Universidade Nova de Lisboa
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
Departamento
de Comunicacão SocialA ORDEM NO
CĨNEMA
vozes e
palavras
de ordemno estabelecimento do cínema em
Hollywood
Dissertacão para obtencão do grau de
Doutoramento em Comunicacão Social de
João Mário Lourenco
Bagão
Grilo Elaborada soborientagão
do Prof. Doutor Eduardo Prado Coelho1993
EM NOME DE TODOS OS FILMES
Desejo
expressar o meu reconhecimento ao Ccnselho Cientifico daFaculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de
Lisboa e ã Comissão Científica do Departamento de Ciências da
Comunicagão
por acolherem umprojecto
deinvestigaqão
circunscritoa domínios que possuem, por enquanto, uma reduzida
expressâo
académica na Universidade portuguesa. Uma
longa
dívida degratidâo
liga-me,
também, ao Prof. Dr. Eduardo Prado Coelho que, ao acederacompanhar-me no demorado
trajecto
destadissertaqâo,
dilatou asmargens dessa dívida muito para aiem de quaiquer compensaqâo.
Agradeqo,
igualmente,
aos meus colegas do Departamento de Ciências daComunicaqåo
e, muito emespecial,
ao Prof. Doutor Adriano DuarteRodrigues
, ao Prof. Dr. José Braganqa de Miranda, ao Dr. Emidio Rosade Olíveira e ao EngQ. José Manuel Costa, as inumeráveis
demonstraqôes
de solidariedade epaciência
e oencorajamento
que mesouberam dar em momentos de dificuldade e
hesitaqão.
Na pessoa doDr. Rui Santana Brito, quero ainda deixar um testemunho da minha
profunda
gratidão
aos funcionários da Biblioteca da Cinemateca Portuguesa,cujos
fundosinesgotáveis
foram um contributo essencialã boa conclusáo deste trabalho. Em ûltimo, mas em
primeiríssimo
lugar,
é ã Isabel e â Catarina que estas"palavras
sem ordem" são dedicadas; porque sem oapoio
e todas as imensasalegrias
edescobertas gue me deram ao
longo
destes anos não seriapossível
nada de tudo isto nem,provavelmente
, nada de tudo o mais.João Mário Grilo Julho de 1993
ÍNDICE
ĨNTRODUQÃO
A Ordem do Discurso
ANTE/CÂMARA
Razôes da Histária ( uma
problemática
da origem) 15I
-AS CINZAS DO SĨGNIFICANTE 17
1. A Ordem do Discurso 19
2. Histárias da histôria
o seu nome,
Holiywood...
26II
-A TERRA PROMETIDA 41
1. As
viagens
de Sullivan 47PRĨMEĨRA PALAVRA DE ORDEM: "PRODUZIR" 55
III
-0 NOME, A VOZ, A VISÃO
(Irving Thalberg
e ainvengão
deHollywood)
611 .
Emergência:
o tempo do "Corcunda" 652 .
Inteqragão:
o tempo do "Leão"(e uma histáría de
chupa-chupa)
81IV
-FIGURAS (1)
(as Formas e o
Uniforme)
931. A 'Verdade' da
Condigão
Humana 1062. A Condicão do Cinema 127
SEGUNDA PALAVRA DE ORDEM: "GENERALIZAR" 161
V
-0 PALCO DOS GÉNEROS 163
1 . De uma teoria dos
géneros
a um
género
de teoria 1651.1
Diferenga
erepetigão:
generalidade
esingularidade
dogénero
1702. 0
palco
dosgéneros:
os irmãos Warner 1772.1
Imaginários
técnicos etecnologia:
a
conjuntura
do sonoro 1792.1.1 Os testes Mazda:
cenários da técnica 187
2.2 Matrizes narrativas: o filme de gangsters
e a
realizagão
do som 1902.3 Um cinema-documento 196
VI
-FĨGURAS (2) 199
1 • The
Roaring
Twenties:da
retrospectiva
h teoria 2011.1 Uma
cronologia
problemática:
guerras do
tempo
2051.1.1 Passado
presente
e futuro:retrovisôes na
máquina
dotempo
216 1.2 Formas, formatos e uniformes.2.
Busby Berkeley
(1930-1939):tragédias
e celebracôes urbanas 2292. 1
Backstage
musical vs.integrated
dancemusical:
lágicas
da visão 2302.2
Broadway,
Hollywood
2362.3 42nd Street: '
New York on Parade' 244 2.4 Rostos e
lágrimas
daDepressão
2652.4.1 Gold
Diggers
of 1933 2662.4.2 The
Lullaby
ofBroadway:
A
queda
e o movimento do mundo 274 2.5 A cidadeproscrita:
They
made me a criminal 286SUMÁRIO 302
TERCEIRA PALAVRA DE ORDEM: "MAQUINAR" 307
VII
-REFLEXOS, TRANSPARÊNCIAS, ANAMORFOSES
(para uma teoria do
plano)
3111. Falsos
Espelhos
3132. Entremeio teôrico
De uma
definigão
dedispositivo
aoconceito de
plano
3262.1
Programagão
dodispositivo
3262.2.1 Plano 1: a
imagem-movimento
3342.2.2 Plano 2: a
imagem
totalEisenstein
(do
visivel aovisual)
3442.3 Planos Americanos 382
2.3.1
Genealogia
387VIII
-FIGURAS
(3)
(Maneiras,
Figuras,
Maquinagôes)
3971. A Maneira de
Preminger
4011.1 Laura: dramas do espago 404
1.2
Anqel
Face: umatragédia
americana 419 2. A Maneira de HitchcockPlanos sem fim ou o fio da Corda 435
SUMÁRIO
449EPÍLOGO
(O Silêncio da
Ordem)
45 3UMA, DUAS PALAVRAS
(A
PARTE) DE RESISTÊNCIA 463ANEXO: GREED (continuidade
dramática)
467BIBLIOGRAFIA 501
FILMOGRAFIA
"Toutes les histoires qu'il y aurait, qu'il y aura, qu'il y a eu"
J. -L. Godard, Histoireís) du cinéma
"
Dove a mi paia, fermo uno punto"
INTRODUCAO
A Ordem no Discurso
Este trabalho visa contribuir para o esclarecimento de
uma
questão
cuja
pertinência
e constante actualidade não temencontrado
resposta
satisfatôria no campo da teoria e dahistôria do cinema:
perante
a naturezafráqil
do tecidoprodutivo
dos diferentes modos deproducão
cinematográficos,
que condicôes favorecem a existência de certos filmes e o
aniquilamento
ou destruicao de outros, que razôes conduzem aobom acolhimento institucional de um determinado cinema e â
prescrigão
de umconjunto
importante
esiqnificativo
dealternativas
estéticas,
tecnolôgicas
e, mesmo, narrativas; emsuma, o que fez que fosse este,
precisamente,
opassado
docinema,
e não outroqualquer?
A resposta a esta
questão
-que é uma
questão
retrospectiva,
mas tambémprospectiva
-passa, em nosso
entender,
pela
elaboracão de umaprimeira
hipôtese
geral:
assumir a existência de uma identidade racional e
global
queliga
as condicôes deprescricão
âs condicôes deproducão,
comopartes
indissociáveis-e
reciprocamente
inteligíveis
-de um mesmo
sistema,
de uma mesmalôgica
e de uma mesmainteligência.
Se a histôria do cinemaé,
como diz Deleuze, oterreno de uma
longa
"martirologia"
, não é apenas porgue "osgrandes
autores de cinema são,simplesmente
, muito maisvulneráveis;
porque é infinitamente mais fácilimpedi-los
defazer a sua obra"
(Deleuze,
1983:8), é também porque o actoprescritivo
no cinema assume a formaparadoxal
de um acto decriagão
e expressa, noprôprio
desejo
de "não fazer" , avontade colectiva e
organizada
de "fazer outra coisa". 0 que leva ã escolha de umfilme,
ao f avorecimento de umprojecto,
é exactamente o mesmo que leva aoesquecimento
e âimpossibilidade
(improbabilidade)
de muitos outros. Um filme está sempre noluqar
de outro, ao mesmo tempo queexibe,
narealizacão material do seu
prôprio
enunciado "audio-visual",a
possibilidade
doseguinte.
Favorecendo o exame dos factores de
pressão
sobre oenunciado filmico e a
compreensão
daslôgicas
que estabilizamessa mesma
pressão,
estahipôtese
possui
uma incidênciapraqmática,
cujas
manifestagôes
(de
objecto
emétodo)
sedevem entender numa
dupla
perspectiva:
(1)
-não se faz um filme como se escreve um livro ou se
pinta
umquadro
ou se modela umaestátua;
as condicôespráticas
de realizacão do cinemadependem
da formacão deconsensos
provisôrios
(de factores dedecisão)
que seexpressam no
prôprio
enunciado e determinam a estabilidade(também ela
provisôria)
de um certo conceito deexperiência
do cinema (os chamados "standards" de
producão
são umexemplo
primário
destes consensos: que o cinema se realize em"filmes", isto é, em unidades com uma certa duracão
-um
certo "tamanho"
-e com uma certa consistência
narrativa1).
0destino
praqmático
do cinema esbate-se, assim, numa série medonha elonqa
deimpossibilidades
materiais,
de barreirasburocráticas,
financeiras e, nopior
dos casos,politicas,
de factores que lhe são exteriores e, quantas vezes, adversos. 0 perverso cruzamento da arte docinema,
como formaprôpria
de pensar e modelar o espaco, otempo
e omovimento,
com aindústria de filmes
(movie
industry)
introduziu,
a montante1
Existem
múltiplos
exemplos
que afirmam o carácter arbitráriodeste rrodelo de
produgão
"industrial" do cinema, como producão de unidades(filmes),
contradizendo a sua fiabilidade e natureza exclusivas. 0 conceito de plano-sequência infinito, proposto por Pasolini, que o faz derivar de uma dissociacão siqnificante dasprãticas
defilmagem
e montagem é, de todos eles, o maisinteressante e radical: "o cinema (ou melhor, a técnica audiovisual)
é substancialmente um
plano-sequência
infinito, como exactamente o é a realidade perante os nossos olhos e ouvidos, durante todo o tempoque nos encontramos em
condiqôes
de ver e ouvir (umplano-sequência
subjectivo
infinito que acaba com o fim da nossavida)
: e esteplano-sequência
, emseguida,
não é mais do que a reproduqão (comojá
repeti
várias vezes) dalinguagem
da realidade: por outraspalavras
,é a
reprodugão
do presente. Mas apartir
do momento em que intervém a montagem, ouseja:
quando
se passa do cinema ao filme (cinema efilme que sâo, por
conseguinte,
duas coisas muito diferentes, como alanque é diferente da parole) , sucede que o presente se torna
passado: um
passado
que, por razôes imanentes ao meiocinematográfico
, e não por escolha estética, tem sempre o modo do presente (e é por isso um presente histôrico)"
(Pasolini,
1967a:195). É esta consciência cinematoqráfica do presente que Godard
pôe
em evidência, na abordagem que fez da célebre frase dos irmãos Lumiêre: "Le cinéma est un art sans avenir" . Em Histoire(s )du cinéma, Godard coloca a hipôtese
pertinente
de os Lumiêrepoderem
não estar a referir-se, nessaproposicão
categorica, a umhipotético
e condenado "cinema do futuro", mas ao facto de o cinema reconhecer
apenas como suas as categorias do presente (que definiriam, para
Pasolini, "as razôes imanentes ao meio").
do
proprio
acto deprodugão,
umdesejo
de ordem e a suacorrespondente
discursividade. No entanto, se é verdade que o custo dos factores deproducão,
que sãoespecificos
docinema, comportam, em
geral
eindependentemente
dos casos"nacionais",
umaimportante
dimensão decensurância2,
aspalavras
deste discurso da ordem formam campos discursivos(ou
"formagôes
discursivas" , para utilizar aexpresssão
deFoucault3)
com uma consistência e uma coerência mais ou menostipificadas:
nuns casos será o discurso da "eficáciapolítica",
noutros o da "rentabilidadecomercial",
noutros ainda o da"importância
cultural".Quaisquer
que elassejam,
as
paiavras
deordem11
nocinema,
as unidades elementares daUtilizo
aqui
o conceito introduzido por José Braganca de Miranda no seu trabalho sobre uma teoria da censura. Inscrito numaestratégia
denomeagão
das várias formas de censura, a censurânciapermite
designar
uma dimensão abstracta eprévia
da censura e apossibilidade
de a pensar fora daregulacão
efectiva dos campos emque ela se exerce: "Neste trabalho propusemo-nos,
justamente
,analisar a
inscriqâo
da luta em torno dos nomes da censura numadimensão abstracta
prévia,
que é sempre recobertapelo
fragor daPolemos ou apagada pela
estratégia
deconsensualizaqâo,
formas de invisibilidade sô naaparência
irredutíveis. Decidimos nomear essadimensão por '
censurância' , de modo a
distinguir
entre censuraabstracta ( '
censurância' ) e censura(s) concreta(s)" (Braganga de Miranda, 1984:29). Sobre as formas como a censurância
bloqueia
apressuposigão
de existência de umpoder
neutro, cfr.Braganga
deMiranda, 1984:71.
Pelo conceito de formagão discursiva, Foucault pretende
designax um determinado
conjunto
de relagôes discursivas, ou deconcentragoes enunciativas . E no seio das
formagôes
discursivas que épossível
descortinar um sistema de regras deformagão
do discurso que asseguram a coerência, a regularidade e a solidariedade (eficáciapolitica)
dos enunciados no interior de um certo campo discursivo (Foucault, 1969:53).A palavra de ordem, o "mot d'ordre" é,
juntamente
com ossua
linguagem5
e dos enunciados institucionais em que ela seexprime
eactualiza,
relevam,
portanto,
de umapraqmática
quese
representa
nos filmes e na naturezaperformativa
dos seusenunciados. A
profundidade
de campo daimaqem
do cinema nãoesbarra na Natureza, nem na intencionalidade da mise en
scêne, nem sequer nos modos e nas dificuldades técnicas de
conjuqagão
ôptica
do mundo, mas no contorno e nos limites deuma
palavra
institucional e no efeito-territôrio que elaproduz:
o campocinematoqráf
ico-a
porgão
de espago contidopelo
enquadramento
da câmara-não é, por
isso,
apenasimaqético;
possui
uma substânciapolitica
(de
conformagão,
mas também de resistência einsubordinagão)
que é a medida daconceitos de territorio e territorializagão, uma
nogão
fundamentalda
pragmática
deleuziana (que se baseia, por seu turno, na naturezaeasencialmente imperativa
-e não
comunicativa,
nemsignificante
-da
linguagem)
. É nesse sentido queaqui
o utilizamos: "A unidade elementar dalinguagem
- o enunciado - éa
palavra
de ordem. Mais doque o senso comum, faculdade que centralizaria as
informaqôes
, épreciso
definir uma faculdade abominável gue consiste em emitir,receber e remeter as
palavras
de ordem. A linguagem não foi feita para ser credivel, mas para obedecer e fazer obedecer (...) Alinguagem
não é a vida, dá ordens â vida; a vida nâo fala, escuta e espera. Em toda apalavra
de ordem, mesmo depai
para filho, há umapequena sentenqa de morte" (Deleuze, Guatarri, 1980:96).
Na procura
quimérica
einfatigável
de uma"linguagem
do cinema", das suas regras semânticas e sintáxicas, asemiologia
perdeu a
oportunidade
depôr
em evidência a única coisa que valeriaa pena sublinhar nesse
empreendimento:
a identificagão
dosprocedimentos
imperativos
e aproveniência
politica
daspartículas
de
linguagem
que se encontramdispersas
namultiplicidade
deenunciados filmicos e o
aproveitamento
que fazem da fragilidade econômica do tecidoprodutivo
do cinema como forma de estigmatizar,agrupar e uniformizar as diferentes
solugôes
estéticas, téonicas enarrativas, fazendo-as passar pela inteliqibilidade de um sistema e
a leqalidade de um territôrio, de uma propriedade.
sua
relagão
â ordem e ãintelegibilidade/legalidade
que ela confere. Como bem viu FritzLang
(edepois
deleGodard,
emAlphaville)
, oespectro
de Mabuse actua como o fantasma detoda a
representagão
fílmica e de toda a sua míticatransparência6.
à dimensão
paradigmática
(emitica)
deHollywood
-defendida e
vulgarizada,
mesmo em trabalhos recentes de assinalávelcompetência
cientifica e historica como, porexemplo,
The ClassicalHollywood
Cinema,
filmstyle
and modeof
production
to 1960(Bordwell
eal.,
1985)7
-opomos nôs a
Sobre a natureza acusmática da voz de Mabuse (de que nâo se
vislumbra a proveniência), vd. Chion, 1984:35-45; sobre a voz
reguladora do computador
Alpha
60, emAlphaville,
vd. Collet,Fargier,
1974:48-60: "De onde vem a palavra? Quem apossui
e quem ausa? Alphaville dá a esta pergunta a mais clara das respostas: a
palavra
do ordenadorAlpha
60 é a palavra do Poder, é apalavra
doPai mais ou menos ausente de todos os outros filmes (de Godard) . É a
palavra
política.
Porque
o Poder, em Alphaville, é um discurso, umamáquina
falante. Alphaville manifesta o fascínio e o medo do Loqos,da
palavra
gue constrôi, gue fixa o sentido, gueimpôe
a sua ordem e a sua lôgica" (Collet, Fargier, 1974:48).Na monumental leitura neo-formalista que fazem do cinema de
Hollywood,
Bordwell,Staiger
eThompson
recorrem ãnogão
deparadiqma, por razôes que me parecem ser, sobretudo, de ordem
funcional: "Pensar o cinema clássico como um
paradigma
permite-nos
reter o sentido das
possibilidades
oferecidas aos cineastas noquadro de uma
tradiqão.
Ao mesmo tempo, o estilo permanece um sistema unificado porque oparadigma
oferece umconjanto
de alternativas demarcadas" (Bordwell,1985a:4).
Este olhar sobre oparadigma como um corpo de normas relativamente estruturadas é uma
visão necessariamente redutora, que acentua a dimensão circular do
"objecto
paradigmático"
sobre todas as outras, emparticular
as que seprendem
com as categorias do tempo e do movimento. Sobre adiscussão dos vários conceitos
possíveis
danogão
deparadigma,
vd.Prado Coelho, 1982:15-169. Sobre a sua
especifica
utilidade nocampo da histôria da arte e dos estilos, enquanto modelo de
conjuqagão, vd.
Damisch,
1987:14-15.sua natureza
praqmática
e a suaprecaridade
histárica,
entendendo o termo"Hollywood"
como aprimeira
-e talvez a
mais totalitária
-de uma série de
palavras
de ordem(de
ordem
técnica,
narrativa,
financeira epolitica)
. Nãoé,
aliás,
indiferente queHollywood
possua, naprôpria
enunciagão
do nome , uma identidade territorial bemdefinida,
nem é indiferente também que esse territôrio
-o
Hollywood
californiano
-tenha
progressivamente
perdido
a sua naturezacartográfica
egeográfica
paraganhar
uma dimensãoconceptual
e
cinematográf
ica(Marcel
L'Herbier,
porexemplo,
afirmava,
em
plenos
anos 20, que os factores de sucesso industrial docinema se expressavam, antes de
mais,
napossibilidade
demultiplicar
as dimensôes damatéria)
. Esta metamorfoseessencial da coisa no nome, da
paisaqem
no territário-cujos
efeitos são ainda determinantes para uma estética da
recepgão
-opera a
introdugão,
nocinema,
de umconjunto
de factoresde ordem e
territorializagão
,cujo
objectivo
principal
é aestigmatizagão
das marcas daprodugão
noproduto,
pressionando
cada filme aconjugar
o seuprôprio
modo deprodugão,
seja
pela
utilizagão
da star,seja
pela
instalagão
de uma série de dinãmicas da
repeticão
(oargumento
"degénero",
porexemplo),
seja
aindapela
sistematizagão
eutilizagão
recursiva deconfiguragôes
tecnolôgicas
perf
eitamenteespecif
icadas,
como o,impropriamente
chamado,"découpage
clássico",
ou assolugôes
canônicas deiluminagão
(em regra
dependentes
de umaconcepgão
do cinema comoproduto
deestúdio)
.A
proposta
maisgeral
de A Ordem no Cinema passa,assim,
pelo
exame epela
crítica dealgumas
das formas de presengadesses factores de ordem (vozes e
palavras
que são, nestecaso, verdadeiros factores de unif
ormizagão
)-produtores
eimaqinários
deprodugão,
géneros
etecnologias
-,conceptualizando-os
como elementos fundamentais deconstituigão
de umapragmática
do enunciado ou dofragmento
cinematoqráf
ico no seu contacto com apressão
territorializante de
Hollywood.
0 roteiroempirico
deste trabalho tentará assim"pôr
em cena" trêsimportantes
palavras
de ordem:"produzir",
"generalizar"
e"maquinar",
perspectivando-as
como componentes doprôprio
imaqinário
(produtivo)
do sistema e confrontando-as,depois,
com formasespecíficas
deconjuqagão
cinematoqráf
ica: o destinoexemplar
de filmes como Greed e The
Big
Parade,
noprimeiro
caso; TheRoaring
Twenties e o cinema deBusby
Berkeley
para a Warner,no
segundo;
os filmes dePreminger
para a Fox e o caso,também ele
"exemplar",
deRope,
deHitchcock,
no terceiro.(2)
-a necessidade de uma atitude
pragmática
nométodo,
que se expressa na forma do
inquérito
e numesforgo
dequestionamento
dos vários critérios deperf
ormatividade do sistema. Pensar é,aqui,
inquirir,
einquirir
é acondigão
demudanga
darepresentagão
(de
Hollywood)8.
0 sucesso destaatitude
depende,
em boaparte
, dos processos dereavaliagão
metodolôgica
do imenso manancial de documentos queHollywood
gerou e que
abrangem,
evidentemente,
osfilmes,
mas também osregistos
biográficos,
osdiscursos,
asentrevistas,
osmemorandos,
os documentospublicitários
etc, istoé,
umcorpus vastíssimo e diverso que,
pela
sua naturezaextremamente
irreqular,
implica,
certamente, umaviqilância
epistemoláqica
activa,
mas ,também,
umagrande
humildade eflexibilidade
metodolôgica.
Trata-se, emqualquer
caso, de uma atitude demudanga,
principalmente
emrelagão
aospreconceitos
dasepistemologias
disciplinares,
responsáveis
morais e "cientif icos"
pela
segregagão
e o estatuto deinsignif
icância desteconjunto
imenso demateriais,
desdenhosamenteapelidados
porCohen-Séat,
de "literaturacinematográfíca":
"Naperspectiva
de umapesquisa
metôdica,
atarefa
(de
classificagão
daspublicagôes
consagradas
aocinema)
simplifica-se
consideravelmente: a maiorparte
dessesescritos auto-elimina-se. (...) Quase tudo o que se
publica
sobre o cinema situa-se fora das
disciplinas
( . . .}
Sãodocumentos a
interpretar,
não são instrumentos deexplicagão"
Sobre o
importante
papel
que o inquéritodesempenha
naestratégia
pragmática
de Peirce, emespecial
naresolugão
da dúvidaem crenga, cfr. Murphy, 1990:34-46. Sobre a
pertinência
de umapraqmática do cinema, pode consultar-se o n« 7 da revista Hors-Cadre
(cujo
tema é a crise nas teorias do cinema) , emparticular
a secgãodedicada â
pragmática
("Oũ est lapragmatique"
) . De entre o conjuntode textos incluidos nessa
secgão,
merecem-nosdestaque
os trabalhos de Marie-Claire Ropars (Ropars, 1988), Francesco Casetti (Casetti,1988) e Eliséo Véron (Véron, 1988).
(Cohen-Séat,
1961:237).
Os resultados desteapartheid
epistemolôgico
entre sabereslegítimos
eilegitimos
(distingão
que Christian Metz "arredondaria" , maistarde,
eem nome de uma
diferenga
nosprincipios
depertinência,
paraa
oposigão
entre "teorias normativas" e "teorias descritivas"(Metz, 1971:6-7)) talvez tenham favorecido os sentimentos de
arrogância
disciplinar
e os seussupostos
critérios decientificidade, mas é duvidoso que tenham
produzido
ascondigôes
para um conhecimento efectivo docinema,
da suadispersão
e variedadearqueolôgica
e dasmutagôes
nasdiferentes séries que formam e compôem a sua
genealogia.
Éassim que, num dos muitos testemunhos de
reacgão
extrema a este estado decoisas,
Bonitzer escreve: "Desde as suasorigens
-e talvez mesmo antes
-que o cinema se alimentou de
teorias. Os seus maiores inventores eram também teôricos
(inventavam
a sualinguagem,
eram,segundo
anogão
de RolandBarthes,
'logotetas
'), e o cinema nunca foi tão
grande,
tãofecundo, tão vivo como na
época
em que as teorias oatravessavam e confrontavam
-época,
é certo, em que o cinemase não confundia ainda com o show-business e a teoria não se
tinha
refugiado
naUniversidade,
no tédio das análisesplano
a
plano,
mas se encontrava materializada naprôpria
prática
filmica"
(Bonitzer,
1982:13-14). É por isso que, enquantoprojecto cuja
incidência maisimportante
se exerce no domínioda histôria do cinema
(da
sua histáriaefectiva)
, A Ordem doCinema assume a
condigão
metanarrativa de todo oprocedimento
historioqráf
ico como o seuprincipal
compromisso
epistemolôgico.
0 modelo está, porisso,
prôximo
dasposigôes
defendidas por Foucault desde
L'Archéologie
du Savoir(Foucault,
1969),principalmente
no que dizrespeito
aoestatuto do documento e do monumento na
montagem
dodispositivo
historiográfico.
Tal como para os trabalhos deMichel Foucault sobre o saber, a loucura ou os
comportamentos
sexuais
(Foucault,
1966; 1972; 1973;1976),
o que para nôsestá em causa é a
imperiosa
necessidade de resqatar do silêncio e doesquecimento
toda essaprodugão
discursivaendôqena
aoproprio
campo do cinema e que, reqrageral,
foisacrificada â coerência e â cientif icidade de uma
disciplina
histôrica concebida como discurso dos (e
pelos)
factos. 0 quenos interessa,
enfim,
éexaminar,
na eternidade das formas, ainscrigão,
por vezes brutal, de uma ordem; édetectar,
naepisôdica
emerqência
doacontecimento,
essestragos
e rasurasque
valem,
afinal, por referentes últimos daprôpria
violência da histôria e da forma como ela se
representa.
Pragmático
pela
atitude,
arqueolôgico
pelo
modo e areqra, o método de A Ordem do Cinema é,
finalmente,
cinematoqráf
icopela
exposigão.
Este derradeiro ponto é de uma extremaimportância,
principalmente
porque, sob estemodelo
epistémico,
oempreendimento
histôrico cumpre-se,prioritariamente,
na identificagão,
no exame e naordenagão
dos discursos e
depende,
por isto mesmo, de uma verdadeiraestética da
exposigão.
Por outro lado e por outras razôes-entre as
quais
avuita uma viciosa familiaridade com os meioscinematoqrãficos
de pensar (e que sãoindependentes
da suadimensão
propriamente
maquinica)
-,julgamos
necessáriofavorecer esta solidariedade entre as formas do cinema
-as
modalidades dos seus
agenciamentos,
definidospelas
solugôes
de mise en scêne e
montagem
-e as formas de o narrar
( historicamente ou de outro modo
qualquer).
0 interesse dagrande
aberturaepistemologica
substanciadapela
atitudepragmática
doinquérito
não reside naspossibilidades
deconstituigão
de uma narrativa maior ou def initiva mas, muitopelo
contrário,
na suaimpossibilidade,
querdizer,
nasinqularizagão
e namultiplicagão
dos niveis de uma pequenanarrativa, elaborada a
partir
defraqmentos
que resistem auma modalidade
precisa
deaqenciamento
(a uma forma de miseen scêne e a um determinado
procedimento
de montaqem). Comonos
prodiqiosos
trabalhos de Godard sobre a "histôria docinema"
-que provocaram o
estilhagamento
do seuobjecto
tradicional
-9,
asfiquras
que povoam aspáqinas
desteRefiro-me ãs conferências de Montréal, editadas em 1980, sob o titulo Introduction å une véritable histoire du cinéma (Godard, 1980) e aos dois
episôdios
de Histoire(s) du cinéma (capitulos 1A e1B), projecto realizado em video, em 1988. Em ambos os casos,
tratou-se de deslocar e cruzar (pelo modo da montagem ou da
sobreposigão de
imagens
e sons) umamultiplicidade
defragmentos
extraídos â prôpria memôria do cinema e,principalmente,
â ordem quea estrutura e estratifica em
fungão
de umconjunto
de dogmas. Estemovimento de extracgão é, também, um movimento de contraposigão 12
trabalho emerqem,
portanto,
de um esquemacinematoqráf
ico;
não são
fiquras
tipicas,
nem expressam odesejo
totalitârio de f echar o campo dainvestiqagão
em nome de umaexemplaridade
falaciosa;
são documentos recortados noarquivo
por
acgão
de umacompetência
singular,
eorganizados,
enquanto
conjunto
coerente, por uma sensibilidade e um estilopredominantemente cinematoqráf
icos.Concebida na forma de um
filme,
istoé,
como mise enscêne e
montaqem
defragmentos
filmicos e discursivos(planos
de
pensamento)
, que def inem outros tantos cortes com amatéria intertextual
reqionalizada
pelo
conceito"milaqroso"
e territorializante de
"Hollywood",
esta tese procurou, na maneira do corte,condigôes
novas(praqmáticas)
dereelaboragão
do cinemaenquanto
objecto
da suaprôpria
histôria. Mais do que escrever uma outra (ou uma nova) histôria do
cinema,
entendemos queimporta
hoje
criar ascondigôes
epistemolôqicas
necessárias para que asmúltiplas
histôrias que o cinema
vai,
em cadadia,
qerando
outransformando, possam aceder, simultâneamente, ao
plano
deuma discursividade e, sobretudo, ao
plano
de consciência de um incessante devir (a umamemôria,
portanto).
sistemática entre a representagão e a produgão. Contra a
representagão
"antiga" da histôria(repetida
até â exaustão nascentenas de séries televisivas sobre, por exemplo,
Hollywood),
Godard opera no interior do material
historiográf
ico (do arquivo) ,mostrando-o como Luqar de produgão de uma
multiplicidade
dehistôrias e não como o luqar de representagão de uma Histôria
elaborada do "exterior": "Toutes les histoires qu'il y aurait,
qu'il
y aura,qu'il
y a eu".ANTE/CÂMARA
Razôes da Histôria
(uma
problemática
daorigem)
I
AS CINZAS DO SIGNFICANTE
1. A Ordem do Discurso
Numa
importante
passaqem de L'image-temps
-sequndo
dosdois volumes que dedicou ao cinema -, Gilles Deleuze
criticava,
em termosparticularmente
ásperos,
um dosposicionamentos
epistemoloqicos
com maiorestradigôes
nateoria do cinema: "A diversidade de
narragôes
nãopode
serexplicada
pelos
avatares dosignificante,
pelas
mudangas
deuma estrutura de
linguagem
supostamente
subjacente
âsimagens
em
geral.
Ela reenvia-nos antes para formas sensíveis deimagens
e para ossignos
sensitivoscorrespondentes
que nãopressupôem
nenhumanarragão,
mas de onde deriva uma certanarragão
e não outra", para concluirdepois,
numa fôrmula deassinalável
pendor
metodolôqico:
"Ostipos
sensíveis não sedeixam substituir por processos de
linguagem"-'
(Deleuze;
1985:179).
Autênticadeclaragão
de querra åsemioloqia,
e âdominagão
dopatrimônio
semiolôqico/linguistico
como chave deinterpretagão
daexperiência
docinema,
aproposta
de Deleuzeé,
também,
umapelo
a abertura desse campo,pela
intervengão
de
operadores
metodoldgicos
maisfragéis,
massusceptíveis
depoderem
propiciar,
na suafragilidade,
uma outraavaliagão
(justamente
"sensível ",
afectiva)
dos efeitos do cinema.Invocando uma
multiplidade
dereferências,
entre asquais
se10
0 sublinhado é meu.
destacam as teorias da montagem vertical
(Eisenstein,
1942) edo
monôlogo
interior(Eisenstein,
1932,
1933,
1935,
1938),
anogão
desenvolvida por Pasolini do cinema comolingua
darealidade, como '
sintagma
vivo'(Pasolini,
1967a,1967b)),
oconceito de terceiro sentido em Roland Barthes
(Barthes,
1970) e,
finalmente,
a semiôtica dePeirce,
Deleuzeopôe
ãduvidosa
pertinência
dascategorias
linguisticas
dasemiologia,
uma existência realmente"semiôptica"
da matériacinematográf
ica,
concebendo-a como "uma matéria sinalética que comportatragos
moduladores de toda aespécie,
sensoriais(visuais
e sonoros),quinésicos,
intensivos,
afectivos,rítmicos,
tonais,
e mesmo verbais(orais
eescritos)
"(Deleuze,
1985:43-44). Olhado sob esteprisma,
o cinema nãopode
ser reduzido åmanifestagão
dequalquer
substratolinquistico
mas define o espago para umaqenciamento
"plástico"
de matériasnão-linquisticamente
formadas,
ademonstragão
viva,
como Deleuze também escreve,"gue
alíngua
sô existe por reaccão a uma matéria
não-linguîstica,
que elaprocura transformar"
(Deleuze,
1985 :44-45):1.
Deleuze reencontra
aqui
o pensamento de Schefer,particularmente
nademarcagão
epistemoiôgica
dos campos dasemiologia
e dapsicanálise,
e noesforgo
para pensar um modelo dequestionamento
pelo (e não do) cinema centrado nosproblemas
daôptica,
da visão e dapercepgão:
"O cinema é assim, eprimeiramente
para o espectador, uma coisa completamente diferente do que as
análises do filme reflectem. 0 sentido gue nos chega (e gue nos
chega na estrita medida em que somos um
lugar
de ressonância dos efeitos dasimagens
, no qualgerimos
todo o futuro dessasimagens
esons, como afectos e como sentido) , esta
qualidade particular
de umasignificagão
tornada sensível estâ irremediavelmenteligada
âs 200 valor desta
reavaliagão
metodologica
doobjecto
cinematográf
ico não seconfina,
no entanto, âponderagão
prospectiva
de umaparelho
analitico,
emruptura,
pensada
evoluntária,
com atradigão
universitária";
principalmente,
porque o
posicionamento
sinqular,
e quasesolitário,
deDeleuze
produz
um efeitodupla
e naturalmenteretrospectivo;
em
primeiro
luqar,
emrelagão
å"colonizagão"
doobjecto
cinematoqráf
ico por umapanoplia
de estruturasdisciplinares,
em
segundo lugar
-e este aspecto é essencial -, em
relagão
å histôria docinema,
entendida como histôria dos seusprocedimentos
narrativos,
deixando delado,
ou até mesmorecalcando, tudo o que não vem confirmar, ou que não se vem
conformar a essa narratividade .
condiqôes
da nossa visão" (Schefer, 1980:10-11). Entretanto, énecessário afirmar que a
incompatibilidade
deleuziana com toda asemiologia
deinspiragão
linguistica
tende a tornar excessiva estareacgão.
No campo dasemiologia
daimagem
e,particularmente,
nodomínio da
imagem
pictôrica,
épreciso
considerar uma série deposigôes
muito menoscomprometidas
com esta molduralinguistica
dosigno
como, porexemplo,
os trabalhos fundamentais de Hubert Damisch(Damisch, 1972) e Meyer
Schapiro
(Schapiro,
1969).'2
Tradigão
que, na Europa, teve o seu momentoinaugural
com afundagão
do Instituto deFilmologia
da Sorbonne, apublicagão
do seuôrgão oficial, a Revue Internationale de Filmologie, e dos
importantes livros de Gilbert Cohen-Séat (Cohen-Séat, 1946)
-Essais
sur les
principes
d'unephilosophie
du cinéma - e Étienne Souriau(Souriau, 1953) - L'Univers
Filmique
-. Instrumento extremamenteeficaz de
comunicagão
e propaganda, durante a II Guerra Mundial, ocinema pagou esse protaqonismo (e uma
desconfianga
deprincípio)
,convertendo-se em objecto de um
leque
diferenciado de disciplinas(na
grande
maioria, ciências humanas - é este o seu contexto-, da
sociologia
ã estética comparada, daantropologia
ãpsicologia
experimental
) . (Sobre aorganizagão
e os trabalhos do Instituto eda
Associagão
Internacional deFilmologia,
cfr. Rinieri, 195ûa, 1950b; Wallon, 1952 e Roques, Flaud,Laugier,
1955).De forma indirecta, o que Deleuze vem
aqui
revelar são os sinais de umatripla
solidariedade: que fazdepender
umahistôria das formas do
cinema,
concebida como histôria dassuas formas
narrativas,
da validade deaparatos
disciplinares
especialmente
vocacionados para adetecgão
(conf
irmagão
)dessas marcas narrativas e,
finalmente,
dosprôprios
desiqnios
maiores dainstituigão
cinematográf
ica, e dopapel
de evidência que nela
desempenham
osdispositivos
narratologicos:
argumento,
direcgão
de actores,solugôes
técnicas de continuidade .
Perante a real (e
histôrica)
fortunacorporativa
destarede de
signif icagôes
industriais e da suacorrespondente
tradugão
epistemolágica,
para aqual,
aliás,
converqem osmais determinantes factores institucionais
(indústria
docinema, encarada numa
perspectiva
aberta'3,
aparelhos
disciplinares
de raizuniversitária)
, afiqura
de um cinemaapoiado
em valores que deliberadamente contrariam estaEm Le
signifiant
imaginaire
, Metz afirma a necessidade de olhara instituigão cinematoqráfica - conceito diferente do de "indústria
cinematográf
ica" - como oproduto da
acgão
concertada de urnapluralidade
de"máguinas":
de uma"máquina
exterior" , isto é, a suadimensáo
propriamente
"industrial" , de uma"máquina
interior",dizendo
respeito
åsdisposigôes
psicolôgicas
doespectador
e åregulagão
dos mecanismospsicolôgicos
que reproduzem o"desejo"
deir ao cinema e, finalmente, de uma "terceira
máquina"
, a escrita decinema (teoria, histôria e crítica),
cuja
fungão
é colocar o cinema(e os filmes) na
posigão
do "bomobjecto"
kleiniano (Metz, 1977:9-26). Éprecisamente
neste sentido qlobal que se procura entenderaqui
ainstituigão
cinematográfica: como umobjecto plural,
complexo e aberto.
vocagão
narrativa sôpode
ser colocado numa margem, por vezesadmissivel (e até
pontualmente
reconhecivel14)
, mas quasesempre remetida para a clausura de um
"experimentalismo"
, deum
conjunto
depráticas
reqionais,
mais ou menosadmitidas,
mas também mais ou menos
prescritas,
pela
instituigão"5
.Se tomei de
empréstimo
a muito belaexpressão
deFoucault
(Foucault,
1971), para intitulado desteponto,
foipara melhor sublinhar como, tal como para todas as outras
práticas
deviqilância
e controle dodiscurso16,
háalqo
de14
Como, por exemplo, o caso de Eisenstein,
objecto
de uma verdadeirarecuperagão
no final da década de 60, no contexto de uma nova reflexão sobre aspráticas
de vanguarda, entendida esta como um sistemático gesto de retorno sobre o sentido e os processos dasprôprias
práticas
signif
icantes(sejam
elas teôricas,práticas
ouestéticas, ou todas a um tempo, como no caso, por isso mesmo
modelar, de
Eisenstein).
Sobre este assunto, vd.Pleynet,
1971 eCarasco, 1979:12-30 (em
particular,
neste último, aimportante
distingão
entre "os gestos de retorno a Eisenstein" e "os gestos de retoma de Eisenstein" ) .:s
"Experimentalismo"
definido, defendido, mas tambémregionalizado,
nos trabalhos clássicos deMitry
(Mitry,
1974) eNoguez (Noguez, 1977) e
reconceptualizado
pelos
trabalhos da escolade Vincennes
(particularmente,
Lyotard,
1973 eEizykman,
1973 e1976) e ainda De Haas, 1986. Os conceitos de "a-cinema", de Lyotard
e de NRI, de Eizykman, (cinema narrativo-representativo-industrial,
por
oposigão
ås formas de um outro cinema: puro,experimental,
estrutural ou
independente
) derivam de um modeloenergético-pulsional,
que havia sido exposto anteriormentepelo
prôprio
Lyotard(Lyotard,
1971). Noquadro
dos trabalhos de Lyotarde
Eizykman,
o tragoexperimental-pulsional
nãocorresponde
a uma"região
demarcada" do cinema, vulgo "cinemaexperimental"
, masencontra-se disseminado no seio da
instituigão
cinematográf
ica como uma verdadeirapolaridade
estética econceptual.
Práticas de exclusão,
rejeigão
erepartigão,
que se manifestam através deprocedimentos
de controle,selecgão,
organizagão
eredistribuigåo
discursiva (Foucault, 1971:12-52). Para Foucault, oexercicio desta
prescrigão
eperformatividade
é autorizado eprof
undamente môrbido no modo como se instalou estapraxis
deseqreqagão
aolongo
de toda a histária do cinema. Tiveocasião,
euprôprio,
de tentar elaborar uma critica desse estado de coisas(Grilo,
1987:50-72), tomando porreferência,
justamente,
oposicionamento
foucauldiano. 0 que me pareceu,e parece
ainda,
essencial no contributo de Foucault a umahistôria do saber
é,
precisamente,
o carácter solidário queno seu
pensamento
assumem aspráticas
e osmodelos,
naf
undamentagão
de uma lei depobreza
que rege, dá consistênciae identifica a comunidade do discurso:
"Interpretar
é umamaneira de
reagir
âpobreza
enunciativa e de a compensarpela
multiplicagão
dosentido;
uma forma de falar apartir
dela eapesar dela. Mas analisar uma
formagão
discursiva é procurara lei dessa
pobreza,
é determinar-lhe a extensão e a suaforma
específica.
É assim, num únicosentido,
pesar o 'volumedos enunciados' "ll
(Foucault,
1969:158).
Pesar o voiume dos
enunciados,
ajuizar
da sua raridaderelativa,
equivale
no programa foucauldiano de umaarqueologia
dos saberes a medir o seu grau de conformidade(de
conformagão)
â instância que reqe,regula
elegisla
osprocessos de
formagão
dodiscurso;
equivale
assim adefinir,
facilitado
pela
figura
racional e"semiolôgica"
dosignificante
epela possibilidade "politica"
de centrar alinguagem
em torno de umaprática
geral
egenérica
dasignif icagão,
de uma autêntica ficgão do siqnificante : "O discurso anula assim a sua realidade, colocando-sesob as ordens do
signifiante"
(Foucault, 1971:51).17
0 sublinhado é meu
em
neqativo,
uma normatividade institucional de naturezaperf ormativa,
marcada por umperpétuo
joqo
deprodugão
e deexclusôes. E se este
jogo
é, poressência,
umjogo
depossiveis,
não está, porisso,
imune,
a uma irônica e, porvezes,
paradoxal
cena do acaso.Assim,
e se como escreveuGombrich,
uma histôria da arte, entendida como histôria daspráticas
estéticas,
éhoje
impensável
sem uma histdriado(s)
estilo(s),
épreciso
compreender
que umaqenealoqia
do estilopassa, com toda a
probabilidade,
pelo
encontro com os sinais de umainsubordinagão
a uma ordem do discurso e a um modo defazer: "Nem a crítica normativa nem a
descrigão
morfolôgica
podem
aspirar
dar-nos,
isoladamente,
uma teoria do estilo.Não sei se uma tal teoria é
necessária;
mas para a suaelaboragão
é não sô necessário avaliar assolugôes
artisticasno
quadro
dasespecificagôes
tidas por dominantes num certoperíodo,
mas tambémproceder
a umalistagem
sistemática dasprioridades
queregularam
ereforgaram
a procura dessassolugôes.
Um talprocedimento reforgará
o nossorespeito
pelo
clássico mas
permitirá,
também,
uma outraapreciagão
dassolugôes
não-clássicas querepresentaram
novas descobertas"(Gombrich,
1977:98).
A
questão
é, para nos, relevante,já
que o que seprocura
descortinar,
nesteprimeiro
momento, é oobjecto
aoqual,
tradicionalmente,
se refere a histôria docineraa,
bemassim como as suas
disciplinas
colaterais. Aquestão
interessa-nos, em suma, porque uma
qenealoqia
das formas docinema nos parece
inseparável
de uma histôria das ideias decinema e das reqras que outrora
possibilitaram
a suaconstituigão
eradiscurso;
e, de ura modo maisdecisivo,
numdiscurso
performativo,
modelizador e,justamente,
ordenado.2 . Histôrias da histôria: o seu nome,
Hollywood.
. .0 saber histôrico sobre o cinema
pressupôs,
tradicionalmente,
aconstituigão
de uma histôriaideoloqicamente
formada. Se nada mais houvesse a unir adiáspora
de "histôrias docinema",
queproliferam
apartir
dadécada de 40 (no
preciso
momento em que aprática
do cinema se distancia dateoria),
bastaria apontar oconjunto
depremissas
metodolôqicas
inquestionáveis,
dasquais
todascomunqam, para
perceber
que nada de essencialraente novo éescrito entre o
importante
livro de Jacobs sobre o cineraa americano(Jacobs,
1939)
e aprimeira
qrande
crítica a este modelo dahistoria,
empreendida
porComolli,
numa série deartigos
célebrespublicados
na revista Cahiers du Cinéma(Comolli,
1971). Pelo meio ficariamalguns
monumentos incontornãveis-Sadoul