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ATAQUE SEXUAL INFANTO-JUVENIL DOMÉSTICO: O TABU DA REVELAÇÃO NA RESPONSABILIZAÇÃO DO AGRESSOR

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Academic year: 2021

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ATAQUE SEXUAL INFANTO-JUVENIL DOMÉSTICO: O TABU DA REVELAÇÃO

NA RESPONSABILIZAÇÃO DO AGRESSOR

Luis Fernando Rocha1

RESUMO :A violência/ataque sexual infanto-juvenil constitui-se, desde os primórdios, em um fenômeno complexo que ultrapassa os limites dos diversos campos do saber, apresentando-se, de forma indiscriminada, em nossa sociedade, independentemente de classe social, etnia e gênero. Por definição, pode ser considerada como toda e qualquer conduta ou manipulação sexual entre adultos e crianças/adolescentes, com a finalidade precípua de estimular ou utilizar sexualmente estes últimos, para obtenção de prazer sexual, sem a necessidade de que haja expedientes violentos, ou força física, por parte do agressor. O objetivo foi caracterizar uma tipologia do fluxo de procedimentos e dos atos normativos (inquéritos policiais e/ou processos judiciais) adotados a partir da revelação do fato, até a finalização do processo de responsabilização do acusado/agressor, com vista a identificar que aspectos (supervalorizações, subjetivações, lacunas, omissões, etc., deliberados, ou não) podem ter sido decisivos para o desfecho dos casos. A pesquisa se deu numa cidade de aproximadamente trinta e cinco mil habitantes, do interior do Estado de São Paulo, abrangendo casos ocorridos no período compreendido entre os anos de 1992 e 2003, utilizando-se como fonte inquéritos policiais e processos arquivados no Fórum da Comarca. Dados os objetivos propostos e as características do objeto de estudo, optou-se pelo método qualitativo, que permitiu a flexibilidade necessária para maior aprofundamento e detalhamento dos dados coligidos, tendo como fonte de dados os documentos e, como instrumento de análise, a Análise de Conteúdo. Dentre outros, os resultados preliminares da pesquisa demonstram que o número casos ocorridos na família é inferior aos ocorridos fora da família; o número de padrastos agressores superou o número de pais, não corroborando a maioria das pesquisas existentes. Ainda, quanto à responsabilização do agressor, os dados demonstram que um dos fatores que podem ter sido essenciais para a decisão é a falta de capacitação dos profissionais envolvidos, bem como a ausência de articulação — falta de atendimento em rede —, dos fluxos de responsabilização, de atendimento e de defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, e que o principal local da revelação pública – notificação -, foi a Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher.

Palavras-chave: Violência/Ataques sexuais. Crianças. Adolescentes. Família. Revelação.

1 Mestrando em Psicologia pela UNESP/Assis – Área de Conhecimento: Psicologia e Sociedade. Email: lfrocha@mp.sp.gov.br

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1. Algumas considerações sobre o termo abuso sexual

Muitas vezes nos deparamos com a utilização da expressão abuso sexual como sinônimo de violência sexual contra crianças e adolescentes, tanto na literatura científica (FURNISS, 1993; LAMOUR, 1997; SOUSA E SILVA, 2002, entre outros) como no senso comum (“...recentemente voltou para casa da mãe e os abusos reiniciaram”— sic —; “....sofreu abuso sexual do padrasto até mais ou menos um ano atrás...” — sic —).

Apesar de semelhantes, julga-se necessário uma reflexão sobre a utilização, a nosso ver indiscriminada, do termo abuso, como sinônimo de violência, quando nos referimos a práticas sexuais entre adultos e crianças e/ou adolescentes.

Embora o Dicionário da Língua Portuguesa HOUAISS (2001, p. 33) traga os termos abuso e violência como sinônimo, Tomkiewicz (1997) distingue as expressões violência e abuso. Para ele, violência implica no uso de força física ou psicológica, incluindo-se os atos praticados contra menores ou deficientes mentais, incapazes de compreender o significado de tais ações. O abuso, ao contrário, é visto como um ato em que não há o uso de força.

Etimologicamente, a expressão abuso sexual é originária do inglês sexual abuse e refere-se a separação, ao afastamento do us, do considerado normal. Ela decorre do uso equivocado ou excessivo.

O agressor sexual pode abusar dos poderes (métodos) de correção ou disciplina, exercidos sobre a criança ou adolescente, que está sob sua guarda ou responsabilidade, ou sob a égide do poder familiar, contudo, jamais abusar sexualmente, pois não possui autorização, explícita ou implícita para usá-la sexualmente.

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Na França, o termo abuso sexual foi paulatinamente sendo abandonado, passando a ser designado de “ataques sexuais” às crianças e aos adolescentes pelos adultos, nos termos da incriminação utilizada no Código Penal Francês (GABEL, 1997). Tais mudanças nos levam a compreender que nesse país, a utilização do termo abuso sexual foi uma forma encontrada pela sociedade para amenizar a conduta do agressor, tanto para ele (internamente), como para sua família e para toda a sociedade.

Em uma simbiose de cultura da cumplicidade e da impunidade, da dominação do poder dR  KRPHP PDFKR  VREUH DV FDWHJRULDV IUDJLOL]DGDV Š PXOKHUHV  FULDQças e DGROHVFHQWHVQHJURVHQWUHRXWURVŠGHVGHRVSULPórdios da época da colonização do Brasil, da triste herança histórica da escravidão, bem como das múltiplas formas de autoritarismo, para amenizar o ataque sexual praticado contra os dominados, criou-se e difundiu-se a utilização do termo abuso.

Nossa reflexão ganha mais sustentação, aliado a isso, se recorrermos a teorias psicológicas que demonstram de maneira inequívoca o poder da palavra/dos termos empregados no julgamento e mesmo na influência para a realização de determinados crimes. Soma-se a isso o fato de o agressor que pratica esse tipo de crime não ter a compreensão prevista da lei, sobretudo entre os iletrados, economicamente desprivilegiados. Pode ocorrer que o agressor não tenha estrutura psíquica para mensurar o seu comportamento por entender, inconscientemente, que ao praticar o ato sexual com a criança ou com o adolescente, ele simplesmente esteja usando inadequadamente ou de forma excessiva os mesmos, e não praticando um ato de violência ou um ataque sexual.

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2. Violência sexual doméstica contra crianças e adolescentes

As várias culturas e sociedades trazem diversas definições de violência, pois, não definiram e nem definem a violência da mesma maneira. Ao contrário, dão-lhe conteúdos diferentes, segundo os tempos e os lugares (CHAUÍ, 2002).

A principal característica da definição de violência apresentada por Chauí (1985) é a relação de força, tendo, como elementos principais, num pólo, a dominação e, no outro, a coisificação a que o vitimizado é submetido, demonstrando passividade e silêncio. A definição de Chauí, diante das peculiaridades da violência contra crianças e adolescentes, parece-nos a mais adequada, em face das características apresentadas pelo vitimizado — passividade e silêncio —, próprias das crianças e adolescentes vítimas de violência.

A violência sexual, inserida num contexto histórico-social e com profundas raízes culturais, em razão de suas peculiaridades, bem como de sua complexidade, levando-se em consideração as várias facetas apresentadas por ela, pode ser considerada como uma terceira modalidade de violência, ou seja, violência qualificada, pois há a agressão física (mesmo que não violenta) e, na grande maioria das vezes, a psíquica, podendo causar traumas psicológicos irreparáveis. Atinge todas as faixas etárias, classes sociais e pessoas de ambos os sexos (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1999), ocorrendo universalmente, estimando-se que produza cerca de 12 milhões de vítimas mulheres anualmente, desde recém-nascidos até idosos (BEEBE apud RIBEIRO, 2004).

Em ocorrendo no seio familiar, eis que intramuros, em um ambiente que por diversos motivos vem se demonstrando propício para a prática desta espécie de violência, surge também como uma forma de violência doméstica, ou intrafamiliar, sendo denominada de incesto.

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O silêncio que reveste o fenômeno da violência sexual contra crianças e adolescentes na família é um dos diferenciais dessa espécie de violência, em relação a outras praticadas contra crianças e adolescentes na família. Como síndrome do segredo para o vitimizado, a violência sexual é determinada tanto por fatores externos  por aspectos específicos de segredo na própria interação abusiva , como por fatores psicológicos internos (FURNISS, 1993).

Para Lamour (1997), citando Summit (1983), o silêncio da criança vitimizada se dá em razão de o fato ter ocorrido quando ela está sozinha com o adulto e porque jamais deve ser partilhado com quem quer que seja. O segredo deve ser preservado pela ameaça, pela coação, principalmente psicológica. Muitas vezes, as ameaças tornam-se, para o vitimizado, mais perigosas do que o próprio ato. A comunicação existente na família violentadora (re) produz o silêncio da vítima e de seus demais membros, contribuindo de forma decisiva para que se mantenha a síndrome do silêncio. O trauma grave do ataque sexual sofrido pela criança ou adolescente é acompanhado da impossibilidade de verbalizar e de pensar os fatos. A criança é colocada diante do desejo de assassinato, assassinato de si mesma enquanto criança. Para o psicanalista americano Shengold (1977), citado por THOUVENIN (1997, p. 95), tais crianças sofrem um “assassinato da alma”.

3. Alguns resultados da pesquisa

Tabela 1. Casos de violência sexual contra crianças e adolescentes

Tipos de casos 2

Desfecho Família Não-família Totais

Arquivados 8 18 26

Absolvidos 7 17 24

Condenados 7 08 15

Totais 22 43 65

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Fonte: Arquivos do Fórum da Comarca pesquisada

Na tabela 1, acima, estão representados todos os casos de violência sexual infanto-juvenil no período estudado, levando-se em conta se a ocorrência se deu na família, ou não, e a respectiva resolubilidade na responsabilização do agressor, ou seja, arquivamentos dos inquéritos policiais, absolvição ou condenação dos agressores nos processos judiciais.

Tabela 2. Vínculo de parentesco entre o agressor* e a vítima. Grau de parentesco

Desfecho

dos casos Pai Padrasto Tio Tia Irmão Totais

Arquivados 3 4 - 1 - 8

Absolvidos 2 2 1 - 1 6

Condenados 1 3 - - 1 5

Totais 6 9 1 1 2 19

Fonte: Arquivos do Fórum da Comarca pesquisada, 2005.

* No caso de 2 agressores, com relações diferentes com a vítima, optou-se por apenas um deles, respeitando a seguinte ordem: Pai, Padrasto, Irmão e Tio.

Para a elaboração da tabela utilizou-se como referência o conceito de incesto, segundo proposto por Myre apud Azevedo e Guerra (1989). Trata-se de uma conceituação bastante ampla para incluir como agressor todo aquele que tenha um vínculo de responsabilidade para com a criança (pai adotivo, tutor, padrasto etc.) e cujas relações sexuais seriam interditas por lei ou costume.

Tabela 3. Local da revelação pública.

Locais Número de casos

DDM* 14

Del. Polícia** 2

Outros*** 0

Total 16

Fonte: Arquivos do Fórum da Comarca analisada, 2005.

* Delegacia de Defesa da Mulher. ** Delegacia de Polícia do Município e Distrito Policial

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*** Inclui Varas da Infância e Juventude, Flagrantes, Promotoria de Justiça e outros segmentos públicos.

A primeira revelação dos fatos é um momento privilegiado, pois se estará mais perto dos fatos se houver uma ação correta (THOUVENIN, 1997), por isso, deve-se buscar um ambiente adequado que a vítima se sinta segura e à vontade para desvelar a violência sexual.

Mesmo sendo a Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher a principal “Porta de Entrada” da revelação, a pesquisa demonstra que a criação da Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher no município foi isolada, não havendo uma rede de apoio suficiente e necessária para as vítimas e seus familiares, notadamente às vítimas de agressões sexuais infanto-juvenis domésticas, e, ainda, a falta de capacitação dos profissionais que atuam na Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher, especialmente as Delegadas de Polícia.

4. Referências Bibliográficas

AZEVEDO, M. A.; GUERRA V. N. A. (Org.). Crianças vitimizadas: a síndrome do pequeno poder. Iglu Editora. São Paulo: 1989. 211 p.

CHAUÍ, M. Participando do debate sobre a mulher e violência. Perspectivas antropológicas da mulher (pp. 25-62). Rio Janeiro: Zahar, 1985.

__________. Convite à filosofia. 12ª ed. 7ª impressão. São Paulo: Ática, 2002, 440 p. HOUASSIS, A.; VILLAR, M. S.. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. 1ª edição. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

FURNISS, T. Abuso sexual da criança: uma abordagem multidisciplinar. Tradução Maria Adriana Veríssimo Veronese. 2ª reimpressão. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993, 337 p.

LAMOUR, M. Os abusos sexuais em crianças pequenas: sedução, culpa, segredo. In: GABEL, M. (Org.). Crianças vítimas de abuso sexual. Tradução Sonia Goldfeder. São Paulo: Summus, 1997, pp. 43-61.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes. Brasília: Ministério da Saúde, 1999. RIBEIRO, M,A. FERRIANI, M.G.C.REIS, J.N. Violência sexual contra crianças e adolescentes: características relativas à vitimização nas relações familiares. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 20 (2), pp. 456-464, mar-abr, 2004. SOUSA E SILVA, M. A. Violência contra crianças quebrando o pacto do silêncio. In: FERRARI, D. C. A e VECINA, T. C. C (Org.).O fim do silêncio na violência familiar: teoria e prática. São Paulo: Ágora, 2002. pp. 73/80.

TOMKIEWICZ, S. Violências e abusos sexuais em instituições para crianças e adolescentes. In: GABEL, M. (Org.). Crianças vítimas de abuso sexual. Tradução Sonia Goldfeder. São Paulo: Summus, 1997, pp. 82-102.

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THOUVENIN, C. A palavra da criança: do íntimo ao social. In: GABEL, M. (Org.).Crianças vítimas de abuso sexual. Tradução Sonia Goldfeder. São Paulo: Summus, 1997, pp. 91-102.

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