos de sua teoria, é o foco do capítulo seguinte.

4 EXPECTATIVAS SOCIAIS À LUZ DA PERSPECTIVA HISTÓRICO-