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A prescrição da pretensão indenizatória em face da fazenda pública

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

LEANDRO PEIXOTO MEDEIROS

A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO INDENIZATÓRIA EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA

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LEANDRO PEIXOTO MEDEIROS

A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO INDENIZATÓRIA EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA

Monografia apresentada à Coordenação do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Administrativo.

Orientador: Prof. Dr. Juvêncio Vasconcelos Viana.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca da Faculdade de Direito

M488p Medeiros, Leandro Peixoto.

A prescrição da pretensão indenizatória em face da fazenda pública / Leandro Peixoto Medeiros. – 2015.

45 f.: 30 cm.

Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2015.

Orientação: Prof. Dr. Juvêncio Vasconcelos Viana.

1. Responsabilidade (Direito). 2. Prescrição (Direito administrativo). I. Título.

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LEANDRO PEIXOTO MEDEIROS

A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO INDENIZATÓRIA EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA

Monografia apresentada à Coordenação do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Administrativo.

Aprovada em: ___/___/______.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Prof. Dr. Juvêncio Vasconcelos Viana (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Prof. Francisco de Araújo Macedo Filho

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Profa. Msc. Janaína Soares Noleto Castelo Branco

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A Deus.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo guiar de meus passos e pela força constante a me fazer seguir em frente.

A meu pai, Cláudio, pelas incontáveis demonstrações de amor e amizade, por ser um espelho de coragem e determinação, bem como por acreditar incessantemente em mim, ainda que eu venha a hesitar.

À minha mãe, Marília, por ser o que é em minha vida: a mais genuína expressão do amor, o mais belo retrato do afeto, a quem as palavras nunca serão suficientes para agradecer.

A meu irmão, Rodrigo, por sua indispensável presença e companheirismo, e por sua amizade sincera e verdadeira.

À minha avó, Ieda, cuja doçura no olhar contagia meus dias, e a meu avô, Afrânio, exemplo de caráter e retidão moral, que hoje nos protege de um lugar melhor.

A meus avós, Armando e Marlene, os quais, apesar de não estarem mais conosco, têm na figura de meu pai a grande contribuição que os desígnios da vida os permitiram me dar.

À minha namorada, Daniela, maior presente que os centenários bancos desta Faculdade de Direito puderam me proporcionar, cujo amor foi e é combustível em minha trajetória.

A todos os meus amigos, pessoas queridas que a vida oportunizou-me conhecer e conviver, as quais confirmam diariamente o quão valiosa é uma verdadeira amizade.

Ao Ministério Público Federal, à Procuradoria-Geral do Município de Fortaleza, à Justiça Federal no Estado do Ceará e à banca Vasques Advogados Associados, por terem sido escola em minha jornada durante a graduação, locais em que tive o prazer de estagiar.

Ao Prof. Dr. Juvêncio Vasconcelos Viana, verdadeiro referencial acadêmico e profissional, pela compreensiva orientação destinada a este trabalho e por suas inesquecíveis aulas ao longo do curso de Direito, cujas reflexões críticas são o berço de minha sincera admiração.

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À Profa. Msc. Janaína Soares Noleto Castelo Branco, por ter aceitado o convite para compor esta banca e pela paixão com a qual leciona e engrandece a comunidade docente desta Faculdade.

Aos demais Professores desta Casa, com os quais pude muito evoluir, em especial à Profa. Dra. Maria Vital da Rocha, ao Prof. Dr. Carlos César Sousa Cintra e à Profa. Dra. Cynara Monteiro Mariano.

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“Mas, a multiplicidade e mutabilidade congênitas das opiniões implica a sua

persistente revisão. Deve o jurista exercitar

um autopoliciamento implacável e recorrente

de suas próprias ideias. Assim, me converti no

crítico mais intransigente de mim mesmo.”

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RESUMO

O presente estudo objetiva analisar as controvérsias relativas ao prazo de prescrição aplicável às pretensões indenizatórias em face da Fazenda Pública. Para tanto, a pesquisa busca avaliar o aparente conflito normativo que envolve, de um lado, o Decreto n° 20.910/32 e a Lei n° 9.494/97, os quais estipulam prazo de prescrição quinquenal contra o Estado, e, de outro, o Código Civil de 2002, que instituiu prazo de prescrição trienal para a pretensão de reparação civil, sem excluir de seu texto as pessoas jurídicas de direito público. O debate proposto busca realizar uma interpretação jurídica que observe os fins primordiais dos referidos instrumentos normativos, em conformidade com os valores que fundamentam a atual ordem constitucional, a exemplo da isonomia e da razoabilidade. Valendo-se das considerações já feitas pela doutrina mais abalizada, sem descurar do tratamento jurisprudencial conferido ao tema, sobretudo pelo Superior Tribunal de Justiça, o trabalho desenvolve reflexão sobre os dispositivos legais que permeiam o citado impasse normativo, a fim de alcançar resultado que, além de consentâneo com o ordenamento jurídico-positivo, melhor atenda aos reclames da justiça.

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ABSTRACT

The present study has as purpose to analyze the controversies about limitation period of action for damages against the State. To do this, the search evaluates the apparent normative conflict between, in one side, Decree 20.910/32 and Law 9.494/97 that instituted limitation period of five years to action for damages against the State and, in the other side, Civil Code of 2002 that instituted limitation period of three years, without specifying the application of the period for the State. The debate aims to do a juridical interpretation that observes the essential purposes of the normative instruments, according to constitutional values, like isonomy and reasonableness. According to doctrine considerations and case law about the subject, especially Superior Court of Justice, the work does a reflection about the legal devices applicable to the normative conflict, to find results compatible to legal order and justice.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CC CDC CF CJF

Código Civil

Código de Defesa do Consumidor Constituição Federal

Conselho da Justiça Federal CNJ

CPC STF STJ

Conselho Nacional de Justiça Código de Processo Civil Supremo Tribunal Federal Superior Tribunal de Justiça

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 11

2 PRESCRIÇÃO ... 13

2.1 Origem histórica... 14

2.2 Conceito e natureza jurídica ... 15

2.3 Princípio da actio nata e o início da contagem dos prazos prescricionais... 17

2.4 Prescrição e decadência: distinções gerais... 19

2.5 Prazo geral de prescrição da reparação civil... 21

3 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO E PRESCRIÇÃO... 24

3.1 Histórico legislativo da prescrição em face da Fazenda Pública... 25

3.2 Conflito aparente de normas: prescrição quinquenal x prescrição trienal.. 29

3.2.1 Interpretação teleológica dos atos normativos... 31

3.2.2 Princípios da isonomia e da razoabilidade... 32

4 VISÃO JURISPRUDENCIAL DO TEMA... 35

5 CONCLUSÃO... 39

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1 INTRODUÇÃO

As competências constitucionais reservadas ao Poder Público revelam a natureza do modelo de Estado brasileiro, ao qual se atribui a implementação de inúmeros direitos individuais e coletivos, traduzidos na execução contínua de serviços públicos.

Em virtude deste papel ativo do Estado brasileiro, a lhe exigir o exercício efetivo de múltiplas atribuições, é natural a existência de conflitos com seus administrados, os quais, quando não solucionados na via administrativa, ou mesmo quando este caminho nem seja trilhado, inevitavelmente acabam por desaguar nas prateleiras do Judiciário, ainda que hoje muitas delas estejam virtualizadas.

Reflexo disso é o número de demandas ajuizadas em face da Fazenda Pública, as quais, segundo estudo realizado em 2012 pelo Conselho Nacional de Justiça, representam expressiva parcela das ações propostas no Poder Judiciário nacional1.

A partir deste panorama, é possível vislumbrar a importância prática da atuação do Estado em juízo, seja como autor, seja como réu. Dentro desta última condição, destacam-se as ações que objetivam efetivar a responsabilidade civil estatal, as quais simbolizam o abandono de uma concepção inatingível de Poder Público, lastreada na máxima the king can

do no wrong (“o rei não erra”).

Em verdade, a ideia presente na Constituição Federal de 1988 é a de um Estado soberano, mas responsável, que pode ser demandado em juízo quando vier a causar danos à esfera jurídica de terceiros.

Neste sentido, um dos aspectos que compõem a disciplina jurídica da responsabilidade civil estatal é justamente o prazo de prescrição a ser aplicado às pretensões indenizatórias em face da Fazenda Pública. A questão que se procurará resolver no presente trabalho gira em torno de saber em quanto tempo não será mais possível exigir judicialmente uma indenização do Poder Público.

Tratar-se-á, portanto, da prescrição extintiva aplicável ao caso, instituto que, como se verá adiante, fulmina pretensões que não foram exercidas em determinado lapso de tempo, em virtude da inércia de seus agentes.

1 BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA Órgãos federais e estaduais lideram 100 maiores

(14)

12

Desta feita, a controvérsia reside no regramento normativo apto a reger o tema, notadamente face à existência de dispositivos legais aparentemente conflitantes, editados em momentos distintos e que indicam prazos prescricionais diferentes.

Em especial, estamos a falar do Decreto n° 20.910/1932 e da Lei n° 9.494/1997, os quais indicam um prazo prescricional de cinco anos, bem como do Código Civil de 2002 (Lei n° 10.406/2002), diploma que estabelece um prazo geral de três anos para a prescrição da pretensão de reparação civil.

Para melhor analisar o tema, serão debatidos aspectos primordiais ao estudo da prescrição, desde suas origens históricas e seu conceito, até questões que envolvem sua aplicação prática nas relações jurídicas.

De outro modo, em busca de uma solução para o conflito, serão discutidos critérios interpretativos passíveis de incidência ao caso, bem como se buscará uma exegese condizente com a finalidade dos atos normativos sob análise, respeitando princípios basilares à atual ordem constitucional, como a isonomia e a razoabilidade.

Ao final, demonstrar-se-á o presente entendimento jurisprudencial sobre a problemática exposta, sobretudo a visão do Superior Tribunal de Justiça, considerando o papel constitucional a ele reservado no que diz respeito à interpretação das leis federais.

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2 PRESCRIÇÃO

O convívio social induz a constante formação de relações jurídicas, as quais demandam a estabilidade necessária para que bem possam se desenvolver.

Neste cenário, revela-se o princípio da segurança jurídica como um valor plenamente abarcado por nossa ordem constitucional, sendo considerado por José Joaquim Gomes Canotilho como elemento constitutivo do Estado de Direito2. Aliás, registre-se a presença da segurança jurídica já no preâmbulo da Constituição Francesa de 1793, quando restou qualificada como a “proteção conferida pela sociedade a cada um de seus membros para conservação de sua pessoa, de seus direitos e de suas propriedades.”3.

Nas palavras de Elói Martins Senhoras e Ariane Cruz,

a segurança jurídica tem destaque como uma das vigas mestras da ordem jurídica, pois, intertemporalmente, representa um instrumento de continuidade com conteúdo axiológico de estabilidade, previsibilidade e confiança nas leis ou nas condutas do poder público a fim de que os stakeholders – cidadãos e partes interessadas – não

sejam apanhadas de surpresa por modificações ilegítimas4.

Aliás, vê-se na segurança jurídica tanto um aspecto objetivo, como outro subjetivo. Aquele representa as qualidades necessárias à ordem jurídica previamente definidas, e este consiste na ausência de dúvidas ou temores no espírito dos indivíduos quanto à proteção jurídica5.

Derivando justamente da necessidade de se obter segurança jurídica, a prescrição é instituto que reflete a repercussão provocada pelo transcurso do tempo no Direito, visto que impede a manutenção de situações jurídicas por tempo indeterminado, o que significaria constante fonte de conflitos sociais.

Ao estabelecer prazos para o exercício de direitos e pretensões, o ordenamento jurídico acaba por sancionar aqueles titulares que permanecem inertes, consagrando o difundido brocardo latino dormientibus non sucurrit jus.

Em verdade, trata-se a prescrição de princípio de ordem pública, destinado a estabilizar situações jurídicas, impedindo que a incerteza logre alcançar a perpetuidade.

2 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3. ed. (reimpressão).

Coimbra: Almedina, 1999. p. 252.

3 BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar: 2001. p. 50.

4 SENHORAS, Elói Martins; CRUZ, Ariane Raquel Almeida de Souza. O princípio da segurança jurídica e sua

aplicabilidade nos contratos administrativos. Revista Síntese de Direito Administrativo, Porto Alegre, v. 82, p.17-23, out. 2012. p. 18.

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14

2.1 Origem histórica

A palavra “prescrição” deriva da expressão latina praescriptio, oriunda do verbo

praescribere, formado pelos termos prae e scribere, significando “escrever antes ou no

começo”6.

As raízes da prescrição remontam ao Direito Romano, quando, à época da Lei das XII Tábuas, servia de instrumento de defesa da posse pelo possuidor, o qual, a partir do decurso do tempo, dela se valia para alcançar a propriedade, na hipótese em que adquirira o bem mancipi sem as solenidades exigidas pela legislação daquele tempo7.

Reportando-se à evolução do instituto no Direito de Roma, José Carlos Moreira Alves esclarece:

No direito pré-clássico, todas as legis actiones eram perpétuas isto é, imprescritíveis.

O mesmo sucedia, no direito clássico, com a quase totalidade das ações civis; já com relação às ações pretorianas, algumas eram perpétuas, mas a grande maioria prescrevia dentro de um ano útil. [...] No direito pós-clássico, Teodosiano II, em 424 d.C., estabeleceu, no Oriente, que as ações então perpétuas (as temporárias continuaram a obedecer, quanto à prescrição, aos preceitos antigos) se extinguiam –

dispondo o réu, para isso, da exceptio ou longi temporispraescriptio– ao fim de 30

anos, a partir do momento em que a ação podia ser intentada (com relação a crédito, do instante em que este fosse exigível), e desde que não houvesse suspensão ou interrupção da prescrição8.

Mesmo no período romano pós-clássico, existiam exceções à prescrição, ainda que poucas, a exemplo das ações contra dívidas ao fisco e das ações em favor da Igreja, que eram imprescritíveis9.

Ao longo dos tempos, o instituto de origem romana foi sendo aperfeiçoado e consolidado nas mais diversas legislações, as quais positivaram a prescrição, ainda que, em última análise, venha a importar em “um sacrifício da justiça em favor da ordem e da segurança jurídica”10.

6 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 538. 7 WALD, Arnoldo. Direito Civil: introdução e parte geral. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 301. 8 MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito Romano. 15 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 465. 9 TABOSA, Agerson. Direito Romano. 3 ed. Fortaleza: FA7, 2007. p. 275.

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15

2.2 Conceito e natureza jurídica

Inicialmente, há de se distinguir a prescrição extintiva da prescrição aquisitiva, esta projetada a consolidar, e aquela a abolir situações jurídicas pelo passar do tempo11.

A propósito, quanto à prescrição aquisitiva, Ruy Tucunduva Sobrinho lembra ser ela o embrião do instituto, notadamente a partir da existência da chamada usucapio no Direito

Romano, correspondente à ideia atual de usucapião, instituto que prevê a aquisição da propriedade mediante o preenchimento de determinados requisitos legais12.

Já a prescrição extintiva, objeto do presente estudo, acostumou-se a ter conceito cambiante na doutrina, que ora a classificava como a perda de um direito, ora a perda de uma ação, em virtude da inércia de seu agente.

Caio Mário da Silva Pereira, por exemplo, define a prescrição como o modo pelo qual se extingue um direito pela inércia do titular durante certo lapso de tempo13. Já Clóvis Beviláqua a entende como “a perda da ação atribuída a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em consequência do não uso dela, durante determinado espaço de tempo.”14.

Concordando com Clóvis Beviláqua, Sílvio Rodrigues pontifica que o direito pode permanecer por longo tempo inativo, sem perder sua eficácia, diferentemente da ação que o defende, que se extingue pela prescrição15.

No mesmo sentido, Câmara Leal a conceitua como “a extinção de uma ação ajuizável, em virtude da inércia de seu titular durante um certo lapso de tempo, na ausência de causas preclusivas de seu curso.”16.

Em que pese os impactos da discussão travada, o atual Código Civil (Lei n° 10.406/02), no exercício de verdadeira opção legislativa, inovou ao trazer como objeto de extinção da prescrição outro elemento, qual seja a pretensão.

11 Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias indicam a adoção desta dualidade conceitual (prescrição

extintiva x prescrição aquisitiva) também nos Códigos francês (art. 2.219), argentino (arts. 3.948 e 3.949) e austríaco (art. 1.451) (ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito Civil: Teoria Geral. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 1.036).

12 TUCUNDUVA SOBRINHO, Ruy Cardozo de Mello. Prescrição no processo administrativo disciplinar.

2009. Tese (Doutorado em Direito do Estado) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. p. 22. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2134/tde-11112011-133122/>. Acesso em: 2015-08-22.

13 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. vol. 1. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.

435.

14 BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. v.1. 3. ed. Rio de Janeiro:

Francisco Alves, 1927, obs. 1 ao art. 161.

15 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Parte Geral. v.1. 28 ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p.318.

16 CÂMARA LEAL, Antonio Luiz da. Da prescrição e da decadência. 4. ed. atual. por Aguiar Dias. Rio de

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16

A este passo, oportuno trazer à tona o tratamento dispensado à prescrição pelo art. 189 do Código Civil de 2002, o que, por certo, repercutiu sobre o conceito aqui discutido:

Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.

A partir do disposto no referido art. 189, Carlos Roberto Gonçalves observa que houve, por parte do ordenamento jurídico brasileiro, a adoção da tese da prescrição da pretensão (anspruch), entendida como o poder de exigir de outrem uma ação ou omissão17.

Seguindo o mesmo entendimento, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho sintetizam a prescrição como “a perda da pretensão de reparação do direito violado, em virtude da inércia do seu titular, no prazo previsto pela lei.”18.

A pretensão, que se perde pelo decurso do prazo prescricional, é justamente o poder de exigir de outrem uma prestação positiva ou negativa. Deste modo, se o titular do direito permanecer inerte, resta-lhe como pena a perda da pretensão que poderia exercer em face de terceiro.

A este passo, analisando o conceito de pretensão, esclarecem Marcelo Abelha Rodrigues e Bianca Neves Amigo:

a pretensão é o poder de exigência que se faz presente tanto no plano material como no processual. No primeiro plano, ela é o poder de exigir o cumprimento de uma prestação. Já no segundo, é a exigência de tutela jurídica por parte do Estado. Assim, dizer que a prescrição obsta a eficácia da pretensão significa que o titular do direito subjetivo não pode mais exigir uma ação ou uma omissão do obrigado nos dois planos19.

Percebe-se, portanto, que houve verdadeira opção legislativa quanto à categorização jurídica da prescrição, adotando-se a teoria da extinção da pretensão. É neste sentido que Renan Lotufo, ao comentar o art. 189 do atual Código Civil, afirma não haver referência à ação no dispositivo, mas à pretensão, sendo esta que se extingue com o decurso do tempo20.

17 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 514.

vol. 1.

18 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: parte geral. vol 1.

14. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 660.

19 RODRIGUES, Marcelo Abelha; AMIGO, Bianca Neves. A prescrição e a exequibilidade das sentenças

declaratórias. In: CIANCI, Mirna (Coord.). Prescrição no Código Civil: uma análise interdisciplinar. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 306.

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Já quanto à natureza jurídica da prescrição, há de se ressaltar previamente a existência de dois elementos que lhe são fundamentais: o transcurso do tempo e a inércia do titular do direito.

A partir da conduta inerte, sem a qual a prescrição não se configuraria, chega-se ao entendimento de que ela constitui espécie de ato-fato jurídico, entendido este como um fato jurídico qualificado pela atuação humana, mas que produz efeitos independentemente de qualquer vontade21. No caso da prescrição, essa atuação humana é exatamente a inércia do titular do direito.

Noutro sentido, Flávio Tartuce defende a prescrição como fato jurídico stricto

sensu, notadamente em virtude da ausência de vontade humana, sendo a lei quem acaba por

lhe prever efeitos naturais22.

Em sentido processual, sobretudo após a Lei n° 11.280/06, que modificou a redação do art. 219, §5°, do Código de Processo Civil, estabelecendo o reconhecimento ex

officio da prescrição, Juvêncio Vasconcelos Viana alerta para a mudança pela qual passou o

instituto, deixando o caráter de exceção, para assumir natureza de “objeção substancial,

modalidade de defesa que o julgador pode e deve conhecer de ofício.”23.

De todo modo, forçoso concluir que o principal efeito da previsão de uma norma que estabelece prazo prescricional é justamente evitar a eternização das pretensões a que alude, o que se faz em vista da manutenção da estabilidade social e da segurança jurídica, ainda que o direito em si reste preservado24.

2.3 Princípio da actio nata e o início da contagem dos prazos prescricionais

Diversas questões práticas permeiam a aplicabilidade do instituto da prescrição no caso concreto, revelando-se oportuno abordar um destes temas que, com frequência, deságuam no Judiciário: a contagem do prazo prescricional.

21 GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2012, p. 458.

22 TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Lei de introdução e parte geral. v.1. 10. ed. rev., atual. e ampl. Rio de

Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. p. 379-380.

23 VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Alterações no Livro do Processo de Conhecimento em etapas diferentes da

reforma do CPC. Pensar, Fortaleza, v. 13, n° 2, jul/dez, p. 232/242, 2008. p. 238-239.

24 No mesmo sentido, pondera Cristina del Pilar Pinheiro Busquets: “a prescrição não perdoa nada, não esquece

nada, apenas evita que o devedor possa ser acionado após muitos anos, pelo titular do direito violado ou seus sucessores. Não deixa ele de ser devedor, seja em face de si mesmo, seja em face do credor, seja em face da

sociedade” (BUSQUETS, Cristina del Pilar Pinheiro. A configuração jurídica do Tribunal de Contas: o processo e o tempo. 2010. Tese (Doutorado em Direito do Estado) – Faculdade de Direito, Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010. p. 246. Disponível em:

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18

Destarte, legalmente previsto o prazo de prescrição, resta saber a partir de qual momento se inicia o cômputo deste lapso de tempo.

A partir do exposto no art. 189 do CC, consolidou-se doutrinariamente a ideia de que o prazo prescricional se inicia com o surgimento da pretensão, por ser o momento em que ocorre a exigibilidade do direito subjetivo25. Neste sentido, veja-se o teor do Enunciado 14 do CJF/STJ, aprovado na I Jornada de Direito Civil26, realizada em setembro de 2002:

Art. 189: 1. O início do prazo prescricional ocorre com o surgimento da pretensão, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo; 2. O art. 189 diz respeito a casos em que a pretensão nasce imediatamente após a violação do direito absoluto ou da obrigação de não fazer.

Exemplificando este entendimento, na hipótese de um ato ilícito, a pretensão surgiria com a ocorrência do evento danoso, momento no qual iniciaria a contagem do prazo prescricional.

Apesar da coerência inicial do referido posicionamento, desenvolveu-se na jurisprudência pátria o princípio da actio nata, segundo o qual o prazo de prescrição deve ter

início a partir do conhecimento da violação ou lesão ao direito subjetivo.

Em verdade, trata-se de privilegiar o princípio da boa-fé objetiva, na medida em que se reconhece a possibilidade de afronta a um direito subjetivo sem que o seu titular tenha dela imediata ciência.

Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça editou a súmula n. 278, cujo texto exprime a adoção da tese da actio nata: “O termo inicial do prazo prescricional, na ação de

indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral.”27. Desta feita, é possível observar a crescente utilização do princípio da actio nata

pelo STJ, conforme se extrai do comportamento de sua jurisprudência28. Ilustrando o exposto, veja-se decisão elucidativa a respeito do tema:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. MOMENTO DA CONSTATAÇÃO DAS CONSEQUÊNCIAS LESIVAS

25 ROSENVALD e FARIAS, 2011, p. 798.

26 Cf. BRASIL. CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Jornadas de Direito Civil. Disponível em:

<http://www.cjf.jus.br/CEJ-Coedi/jornadas-cej/enunciados-aprovados-da-i-iii-iv-e-v-jornada-de-direito-civil/jornadas-de-direito-civil-enunciados-aprovados>. Acesso em: 05 set. 2015.

27 Cf. BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Súmulas do Superior Tribunal de Justiça. Disponível

em: <http://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/Sml/issue/archive>. Acesso em: 05 set. 2015.

28 Cf. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp 696.269/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão,

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DECORRENTES DO EVENTO DANOSO. PRINCÍPIO DA ACTIO NATA. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Na hipótese dos autos, o recorrente sustenta a prescrição desta ação ao asseverar que o prazo prescricional deve ser contado a partir do momento do evento danoso, independentemente da ciência dos efeitos das lesões. 2. Segundo a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, o termo inicial do prazo prescricional das ações indenizatórias, em observância ao princípio da actio nata, é a data em que a lesão e os seus efeitos são constatados. Incidente, portanto, o óbice da Súmula 83/STJ. 3. Agravo regimental não provido.29

Em adesão legislativa à tese da actio nata, pode-se citar, por exemplo, o art. 27 do

Código de Defesa do Consumidor, o qual estabelece que o prazo prescricional para a propositura de ação de reparação de danos causados por fato do produto ou do serviço inicia-se com o conhecimento do dano e de sua autoria30.

De fato, a referida aplicação do princípio da actio nata à contagem dos prazos

prescricionais, ao tempo em que valoriza a informação, parece melhor resguardar valores fundamentais ao atual ordenamento jurídico civil, como a eticidade e a boa-fé objetiva.

2.4 Prescrição e decadência: distinções gerais

Embora guardem semelhanças, prescrição e decadência não se confundem, de modo que sua diferenciação é empreitada sempre presente nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial.

O Código Civil de 1916 apenas se referia expressamente à prescrição, deixando de fazer menção à decadência, o que exigia da doutrina a análise do texto legal a fim de indicar, ainda que seus dispositivos assim não o fizessem, quais prazos previstos no referido Código seriam decadenciais e quais seriam prescricionais, bem como o que os tornava desta ou daquela natureza.

Neste sentido, Pontes de Miranda alega que reside na eficácia a distinção entre os institutos. Para o autor, a decadência atinge o direito, a pretensão, a ação e a exceção, ao passo que a prescrição alcança apenas a pretensão e a ação31.

Já Agnelo Amorim Filho, baseado na classificação dos direitos subjetivos e nas espécies de ações correspondentes, procurou enfrentar o tema por meio de um “critério

29 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp 1248981/RN, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques,

2ª Turma, julgado em 06/09/2012, DJe 14/09/2012.

30 CDC, Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou

do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.

31 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo 6. Rio de Janeiro: Editor

(22)

20

científico”. Deste modo, entende que se sujeitam à prescrição somente as ações de natureza condenatória, pelas quais se pretende impor o adimplemento de uma prestação, visto que a prescrição é a extinção da pretensão. Com efeito, para este autor, somente as ações condenatórias podem sofrer os efeitos da prescrição, visto serem as únicas a proteger judicialmente os direitos que suscitam pretensões.

Por outro lado, o autor defende que os direitos potestativos, caracterizados por criarem um estado de sujeição para terceiros, são direitos sem pretensão, que não podem ser objeto de violação, dando origem às ações de ordem constitutiva ou desconstitutiva32.

Dentro desta mesma ordem de idéias, José Carlos Moreira Alves enfatiza:

ocorre a decadência quando um direito potestativo não é exercido, extrajudicialmente ou judicialmente, dentro do prazo para exercê-lo, o que provoca a decadência desse direito potestativo. Ora, direitos potestativos são direitos sem pretensão, pois são insuscetíveis de violação, já que a eles não se opõe um dever de quem quer que seja, mas uma sujeição de alguém (o meu direito de anular o negócio jurídico não pode ser violado pela parte a quem a anulação prejudica, pois esta está apenas sujeita a sofrer as conseqüências da anulação decretada pelo juiz, não tendo, portanto, dever algum que possa descumprir)33.

Por sua vez, Maria Helena Diniz, após afirmar que os institutos não se confundem, assevera:

A decadência é a extinção do direito potestativo pela falta de exercício dentro do prazo prefixado, atingindo indiretamente a ação, enquanto a prescrição extingue a pretensão, fazendo desaparecer, por via oblíqua, o direito por ela tutelado que não tinha tempo fixado para ser exercido34.

Com o advento do Código Civil de 2002, a decadência passou a também estar regulada no texto legal, logrando tratamento jurídico distinto em relação ao que foi dispensado à prescrição.

Desta feita, o Código possibilitou, por exemplo, renúncia à prescrição, desde que esteja consumada e não gere prejuízo a terceiro35, ao passo que estabeleceu ser irrenunciável a decadência prevista em lei36.

32 AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as

ações imprescritíveis. In: BARBOSA MOREIRA, José Carlos (Coord.). Revista Forense: Comemorativa 100 anos. Rio de Janeiro: Forense, 2006. t. 5, p. 99-136.

33 MOREIRA ALVES, José Carlos. A parte geral do Projeto de Código Civil Brasileiro. 2. ed. São Paulo:

Saraiva, 2003. p. 161.

34 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 14 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 229-230. 35 CC/02, Art. 191. A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de

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21

Ademais, segundo dispôs o legislador, a decadência pode tanto derivar da lei, hipótese em que deverá ser reconhecida de ofício pelo juiz37, como da autonomia privada (decadência convencional), quando então ao juiz não será permitido suprir a alegação da parte a quem a decadência aproveita38. Já a prescrição resulta exclusivamente da lei, não sendo possível que advenha da vontade humana39.

Outro ponto diferenciador indicado pelo Código, conforme seu art. 207, é que, salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição40. De todo modo, é possível a existência de exceções à referida regra, desde que formuladas por meio de lei, como ocorre, por exemplo, com o art. 26, §2º do Código de Defesa do Consumidor e com o art. 208 do próprio Código Civil, o qual não admite a fluência de prazo decadencial contra os absolutamente incapazes.

Portanto, apesar das semelhanças que possuem entre si, notadamente por representarem efeitos jurídicos influenciados pelo passar do tempo, prescrição e decadência são institutos essencialmente diversos, dotados de regimes jurídicos distintos.

2.5 Prazo geral de prescrição da reparação civil

Nas lições de René Savatier, a responsabilidade civil é definida como sendo a obrigação que incumbe a uma pessoa de reparar o dano causado a outrem por ato seu, ou pelo ato de pessoas ou fato de coisas que dela dependam41.

Sendo assim, ocorrido um dano, surge a obrigação de indenizar, cuja exigibilidade pode findar por força da prescrição.

A Lei n° 10.406/02, responsável pela instituição do Código Civil, previu, em seu Livro III, Título IV, Capítulo I, Seção IV, dispositivos destinados a reger os prazos prescricionais, restando a pretensão de reparação civil de danos regulada em seu art. 206, §3º, V:

36 CC/02, Art. 209. É nula a renúncia à decadência fixada em lei.

37 CC/02, Art. 210. Deve o juiz, de ofício, conhecer da decadência, quando estabelecida em lei.

38 CC/02, Art. 211. Se a decadência for convencional, a parte a quem aproveita pode alegá-la em qualquer grau

de jurisdição, mas o juiz não pode suprir a alegação.

39 GONÇALVES, 2012, p. 533.

40 CC/02, Art. 207. Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem,

suspendem ou interrompem a prescrição.

41 SAVATIER

apud FACCHINI NETO, Eugênio. Da Responsabilidade Civil no Novo Código. Revista do

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22

Art. 206. Prescreve: [...] §3º Em três anos: [...]

V - a pretensão de reparação civil; [...]

Tal regramento, na medida em que estabeleceu prazo trienal para a prescrição da pretensão de reparação civil, acabou por inovar no ordenamento jurídico, já que, sob a égide do Código Civil de 1916, inexistia regra específica semelhante, sendo aplicável à hipótese o prazo geral de prescrição previsto no art. 177 daquele diploma, que indicava o prazo de vinte anos para as ações pessoais42.

Portanto, a partir do Código Civil de 2002, operou-se sensível redução do prazo prescricional aplicável à pretensão de reparação civil, passando de vinte para três anos.

Observando a mudança, Sergio Cavalieri Filho comenta sua importância:

Quer se trate de dano material ou moral, a pretensão de reparação civil é uma só, e a partir do Código de 2002 se dá em 3 anos. A inovação afina-se com a orientação que vem sendo seguida por todos os Códigos modernos e com a agilidade dos negócios no mundo atual. Não faz mais sentido aguardar-se 20 anos para o ajuizamento de uma ação indenizatória; isso gera insegurança jurídica e instabilidade nas relações sociais, em lugar de segurança43.

Ademais, considerando que a regra prevista no art. 206, §3º, V, do atual Código Civil trata-se de um prazo geral, convém destacar que ela não se aplica à reparação de danos decorrentes de relações de consumo, que se submete ao prazo específico de cinco anos previsto no art. 27 do CDC, norma que melhor atende à realidade do consumidor.

Igualmente, filiamo-nos à corrente que entende não ser aplicável este prazo trienal do Código Civil às ações de responsabilidade civil decorrentes de acidentes de trabalho, notadamente por vigorar o prazo de cinco anos previsto no art. 7º, XXIX, da CF/88 previsto para o trabalhador urbano ou rural, posicionamento que melhor se coaduna ao princípio protetivo que orienta o Direito Trabalhista.

Portanto, correta a conclusão do Enunciado n° 420 do CJF/STJ, aprovado na V Jornada de Direito Civil: “Não se aplica o art. 206, § 3º, V, do Código Civil às pretensões indenizatórias decorrentes de acidente de trabalho, após a vigência da Emenda Constitucional n. 45, incidindo a regra do art. 7º, XXIX, da Constituição da República.”44.

42 CC/16, Art. 177. As ações pessoais prescrevem, ordinàriamente, em vinte anos, as reais em dez, entre

presentes e entre ausentes, em quinze, contados da data em que poderiam ter sido propostas. (Redação dada pela Lei nº 2.437, de 1955).

43 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 11 ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas,

2014. p. 176.

44 Cf. BRASIL. CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Jornadas de Direito Civil. Disponível em:

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<http://www.cjf.jus.br/CEJ-Coedi/jornadas-cej/enunciados-aprovados-da-i-iii-iv-e-v-jornada-de-direito-23

Da mesma forma, o prazo trienal previsto na Lei Civil não vem sendo aplicado pela jurisprudência do STJ nos casos que envolvam danos provenientes de tortura e perseguição ocorridos durante o Regime Militar, sendo considerados imprescritíveis, notadamente em virtude das dificuldades existentes para a dedução de pretensões naquela época45.

civil/jornadas-de-direito-civil-enunciados-aprovados>. Acesso em: 22 out. 2015.

45 Cf. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg nos EDcl no REsp 1328303/PR 2012/0120640-3, Rel.

(26)

24

3 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO E PRESCRIÇÃO

A responsabilidade civil do Estado tem previsão expressa na Constituição Federal de 1988, que, em seu art. 37, §6º, determina:

Art. 37. [...]

§6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

De fato, cabe ao Poder Público reparar os prejuízos que venha a gerar na esfera jurídica de terceiros, sejam eles provenientes de atos ilícitos ou não. Nas palavras de Diogenes

Gasparini, “pode-se conceituar a responsabilidade civil do Estado como a obrigação que se

lhe atribui de recompor os danos causados a terceiros em razão de comportamento unilateral comissivo ou omissivo, legítimo ou ilegítimo, material ou jurídico, que lhe seja imputável.”46. Ademais, para que melhor se situe a abordagem do tema, incumbe registrar a tradicional distinção entre responsabilidade civil do Estado e sacrifício de direitos promovido por ente público. Na medida em que a primeira pressupõe lesão de direitos, gerando o dever de ressarcimento dos prejuízos causados, a segunda abrange situações em que a própria ordem jurídica confere ao Estado a prerrogativa de restringir ou suprimir direitos de terceiros, mediante o devido processo legal e o pagamento de indenização (ex.: desapropriação)47.

Aliás, Celso Antônio Bandeira de Mello alerta que o reconhecimento da citada distinção não ignora a possibilidade do Estado responder também por atos lícitos, sobretudo nas hipóteses em que “o poder deferido ao Estado e legitimamente exercido acarreta, indiretamente, como simples conseqüência – não como sua finalidade própria –, a lesão a um

direito alheio.”48. Tal situação difere dos casos em que a lei autoriza um comportamento

estatal cuja finalidade engloba diretamente o sacrifício de um direito. São estes últimos casos que estão fora do campo da responsabilidade civil do Estado.

Noutro giro, cumpre ressaltar que, a partir do texto constitucional de 1946, restou consagrada a teoria da responsabilidade objetiva dos entes públicos. Atualmente, pode-se dizer que vigoram duas regras constitucionais quanto à responsabilidade estatal: a da

46 GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 14 ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 1042.

47 OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 2. ed. rev., atual. e ampl. Rio de

Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. p. 687.

48 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

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25

responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos e a regra da responsabilidade subjetiva do agente público, principalmente em face da exigência expressa¸ no âmbito da vigente Constituição, de culpa ou dolo tão somente para o direito de regresso em face do funcionário49.

Sendo assim, como regra, está consagrada no Brasil a teoria do risco administrativo, segundo a qual

ante as inúmeras e variadas atividades da Administração, existe a probabilidade de danos serem causados a particulares. Embora a Administração realize suas atividades para atender ao interesse de toda a população, é possível que alguns integrantes da população sofram danos por condutas ativas ou omissivas dos seus agentes. Desse modo, se, em princípio, todos se beneficiam das atividades administrativas, todos devem compartilhar do ressarcimento dos danos causados a alguns. Daí se atribuir ao Estado o encargo de ressarcir os danos que seus agentes, nessa qualidade, por ação ou omissão, causarem a terceiros50.

A partir do panorama exposto, tem-se que a pretensão indenizatória em face do Poder Público, assim como a grande massa das pretensões, também se submete a prazo prescricional, dado que o direito de exigir ressarcimento do Poder Público por danos que ele venha a causar não deve se perpetuar indefinidamente.

3.1 Histórico legislativo da prescrição em face da Fazenda Pública

Primeiramente, é preciso esclarecer o significado e alcance do termo “Fazenda

Pública”, expressão costumeiramente utilizada por nossa legislação.

Após mencionar sua tradicional identificação com a área da Administração Pública que cuida da gestão das finanças estatais, Leonardo José Carneiro da Cunha, reportando-se para seu uso mais recente, elucida que “a expressão Fazenda Pública é utilizada para designar as pessoas jurídicas de direito público que figurem em ações judiciais, mesmo

que a demanda não verse sobre matéria estritamente fiscal ou financeira.”51.

49 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27 ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 722.

50 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 8 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2004. p. 434-435.

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26

No mesmo sentido, Cândido Rangel Dinamarco sinaliza que a palavra “Fazenda

Pública” representa a personificação do Estado, abrangendo as pessoas jurídicas de direito

público52.

Destarte, conforme previsto no art. 41 do Código Civil, são pessoas jurídicas de direito público interno: a União, os Estados, o Distrito Federal, os Territórios, os Municípios, as autarquias – inclusive as associações públicas –, e as demais entidades de caráter público criadas por lei.

Cumpre acrescentar, conforme entendimento doutrinário prevalecente, que as fundações públicas de direito público, dotadas de personalidade jurídica de direito público, são consideradas espécies do gênero autarquias, por vezes sendo denominadas de “fundações autárquicas” ou “autarquias fundacionais”, o que as faz pertencer também ao conceito de Fazenda Pública53.

Compreendida a abrangência da expressão Fazenda Pública, resta perquirir o regramento prescricional a que ela está submetida, notadamente para fins de ver extinta uma pretensão indenizatória formulada contra si.

Neste sentido, o tema encontra suas origens no Brasil monárquico, época na qual a Lei n° 243/1841, em seu art. 20, estabelecia a vigência dos capítulos 209 e 210 do Regimento de Fazenda, que estipulavam o prazo de cinco anos para as dívidas contra o Rei e de 40 anos para as dívidas do Rei.

Posteriormente e seguindo a mesma linha, o Decreto n° 857/1851 previu, em seus artigos 1° e 9°, o prazo de cinco anos para as dívidas passivas da Nação e de quarenta anos para as dívidas ativas.

Anos mais tarde, o Decreto n° 3.084/1898, responsável pela Consolidação das leis referentes à Justiça Federal, também trouxe alguns prazos prescricionais específicos para ações de cobrança da dívida passiva da União, mas tidos como excepcionais ou extraordinários54.

Em 28 de agosto de 1908, o Decreto n° 1.939 ampliou o alcance do Decreto n° 857/1851, estendendo sua aplicabilidade para todo e qualquer direito e ação contra a Fazenda Federal, para além da cobrança de valores meramente pecuniários.

52 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. tomo 1. n. 78. 3. ed. São Paulo:

Malheiros, 2000. p. 179.

53 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27 ed. rev., atual. e ampl. São

Paulo: Atlas, 2014. p. 525. No mesmo sentido, Cf. CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Administrativo. 10 ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Juspodivm, 2011. p. 164.

54 MARTINS, José Eduardo Figueiredo de Andrade. A prescrição aplicável à Administração Pública nos casos de

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27

Por sua vez, o Código Civil de 1916 definiu o prazo de cinco anos para a prescrição das dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem como de toda e qualquer ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal55. A inovação ficou por conta da inclusão no texto das Fazendas Estadual e Municipal, algo inédito até então56.

Ocorre que, em 1932, foi editado o Decreto n° 20.910, o qual, em seu art. 1°, dispôs:

Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem57.

Cumpre acrescentar que este prazo de cinco anos não se aplicava às ações reais, tendo inclusive a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sob o império do Código Civil de 1916, se pacificado no sentido de que ele só seria pertinente às ações pessoais58. Imperioso dizer que, atualmente, o STJ segue negando aplicação do prazo quinquenal às ações reais59.

Neste sentido, registre-se que, às pretensões protetivas de direitos reais em face da Fazenda Pública, aplica-se atualmente a regra geral prevista no art. 205 do Código Civil de 2002, a prever o prazo de dez anos para o fenômeno prescricional quando a lei não lhe haja fixado prazo menor60.

Outro ponto a ser destacado no Decreto n° 20.910/32 é justamente o conteúdo de seu art. 10, pois preceitua que o “disposto nos artigos anteriores não altera as prescrições de menor prazo, constantes das leis e regulamentos, as quais ficam subordinadas às mesmas

regras.”. Tratou de privilegiar, portanto, prazos menores que fossem ou viessem a ser

previstos em outros instrumentos normativos.

Em prosseguimento, o Decreto-lei n° 4.597/42 expressamente61 estendeu a prescrição quinquenal prevista acima às “autarquias, ou entidades e órgãos paraestatais,

55 CC/16, Art. 178. Prescreve: §10. Em cinco anos: VI. As dívidas passivas da União, dos Estados e dos

Municípios, e bem assim toda e qualquer ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal; devendo o prazo da prescrição correr da data do ato ou fato do qual se originar a mesma ação.

56 MARTINS,

loc. cit.

57 Trata-se de texto com força de lei, editado em período no qual o Poder Legislativo encontrava-se concentrado

nas mãos do Chefe do Poder Executivo.

58 Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ERE 104.591/RS, Rel. Min. Djaci Falcão, DJU 10/04/87.

59 Cf. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1300442/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª turma,

julgado em 18/06/2013, DJe 26/06/2013; e REsp 1147589/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, 2ª turma, julgado em 16/3/2010, DJe 24/3/2010.

60 CARVALHO FILHO, 2014, p. 1040.

61 Registre-se a disciplina da prescrição intercorrente pelo Decreto-lei n° 4.597/1942: “Art. 3°: A prescrição das

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28

criados por lei e mantidos por impostos, taxas ou quaisquer contribuições exigidas em virtude de lei federal, estadual ou municipal, bem como a todo e qualquer direito e ação contra os

mesmos”62.

Já após a Constituição Federal de 1988, foi editada, em 6 de abril de 2000, a Medida Provisória 1.984-16, que acresceu à Lei n° 9.494/97 o art. 1°-C, sendo reeditada sucessivamente até a vigência da Medida Provisória 2.180-35/01, que manteve a seguinte redação do dispositivo: “Prescreverá em cinco anos o direito de obter indenização dos danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de direito

privado prestadoras de serviços públicos.” 63.

Deste modo, com a inclusão do art. 1°-C à Lei n° 9.494/97, a prescrição quinquenal passou também a reger as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos, em consonância com o próprio art. 37, §6º da CF/88, que a elas destinou o mesmo regime de responsabilidade aplicável às pessoas jurídicas de direito público.

Portanto, até a edição do Código Civil de 2002, o lapso prescricional na reparação civil de danos apresentava dois quadros distintos: a regra geral, a prever a prescrição vintenária (art. 177 do CC/16); e os prazos especiais, regulados por leis específicas, como é o caso do lapso de cinco anos para a reparação civil em face da Fazenda Pública (Decreto n° 20.910/32, Decreto-lei n° 4.597/42 e Lei n° 9.494/97), beneficiando-lhe consideravelmente, já que, em bem menos tempo, deparava-se com a extinção da pretensão ressarcitória intentada contra si.

O assunto toma outros rumos com a nova disciplina estabelecida pelo Código Civil de 2002 para a prescrição da pretensão por perdas e danos decorrentes de responsabilidade civil, que provocou “redução brutal do prazo prescricional que antes era de

vinte anos, e agora passa a ser de apenas três anos.”64.

do processo para a interromper; consumar-se-á a prescrição no curso da lide sempre que a partir do último ato ou termo da mesma, inclusive da sentença nela proferida, embora passada em julgado, decorrer o prazo de dois anos e meio.”.

62Art. 2°, Decreto-lei n° 4.597/1942.

63 Apesar de ultrapassado o prazo de trinta dias sem haver sido reeditada, nem convertida em lei, a MP 2.180-35/01 não perdeu a eficácia, pois a Emenda Constitucional nº 32, de 11.09.01, em seu artigo 2º, estabeleceu: "As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional". Insta dizer que o Parlamento ainda não apreciou a matéria.

64 TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil

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29

3.2 Conflito aparente de normas: prescrição quinquenal x prescrição trienal

A partir das considerações já feitas, a pergunta que se faz é: aplica-se o art. 206, §3º, V, do Código Civil de 2002 às pretensões indenizatórias em face da Fazenda Pública? Ou seja, o prazo prescricional no âmbito da responsabilidade civil do Estado deixou de ser quinquenal e passou a ser trienal?

De início, cabe dizer que o conflito de normas apresentado é apenas aparente65, ou seja, embora, a princípio, duas normas estejam a disciplinar a mesma situação de modo distinto, a verdade é que apenas uma das regulamentações há de prevalecer, e os motivos para tanto serão discutidos a seguir.

Desta feita, incumbe destacar os clássicos critérios para a resolução de antinomias propostos por Norberto Bobbio: o cronológico (lex posterior derogat lex priori), o hierárquico

(lex superior derogat lex inferiori) e o da especialidade (lex specialis derogat generali). Em

síntese, pelo critério cronológico, na existência de duas normas incompatíveis, prevalece a posterior. Já pelo critério hierárquico, há o predomínio daquela norma que é hierarquicamente superior. Por fim, o critério da especialidade favorece a lei que é especial (excepcional) perante outra de cunho mais geral66.

No caso em análise, tem-se que, por disciplinar diretamente a Fazenda Pública, o Decreto n° 20.910/32 e a Lei n° 9.494/97 seriam normas especiais perante o art. 206, §3º, V, do atual Código Civil, o qual, apesar de ser lei posterior, trata da prescrição da pretensão de reparação civil de modo amplo, sem especificações adicionais. Ademais, considerando que os referidos atos normativos são textos com status de lei ordinária, não há falar em hierarquia

diferenciada entre eles.

Aliás, verifica-se que a especialidade desses instrumentos normativos, mesmo após a edição do Código Civil de 2002, é argumento constante para aqueles que defendem a manutenção do prazo quinquenal67.

Marçal Justen Filho, por exemplo, defende que a regra prevista no art. 206, §3º, V, do CC/02 não se aplica às ações que envolvam pretensão de reparação civil dirigida contra a

65Segundo Álvaro Mayrink da Costa, o “conflito de normas é aparente porque o ordenamento jurídico oferece,

implícita ou explicitamente, critérios para determinar a aplicabilidade, no caso concreto, de uma ou outra disposição. Tal conflito seria verdadeiro se o ordenamento jurídico não fornecesse regras para dirimi-lo.”

(COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito Penal.Rio de Janeiro: Forense, 2005. v. 1. p.476.).

66 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 6. ed. Brasília: Editora UNB, 1995. Tradução de:

Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. p. 92-96.

67 Cf. STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p.

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30

Fazenda Pública, tendo em vista tratar-se de norma genérica, motivo pelo qual entende que o assunto permanece regulado de modo especial pelo art. 1º do Decreto n° 20.910/3268.

Sobre o tema, também se valendo do critério da especialidade, Maria Sylvia Zanella Di Pietro assevera:

Entendo que tem aplicação, no caso, a norma do artigo 2º, §2º, da Lei de Introdução às Normas Gerais do Direito (antes chamada de Lei de Introdução ao Código Civil, conforme Decreto-lei n° 4.657, de 4-9-42), segundo a qual “a lei nova, que

estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem

modifica a lei anterior”. Assim como o Decreto n° 20.910/32 não revogou qualquer dispositivo do Código Civil de 1916, referente à prescrição, o novo Código Civil também não afeta o Decreto n° 20.910, até porque, ao contrário do Código Civil, ele não disciplina a prescrição aplicável nas relações particulares, mas sim nas relações que envolvam a Fazenda Pública. [...] O Decreto n° 20.910/32 estabelece normas específicas sobre a prescrição das ações contra a Fazenda Pública, sua suspensão e interrupção, não restando afetada pelas novas disposições do Código Civil. O que se reconhece como verdadeiro é que a prescrição quinquenal não mais pode ser vista como um privilégio da Fazenda Pública69.

De fato, em situações de conflito entre uma norma posterior geral e outra anterior específica, é comum afirmar-se a preponderância do critério da especialidade frente ao cronológico. Alysson Leandro Mascaro, por exemplo, indica que, em casos como os tais, sendo viável utilizar tanto o critério da especialidade como o da cronologia, o primeiro deve prevalecer70.

Por sua vez, Norberto Bobbio também indica uma inicial superioridade do critério da especialidade quando em contraste com o cronológico. Entretanto, o autor trata o tema com cautela, não lhe atribuindo caráter decisivo ou absoluto, precavendo-se de eventuais particularidades apresentadas pela casuística71.

Adotando posicionamento que parece mais acertado e compatível com a realidade, Maria Helena Diniz pontua:

Em caso de antinomia entre o critério da especialidade e o cronológico, valeria o metacritério lex posterior generalis non derogat priori speciali, segundo o qual a

regra de especialidade prevaleceria sobre a cronológica. Esse metacritério é parcialmente inefetivo, por ser menos seguro que o anterior. A metarregra lex posterior generalis non derogat priori speciali não tem valor absoluto, dado que, às

vezes, lex posterior generalis derogat priori speciali, tendo em vista certas

circunstâncias presentes. A preferência entre um critério e outro não é evidente, pois

68 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 10 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2014. p. 1394.

69 DI PIETRO, 2014, p. 845-846.

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31

se constata uma oscilação entre eles. Não há uma regra definida; conforme o caso, haverá supremacia ora de um, ora de outro critério72.

Em verdade, as normas conflitantes podem apresentar-se de tal modo que determinadas circunstâncias façam os dispositivos posteriores merecer guarida, ainda que gerais. Uma dessas circunstâncias presentes em nosso objeto de análise é justamente o art. 10 do Decreto n° 20.910/32, por afirmar que suas disposições não alteram prescrições de menor prazo, previstas em outros atos normativos. A justificativa para tanto reside na compreensão de que prazos menores beneficiam a Fazenda Pública, o que ajuda a decifrar a mens legis em

apreço.

3.2.1 Interpretação teleológica dos atos normativos

Convém relembrar que, à época do Decreto n° 20.910/32 e da Lei n° 9.494/97, o prazo geral aplicável à reparação civil pelo Código Civil de 1916 era de vinte anos, de modo que a citada legislação específica mostrava-se sobremaneira vantajosa à Administração Pública, pois a permitia livrar-se de pretensões indenizatórias contra si em bem menos tempo (cinco anos). Percebendo este fato, Leonardo José Carneiro da Cunha salienta:

O que se percebe, em verdade, é um nítido objetivo de beneficiar a Fazenda Pública. A legislação especial conferiu-lhe um prazo diferenciado de prescrição em seu favor. Enquanto a legislação geral (Código Civil de 1916) estabelecia um prazo de prescrição de 20 (vinte) anos, a legislação específica (Decreto n° 20.910/1932) previa um prazo de prescrição próprio de 5 (cinco) anos para as pretensões contra a Fazenda Pública. Nesse intuito de beneficiá-la, o próprio Decreto n° 20.910/1932, em seu art. 10, dispõe que os prazos menores devem favorecê-la73.

Tais constatações exigem que seja realizada interpretação teleológica dos dispositivos indicadores do prazo quinquenal, a fim de se buscar suas finalidades, evitando contradições de valoração e permitindo que se alcance um resultado materialmente adequado.

Sob esta perspectiva, faz-se necessário considerar que, já sob a égide do Código Beviláqua (art. 178, §10, VI), o Estado mereceu prazo diferenciado, não se submetendo à prescrição vintenária. Tanto o Decreto n° 20.910/32, como a Lei n° 9.494/97 apenas reafirmaram a necessidade de que a responsabilidade civil do estado não se submetesse a prazos alongados.

72 DINIZ, Maria Helena. Conflito de Normas. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 64.

(34)

32

Um dos motivos para tanto reside na ideia de que, ao ser responsabilizado em juízo, o ônus da condenação do Poder Público recai sobre o erário, expressão econômica do Estado que, ao ser atingido, representa um prejuízo à coletividade, já que seus recursos são necessários para as utilidades que o ente público juridicamente está obrigado a realizar. Daí ser necessário conferir à Fazenda Pública um prazo prescricional menor, considerando o aspecto social que simboliza.

Enxerga-se em todos esses dispositivos (CC/16, Decreto n° 20.910/32 e Lei n° 9.494/97) a nítida finalidade de conferir tratamento diferenciado ao Poder Público, tanto que o art. 10 do Decreto n° 20.910/32 representa um permissivo para que prazos menores possam ser aplicados, caso fossem ou viessem a ser estabelecidos. Ou seja, eventuais prazos prescricionais menores em face da Fazenda Pública deverão ser aplicados, já que, com isso, ela restará beneficiada.

A partir do exposto, torna-se difícil sustentar que houve radical mudança de valores no ordenamento jurídico nacional, a ponto de ser suplantada a ratio essendi dos

instrumentos normativos que estabelecem o prazo prescricional de cinco anos no âmbito da responsabilidade civil do estado.

3.2.2 Princípios da isonomia e da razoabilidade

A eventual adoção da manutenção do prazo de prescrição quinquenal para as pretensões indenizatórias em face da Fazenda Pública leva a resultados práticos que reclamam um olhar atento, a fim de que seja compreendido o alcance das consequências deste entendimento.

Conceber prazo de três anos para a prescrição da reparação civil entre particulares e prazo de cinco anos para a responsabilidade civil do Estado leva a uma determinada ordem de fatos, a qual, para ser bem aceita pelo sistema jurídico, deve coadunar-se com os princípios da isonomia e da razoabilidade.

Na tradicional concepção aristotélica, o princípio da isonomia ou igualdade orienta o tratamento igual aos que se encontram em situação equivalente, bem como o tratamento desigual àqueles que sejam desiguais, na medida de sua desigualdade74.

Em verdade, o postulado da isonomia representa verdadeiro limite à discricionariedade legislativa, afinal “a Lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições,

74 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 9 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. p.

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33

mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos.”75.

Portanto, o princípio da isonomia representa natural proibição de discriminações indevidas. Na reflexão de Robert Alexy: “Se não há nenhuma razão suficiente para a permissão de um tratamento desigual, então um tratamento igual impõe-se.”76.

Ademais, insta ressaltar a tradicional distinção entre igualdade formal e igualdade material. A primeira, presente na origem histórica liberal do princípio, impede a concessão de privilégios ou vantagens que não possam ser republicanamente justificáveis. Já a segunda está associada à ideia de justiça distributiva e social77.

A partir da igualdade formal, surgem os conceitos de igualdade na lei,

significando a projeção do princípio dirigida ao legislador, e de igualdade perante a lei,

comando voltado ao intérprete do Direito. Analisando este último, Luís Roberto Barroso

afirma que “os intérpretes – doutrinários, administrativos ou judiciais – devem atribuir sentido

e alcance às leis de modo a evitar que a desigualdade seja produzida concretamente.”78.

Este dever do intérprete de assegurar a igualdade perante a lei visa a evitar

resultados discriminatórios, sem justificativa para tanto. Conforme argumenta Celso Antônio Bandeira de Mello, o tratamento desigual só se compatibiliza com o dogma da igualdade se existir uma pertinência lógica entre a distinção inserida na lei e o tratamento distintivo dela consequente.

Neste sentido, se adotarmos um prazo de prescrição prejudicial à Fazenda Pública, sobretudo quando comparado ao prazo destinado aos particulares, estar-se-á admitindo, a partir desta interpretação, uma quebra de isonomia. Ocorre que, para que esta quebra fosse justificada, deveria haver pertinência lógica entre a discriminação e o tratamento desigual, o que não se vê no caso. Em outros termos, não há razão para que indivíduos estejam submetidos à regulamentação prescricional mais favorecida do que aquela dispensada à Fazenda Pública, a qual, em última análise, corporifica o interesse público.

O próprio ordenamento jurídico, observado sistematicamente, revela que, se há necessidade de distinção, a regra é que seja em benefício da Fazenda Pública (ex.: arts. 188 e 277 do CPC). Nestes casos, para Luiz Fux:

75 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3 ed. São Paulo:

Malheiros, 2000. p. 10.

76 ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993.

p. 395.

77 BARROSO, Luís Roberto. Diferentes, mas iguais: o reconhecimento jurídico das relações homoafetivas

no Brasil. 2007. Disponível em:

<http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/diferentes_mas_iguais_atualizacao_2011.pdf>. Acesso em: 23 out. 2015. p. 21.

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