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O multiculturalismo e o debate em torno da "arte latino-americana" 1980-1990

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

ESCOLA DE BELAS ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS

ANGIE GLORIELA MONTIEL MUÑOZ

O MULTICULTURALISMO E O DEBATE EM TORNO DA

“ARTE LATINO-AMERICANA” 1980-1990

Salvador

2017

(2)

ANGIE GLORIELA MONTIEL MUÑOZ

O MULTICULTURALISMO E O DEBATE EM TORNO DA

“ARTE LATINO-AMERICANA” 1980-1990

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Artes Visuais (PPGAV), Escola

de Belas Artes da Universidade Federal da

Bahia (UFBA), como parte dos requisitos

finais para a obtenção do título de Mestre em

Artes Visuais.

Orientadora: Profa. Dra. Rosa Gabriella de

Castro Gonçalves

Salvador

2017

(3)

Escola de Belas Artes – UFBA

Muñoz Montiel, Angie Gloriela.

M967 O multiculturalismo e o debate em torno da “arte latino-americana” 1980-1990. / Angie Gloriela Montiel Muñoz. – Salvador, 2017.

147 f.; il.

Orientadora: Profa. Dra. Rosa Gabriella de Castro Gonçalves. Dissertação (Mestrado – Pós-Graduação em Artes Visuais) – Universidade Federal da Bahia, Escola de Belas Artes, 2017.

1. Arte latino-americana. 2. Multiculturalismo. 3. Pós-modernidade. 4. Exposições de arte. 5. Crítica de arte. I. Universidade Federal da Bahia. Escola de Belas Artes. II. Título.

CDU 7(7/8)

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(5)

AGRADECIMENTOS

Foram tempos emocionantes. Quando cheguei a Salvador sabia que seria o começo de uma viagem cheia de novas experiências e muita aprendizagem. A oportunidade de fazer o mestrado foi a confirmação de uma viagem singular que me levaria de volta aos lares nos quais no passado tive tantas alegrias. E tive a sorte de fazer essa viagem com pessoas incríveis. Cada uma à sua maneira, com ou sem intencionalidade, bem ao lado ou a quilômetros de distância, foi um apoio no percurso amenizando as saudades de casa, animando os momentos difíceis, compartilhando as experiências e alegrando a vida com gestos, palavras e risadas.

Agradeço à minha mãe, Rosa, por tudo e, principalmente, por ter acreditado em mim. Por ser nos últimos anos uma voz de carinho, paciência e incentivo que, apesar da distância, me reconfortou como nenhuma outra.

Ao meu esposo Guillermo, por ser fonte de alegria, amor, paz, força, coragem... Por ser meu companheiro de vida e fazer dela um lar de sonhos e aventuras.

À toda minha querida Família Muñoz pelo carinho e o apoio de toda uma vida.

Aos meus sogros, Geovanni e Lorena, aos meus cunhados, Sebastián e Carolina, e ao meu tio, Guillermo, por seu amor, incentivo e confiança.

Às minhas amigas da vida, Valeria, Desireé, Sheyris, Kaschirie, Carolina, Catalina e Mónica, por uma amizade que transcende o tempo e o espaço.

Aos meus queridos Mariana e Renato por serem nossa família brasileira. Por todos os momentos compartilhados, as conversas, as risadas, os cafés, por tudo! Minha querida Mari, obrigada pelo apoio, leituras, contribuições e pelas dicas preciosas para a dissertação e a vida.

Aos meus amigos, Dona Waldelise, Ricardo, Lucía, Víctor e Francisco, pelos bons momentos.

A todos os colegas do Programa, em especial, Alexia, Maria, João, Geisiel, Natália, Cláudia e Karla, obrigada pelos nossos encontros de boas trocas e bate-papo instigante. À professora Rosa Gabriella, minha orientadora, pelo apoio e pelos conselhos ao longo do curso. Obrigada pelas valiosas contribuições e ser sempre solícita e paciente comigo.

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Ao corpo docente do Programa, em especial aos meus professores das disciplinas do Mestrado, pelas importantes discussões e contribuições: Maria Herminia Olivera, Viga Gordilho, Danillo Barata, Eriel de Araújo e Maria Celeste de Almeida.

Às professoras Elyane Lins Corrêa e Alejandra Hernández por aceitar o convite para participar da minha banca de Mestrado. Obrigada pelas considerações apresentadas. E também à professora Taisa Palhares pelas valiosas observações durante a qualificação desta dissertação.

Aos funcionários do PPGAV, sempre disponíveis e prestativos.

Ao PPGAV, Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia, pela generosidade ao aprovar minha entrada no seu Programa de Mestrado.

À UFBA e à CAPES por possibilitar a oportunidade de realizar esta dissertação.

As pessoas para agradecer são tantas! Muitas não foram citadas, mas, tenham certeza de que foram lembradas.

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con su corno francés y su academia sueca su salsa americana y sus llaves inglesas con todos sus misiles y sus enciclopedias su guerra de galaxias y su saña opulenta

con todos sus laureles el norte es el que ordena pero aquí abajo abajo

cerca de las raíces es donde la memoria ningún recuerdo omite y hay quienes se desmueren y hay quienes se desviven y así entre todos logran lo que era un imposible

que todo el mundo sepa que el sur también existe Mario Benedetti (2000, p. 153)1

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

1 Trecho extraído do Poema El sur también existe. Publicado no livro Preguntas al azar. Primeira publicação da Editora Arca, 1986. Tradução: com seu chifre francês e sua academia sueca seu molho americano e suas chaves inglesas sua guerra de galáxias e a sua sanha opulenta com todos os seus louros o norte é quem manda mas aqui embaixo, embaixo perto das raízes é onde a memória nenhuma lembrança omite e há quem se recuse a morrer e há quem se esqueça de viver e assim entre todos se consegue o que era um impossível que todo o mundo saiba que o sul também existe.

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MONTIEL, Angie Gloriela Muñoz. O multiculturalismo e o debate em torno da “arte latino-americana” 1980-1990. 147 f. il. 2017. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, Escola de Belas Artes. Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2017.

RESUMO

Esta dissertação tem como objetivo principal analisar o debate instigado pelo

multiculturalismo em torno da “arte latino-americana” na crítica e na produção das artes

visuais da região durante as décadas de 1980 e 1990. Esta análise propõe como eixo de estudo o discurso da “arte latino-americana” e o seu tratamento nas exposições promovidas pela corrente multicultural durante o boom da arte latino-americana, com a intenção de estudar as características principais que apresentaram essas exposições e a sua repercussão no debate. Para aprofundar esta análise abordamos quatro exposições de relevância durante esse período a partir de seus catálogos e outras fontes como artigos acadêmicos: Art of the Fantastic: Latin America 1920-1987; Latin American Artists of

the Twentieth Century; Ante América e Cartographies. Com o propósito de compreender

melhor o debate suscitado sobre a “arte latino-americana” nas artes visuais da região propomos a análise de três obras de arte de três artistas que participaram nas exposições pesquisadas: Beatriz González, Ana Mendieta e Jose Leonilson Bezerra.

Palavras chave: arte latino-americana; multiculturalismo; pós-modernidade; exposições de arte; crítica de arte.

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MONTIEL, Angie Gloriela Muñoz. El multiculturalismo y el debate en torno al “arte latino-americano” 1980-1990. 147 p. il. 2017. Disertación (Maestría) – Programa de Posgrado en Artes Visuales, Escuela de Bellas Artes. Universidad Federal de Bahia, Salvador, 2017.

RESUMEN

Este trabajo tiene como objetivo principal analizar el debate instigado por el

multiculturalismo en torno al “arte latino-americano” en la crítica y la producción de las

artes visuales de la región durante las décadas de 1980 y 1990. Este análisis propone como eje de estudio el discurso del “arte latino-americano” y su abordaje en las exposiciones promovidas por la corriente multicultural durante el boom del arte

latino-americano, con la intención de estudiar las características principales que esas

exposiciones presentaron y su repercusión en el debate. Para profundizar este análisis abordamos cuatro exposiciones de relevancia durante este período a partir de sus catálogos y otras fuentes como artículos académicos: Art of the Fantastic: Latin America

1920-1987; Latin American Artists of the Twentieth Century; Ante América y Cartographies. Con el propósito comprender mejor el debate suscitado sobre el “arte

latino-americano” en las artes visuales de la región proponemos el análisis de tres obras de arte de tres artistas que participaron en las exposiciones abordadas: Beatriz González, Ana Mendieta e José Leonilson Bezerra.

Palabras clave: arte latino-americano; multiculturalismo; posmodernidad; exposiciones de arte; crítica de arte.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Capa da Revista Time (p.14) Figura 2 – Publicidade da Benetton (p.22)

Figura 3 – Paik e Mormam. Concerto for TV, Cello, and Videotapes (p.27)

Figura 4 – Guerrilla Girls, How many women had one-person exibitions at NYC museum

last year (p.29)

Figura 5 – Capa do Catálogo da Exposição Magiciens de la terre (p.32)

Figura 6 – Capa do Catálogo da Exposição Art of the Fantastic: Latin America, 1920-

1987 (p.65)

Figura 7 – Reverón. Boneca modelo tamanho natural (p.69)

Figura 8 – Botero. Autorretrato con Luis XIV después de Rigaud (p.70) Figura 9 – Roche. You have to dream in blue (p.71)

Figura 10 – Capa do Catálogo da Exposição Latin American Artists of the Twentieth Century (p.73)

Figura 11 –Amaral. Antropofagia (p.76) Figura 12 – Kahlo. Las dos Fridas (p.77)

Figura 13 – Laañ. Persistencia de un contorno Madí (p.79) Figura 14 – Tunga. Palindromo incesto (p.80)

Figura 15 – Capa do Catálogo da Exposição Ante América (p.81) Figura 16 – Edwards. Zhakanaka (p.84)

Figura 17 – Hincapié. Esta tierra es mi cuerpo… (p.85) Figura 18 – Gómez-Peña. Son of The Border Crisis (p.86) Figura 19 – Pierre. Brave Guede Nibo (p.87)

Figura 20 – Capa do Catálogo da Exposição Cartographies (p.89) Figura 21 – Bedia. La pequena venganza de la periferia (p.94) Figura 22 – Pérez Bravo. No vi con mis propios ojos (p.95) Figura 23 – Cardoso. Marmol americano (p.96)

Figura 24 – González. El altar (p.109)

Figura 25 – Mendieta. Nacida del Nilo (p.115)

Figura 26 – Leonilson. O que você desejar, o que você quiser, eu estarei aquí, pronto

(11)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...11

1. UMA INTRODUÇÃO AO MULTICULTURALISMO...17

1.1. MULTICULTURALISMO; CONTEXTO HISTÓRICO-SOCIAL...17

1.2. O MULTICULTURAL NAS ARTES VISUAIS...24

2. SOBRE O CONCEITO DE “ARTE LATINO-AMERICANA” ...34

2.1. POSSÍVEIS DISCURSOS...40

3. DIVERSOS OLHARES SOBRE A ARTE DA AMÉRICA LATINA...54

3.1. O OLHAR MULTICULTURAL DO BOOM...54

3.1.1. Art of the Fantastic: Latin America 1920-1987...64

3.1.2. Latin American Artists of the Twentieth Century...72

3.1.3. Ante América...81

3.1.4. Cartographies...89

3.2. O OLHAR CRÍTICO SOBRE A “ARTE LATINO-AMERICANA” ...97

4. TRÊS OBRAS DE TRÊS ARTISTAS LATINO-AMERICANOS...107

4.1. O ALTAR...107

4.2. NASCIDA DO NILO...114

4.3. O QUE VOCÊ QUISER, O QUE VOCÊ DESEJAR, EU ESTAREI...119

AQUI, PRONTO PARA SERVI-LO CONSIDERAÇÕES FINAIS...125

REFERÊNCIAS...130

APÊNDICE A – Ficha da exposição Art of the Fantastic: Latin America...135

1920-1987 APÊNDICE B – Ficha da exposição Latin American Artists of the...137

Twentieth Century APÊNDICE C – Ficha da exposição Ante América...140

APÊNDICE D – Ficha da exposição Cartographies...142

APÊNDICE E – Dados biográficos dos artistas: Beatriz González,...144 Ana Mendieta e José Leonilson

(12)

INTRODUÇÃO

Durante as décadas dos anos oitenta e noventa a quantidade de exposições e eventos sobre as artes visuais da América Latina aumentou de forma assombrosa (GOLDMAN, 1994b). A promoção e difusão das artes da região atingiu grande relevância no circuito internacional e no mercado da arte durante esse período, motivo pelo qual vários autores o chamaram como o boom da arte latino-americana (SÁNCHEZ, 1994; GOLDMAN, 1994a; PIÑERO, 2014).

A realização desses eventos e exposições provocou diversos questionamentos e críticas no campo das artes visuais da região. O principal foi o debate sobre a representação, a identificação e o discurso sobre a “arte latino-americana” que há tempo tinha lugar entre os teóricos, críticos e artistas. O fenômeno do boom converteu-se no cenário para fomentar a discussão, particularmente pelas características que este fenômeno apresentou diferentemente de outros momentos em que o circuito internacional e o mercado tinham mostrado interesse pelas artes latino-americanas.

Dentro dos diversos fatores que provocaram esse fenômeno encontramos o multiculturalismo, mencionado por vários pesquisadores no tema mas não abordado com maior detalhe. Nessa época, o multiculturalismo tinha ganhado grande relevância dentro dos debates do campo político, social, cultural e artístico junto às correntes moderna e pós-colonial. Essas correntes promoveram a crítica e a luta contra as estruturas tradicionais que homogeneizaram a produção de pensamento fomentando a visibilidade e o respeito pelo pensamento não ocidental-europeu. Com a inclusão do multiculturalismo como projeto político nos países metrópoles foram difundidas, sob a perspectiva da diversidade cultural, as epistemologias, culturas e artes dos povos das diversas regiões que historicamente tinham sido exotizados.

Assim, através de nosso interesse por pesquisar a ligação entre o multiculturalismo e a realização das exposições e os eventos do boom, foi possível perceber que, o multiculturalismo, também exercia um papel de relevância dentro dos debates que surgiram em torno da representação das artes visuais latino-americanas. Um papel que o identificamos relacionado, em parte, à influência da corrente multicultural na criação de classificações homogêneas e fechadas das artes das diversas regiões, como arte latino-americana, arte

africana, arte asiática, que ocasionaram um afastamento entre sua exibição e a exibição das

produções centrais do circuito internacional.

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como o encontro entre o multiculturalismo e o debate sobre a “arte latino-americana”; encontro que incentivou a discussão da crítica, teoria e produção artística sobre a representação, identificação e difusão das artes visuais da região durante o período do boom, 1980-1990. Um problema de pesquisa que chamou a nossa atenção por provocar diversos questionamentos ainda pouco investigados.

Das várias perguntas surgidas a partir desse problema de pesquisa a mais relevante como ponto de partida foi: Como intervém o multiculturalismo no debate desenvolvido pela crítica, teoria e produção artística da região em torno da “arte latino-americana” e seu discurso? Sendo importante assinalar dentro dessa pergunta e, consequentemente, dentro do corpo da pesquisa a categoria “arte latino-americana” entre aspas (“”) por ser um conceito questionado dentro do debate pesquisado, portanto, uma categoria que abrange diversas acepções por estar, até hoje, em constante construção. De forma que nosso interesse pela utilização das aspas (“”) está ligado à ideia da continuidade desse questionamento e dessa construção como uma categoria dinâmica, ampla e aberta.

Como pesquisadores interessados nesse tema e nos questionamentos que provoca propomos como objetivo geral deste trabalho de dissertação: Analisar o debate instigado pelo

multiculturalismo em torno da “arte latino-americana” na crítica e na produção das artes visuais da região. Abordagem que coloca como eixo de estudo o discurso da “arte latino-americana” apresentado nas exposições promovidas pelo multiculturalismo, conhecidas como o boom da arte latino-americana, realizadas durante as décadas dos anos oitenta e noventa. Um estudo que se concentra na pesquisa bibliográfica e na leitura e análise do

material selecionado.

Para desenvolver a proposta desta dissertação propomo-nos os seguintes objetivos específicos e estratégias metodológicas para cumpri-los;

1. Compreender o surgimento e os aspectos gerais do fenômeno do multiculturalismo no campo das artes visuais. Começamos com o estudo do multiculturalismo e o contexto no qual surge para entender o seu fundamento e a sua importância, assim como os fatores que propiciaram o vínculo entre o multicultural e a prática artística. Este estudo nos permite compreender o surgimento das exposições multiculturalistas e a sua relevância no circuito internacional.

2. Identificar os principais debates sobre o conceito de “arte latino-americana” e seus consensos. Dedicamo-nos a estudar o conceito de “arte latino-americana” enfocando-nos em identificar seus possíveis discursos analisando os elementos tanto teórico-conceituais como

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formais e estéticos. Entre as referências analisadas destacamos Dos décadas vulnerables en

las artes plásticas latinoamericanas, 1950-1970, da crítica de arte Marta Traba. América Latina en sus artes, publicação organizada por Damián Bayón. Visión del Arte Latinoamericano en la década de 1980, uma compilação de vários artigos publicada com a

colaboração do Centro Wifredo Lam.

3. Estudar as exposições multiculturais sobre a arte de América Latina durante a década de 1980 e 1990. Analisamos as características principais que apresentaram as exposições multiculturais do boom a partir do estudo de vários artigos sobre o tema. Para aprofundar nossa abordagem sobre as propostas curatoriais dessas exposições escolhemos quatro delas, que são analisadas a partir dos catálogos de exposição, documentos dos museus e artigos acadêmicos. Sua escolha foi determinada pela relevância que tiveram essas exibições para o debate da “arte latino-americana” a partir das características que apresentaram suas propostas curatoriais. As exposições abordadas são: Art of the Fantastic: Latin America

1920-1987 inaugurada no Indianápolis Museum of Art, em 1920-1987, comissionada por Holliday T.

Day e Hollister Sturges; Latin American Artists of the Twentieth Century inaugurada na Plaza de Armas de Sevilla em Espanha, em 1992, comissionada por Waldo Rasmussen; Ante

América, inaugurada na Biblioteca Luis Ángel Arango, em Bogotá em 1992, comissionada

por Gerardo Mosquera, Carolina Ponce e Rachel Weiss; Cartographies, inaugurada na Winnipeg Art Gallery, no Canadá em 1993, comissionada por Ivo Mesquita.

4. Abordar o debate em torno da “arte latino-americana” presente nas exposições

multiculturais. A partir da análise dos catálogos, artigos e outros documentos sobre as

exposições se pretende desenvolver uma abordagem sobre as perspectivas em que se trata a “arte latino-americana” e quais são os aspectos críticos que propõem um tipo de rompimento ou transformação de seu discurso.

5. Caracterizar os elementos de rompimento entre os discursos do debate sobre a “arte latino-americana” nas artes visuais da região. Para a realização deste objetivo são analisadas três obras de arte a partir das imagens e textos dos catálogos e artigos. Sua escolha foi determinada por dois aspectos: sua participação dentro das exposições acima mencionadas, portanto, a possibilidade da sua análise em relação às propostas curatoriais; e pelas características formais e conceituais que apresenta cada obra que contribui com o estudo do debate. A análise proposta para cada obra está constituída por três pontos fundamentais: o primeiro é a análise dos aspectos formais da obra e a sua poética visual; o segundo trata sobre o lugar da obra dentro da proposta curatorial da exposição, ou seja, a forma com a qual se

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relaciona a obra com a exposição; o último ponto está dirigido à análise das obras escolhidas em relação ao debate sobre o discurso e a representação da “arte latino-americana”. As obras analisadas são: O altar [El altar], da artista colombiana Beatriz González, obra que formou parte da exposição Ante América, de 1992; Nascida do Nilo [Nacida del Nilo], da artista cubana Ana Mendieta, obra que formou parte da exposição Latin American Artist of the

Twentieth Century, de 1987; O que você quiser, o que você desejar, eu estarei aqui, pronto para servi-lo, do artista brasileiro José Leonilson, obra que formou parte da exposição Cartographies, de 1993.

A principal motivação da realização desta pesquisa nasceu do interesse por estudar a corrente pós-moderna nas artes visuais da América Latina. Este interesse nos dirigiu a abordar a questão do multiculturalismo como um fenômeno de caráter pós-moderno (FOLLARI, 2010; KOSHERBAYEV et al., 2016; ŽIŽEK, 1998) que teve um papel importante no debate sobre o lugar da produção artística das regiões fora do eixo euro-norte-americano dentro da história da arte universal (MOSQUERA, 2010; RAMIREZ, 1996).

Nesse sentido, consideramos que a abordagem do multiculturalismo em relação às artes visuais da América Latina, e outras regiões, continua sendo de relevância no estudo e na análise da difusão e recepção da produção artística. O multiculturalismo surgiu na década dos

Figura 1 – Capa da Revista Time, v. 185, n. 17, maio 11, 2015. Fotografia de Devin Allen.

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anos setenta para combater problemas como a discriminação, o racismo e a segregação. Hoje, na atualidade, esses problemas continuam presentes, alimentados pelas bandeiras do fascismo e nacionalismo que ainda agitam-se na nossa sociedade. A revista Time com sua capa da edição em maio 11/2015 fomenta essa reflexão sobre os tempos que vivemos (Figura 1).

Nosso interesse com a realização desta pesquisa é fornecer uma análise sobre a influência e o papel que teve o multiculturalismo no campo das artes da América Latina, especificamente, no debate em torno da “arte latino-americana”. Uma análise a qual esperamos que seja uma contribuição para a reflexão desse tema e um aporte para futuras pesquisas que o abordem, acreditando que o estudo e a análise do passado sempre abre caminhos para entender o presente.

A partir dos aspectos que caracterizam esta abordagem como: as particularidades do tema escolhido, o recorte temporal, a bibliografia selecionada, os dados coletados e as análises propostas, foi desenvolvida a seguinte estrutura de capítulos.

Capítulo 1. Uma introdução ao multiculturalismo: este capítulo tem porobjetivo expor os aspectos mais relevantes do fenômeno do multiculturalismo e da sua presença e relevância dentro do campo das artes visuais das metrópoles e do circuito internacional. Abordagem apresentada em duas partes.

• Multiculturalismo; contexto histórico-social: nesta primeira parte apresentamos uma breve abordagem sobre o contexto histórico-social em que surge o multiculturalismo. Análise que enriquecemos com os aspectos mais importantes que caracterizaram seu emprego durante este período.

• O multicultural nas artes visuais: nesta segunda parte discutimos o surgimento da corrente multicultural no campo das artes visuais. Também abordamos a relevância do multiculturalismo nos eventos e exposições que foram organizados no circuito internacional das artes.

Capítulo 2. “Sobre o conceito de arte latino-americana”: este capítulo tem como objetivo identificar e caracterizar a principais perspectivas críticas sobre o conceito de “arte latino-americana” e o debate em torno a seu uso, significado e valor como categoria estética promovido principalmente na segunda metade do século XX por críticos, teóricos e artistas, entre os quais, destacamos o papel de Marta Traba.

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compreender o desenvolvimento do debate sobre a “arte latino-americana”, principalmente a partir da década de 1970.

Capítulo 3. Diversos olhares sobre a arte da América Latina: este capítulo aborda o desenvolvimento do debate sobre a “arte latino-americana” nas exposições multiculturais e o campo da crítica durante as décadas de 1980-1990.

• O olhar multicultural do boom: Nesta primeira parte abordamos a importância do

multiculturalismo no chamado boom da arte latino-americana. Analisamos os

aspectos principais que caracterizaram a promoção e difusão das artes visuais da região através das exposições, aprofundando nossa análise em quatro delas.

• O olhar crítico sobre a “arte latino-americana”: nesta segunda parte apresentamos uma

análise sobre alguns dos principais aspectos discutidos pela crítica sobre as exposições abordadas e que repercutiram no sentido mais amplo das discussões do período como parte do debate sobre a arte latino-americana.

Capítulo 4. Três obras de três artistas latino-americanos: neste capítulo desenvolvemos uma análise sobre três obras que formaram parte das exposições investigadas. O enfoque central da análise é abordar as particularidades que apresentam as obras em relação às propostas curatoriais das exposições e ao debate em torno da “arte latino-americana” e seus possíveis discursos. As obras abordadas são;

O altar [El altar], 1990, da artista colombiana Beatriz González.

Nascida do Nilo [Nacida del Nilo], 1984, da artista cubana Ana Mendieta.

O que você quiser, o que você desejar, eu estarei aqui, pronto para servi-lo, 1991, do

(18)

1. UMA INTRODUÇÃO AO MULTICULTURALISMO

!

Estamos juntos desde muy lejos, jóvenes, viejos,

negros y blancos, todo mezclado; uno mandando y otro mandado, todo mezclado;

San Berenito y otro mandado, todo mezclado;

negros y blancos desde muy lejos, todo mezclado;

(Nicolás Guillén, 1947)2

1.1. MULTICULTURALISMO; CONTEXTO HISTÓRICO-SOCIAL

Durante a década dos anos oitenta, o termo multiculturalismo ganhou grande relevância e difusão dentro dos principais debates no campo acadêmico internacional, assim como no campo social e político. Sua inclusão em diversas questões relacionadas às políticas governamentais, aos movimentos sociais e culturais, à abordagem teórica de categorias como cultura e identidade, às expressões e processos na dinâmica das artes e aos fenômenos como a imigração e o racismo, fez com que este termo acolhesse um caráter complexo e polissêmico. Segundo vários autores, este termo surge e começa a ser utilizado no âmbito das políticas governamentais, sendo o Canadá, no final dos anos sessenta, o primeiro país que emprega na sua política o multiculturalismo (KOSHERBAYEV et al., 2016, p. 148). Para outros países, principalmente os Estados Unidos e as potências europeias que enfrentavam graves problemáticas na política de integração social, o multiculturalismo se apresentou como um potencial projeto político que fornecia uma visão global das relações sociais sendo, nesse caso, uma alternativa viável para promover a diversidade cultural a partir de políticas de conservação dos rasgos culturais diferenciais e das identidades das minorias. Isto marcou o início de seu uso na prática política dos países metropolitanos que fomentou a transformação dos Estados-Nação, de monouniculturais a multiculturais3.

A prática multiculturalista implicou uma contraposição entre a perspectiva política

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

2 Trecho extraído do Poema Son número 6. Publicado no livro El son entero, Editora Pleamar, 1947. Tradução nossa: “Estamos juntos há muito tempo, jovens, velhos, negros e brancos, tudo misturado; um dominando e o outro dominado, tudo misturado; São Berenito e o outro dominado, tudo misturado; negros e brancos há muito tempo, tudo misturado; [...]”

3 Sobre este aspecto, Velasco expõe a contraposição entre a perspectiva multicultural, que promove a conservação dos rasgos culturais diferenciais e as identidades das minorias, e os processos de assimilação e integração empregados nos modelos de monoculturalismo e pluriculturalismo (2000, p. 151).!

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tradicional, em defesa da homogeneidade que, usualmente, promoveu a superioridade e universalidade da cultura ocidental como resguardo da ordem e do progresso, e a perspectiva política progressista, que incorporou a crítica pós-moderna e pós-colonial que se pronuncia contra a lógica de domínio e exploração das Outras culturas, assim como salienta o respeito por suas epistemologias. “O multiculturalismo tornou-se pensamento politicamente correto, perfeitamente adaptado às condições do mundo pós-moderno no qual surgiu”4 (FOLLARI, 2010, p. 58, grifo do autor, tradução nossa).

Diversos fatores histórico-sociais forneceram a aparição e a prática do multiculturalismo nas políticas dos Estados-Nação como; a transição do capital monopólico para o capital global que intensificou o fenômeno da globalização; uma maior mobilização de grupos de pessoas entre os países; o ambiente cultural pós-moderno; as lutas dos diversos movimentos sociais e culturais; a importância que ganhou a abordagem e o estudo da cultura; entre outros. Em resumo, o caráter de uma época, marcada tanto pela crítica e a luta social como pelas mudanças no sistema político-econômico mundial, caracterizou a aparição do multicultural.

Destarte, o multiculturalismo converteu-se em “[...] um fenômeno particular da vida social que fomenta a coexistência pacífica de diferentes culturas e grupos étnicos dentro de uma mesma sociedade. Tornou-se uma experiência contemporânea inevitável, uma vez que se mostra na vida cultural e política”5 (KOSHERBAYEV et al., 2016, p. 147, tradução nossa). A multiculturalidade dos espaços sociais, que tinha sido constantemente negada e aplacada por políticas homogeneizadoras, passou a ser reconhecida, valorada e até desejada como parte dessa transformação global da sociedade.

O político, como podemos observar, é um aspecto fundamental quando se fala sobre o multiculturalismo, termo que assume através do político várias acepções. Como é o caso da política multicultural dos Estados-nação, a qual, como já comentamos, promoveu a diversidade cultural e a conservação e difusão da identidade das minorias através da criação de políticas e leis que trataram vários fatores, como o direito civil e a liberdade de expressão cultural e religiosa. A implementação dessas políticas incluíram a gestão de espaços e eventos voltados à cultura e à arte dos grupos minoritários e dos povos de outros países.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

4 Do original: El multiculturalismo se volvió pensamiento políticamente correcto, perfectamente adaptado a las condiciones del mundo posmoderno en el cual surgió.

5!Do original: […] is a particular phenomenon of social life encouraging the peaceful coexistence of different cultures and ethnic groups within a single society. It has become an inescapable contemporary experience, since it is reflected both in cultural and political life.

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A transformação multicultural dos Estados-Nação e a criação de diversas políticas de caráter multiculturalista surgiram em grande parte da necessidade de combater a

discriminação e a segregação que há décadas os grupos minoritários suportavam. As lutas e

os movimentos sociais e culturais que desenvolveram as minorias para lidar com os problemas e conquistar direitos podem considerar-se, além de um antecedente, uma base do surgimento do multiculturalismo e outra vertente do seu aspecto político, que é o movimento

multiculturalista.

Foi a partir dos anos sessenta, com a luta dos diversos movimentos sociais ao redor do mundo, que o questionamento sobre a diversidade cultural e as identidades coletivas ganhou relevância. Por exemplo, segundo Bloch (1994, p. 62), a militância dos movimentos afro-americanos, na conquista de seus direitos cíveis e sua luta contra a segregação e o racismo, abriu uma nova era para pensar as relações intergrupais questionando o pluralismo que mantinha a noção de uma uniforme cultura hegemônica de identidade política que legitimava a segregação das minorias nos Estados Unidos.

No início dos anos setenta, a militância das minorias cresceu no âmbito internacional. Surgiram movimentos em defesa dos direitos da mulher, do Grupo LGTB (protagonizado inicialmente pelo Movimento Gay) e dos indígenas e imigrantes. Nos Estados Unidos, por exemplo, os movimentos dos anos setenta se caracterizaram por ter um enfoque essencialmente político. Para a década dos anos oitenta, sua luta se tornou cultural gerando uma politização da cultura.

[...] As minorias abandonavam cada vez mais a esperança de que o enfoque político do sistema pluralista melhoraria suas comunidades e começaram a inclinar-se para uma luta cultural. Estas minorias tenderam a enfatizar culturalmente sua identidade, afirmando que a essência da identidade étnica eram as diferenças culturais, embora dependeram da raça, gênero ou sexualidade.6 (BLOCH, 1994, p. 64, tradução nossa)

A luta do movimento multicultural consolidou-se através da aliança das minorias. As noções de raça, etnia, gênero e orientação sexual se tornaram eixos que giram em torno de um elemento unificador, a diferença. A importância do realce cultural da identidade, e os elementos que evidenciam seu caráter distintivo e diferencial, não só se valeu de

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6!Do original: […] las minorías abandonaban cada vez más la esperanza de que el enfoque político del sistema pluralista mejoraría sus comunidades y empezaron a inclinarse hacia una lucha cultural. Estas minorías tendieron a enfatizar culturalmente su identidad, afirmando que la esencia de la identidad étnica eran las diferencias culturales, ya sea que éstas dependieran de raza, género o sexualidad.

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características culturais, mas sim da conformação de uma estética atravessada pela produção artística. De forma que músicos, atores, dançarinos e artistas visuais foram uma parte essencial da representação e dinâmica desses movimentos, sendo, por sua vez, militantes e promotores da luta multiculturalista dentro de seu próprio campo de atuação7.

Os multiculturalistas questionaram os cânones ocidentais-brancos-masculinos-heterossexuais a partir dos quais a cultura e a identidade dos grupos minoritários e dos povos de diversas regiões tinham sido distorcidas, mal interpretadas ou totalmente ignoradas da corrente principal dominante. Para contrastar esta situação, o multiculturalismo, como luta social e como projeto político, fomentou o estudo da ampla variedade de culturas e suas particularidades para revelar sua legitimidade e sua contribuição à sociedade. Este tipo de iniciativas forneceram a realização de um diálogo intercultural como forma de resistência à globalização uniformizadora (VELASCO, 2000, p. 151).

Neste ponto, destaca-se a importância do multiculturalismo como categoria teórico-filosófica. Seu principal antecedente teórico remite à relevância que tomou a abordagem da cultura nos estudos de vários intelectuais a partir dos anos vinte, principalmente a Escola de Frankfurt, e à fundação, em 1956, dos Estudos Culturais como campo de investigação, a cargo de Raymond Williams, William Hoggart, Edward Thompson e Stuart Hall.

A partir dos Estudos Culturais e o surgimento de correntes como a teoria pós-colonial, com representantes como Edward Said, Homi Bhabha e Gayatri Spivak, o termo multiculturalismo ganhou um espaço no campo teórico-filosófico. Assim, o multicultural se relaciona com categorias como alteridade, outro e différence, o que destaca a importância que tem para o pós-colonial e o multicultural a teoria do pós-estruturalismo francês e a postura pós-moderna8 que promove a multiplicidade, a pluralidade, a antitotalidade e o antielitismo, sendo neste particular, a recuperação da individualidade e visibilidade da história dos vencidos sua maior contribuição9.

O interesse teórico, acadêmico e político por questões como o conflito das identidades

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7 Na seguinte parte deste capítulo discutimos mais amplamente esse aspecto.

8 “[...] os pós-modernistas desenvolveram o conceito de “diferença”, “o outro”, ou “a alteridade”, que expressam a ideia da existência de distinções na criação e interpretação das culturas. Os pós-modernistas construíram identidades que definem “os outros”, ou seja, as minorias, baseadas nas diferenças de cor, raça, gênero e sexualidade” (BLOCH, 1994, p. 68, grifo do autor, tradução nossa). Do original: [...] los postmodernistas desarrollaron el concepto de “diferencias”, “el otro” o “la otredad”, que expresan la idea de la existencia de distinciones al crear e interpretar culturas. Los postmodernistas construyeron identidades que definen a “los otros”, es decir las minorías, basadas en diferencias de color, raza, género e sexualidad.

9 O multiculturalismo em relação aos estudos culturais e as teorias pós-colonial e pós-estruturalista merece uma abordagem mais ampla que vai além do propósito de nossa análise. Estudios Culturales: Reflexiones sobre el

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coletivas e o multiculturalismo fomentou o investimento das mais importantes universidades, especialmente estadunidenses, na fundação de espaços de investigação e de estudo enfocados nas particularidades de diversos grupos sociais e culturais. Desta forma, a partir do final dos anos sessenta, surgiram correntes como os estudos latino-americanos, africanos, de gênero, chicanos, etc.. Esses espaços propiciaram o surgimento e a consolidação de teorias como a pós-colonial, nos anos oitenta, e a decolonial, no final dos anos noventa.

O multiculturalismo formou parte das diversas discussões, como podemos observar, precisamente por sua profunda relação com as mudanças e dinâmicas presentes na sociedade daquela época em que a cultura e a identidade alcançaram grande relevância. As artes também ganharam um lugar importante no âmbito do multicultural, o qual se mostrou como uma experiência que tinha fusionado a luta política e a vida cultural. A expressão da identidade como forma de resistência e distinção valeu-se não só dos aspectos corporais, como a gestualidade e a língua, ou de outros elementos como a roupa e os acessórios, a produção artística se converteu em um aspecto fundamental da representação e identificação das pessoas.

Todos esses aspectos formaram um tipo de estética que funcionou como fator de diferenciação. Portanto, a defesa da diversidade cultural também significou a defesa das diversas manifestações artísticas e estéticas que tinham sido subjugadas pelos cânones

ocidentais-brancos-masculinos-heterossexuais. Além de enfrentar esses cânones, a defesa da diversidade cultural e artística também teve que enfrentar a condição paradoxal em que a

indústria cultural e o mercado colocou a arte e a cultura sob a perspectiva multicultural. [...] Um mercado da arte que atua segundo o poder do “culto da audiência”, cujo apetite pela arte do Outro define a produção da “arte ocidental” e da cultura. Os artistas migrantes são então caracterizados por uma “personalidade mágica”, uma autenticidade que está aderida ao corpo do Outro, da qual, espera-se que forneça um produto cultural autêntico, cujo valor de mercantilização reside na sua proximidade do exótico.10 (KILIÇ; PETZEN, 2013, p. 51, grifo das autoras, tradução nossa)

A promessa da diversidade sob a indústria cultural e o mercado voltou-se ambígua e paradoxal. O multicultural no mercado se transformou em uma etiqueta dos objetos artísticos

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10!Do original: […] an art market operating on the power of the “cult of the audience”, whose appetite for art from the Other defines the production of “Western art” and culture. Migrant artists then are ascribed a “magic of personality”, an authenticity which sticks to the body of the Other, who is expected to provide an authentic cultural product, whose commodification value lies in its proximity to the exotic.

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e culturais que tinham sido absorvidos e convertidos em mercadorias. Por exemplo, a música foi uma das mercadorias multiculturais favoritas da cultura de massas, que era acompanhada pela estética do design das capas dos discos e dos cartazes assim como pelas imagens dos videoclipes que apresentavam aqueles elementos distintivos e exóticos que o público do mercado ocidental gostava tanto.

A representação do multicultural foi, frequentemente, reduzida a uma cena constituída por pessoas de diversas etnias, imagem que se converteu em um tipo de estética do multicultural. A publicidade da Benetton é um exemplo importante da visualidade do multiculturalismo durante os anos noventa que, além de renovar a estratégia publicitária do mercado, converteu-se em um referente simbólico do multicultural na vida social. A Benetton conseguiu dar ao multiculturalismo uma imagem que conquistou o grande público mediante a união do conceito da multiculturalidade e do uso impecável da estética da imagem (Figura 2). Além do polêmico sucesso atingido, a publicidade da Benetton foi também objeto de análises críticas em torno do multiculturalismo e da ideologia neoliberal do mercado (FOLLARI, 2010, p. 59).

Figura 2 – Publicidade da Benetton, 1989. Fotografia de Oliviero Toscani.

Fonte: http://www.eltiempo.com/multimedia/fotos/curiosidades4/campanas-publicitarias-polemicas-de-benetton/15759935!

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Assim, os anos noventa que vivem nas nossas lembranças estão atravessados por singulares referentes do multicultural como: pela publicidade das crianças felizes e multiétnicas da Benetton; pelas canções e os videoclipes de Michael Jackson como Black or White e They don’t care about us; pela conquista plurilinguística e multirracial da MTV que – por anos esteve voltada à cultura branca-ocidental11 – passou a difundir as músicas populares entre as minorias das metrópoles e as regiões periféricas; pelas crianças que brincavam com a Teresa, a Belinda e a Miko as novas amigas da Barbie; enfim, se aprofundarmos ainda mais nas nossas lembranças perceberemos o paradoxo entre a irrupção no nosso cotidiano desse Outro que imaginamos diferente de nós – distante e exótico – e a revelação de ser nós mesmos esse Outro exibido na televisão, na rádio e nas revistas.

Por um lado, a promoção da diversidade cultural possibilitou uma certa representatividade para que todos aqueles Outros – ignorados, explorados, segregados – pudessem identificarem-se como parte da cultura de massas, mas, pelo outro, os estereótipos sobre esses elementos representativos mostraram seu veneno revelando que as lutas das minorias e dos povos explorados vai além da obtenção de reconhecimento e respeito na sociedade; é uma luta que abrange a crítica sobre a forma em que opera a promoção da diversidade cultural no multiculturalismo e os perigos que este pode trazer consigo.

A postura crítica sobre o multiculturalismo assinala que o principal problema a enfrentar não está na defesa da diversidade cultural, mas sim na evidente discriminação

racial, o que abrange outros aspectos como a imigração e a identidade (KOSHERBAYEV et

al., 2016, p. 149). Aspectos que tem a ver principalmente com os Outros, não europeus - não ocidentais, subjugados a uma lógica de dominação. Por outro lado, a política multicultural centrada na defesa do direito à diferença tem o risco de que sob a noção de igualdade na diferenciação se perpetue ou reinstaure a antiga desigualdade que anteriormente tem prejudicado às minorias precisamente por serem diferentes.

Para o filósofo Slavoj Žižek, o multiculturalismo na era do capitalismo global manifesta-se como sua forma ideal de ideologia que perpetua a distância eurocêntrica diante da especificidade do Outro instigando o sentimento de superioridade. Assim, “[…] o multiculturalismo é uma forma de racismo negada, invertida, auto-referencial, um “racismo

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11 Os executivos da programação da MTV inicialmente se reusaram a transmitir os videoclipes de artistas afro-americanos. Decisão que, segundo Chin (1992, p. 4), não correspondia a uma demanda social ou governamental, senão a uma perspectiva particular que logo virou ridícula com o sucesso de Michael Jackson que a aplacou.

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com distância”: “respeita” a identidade do Outro, entendendo-o como uma comunidade “autêntica” fechada, face à qual ele, o multiculturalista, mantém uma distância que se faz possível graças a sua posição universal privilegiada”12 (ŽIŽEK, 1998, p. 172, tradução nossa, grifo do autor).

Por outro lado, a atitude liberal, oposta à defesa da diferenciação, pressupõe a superação das limitações dos sujeitos em relação a sua identidade étnica, por meio da conversão em “cidadão do mundo”, termina funcionando como um estreito círculo elitista oposto à grande maioria que é desprezada por ficar presa à sua comunidade ou etnia. Segundo Žižek, esta atitude liberal é dirigida pelo gesto da neutralidade que limita a tomada de posição, sem a qual não se pode ser efetivamente universal (1998, p. 185).

1.2. O MULTICULTURAL NAS ARTES VISUAIS

A corrente multiculturalista nas artes visuais surge na década dos anos oitenta como parte da crítica pós-moderna e pós-colonial dos chamados grandes relatos13, os quais têm

seus fundamentos na história ocidental e europeia. A crítica multicultural à história, teoria e produção das artes centrou-se na noção universal que professava a história da arte desde o Renascimento, a qual mantinha-se determinada pela cultura europeia funcionando como o grande relato das artes visuais. Posição que provocou que a história, cultura e arte das demais regiões fossem excluídas do pensamento universal, sendo o pensamento ocidental-europeu que dominou o mundo das artes (WANNER, 2010, p. 186).

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12 Da tradução em espanhol: [...] el multiculturalismo es una forma de racismo negada, invertida, autorreferencial, un “racismo con distancia”: “respeta” la identidad del Otro, concibiendo a éste como una comunidad “auténtica” cerrada, hacia la cual él, el multiculturalista, mantiene una distancia que se hace posible gracias a su posición universal privilegiada.

13 A tese do fim dos grandes relatos é proposta por Jean François Lyotard no livro A condição pós-moderna, publicado em 1979. Os grandes relatos são discursos legitimadores de certas verdades que tem fundamentado as cosmovisões do mundo ocidental, um exemplo é o marxismo. O questionamento sobre uma única verdade, fundamentado na pluralidade de verdades baseadas em apreciações subjetivas, é uma das principais argumentações do fim dos grandes relatos. Esta tese é considerada um dos pressupostos teóricos mais importantes da teoria pós-moderna. Conceitos do pensamento moderno como razão, sujeito, totalidade, verdade e progresso são questionados nesta tese, sendo o pós-moderno a incredulidade perante as pretensões universalizantes da ciência moderna.

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No seu processo de desmascaramento da razão, assim como na sua obsessão epistemológica pelas fraturas e os fragmentos socioculturais, a pós-modernidade adquiriu consciência de assistir a um desenvolvimento da perda da soberania e do monopólio cultural ocidental em favor do reconhecimento de uma pluralidade linguística e de uma multiplicidade cultural [...].14 (GUASCH, 2000, p. 558, tradução nossa)

Durante séculos, a inclusão das outras culturas no monopólio cultural ocidental foi muito controlada, percebida mais pelas estórias dos viajantes que percorriam as terras distantes. As paisagens, os povos e as costumes dessas outras terras se consideraram algo exótico, termo que com o tempo foi utilizado com mais frequência para referir-se às culturas não ocidentais – ou simplesmente os Outros – fornecendo uma concepção eurocêntrica do mundo.

Neste sentido, como assinalam os pesquisadores Robert Stam e Ella Shohat, o

eurocentrismo coloca o continente europeu como o principal ponto de referencia da produção

dos significados culturais, negando assim, a apropriação da produção material e cultural dos povos não europeus (2002 apud FLORES, 2012, p. 2). De forma que a crítica multiculturalista posiciona-se contra o eurocentrismo (WANNER, 2010, p. 187) promovendo a reivindicação dos diversos saberes e opondo-se às ideias que foram deixadas pelo colonialismo que marcaram a percepção da produção artística das outras culturas.

Segundo Guasch, o processo do multiculturalismo afeitou o campo da criação artística na media em que foi necessário reposicionar a arte das culturas colonizadas, das minorias emergentes, das áreas periféricas e das áreas totalmente afastadas até aquele momento do sistema ocidental. De forma que o reconhecimento da existência desse Outro e da sua capacidade transgressora fora efetivo. Este processo, Guasch afirma, não implicou na renúncia às diferenças desses “artistas outros”, senão a aceitação e reivindicação dessas diferenças no mainstream ocidental, sendo a desconstrução do centralismo moderno (2000, p. 558).

O reposicionamento e reconhecimento da arte e da cultura dos povos fora do eixo euro-americano foi considerado como um dos principais focos da crítica multicultural e pós-moderna no campo das artes. Esta perspectiva crítica adquiriu força através da participação de artistas, críticos e curadores no movimento multicultural e seus diversos eixos; raça, etnia, !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

14 Do original: En su proceso de desenmascaramiento de la razón, así como en su obsesión epistemológica por las fracturas y los fragmentos socioculturales, la posmodernidad tomó conciencia de asistir a un desarrollo de pérdida de la soberanía y del monopolio cultural occidentales en favor del reconociendo de una pluralidad lingüística y de una multiplicidad cultural […].

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gênero e orientação sexual. Outro ponto importante que permitiu a consolidação do multiculturalismo no circuito artístico, principalmente o internacional dirigido pelas

metrópoles culturais, foram as políticas governamentais dos países integrantes do eixo euro-norte-americano e o capital global que se atribuíram o título de grandes gestores e promotores culturais (KILIÇ; PETZEN, 2013, p. 57).

A promoção de uma arte multicultural, uma arte constituída pela diversidade de perspectivas, processos e atores, converteu-se na possibilidade de gerar uma mudança significativa no âmbito fechado e dogmático da arte nos circuitos internacionais. Na década de 1980, a luta foi gerando pequenas vitórias no reconhecimento da diversidade das práticas artísticas. No entanto, a participação dos trabalhos dos artistas oriundos de minorias étnicas e imigrantes ou das regiões periféricas, em exposições e eventos organizadas pelas metrópoles, continuava sendo paradoxal pela utilização de noções como exótico, primitivo, fantástico e mágico que estigmatizavam, estereotipavam e homogeneizavam as propostas artísticas. Esta condição fazia impossível a geração de espaços reais de diálogo entre essas produções e as produções dos artistas dos circuitos internacionais.

Estes tipos de aspectos paradoxais do multicultural permitiram que os artistas padecessem diversas vicissitudes, por exemplo; ser considerados artistas de menor categoria; expor as obras em espaços diferenciados; estar condicionados a trabalhar somente a questão multicultural; ser valorizados mediante estereótipos; ser aceitos como artistas, mas segregados como pessoas; converter-se em um requerimento como vaga de mulher-negro-imigrante-gay dentro de uma exposição.

Um caso que exemplifica este tipo de vicissitude durante os primórdios do

multiculturalismo, é o caso do artista, sul-coreano nacionalizado estadunidense, Nam June Paik (1932-2006). Paik é conhecido como um dos pioneiros da vídeo arte junto ao artista alemão Wolf Vostell (1932-1998). Na exposição Music and Electronic T.V, na galeria Parnasse Wuppertal em 1963, apresentou sua primeira vídeo-escultura composta por três pianos, treze televisores, vários relógios e diferentes objetos sonoros que provocavam uma diversidade de sons modificando a experiência habitual que proporciona cada elemento por separado. A partir deste tipo de trabalho e a experimentação nos anos seguintes com a primeira câmara de vídeo portável da Sony, Paik ganhou relevância como artista e sua obra passou a ser reconhecida no circuito internacional.

A obra de Paik marcou tanto os processos criativos como a reflexão teórica sobre as

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linguagens visuais como; a aliança poética entre a performance e a videoinstalação que apresentou com a violoncelista Charlotte Mormam em Concerto for TV, Cello, and

Videotapes, 1971 (Figura 3); e a importância de obras como TV Buddha para o estudo sobre a arte, a imagem e as novas linguagens vinculadas à tecnologia que começaram a ser utilizadas durante aquela época15.

Apesar do reconhecimento do trabalho de Paik e a sua participação junto a outros artistas igualmente importantes, o tratamento que este artista recebeu nos Estados Unidos, país onde morava, não foi o mesmo que ganharam seus colegas por ser um artista de origem

asiática (CHIN, 1992, p. 11). A partir desse aspecto podemos observar que o trabalho de Paik não só confrontou a prática tradicional das artes com a criação de alternativas que transformaram a experiência com a obra de arte, mas sim com seu destaque como artista não euro-norte-americano.

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15 Por exemplo, o estudo de Hans Belting intitulado Por uma antropologia da imagem é muito interessante para o estudo de algumas obras de Paik e seu emprego da imagem. O estudo pode ser acessado na revista Concinnitas, v. 1, n. 1, p. 64-78, 2005.

Figura 3 – Nam June Paik e Charlotte Mormam. Concerto for TV, Cello, and Videotapes, 1971.

Performance e videoinstalação.

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A importância e destaque do trabalho e papel como artista de Paik colocou-o entre duas faces: o artista universal e o artista Asiático-Americano (Asian-American), que na perspectiva de Daryl Chin, esta fissura mostra o conflito do multiculturalismo como categoria estética e política (1992, p. 9). Nesse sentido, sob a etiqueta de artista Asiático-Americano, Paik contribuiu com várias organizações que pretendiam dar visibilidade e legitimidade aos trabalhos de artistas Asiático-Americanos. O absurdo desta relação é o fato de que nas publicações dessas organizações o trabalho de Nam June Paik fosse excluído16 sob pretextos como: que seu trabalho tinha um reconhecimento maior do que os outros artistas ou que este não fazia referência a aspectos como a identidade ou a representatividade do

Asiático-Americano.

De acordo com Chin, o trabalho de Paik mostra diversas alusões à sua experiência “intercultural” em torno de sua origem sul-coreana, sua longa estada no Japão e sua cidadania como estadunidense, no entanto, parece que este tipo de tratamento não encaixa na categoria de arte asiática-americana, a qual tinha uma predisposição a abordar o tema da imigração e a sua condição de exploração e marginalidade (CHIN, 1992, p. 10).

Na face de artista universal, o trabalho de Paik ganhou um espaço de respeito e reconhecimento dentro da História da arte, um espaço que não é nada fácil de atingir, ainda mais, para um artista proveniente da periferia. A contradição dessa face está no fato de que apesar de que Paik fosse reconhecido como um dos fundadores da vídeo-arte, tivera que ir a trabalhar na Alemanha como professor porque as universidades dos Estados Unidos não lhe ofereciam os mesmos benefícios do que a outros artistas da sua mesma categoria. Ao longo da carreira de Paik, a maior discriminação que experimentou foi justamente essa (CHIN, 1992, p. 11); uma experiência que não podia denunciar já que na década dos anos setenta ainda não existiam leis que o apoiassem e protegessem.

A inexistência de uma política concreta que punisse esses e outros tipos de ações segregacionistas, discriminatórias e racistas no mundo da arte e na sociedade estadunidense incentivou vários artistas a formar movimentos e grupos de ação, como Guerrilla Art Action

Group e Art Workers Coalition, que funcionaram como espaços de apoio e dispositivos de

ação e denúncia. Com o multiculturalismo esses tipos de movimentos ganharam mais força no final dos anos setenta e no início dos anos oitenta.

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16 Chin menciona como exemplo a exclusão do trabalho de Paik na publicação intitulada Moving the Image:

Asian Pacific Americans in the Media Arts, em 1992, editada pela Visual Comunications em colaboração com o

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A Guerrilla Girls é outro exemplo importante deste tipo de movimento surgido no período e que atualmente continua em funcionamento. Sua proposta inicial concentrou-se em realizar atividades que forneciam informações pontuais sobre a discriminação e o racismo existente nas instituições de arte como museus, galerias e bienais, ação que chamaram de “serviço público de mensagens”, sendo essa parte dos meios para atingir o objetivo do grupo como “a consciência do mundo arte” junto a uma série de táticas que caracterizaram suas intervenções como: ser anônimos, utilizar uma máscara de gorila e realizar ações surpresas (WITHERS, 1988, p. 285).

As ações propostas pelas Guerrilla Girls estão dirigidas a combater todo tipo de

discriminação, no entanto, desde suas primeiras intervenções com cartazes nos bairros de

Soho e East Village, Nova Iorque em 1985, mostraram como enfoque principal a

discriminação contra a mulher e sua invisibilidade na História da arte como artista. Para este

tipo de ação o grupo preferiu utilizar uma linguagem simples e concreta baseada em dados verificáveis que demonstraram a discriminação contra as minorias e as mulheres (WITHERS,

Figura 4 – Guerrilla Girls, How many women had one-person exibitions at NYC museums

last year? [Quantas mulheres tiveram uma exposição individual nos museus da cidade de Nova Iorque no ano atrasado?], 1985-86. Cartaz.

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1988, p. 288), aspecto que caracterizou seu trabalho. Por exemplo, no trabalho intitulado How

many women had one-person exibitions at NYC museums last year? os dados coletados pelo

grupo são mostrados de forma direta e magistral. Com uma pergunta convidam ao público a conhecer uma alarmante situação (Figura 4).

Estes tipos de movimentos e grupos corresponderam às demandas e mudanças presentes na época mediante a postura multicultural que, como já comentamos, protagonizou tanto as políticas dos Estados-nação como as tendências estéticas da publicidade. O mundo da arte não foi indiferente ante o desejo de ser pós-colonial e pós-migrante, mas para conseguir escapar da problemática da discriminação e o racismo é preciso mais que um desejo já que, como comentam Kiliç e Petzen, está envolvido o mercado global que obtém benefícios da mercantilização do multicultural (2013, p. 51).

Nesse sentido, Kiliç e Petzen dão ênfase à noção de “Arte migrante”17 (2013, p. 50), a qual passou a conformar, segundo as autoras, a estratégia das cidades metropolitanas para perfilarem-se como cidades da cultura e da diversidade “cidades do mundo”, interessadas em mostrar os grupos minoritários e étnicos numa perspectiva, podemos dizer, política-publicitária. Com esse panorama, o “artista migrante” que deseja formar parte do ambiente artístico encara a exigência de mostrar-se exótico para ser interessante e poder tanto incorporar-se como permanecer dentro do mainstream.

De acordo com as autoras, a recepção do “artista migrante” no circuito artístico dos países centrais como por exemplo, no ambiente artístico alemão, é de contraposição à cultura ocidental, a qual mediante o exotismo e a racialização etiqueta-os com uma personalidade mágica da qual espera-se que surja um autêntico produto cultural que seja absorvido pelo mercado (KILIÇ; PETZEN, 2013, p. 50).

Além de enfrentar este tipo de recepção, os artistas e seus trabalhos recebem, usualmente, críticas ambivalentes que, por um lado, reduzem as obras a uma simples alegoria subdesenvolvida desligada da arte “verdadeira” e, por outro, exigem representar as origens e as tradições “mágicas” do lugar de procedência. Assim, “A lógica de um multiculturalismo neoliberal permite estrategicamente a alguns artistas escolhidos entrar no mundo da arte como representantes exitosos, desse modo, dá alívioaos alemães brancos que querem acreditar que o racismo tem sido superado” (KILIÇ; PETZEN, 2013, p. 55, tradução nossa).

A principal estratégia utilizada para dar visibilidade e reconhecimento às produções

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artísticas das minorias e dos artistas das regiões periféricas foi a gestão e promoção cultural apoiada pelo investimento de capital nacional e privado. Assim, a promoção do

multiculturalismo nas artes exigiu a organização de exposições em museus e espaços culturais

para propiciar a circulação de obras de artistas de outras regiões nas capitais culturais. Segundo a pesquisadora Chin-tao Wu (apud KILIÇ; PETZEN, 2013, p. 57), o chamado Sul

Global converteu-se na temática predileta, a qual atingiu um importante patrocínio das

corporações multinacionais em que não só uma grande quantidade de dinheiro é investida, mas também feita, revelando o interesse pela coleção de “capital cultural”.

A promoção do pensamento “politicamente correto” se torna fundamental em cidades como Nova Iorque, Paris, Londres, Berlin, Roma, entre outras, que pretendem mostrar sua face multicultural celebrando a mistura e expondo a possibilidade da convivência pacífica na diversidade. Uma estratégia para celebrar o multicultural é precisamente a gestão de eventos e exibições que promovam a multiculturalidade.

A perspectiva de realização dessas exposições abre o debate sobre o pós-colonial na arte e traz de volta o velho problema que têm o Ocidente para colecionar e exibir a arte proveniente de outras culturas sob o dilema do moderno e da tradição. Uma das exposições mais emblemáticas realizadas segundo a perspectiva multiculturalista foi Les Magiciens de la Terre, em 1989, no Centro Georges Pompidou, em Paris (WANNER, 2010, p. 187). O projeto da exposição foi elaborado por Jean-Hubert Martin junto a um comitê constituído por Jan Debbaut, Mark Francis e Jean-Louis Maubant.

Esta exposição apresentou um encontro não hierarquizado de obras de artistas ocidentais e não ocidentais distinguidos internacionalmente e de artistas de áreas marginais e periféricas pouco conhecidas nos circuitos habituais da arte18. Mais de cem artistas participaram desta exposição, metade proveniente do Ocidente e a outra metade das outras regiões.

Apesar de propor um diálogo entre os artistas do centro e da periferia, essa exposição foi julgada pela crítica como uma operação etnocêntrica e hegemônica19 “[...] não conseguiu desprender-se de considerar aos «outros» como primitivos, e na suposta convivência de códigos culturais contrapostos ficou reduzida a uma confrontação estética que pressupôs em

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18 Alguns dos artistas expositores foram Esther Mahlangu, Rashedd Araeen, Chéri Samba, Cildo Meireles, Horishi Teshigahara, Francesco Clemente, James Lee Byars, Nam June Paik e On Kawara. Ver em Guasch (2000, p. 562).

19 A exposição foi também criticada por caracterizar a “periferia” como mágica e autêntica. No número especial da Revista Third Text. Third World Perspectives on Contemporary Art and Culture (1989) essa crítica e outras perspectivas foram apresentadas.

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todo momento a superioridade da cultura ocidental sobre as não ocidentais”20 (GUASCH, 2000, p. 563).

Les Magiciens de la Terre foi também objeto de crítica para outras exposições que foram consideradas como contra-exposições. Esse foi o caso da exposição African Explores. 20th Century African Art organizada por Susan Vogel, no Center for African Art de Nova Iorque. Vogel desenhou a exposição em um tipo de percurso através da arte africana do século XX, sua relação com as economias marginais de produção e representação, assim como suas possíveis interferências e contaminações das vanguardas metropolitanas e do discurso pós-moderno ocidental21.

Outras exposições como The Other Story. Afro-Asian Artists in post-war Britain e Art in Latin America: The Modern Era 1920-1980 organizadas pela Hayward Gallery de Londres

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20 Do original: [...] no pudo desprenderse de considerar a los «otros» como primitivos, y en la que la supuesta convivencia de códigos culturales contrapuestos quedó reducida a una confrontación estética que presupuso en todo momento la superioridad de la cultura occidental sobre las no occidentales.

21!Ver em Guasch (2000, p. 564).!

Figura 5 – Capa do Catálogo da Exposição Magiciens de la terre, 1989.

Referências

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