P.º n.º R. P. 309/2007DSJ-CT- Acção de reivindicação do direito de
superfície. Sua registabilidade.
DELIBERAÇÃO
Relatório:
1 – Em 17 de Outubro de 2007, a coberto da ap.14, deu entrada na …
Conservatória do Registo Predial da ….o pedido de registo da acção de reivindicação
do direito de superfície sobre o prédio descrito sob o n.º 606, da freguesia da….,
instruído com base em duplicado da respectiva petição inicial, com nota de entrada
na secretaria judicial.
Do referido articulado consta, inter alia, que o objecto do direito de superfície
respeita à construção e à manutenção de um parque desportivo e que não obstante
a cedência formal deste direito se tenha concretizado em 1989, a verdade é que a
referida construção já estava em curso desde 1980, de harmonia com o projecto
aprovado pela entidade então competente - a Câmara Municipal de…..
A cedência e utilização do referido prédio pelo autor remonta a 1943, estando
há mais de 27 anos ininterruptamente afecto à prática e promoção da actividade
desportiva.
A ré, sem qualquer autorização do superficiário, procedeu ao corte de árvores,
à movimentação de terras e à execução de um arruamento em parte do prédio de
que o autor é superficiário privando-o do exercício do seu direito sobre a aludida
parcela, vendo-se constrangido a pedir o reconhecimento do seu direito nos termos
e para os efeitos previstos nos artigos 1311.º e 1315.º ambos do Código Civil.
O arruamento terá sido feito no prédio do autor na sequência do
licenciamento de um loteamento aprovado pelo Município da ….para prédio da ré,
limítrofe daquele.
Não obstante, o autor beneficie da presunção derivada do registo definitivo do
direito de superfície, sempre se dirá, subsidiariamente, que beneficia ainda de uma
presunção fundada na posse (artigo 1268.º do CC), titulada (artigo 1259.º, n.º 1),
de boa fé (artigo 1260.º, n.º 2), pacífica (artigo 1261.º, n.º 1) e pública (artigo
1262.º, n.º 1).
Conclui pedindo o reconhecimento do seu direito de superfície, e também que
se reconheça que a ré violou o direito de superfície do autor ao invadir a referida
parcela de terreno e nela construir e implantar um arruamento, e que se condene
aquela a restituir a parcela de terreno no seu estado anterior, removendo as
construções com que foi feita a ocupação indevida, nos termos dos artigos 1311.º e
1312.º do Código Civil.
2 – O registo foi recusado porque «o direito de superfície sobre o prédio,
objecto de registo, e cujo reconhecimento se requer, já se encontra inscrito a favor
do Autor, pelo que a acção não está sujeito a registo»
A senhora conservadora apoia-se nos artigos 3.º, n.º 1, alínea a), 68.º e 69.º,
n.º 1, alínea c), 2.ª parte, todos do Código do Registo Predial.
3 – Inconformado com a qualificação o interessado interpõe o presente
recurso hierárquico
1expendendo os argumentos que aqui se dão por integralmente
reproduzidos e dos quais destacamos, muito sinteticamente, os seguintes:
3.1 – Não obstante o autor seja titular inscrito do direito de superfície sobre o
prédio descrito sob o n.º 606, cuja propriedade de raiz pertence ao Município da…,
e portanto beneficie da presunção registral, com o reconhecimento judicial do
direito de superfície a presunção referida dará lugar à existência e titularidade
inatacável do mesmo, nos termos do caso julgado, o que é um reforço da posição
substantiva do direito de superfície.
3.2 – Consequentemente, o requerente, após decisão favorável, pode opor de
forma inatacável o seu direito de superfície ao titular do direito de propriedade,
1 O recorrente invoca também o disposto no artigo 166.º, n.º 1, do Código do
Procedimento Administrativo, mas as regras deste Código não são aplicáveis em sede de recurso hierárquico interposto contra decisões do conservador, como decorre do prescrito nos artigos 140.º e 147.º-A do Código do Registo Predial.
Vejam-se, neste sentido, os pareceres do Conselho Técnico constante dos proc.ºs n.ºs 58/93R.P.4, in Regesta, 1994, 2.º semestre, pág. 75, e R.P.116/2006DSJ-CT, entre outros.
onerado quanto à fruição do prédio, bem como contra todos os que persistam na
violação do seu direito real menor e no impedimento do seu exercício
2.
Nestes termos e demais de direito deve o recurso ser julgado procedente,
revogando-se o despacho recorrido por violação do disposto nos artigos 3.º, n.º 1,
alínea a), e 2.º, n.º 1, alínea a), do CRP.
4 – A senhora Conservadora proferiu despacho de sustentação, aduzindo os
argumentos que aqui se dão por integralmente reproduzidos e dos quais
salientamos, em particular, os seguintes:
4.1 – O recorrente tem já a seu favor o registo definitivo do direito de
superfície sobre o prédio, o que constitui presunção de que o direito existe e lhe
pertence (artigo 7.º do CRP), sendo oponível a terceiros, por força do disposto no
artigo 5.º do mesmo Código.
4.2 – Ora, não sendo posto em causa nem o modo de aquisição
3do direito
nem a validade do título não se vê qual o efeito útil do registo da acção, pelo que o
mesmo deve ser recusado.
5 – O processo é o próprio, as partes têm legitimidade, o recurso é
tempestivo e inexistem questões prévias ou prejudiciais que obstem ao
conhecimento do mérito do recurso.
Assim, a posição deste Conselho vai expressa na seguinte
2 Cita, em abono da sua pretensão, o parecer do CT proferido no processo n.º
16/83R.P.3, in Pareceres do Conselho Técnico, Vol. I, pág. 46, e Isabel Pereira Mendes, in
Código do Registo Predial, 12.ª edição, pág. 81.
3 No sentido da irregistabilidade deste tipo de acções invoca doutrina deste Conselho e
jurisprudência das Relações de Coimbra (acórdãos de 10 de Maio de 1988, e de 7 de Abril de 1994) Évora (acórdãos de 4 de Maio e de 26 de Outubro de 1989 e de 11 de Novembro de 1993) e Porto (ac. de 7 de Julho de 1981).
Deliberação
1 – As acções sujeitas a registo por força do disposto no artigo 3.º do
Código do Registo Predial têm por fim, principal ou acessório, o
reconhecimento, a constituição, a modificação ou a extinção de algum dos
direitos referidos no artigo 2.º do mesmo Código.
2 – Assim, por não se verificar aquela finalidade, a acção de
reivindicação do direito de superfície intentada pelo titular inscrito do
referido direito não está sujeita a registo
4, salvo se for invocada uma
4 O registo de acção de reivindicação quando o direito de propriedade (ou outro) que
se reivindica já está inscrito em nome do autor da acção tem sido frequentemente discutido, tanto a nível doutrinal como jurisprudencial.
Os defensores da tese da registabilidade desta acção alegam que se ela preencher os requisitos de realidade exigidos pelo artigo 3.º, n.º 1, al. a), do CRP, e verificando-se que a intervenção do titular inscrito pelo lado activo da relação processual está estabelecida, nada deverá obstar ao registo, tanto mais que a sua realização dará cumprimento ao comando legal que sujeita a registo as acções que reúnam aqueles requisitos.
Com efeito, designadamente, FERREIRA DE ALMEIDA, in REGESTA, n.º 64, defende que visando o registo da acção dar publicidade à acção, isto é, torná-la conhecida de terceiros, alertando-os para a situação litigiosa do prédio, a acção deve ser registada – artigo 1.º do CRP.
Não o sendo frustrar-se-ia a própria finalidade legal do registo.
Contra este entendimento insurgiu-se vivamente SEABRA DE MAGALHÃES, in Estudos de
Registo Predial, 1986, pág. 46, que considera que o registo da acção de reivindicação, com o
prédio já inscrito em nome do reivindicante, é desnecessário, inútil e incongruente.
Também SILVA PEREIRA, no douto trabalho que apresentou no Congresso de Direitos Reais, realizado na Faculdade de Direito de Coimbra, em Novembro de 2003, subordinado ao tema «Do Registo das Acções» rebate a registabilidade da acção nos casos em que o reivindicante é o próprio titular inscrito porque não se verifica uma situação, ainda que só potencial, de conflito de direitos susceptível de ser dirimido pela prioridade do seu registo.
A acção não visa ilidir a presunção que resulta do registo de aquisição anterior, que tornou oponível a terceiros o direito do autor, pelo que será sempre em função da prioridade estabelecida por esse registo que se irão dirimir os conflitos que se suscitem entre aquele direito e os de terceiros.
quela.
do fundeiro.
causa aquisitiva desse direito diversa da que já figura no registo, ou a
acrescer à
3 – A invocação da usucapião pode ser implícita ou tácita, devendo
constar da causa de pedir
5os factos que integrem os respectivos
requisitos e revelem a intenção do autor fundamentar o seu direito na
usucapião
6, o que demanda também a intervenção processual
E prossegue «Consequentemente, face à inutilidade do registo, por ser irrelevante precisamente na área em que é suposto operar, excluída estará a registabilidade da acção em análise».
Este Conselho, a propósito desta temática, tomou já posição no sentido da registabilidade da acção de reivindicação mesmo que intentada por quem beneficia já da presunção tabular (Proc.ºs n.ºs 16/85R.P.3 e 28/89R.P.3), posição que depois abandonou (Proc.º n.ºs 1/24R.P.94 e 1/121R.P.96, in BRN n.ºs 3/94 e 10/97, respectivamente), e agora admite embora com a introdução de um novo requisito – invocação de um modo de aquisição do direito diverso do que figura na inscrição do facto aquisitivo (Proc.ºs n.ºs R.P.105/97DSJ-CT, in BRN n.º 6/98, II, pág. 27, e R.P.10/2007DSJ-CT).
5 A acção de reivindicação compreende sempre dois pedidos: um de reconhecimento
de determinado direito e, o outro, de entrega da coisa objecto desse direito.
Consabidamente, a causa de pedir na lide reivindicatória é complexa consistindo no facto jurídico de que deriva o direito, devendo alegar-se uma das formas originárias de adquirir (podendo contudo, bastar-se com a existência da presunção registral), exigindo-se alegação e prova da ocupação abusiva e da coincidência entre a coisa reivindicada e a detida pelo demandado – Cfr. os acórdãos do STJ, de 18 de Fevereiro de 1988, e de 24 de Outubro de 2006, in BMJ n.º 374, pág, 414, e em www.itij.pt, respectivamente.
Um dos aspectos particulares da acção de reivindicação respeita ao regime da prova, que compete, em regra, ao autor – artigo 342.º do Código Civil.
No entanto, quando haja presunção legal (como é o caso configurado nos autos – artigo 7.º do Código do Registo Predial) dá-se a inversão do ónus da prova (artigo 344.º do Código Civil), cabendo ao réu fazer a prova que a ilida.
O pedido de reconhecimento da propriedade em acção de reivindicação pode ser formulado implicitamente, sendo o resultado lógico da afirmação de domínio, da ocupação abusiva pelo demandado e do pedido de restituição – ac. do STJ, in BMJ n.º 362, pág. 537.
6 A usucapião tem, no dizer de JOSÉ ALBERTO VIEIRA, in Direitos Reais, 2008, pág. 431,
confere uma eficácia que se sobrepõe mesmo à protecção registral de terceiro de boa fé. A consolidação pela usucapião é definitiva e prevalece mesmo contra tabulas, quer dizer, contra quem quer que seja.
A usucapião, prossegue o autor, pode ser invocada por aquele que já adquiriu por outro título válido, usando-a na sua função probatória, para evitar a probatio diabolica, ou consolidativa, para evitar, por exemplo, a aquisição tabular de terceiro de boa fé. Neste caso, porém, a usucapião não teria o efeito de um facto constitutivo, o que implicaria uma aquisição dupla do mesmo direito por quem já era seu titular.
No mesmo sentido, veja-se MENEZES CORDEIRO, in Direitos Reais, Reprint 1979, pág. 592, salientando que a causa de pedir, neste tipo de acções, só estará completa se o reivindicante indicar uma causa de aquisição originária, ou melhor, aclarar como se
constituiu o seu direito real.
O registo, porém, facilita o funcionamento da reivindicação, posto que a pessoa que tenha um registo a seu favor goza da presunção da sua titularidade por força do prescrito no artigo 7.º do CRP.
Veja-se também CARVALHO FERNANDES, in Direitos Reais, pág. 60, salientando que o instituto da usucapião é inaplicável a direitos reais que não sejam susceptíveis de posse (por exemplo, aos direitos reais de garantia, servidões prediais não aparentes), por a usucapião ser uma forma de aquisição de direitos que se funda na posse, quando esta reveste certas características e desde que se mostrem verificados alguns requisitos, relativos, designadamente, ao seu tempo de duração – artigo 1287.º do Código Civil.
Ora, resultando da petição inicial com razoável segurança que o autor, embora subsidiariamente, mencionou, como causa de pedir, todos os requisitos da posse, inclusive o decurso do indispensável lapso de tempo, indicando os referidos factos integradores e caracterizadores, factos que, uma vez provados, levam à aquisição do direito em causa fundada na usucapião se assim for decidido pela entidade judicial, o Registo deve estar preparado para o seu acolhimento, pois decidir sobre esta questão é já entrar no mérito, sendo que não cabe nos poderes atribuídos ao conservador, no âmbito do princípio da legalidade, apreciar o valor intrínseco do pedido (e da causa de pedir), podendo apenas apor-lhe os obstáculos resultantes da situação registral.
Nestes termos, faz todo o sentido procurar no articulado os pedidos que eventualmente o Juiz nele possa encontrar por modo a possibilitar que a decisão final possa beneficiar da prioridade do registo provisório.
Tem sido aceite nos Tribunais Superiores que a invocação da usucapião tanto pode expressa como implícita ou tácita, relevante é que, neste caso, se refiram todos os seus requisitos. Veja-se, neste sentido, o acórdão do STJ, de 10 de Abril de 1984, in BMJ n.º 336, pág. 433.