FISIOLOGIA ANIMAL
AULA 4
ELECTROCARDIOGRAMA
ARMANDO CRISTÓVÃO, PAULO SANTOS e
2005
DEPARTAMENTO DE ZOOLOGIA
FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
OBJECTIVOS
Todos os músculos, incluindo o músculo cardíaco, produzem uma corrente eléctrica quando são excitados. Esta corrente resulta dos movimentos de iões através das membranas plasmáticas das fibras musculares, e é chamada potencial de acção. Uma vez que os fluidos do corpo são bons condutores, as flutuações no potencial, que representam a soma algébrica dos potenciais de acção das fibras miocardiais, podem ser detectadas e registadas à superfície do corpo. O registo destas alterações do potencial durante o ciclo cardíaco constitui o electrocardiograma (ECG).
O ECG permite obter informação sobre a actividade eléctrica cardíaca em pelo menos doze posições diferentes (derivações), cada uma das quais constitui uma “vista eléctrica” do coração de pontos diferentes do espaço. Assim, o objectivo desta experiência é obter um registo do ECG em várias derivações, determinar os intervalos de tempo das várias fases do ciclo cardíaco e comparar estes valores com os valores normais. Daí podem eventualmente derivar-se conclusões sobre o estado do músculo cardíaco e sobre a condução eléctrica do coração.
PARTE A
INTRODUÇÃO
O electrocardiograma (ECG) é um registo das alterações de potencial eléctrico que ocorrem durante despolarização e repolarização do coração. Um ECG normal consiste de três principais componentes: onda P, o complexo QRS e a onda T (Fig.1). Cada onda representa a transmissão de um impulso ou potencial eléctrico que irá estimular a contracção de uma porção específica do coração: a onda P reflecte a despolarização das aurículas a partir do nódulo sino-auricular; o complexo QRS reflecte a despolarização dos ventrículos; e a onda T é produzida pela repolarização (recuperação do potencial de repouso) dos ventrículos. Na Fig. 2 esquematiza-se a sequência de despolarização do coração que origina as várias ondas no ECG.
Fig.1 - Componentes de um ECG normal
indicando os intervalos de tempo entre as várias ondas ou componentes. Na figura, Seg. refere-se a refere-segmento e Int. a intervalo.
nódulo SA
feixe AV
fibras de Purkinje
nódulo AV
A. começa
B. completa-se
C. começa
D. completa-se
Excitação auricular
Excitação ventricular
Fig. 2 - Sequência de excitação do coração. A excitação inicia-se por despolarização intrínseca
das células do nódulo SA (A) e transmite-se às aurículas (B). Em seguida há uma demora do impulso no nódulo AV, o que permite que a excitação total das aurículas ocorra antes que se inicie a excitação dos ventrículos. Após esta demora, o impulso é conduzido pelo feixe A-V que se divide em dois feixes, o feixe esquerdo e o feixe direito, que conduzem a excitação para o vértice do ventrículo (C) e, no ventrículo esquerdo e direito respectivamente, estes feixes subdividem-se em numerosas fibras, as fibras de Purkinje, que conduzem rapidamente a excitação a toda a massa muscular dos ventrículos (D).
P
o
te
n
ci
al
(
m
V
)
1
-0,5
P
Q
R
S
T
Seg
PR
Int. PR
Seg
ST
Int. ST
Int. QT
Duração QRS
0,2 s
Tempo
REGISTO DO ELECTROCARDIOGRAMA
O sistema que vamos utilizar para registar o ECG encontra-se representado na Fig. 3. Consiste num conversor de um sinal analógico para um sinal digital que é armazenado num computador através de software apropriado. Este sistema permite amplificar e registar correntes de muito baixa voltagem (µV a mV), que são transmitidos desde o coração até à superfície do corpo onde se aplicam os eléctrodos. Estes eléctrodos são placas metálicas que são humedecidas com pasta condutora e são aplicados sobre a pele ao nível da parte interna dos pulsos e dos tornozelos. De acordo com a posição dos eléctrodos, assim se podem obter o ECG em várias derivações, como se esquematiza na Fig. 4 e na Tabela I.
Fig. 3 - Representação esquemática do sistema de aquisição de dados do ECG, indicando os
principais componentes: 1. Eléctrodos; 2.Luz indicadora de contacto com o BIOAmp; 3. Ligação para o canal 1 (detector de pulsação); 4. Ligação para o canal 2 (sistema BIOAmp); 5. Vista frontal do sistema PowerLab; 6. Vista frontal do sistema BIOAmp.
Fig. 4 - Representação esquemática
das ligações do sistema de aquisição de dados do ECG. 1. ligação BNC ao canal 2 do PowerLab; 2. Botão para ligar e desligar o sistema; 3. Ligação de um cabo à tomada eléctrica; 4. Ligação do PowerLab ao Bioamp; 5. Ligação à placa SCSI do computador. 1 2 3 4 5
O programa que permite controlar o sistema designa-se por “chart” e na figura seguinte, está representada a caixa de diálogo:
Fig. 5 - Representação do ecrã do software que permite a aquisição de dados do ECG,
indicando os principais componentes: 1. Nº de pontos a adquirir por segundo (deverá estar a 100); 2.Permite escolher a escala em Volts; 3. Permite verificar qual o amplificador que esta no canal 1 e deve-se seleccionar para visualizar um pré registo; 4. Permite verificar qual o amplificador que está no canal 2 e deve-se seleccionar BIOAmp e visualizar um pré-registo para ajustar as melhores condições; 5. Inicia e pára o registo; 6. O rato nesta zona do ecrã permite controlar a amplitude da escala de cada canal; 7. permite fazer zoom após seleccionar uma parte do registo.
O EIXO ELÉCTRICO MÉDIO DO CORAÇÃO
As derivações bipolares de extremidades entre o braço direito, o braço esquerdo e
a perna esquerda formam um triângulo à volta do coração conhecido por triângulo de
Einthoven (Fig. 5).
R F
+
-R
L
F
I
R F
+
-R
L
F
II
R F
+
-R
L
F
III
R F
+
-R
L
F
aVR
R F
+
-R
L
F
R F
R
L
F
+
-R F
+
-R
L
F
aVF
V1-6
aVL
Fig. 6 - Esquema das ligações dos eléctrodos nas várias derivações do ECG: I, II, III,
aVR, aVF e V. As letras referem-se a: L, braço esquerdo; R, braço direito; F, perna
esquerda; RF, perna direita.
TABELA I
POSIÇÕES DOS ELÉCTRODOS NAS VÁRIAS DERIVAÇÕES
TIPO DE DERIVAÇÃO
DERIVAÇÃO POSIÇÃO DOS ELÉCTRODOS E POLARIDADES _________________________________________ (+) (-)
Bipolares de extremidades
I Braço esquerdo (L) Braço direito (R)
II Perna esquerda (F) Braço direito (R)
III Perna esquerda (F) Braço esquerdo (L)
Unipolares de extremidades
aVR Braço direito (R)
Ponto médio entre: - braço esquerdo e a perna esquerda
aVL Braço esquerdo (L) - braço direito e a perna esquerda
aVF Perna esquerda (F) - braço direito e o braço esquerdo
Precordiais V1 a V6
sobre o tórax (posição 1 a 6)
Ponto médio entre o braço esquerdo, o braço direito e a perna esquerda
Fig. 7 - Modificação do triângulo
de Einthoven de modo a que as derivações I, II, III se cruzem num ponto central. Por convenção, o polo positivo da derivação I é + 0°, o polo positivo da derivação II é +60° e o polo positivo da derivação III é +120°.
Fig. 8 - Determinação da amplitude do
potencial e da polaridade do complexo QRS nas derivações I e II.
II
III
I
+
+
+
_
_
_
II
III
I
+
+
+
_
_
_
50º
B
A
A
B
Fig. 9 - Determinação do eixo eléctrico médio do coração. Neste exemplo é de 50° e o potencial
médio é de 0,3 mV (comprimento do vector AB)
II
III
I
+
+
+
_
_
0º
60º
120º
_
I
II
III
_
_
+
+
+
_
Triângulo de
Einthoven
Braço
Direito
Braço
Esquerdo
Perna
Esquerda
II
Derivação
+ 0,4 mV
-0,1 mV
0,4 - 0,1=+0,3 mV
I
Derivação
0,1 mV
+ 0,3 mV
-0,1 mV
0,3 -0,1=+ 0,2 mV
A modificação do triângulo de Einthovan de forma a que as derivações se cruzem num ponto central dá origem ao esquema da Fig. 7, sem que a relação matemática entre as derivações se altere. Com base nesta disposição dos eixos das derivações, e na amplitude das ondas do complexo QRS (Fig. 8) é possível determinar o eixo eléctrico do coração, isto é, a direcção preponderante do fluxo de corrente durante a despolarização dos ventrículos. Na Interpretação do ECG deve determinar-se, de rotina, o eixo eléctrico em conjunto com a frequência do ritmo cardíaco.
O eixo eléctrico do coração pode determinar-se a partir de duas derivações bipolares de extremidades usando o sistema de referência citado (Fig. 7). O eixo anatómico do coração é o ângulo do coração no corpo desde a base ao ápice. O seu valor normal é de 55°. O eixo eléctrico não é sinónimo da posição anatómica do coração, e representa a direcção principal do fluxo de corrente eléctrica durante a despolarização dos ventrículos. Nos ventrículos normais é de cerca de 59°. No entanto, são considerados valores normais entre 0° e 100°. Esta ampla variação deve-se a diferenças de estatura do corpo, na massa muscular dos ventrículos, na distribuição das fibras de Purkinje.
Duma forma aproximada o eixo eléctrico médio pode determinar-se do seguinte modo:
1. Obter registo do ECG nas derivações I e II (Fig. 8)
2. Determinar a amplitude do potencial e a polaridade das ondas Q, R e S no complexo QRS. 3. Efectuar a soma algébrica de R+(valor mais negativo entre Q e S). No exemplo (Fig. 8):
I R+S= + 0,3 - 0,1 = 0,2 mV II R+Q = + 0,4 - 0,1 = 0,3 mV
4. Os valores + 0,2 e + 0,3 são marcados nos respectivos eixos das derivações (Fig. 9A). As perpendiculares de cada eixo são traçadas nestes pontos. O ponto de intersecção destas duas perpendiculares representa a direcção do vector resultante (vector AB, Fig. 9B).
5. O comprimento do vector AB representa o potencial eléctrico médio gerado pelos ventrículos durante a despolarização (no exemplo 0,3 mV) e a direcção do vector o eixo eléctrico médio (no exemplo 50°)
Interpretação do electrocardiograma
O ECG fornece informação sobre o tempo requerido para a onda de despolarização passar através do sistema contráctil cardíaco e o tempo adicional necessário para a repolarização ventricular. Assim, devem-se analisar em detalhe as várias fases do ECG. A tabela II fornece informações sobre a gama normal de variação dos tempos dos vários intervalos num ECG e a explicação das suas causas.
TABELA II
Componentes e intervalos do ECG
COMPONENTE OU INTERVALO
TEMPO APROXIMADO (s)
ACONTECIMENTOS ELÉCTRICOS NO CORAÇÃO DURANTE O INTERVALO
Onda P 0,08 - 0,10 Despolarização das aurículas
Intervalo P-R 0,14 - 0,20 Condução através do nódulo AV, feixe AV, ramos do feixe AV e fibras de Purkinje
Complexo QRS 0,08 - 0,10 Despolarização dos ventrículos Onda T 0,12 - 0,16 Repolarização dos ventrículos
Segmento S-T 0,08 - 0,12 Tempo para completa despolarização dos ventrículos
Intervalo Q-T 0,30 - 0,35 Tempo para completa despolarização e repolarização dos ventrículos
Intervalo T-P 0,25 - 0,35 Tempo para completa repolarização antes do início da excitação auricular seguinte
PARTE B
PARTE EXPERIMENTAL
1. Registo do electrocardiograma
a)
Ligar o sistema de acordo com as figuras 3 e 4b)
A pessoa que vai fazer o ECG deve deitar-se sobre a bancada (de preferência bem isolada)c)
Limpar a pele com álcool nos pulsos e tornozelos, para remover todas as impurezas. Aplicar a pasta condutora nos eléctrodos. Efectuar as ligações de acordo com a tabela I para a derivação I e segure os eléctrodos com ligaduras de borracha (caso não sejam o sistema de pinça).d)
Estabelecer as condições no programa “Chart” de acordo com o indicado na Figura 5e)
Registar durante dez segundos em cada uma das derivações bipolares de extremidades (use o botão “start” e “stop” do programa “chart”, para ter apenas um registo)2. INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS
2.1. Cálculo do ritmo cardíaco
Com base no registo do ECG calcule, em qualquer derivação, o ritmo cardíaco. Para isso bastará medir o tempo que medeia entre dois acontecimentos eléctricos iguais e sucessivos (2 ondas r seguidas por exemplo).
Tempo de 4 ciclos
Ritmo cardíaco (ciclos por minuto)
2.2. Determinação da duração dos intervalos no ECG
Coloque no ecrã uma zona de uma derivação qualquer em que se distingam nitidamente o início e o final das várias ondas. Determinar os tempos dos vários intervalos (pode ver a figura 2 para os identificar) e componentes e indicá-los na tabela III. Comparar os valores obtidos com os valores normais (ver tabela II)
TABELA III
Intervalo ou componente
Duração (s) Duração Normal (s)
Onda P Intervalo P-R Complexo QRS Onda T Segmento S-T Intervalo Q-T Intervalo T-P Interpretação
3. Determinação do eixo eléctrico médio do coração
Com base no registo do ECG nas derivações I e II e de acordo com a explicação das figuras 7 a 9, determinar a amplitude e o eixo eléctrico médio do coração:
Amplitude mV Eixo eléctrico graus
Interpretação:
BIBLIOGRAFIA:
Goldman, M. J. (1976). Princípios de electrocardiografia clínica. Tradução brasileira 8ª edição. Editora Guanabara Koogan S. A. Rio de Janeiro.
Brown, Arthur M. e. Stubbs, Donald W. (1983). Medical Physiology. Editor John Wiley & Sons, Inc, New York.
Guyton, A. e Hall, John E. (1996).Tratado de Fisiologia Médica. Tradução espanhola 9ª edição. Editora McGraw-Hill - interamericana de espanha, Madrid.
Rhoades, Rodney A.. e Tanner, George A. (1996). Fisiologia Médica. Tradução espanhola. Editora MASSON-little, Brown, S.A., Barcelona. ´
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