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Corpo, tempo e envelhecimento : o discurso tridimensional de Hilda Hilst no livro "A Obscena Senhora D"

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FRANCISCO NORBERTO MOREIRA DA SILVA

A PERCEPÇÃO DO SER IDOSO: O CORPO, TEMPO E ENVELHECIMENTO NA OBRA A OBSCENA SENHORA D, DA ESCRITORA HILDA HILST

Projeto de pesquisa apresentado ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em

Gerontologia da Universidade Católica de Brasília, com vistas à qualificação.

Orientador: Prof. Dr. Vicente de Paula Faleiros Brasília

2009

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...4

1.1 HILDA HILST...6

1.2 LINGUAGEM EM HILDA HILST ...8

2 JUSTIFICATIVA...11

3 PROBLEMA...14

3.1 - EM PRIMEIRO LUGAR O CORPO...14

3.2 - EM SEGUNDO LUGAR O TEMPO...15

3.3 - EM TERCEIRO LUGAR O ENVELHECIMENTO ...16

4 OBJETIVOS ...18

4. 1 - GERAL...18

4.2 - ESPECÍFICOS ...18

5 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA...19

5.1 - CORPO...19

5.2 - TEMPO...23

5.3 - ENVELHECIMENTO ...24

FRANCISCO NORBERTO MOREIRA DA SILVA

FRANCISCO NORBERTO MOREIRA DA SILVA

A PERCEPÇÃO DO SER IDOSO: O CORPO, TEMPO E ENVELHECIMENTO NA OBRA A OBSCENA SENHORA D, DA ESCRITORA HILDA HILST

Projeto de pesquisa apresentado ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em

Gerontologia da Universidade Católica de Brasília, com vistas à qualificação.

Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa

Stricto Sensu

em Gerontologia

Trabalho de Conclusão de Curso

CORPO, TEMPO E ENVELHECIMENTO: O DISCURSO

TRIDIMENSIONAL DE HILDA HILST NO LIVRO “A OBSCENA

SENHORA D"

Brasília - DF

2010

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FRANCISCO NORBERTO MOREIRA DA SILVA

CORPO, TEMPO E ENVELHECIMENTO: O DISCURSO TRIDIMENSIONAL DE HILDA HILST NO LIVRO “A OBSCENA SENHORA D”

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Gerontologia da

Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Gerontologia

Orientador: Prof. Dr. Vicente de Paula Faleiros

(3)

Dissertação de autoria de Francisco Norberto Moreira da Silva, intitulada “CORPO, TEMPO E ENVELHECIMENTO: O DISCURSO TRIDIMENSIONAL DE HILDA HILST NO LIVRO ‘A OBSCENA SENHORA D’”, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Gerontologia pela Universidade Católica de Brasília, em 18 de outubro de 2010, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:

___________________________________________________________________ Prof. Dr. Vicente de Paula Faleiros

Orientador

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Gerontologia – UCB

________________________________________________________________ Profª. Drª. Marta Helena de Freitas

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia - UCB

___________________________________________________________________ Profª. Drª. Dione Oliveira Moura

Faculdade de Comunicação - UnB

Brasília

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AGRADECIMENTO

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Referência: SILVA, Francisco Norberto Moreira da. Corpo, tempo e envelhecimento: o discurso tridimensional de Hilda Hilst no livro “A Obscena Senhora D”. 2010. 128 f. Dissertação (Mestrado em Gerontologia) – Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu em

Gerontologia da Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2010.

O presente trabalho constitui-se de uma análise do discurso tridimensional de Hilda Hilst no livro “A obscena senhora D”, baseado na teoria da análise do discurso de Fairclough.

Pretendeu-se investigar a imagem do corpo, a representação do tempo e do envelhecimento, utilizando como eixos para analisar e compreender a construção de um discurso tridimensional (Fairclough) na velhice mostrada na obra. Para isso, apontou-se os diálogos da Senhora D como uma chave para entender o processo de envelhecimento: o corpo e a carne como resposta ao eterno conflito do ser humano com a certeza da existência, caracterizando, por meio da análise do discurso, como Hilda Hilst percebe o tempo do envelhecimento e analisa qual a visão social descrita por Hilda em relação à sexualidade do ser idoso na obra. A análise do discurso na obra foi feita de uma forma triangular que acontece quando a Senhora D fala, quando D fala de Hillé, quando Ehud fala para D e quando Ehud fala para Hillé. A teoria de Fairclough, por sua vez, trabalha com a tridimensionalidade do discurso, que apresenta três categorias de análise: análise textual, análise da prática discursiva e análise social. A fim de contribuir para a pesquisa de forma metodológica, utilizou-se a pesquisa descritiva e o estudo cultural, com o objetivo de conhecer o significado e o contexto da obra em comento. A pesquisa qualitativa é adequada, portanto, ao estudo proposto, pois enfoca a compreensão dos significados e da subjetividade que aparecem na obra de Hilda Hilst ao discutir a respeito do corpo, tempo e envelhecimento. Conclui-se, que alguns fragmentos da prosa ficcional hilstiana demonstram como, por trás do sarcasmo, do deboche, dos termos chulos, da agressividade e, às vezes, do nonsense de suas personagens delirantes, há um amor

extremado, uma preocupação e uma ternura profunda pela humanidade, bem como uma paixão exacerbada pela vida e se aflige também pelos sofrimentos que acometem os seres humanos de modo geral. Seres que têm tomado caminhos perigosos, que têm sido condenados pela completa inversão de valores.

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This study is composed by a tridimensional discourse analysis of the book written by Hilda Hilst “A obscena senhora D”, based onFairclough´s theory of discourse analysis. It aimed to

investigate the image of the body, the meaning of timing and aging, using the construction of a tridimensional discourse (Fairclough) as the axis to analyse and comprehend aging process presented in the book. The dialogues of Senhora D were pointed as the key issue to understand aging process: body as an answer to the endless human being conflict of individuals certain of existence, characterized by discourse analysis, how Hilda Hilst perceives aging time and analyses the social dimension described by Hilda in relation to elderly people sexuality. The discourse analysis of the book was made in a triangular way that can be perceived when Senhora D speaks, when D talks about Hillé, when Ehud speaks to D, and when Ehud speaks to Hillé. Fairclough´s theory takes into account the tridimensional dimension of discourse, that presents three categories of analysis: textual analysis, practical discourse analysis and social analysis. In order to contribute to the methodology of this study, descriptive research and cultural study were used, aiming to identify the meaning and the context of the cited book. Qualitative research is appropriate to this study since it focuses into the comprehension of meanings and into the subjectivity that are presented in Hilda Hilst´s book when its discusses about body, timing and aging. It was concluded that some pieces of Hilst´s fictional prose demonstrate how, behind sarcasm, debauch, vulgar speeches, aggressiveness, and sometimes, nonsense of delirious characters, there is an extreme love, worries and a deep tenderness for humanity, as well as an extreme passion for life, and the suffering inherent to the human being in general. Individuals that take dangerous steps and that have been condemned by complete reversal of principles.

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1 INTRODUÇÃO ... 9

1.1 A JUSTIFICATIVA ... 12

1.2 O PROBLEMA ... 14

1.2.1 Em primeiro lugar o corpo ... 14

1.2.2 Em segundo lugar, o tempo ... 15

1.2.3 Em terceiro lugar, o envelhecimento ... 16

1.3 OBJETIVOS ... 18

1.3.1 Geral ... 18

1.3.2 Específicos ... 18

2 MÉTODOS ... 19

3 REVISÃO DA LITERATURA ... 26

3.1 O CORPO ... 26

3.2 O TEMPO ... 31

3.3 ENVELHECIMENTO... 34

4 A ANÁLISE DO DISCURSO SEGUNDO FAIRCLOUGH ... 38

4.1 ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO: ENFOQUE SOCIAL DE FAIRCLOUGH ... 38

4.2 ANÁLISE DO DISCURSO DA OBRA “A OBSCENA SENHORA D”, DE HILDA HILST, A PARTIR DO MODELO TRIDIMENSIONAL DE FAIRCLOUGH... 39

4.3 ANÁLISE TEXTUAL ... 39

4.3.1 Vocabulário ... 40

4.3.2 Gramática ... 43

4.3.3 Tempo Verbal ... 46

4.3.4 Verbo auxiliar modal... 48

4.3.4.1 Coesão ... 50

4.3.4.2 Estrutura textual ... 55

4.4 ANÁLISE DISCURSIVA ... 59

4.5 DISTRIBUIÇÃO DO TEXTO ... 63

4.6 CONSUMO DO TEXTO ... 73

4.6.1 A poetisa ... 74

4.6.2 A Dramaturga ... 75

4.6.3 A Cronista ... 77

4.6.4 A ficcionista ... 79

4.6.4.1 Condições de práticas discursivas. ... 80

(9)

4.6.4.4 Os Anos 90 ... 85

4.6.5 Análise social ... 86

5 CONCLUSÃO ... 93

REFERÊNCIAS ... 96

APÊNDICE A – Artigo: A sexualidade do ser idoso: a visão do grotesco na terceira idade por meio de fragmentos da obra de Hilda Hilst. ... 101

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1 INTRODUÇÃO

A presente dissertação intitula-se “Corpo, tempo e envelhecimento: o discurso tridimensional de Hilda Hilst” no livro “A obscena senhora D”, baseado na teoria da análise

do discurso de Fairclough. O título dessa obra de Hilda Hilst refere-se a senhora D( Hillé) que passou a viver no vão da escada em busca de um sentido para sua existência aos 60 anos após o marido (Ehud) ter morrido. A letra “D” refere-se a derrelição (abandono), o uso do termo derrelição indica expressões da solidão e de sua referência na sociedade vivenciada pela personagem Senhora D (Hillé).

A motivação para escrever sobre o tema veio do estranhamento que o presente texto apresentado no teatro trouxe, pois projeta um olhar grotesco sobre o envelhecer, com toques de ironia e de pornografia em uma relação fronteiriça entre o obsceno e o sagrado.

“A obscena senhora D”, livro da autora (re) lançado em 2001, tem como personagem central uma senhora de 60 anos que decide viver no vão da escada em busca de um sentido para sua existência, com diálogo e interpelações intensas com o seu marido falecido (Ehud). A obra ainda demonstra as imagens introjetadas pela Senhora D provindas da relação com a vizinhança e que representam alguém que causa certo repúdio social, pois a Senhora D adota uma conduta considerada “amoral” ao vilarejo onde mora.

O texto de Hilst impressiona ao mostrar o rebaixamento da condição humana (bathos)

por meio de aspectos teratológicos, escatológicos e críticos, ao descrever a velha senhora. Por outro lado, o texto quer provocar o envolvimento do leitor, que, por meio do riso nervoso, pode se apaixonar ou se escandalizar com o retrato da sexualidade feminina na velhice.

A discussão da sexualidade para os personagens é um dejavu1 porém o desejo é

permanente e contemporâneo.

As configurações entre corpo, tempo e envelhecimento são utilizadas na interação da personagem Senhora D com os processos de influências sociais, ou seja, como essa velha senhora estabelece comunicação com o Outro. Hilda quer mostrar, em sua obra, um lugar de fala de alguém que se isolou do mundo e passou a morar no vão da escada, a Senhora D (derrelição, abandono), na sua percepção, aparece uma velha gasta, inativa, aquela que perdeu

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o status de objeto do desejo, o que lembra os aspectos fenomenológicos de Meleu-Ponty, que

são uma teoria que aparecerá em algum momento do texto para ampliar o entendimento do discurso de Hilda. Veja o trecho abaixo, em que Fonseca se refere à Fenomenologia de Ponty.

Para Fonseca (2001, p. 27), a posição do mundo como fenômeno, isto é, como só tendo sentido em sua manifestação na vivência, na redução fenomenológica, tem como resíduo não apenas o “eu penso” cartesiano, mas também a conexão ou correlação entre o “eu penso” e seu objeto de pensamento. Dessa forma, a consciência, enquanto vivendo no mundo, se dispersa na atividade espontânea de seu viver. Por outro lado, a iminência da esfera transcendental – a consciência – se ocupa somente consigo mesma e pode explicitar a si mesma a partir da corrente intencional que revela os atos de consciência, suas particularidades e orientações e o que está implícito em tais atos-objeto intencionais. A coisa sensível e a coisa física não se enlaçam por meio da causalidade. O mundo, em sua plenitude, não é meramente físico, se não psicofísico. A consciência se converte em humana ou animal, devido a sua relação com o corpo, e só por esse meio ocupa um lugar no espaço e tempo da natureza.

A relação corpo, tempo e envelhecimento, manifestada na Senhora D, contribui para uma reflexão sobre a relação entre velhice e desejo na literatura contemporânea, pois trata de uma temática sempre atual: a velhice e a percepção de ser velho.

O texto busca no passado literário uma abordagem hermenêutica para mostrar o grotesco como algo sempre presente na sociedade.

Para Almeida (2004), essa concepção do grotesco vem do latim crypta, do italiano grotta: gruta it. grottesca (ant. tb. grottesco), que significava elemento de decoração parietal

nascido e inspirado na decoração da Domus Aurea de Nero, cujas ruínas soterradas foram

descobertas no início do século XX. O termo “grotesco” também foi usado para ornamentos que representam objetos, plantas, animais e seres humanos ou frequentemente seres fantásticos, reunidos em cercaduras, medalhões e frisos que envolvem os painéis centrais de composições decorativas realizadas em estuques e em afrescos e característicos do chamado terceiro estilo de Pompeia.

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Já o profano se caracteriza como o erótico e pornográfico, que parece ser alguma coisa que não pode ser exposta, mas tem a intenção de prender a atenção do leitor e mostrar um novo olhar sobre a sexualidade do idoso.

Segundo o dicionário Houaiss (OBSCENO, 2007), a palavra “obsceno” pode ser entendida como tudo que é contrário ao pudor, especialmente em relação à sexualidade e pornografia; seria a representação de situações em textos, desenhos, filmes etc. que ferem o pudor – indecência, devassidão.

O subjetivismo presente na obra amplia o horizonte do dizer e como dizer em favor de alguém (a velha) e mostra à crítica social uma ampliação do contexto em que se insere a clausura feminina no corpo desejoso, mas que não é mais desejado. A dialética da pergunta e da resposta, sempre frequente no livro, aponta para a busca de um lugar e do sentido da existência na velhice.

O texto de Hilda Hilst parece apontar o obsceno e o grotesco como possibilidades de respostas às indagações sobre a velhice. A autora pretende levar o leitor a uma perspectiva que conduza a uma reflexão sobre a velhice por meio de elementos que demonstrem como a sociedade encara o retrato de uma personagem velha. A experimentação do grotesco em relação à sexualidade do senescente se caracteriza em Hilst como categoria estético-literária em suas modalidades – corpo, tempo e envelhecimento –, que aparecem no espaço ficcional para descrever a personagem Senhora D.

Enquanto problema da pesquisa, buscou-se o seguinte questionamento: qual o significado da percepção da relação entre o corpo, tempo e o envelhecimento na obra “A Obscena Senhora D”, de Hilda Hilst, ligados ao gênero feminino na dimensão social e individual do ser idoso? Para isso optou-se por um caminho metodológico que melhor se adequasse a esse tipo de pesquisa, e foi definido que seria utilizada a abordagem qualitativa.

Para discutir a velhice percebida em Hilda Hilst, foi feita análise do discurso da autora em sua obra. Entende-se por análise do discurso uma fonte para entender a comunicação e a linguagem na produção de textos sociais, religiosos, literários e políticos entre outros.

Para Fairclough (2008), o termo “discurso” é considerado como uma forma de prática social por meio da linguagem, um modo de ação e uma forma em que as pessoas podem agir sobre o mundo de representações e não como atividade puramente individual ou reflexo de várias situações.

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O gênero discursivo mostra que existe um papel que está definido pela sua relação com o Outro, pois não é possível que um enunciador fale para o vazio, sem um coenunciador. Assim, as posições enunciativas estão sempre ligadas a um determinado sujeito que, ao enunciar, presume uma espécie de ritual social da linguagem partilhado pelos seus interlocutores. É a noção de contrato social, que pressupõe que os indivíduos participam do mesmo corpo de práticas sociais; portanto, compartilham a mesma linguagem.

Como método, foram utilizados a pesquisa descritiva e o estudo cultural, com o objetivo de conhecer o significado da obra “A Obscena Senhora D” e o contexto em que foi criada. Busca-se entender o comportamento da personagem Senhora D no contexto social em que ocorre.

A abordagem descritiva tem como objetivo primordial a descrição das características de determinadas populações ou fenômenos. Já os estudos culturais enfocam as relações de poder entre culturas, nações, povos, etnias, raças, orientações sexuais e gêneros que resultam da conquista colonial européia e como de tais relações assimétricas nascem processos de tradução, resistência e de mestiçagem ou hibridação cultural que levam à formação de múltiplas identidades.

Para Denzin (2006), os estudos culturais são um campo de investigação de caráter interdisciplinar que explora as formas de produção ou criação de significados e de difusão dos mesmos nas sociedades atuais. Desde esta perspectiva, a criação de significados dos discursos reguladores das práticas significantes da sociedade revelam o papel representado pelo poder na regulação das atividades quotidianas das formações sociais.

Para melhor entendimento desta dissertação, serão apresentados, a seguir, os objetivos, a metodologia será melhor explicada no capítulo posterior e a justificativa dos motivos que motivaram a investigação sobre a temática corpo tempo e envelhecimento no texto de Hilda Hilst.

1.1 A JUSTIFICATIVA

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personagens velhos, carregados de significados diferenciados – talvez um olhar gerontológico que fizesse o leitor refletir sobre o corpo, o tempo e o envelhecimento.

Foi nessa trajetória que, em 2008, conheci o texto da escritora Hilda Hilst, na peça intitulada “A Obscena Senhora D”, produzida por Catarina Acyoli, em cartaz no palco giratório do SESC. O chamado “pornô chic” de Hilda Hilst produziu em mim perplexidade,

encantamento, estranheza e curiosidade. A busca por informações sobre Hilda – vida, obras e, principalmente, procurar entender como a autora fala sobre o processo de envelhecimento ligado ao gênero feminino.

A construção de Hilda Hilst mostra a personagem Senhora D na experiência do envelhecer, com uma marca identitária contemporânea, que mostra o universo do ser idoso com o mundo simbólico.

Essa percepção do idoso na sociedade aparece por meio de estilo orgânico vida-morte, em que o corpo é refratário às ações do tempo, que conduzem a uma reflexão sobre derrelição (abandono, desamparo) na velhice.

Hilst aponta uma preocupação com a eficácia do discurso ao falar sobre a pessoa idosa, do poder que essa fala tem e que, ao interpelar em favor de uma crença, quer ter acesso ao que muitas vezes não é dito, por meio de uma maneira de dizer, sobre a percepção de um ser vivido.

A visão erótica do corpo e a experimentação do grotesco em relação à sexualidade do senescente se caracterizam em Hilda Hilst como categoria estético-literária em suas modalidades escatológica – coprologicamente caracterizada como referência a dejetos humanos, secreções e partes baixas do corpo; teratológica – referências a monstruosidades, aberrações, deformações, bestialismo; e crítico discernimento formativo do objeto visado – transforma os poderes abusivos, reeducando o olhar para algo tragicômico; paródia ou caricatura – isso se dá por meio de uma escrita erétil dentro do espaço ficcional que inclui o horrível patológico ao descrever o personagem Senhora D.

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1.2 O PROBLEMA

Parte-se do seguinte questionamento para realizar esta pesquisa: qual a percepção no discurso de Hilda Hilst em relação ao corpo, tempo e o envelhecimento na obra “A Obscena Senhora D”, ligados ao gênero feminino na dimensão social e individual do ser idoso? Para essa investigação, trabalhar-se-á com as seguintes dimensões:

1.2.1 Em primeiro lugar o corpo

A palavra “corpo” sempre foi objeto de estudo e de apreciação da humanidade por se tratar de uma engrenagem composta. Por isso cada área do conhecimento procura apresentar definições que sirvam de apoio ao utilizar o corpo como objeto de estudo.

A filosofia traz representada no pensamento platônico a ideia de dois mundos em que o mundo sensível está ligado ao corpo, e o mundo inteligível, à alma. A alma seria a detentora do saber, e o corpo seria a prisão.

As regra sociais, segundo a teoria de Foucault (1998), mostram um corpo com variadas determinações, pois esse corpo em que se escreve a história pessoal e social do indivíduo muitas vezes está ligado às interdições do Estado, que permeiam o controle nas relações do indivíduo. Isso leva a entender que todas as regras sociais tendem a construir um corpo pelo aspecto de múltiplas determinações.

Lacam (apud NASIO, 1995) via o corpo como espelho da mente, que demonstra muito sobre nós mesmos. A ideia de Nietzsche sobre o corpo era algo surpreendente, pois ele (corpo) é o que somos e o que vivemos.

Ao apresentar essas teorias sobre o corpo, discutidas por vários pensadores, prentende-se apontar que a percepção corporal é multifacetada, que esprentende-ses questionamentos prentende-se ligam a um tempo e que existe uma metamorfose ao longo das civilizações ao falar do corpo.

Por isso o ciclo de percepção do velho em relação ao corpo e ao tempo foi descrito ao longo do percurso histórico da humanidade. Para Platão, o corpo na velhice era um cárcere, prisão, túmulo ou cadáver, resto daquilo que foi abandonado por tudo o que encarnava a vida e a dinâmica corporal.

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descritas em poemas de maneira carinhosa, desprovidas de certo erotismo, pois a elas era dedicado o lugar de comadres, esposas e companheiras.

Para Ferreira (2007), Horácio canta o vinho, as mulheres, os prazeres e odeia a velhice, que é o fim de todos os prazeres: "a triste velhice chega, banindo os amores folgazões e o sono fácil". E Ovídio junta tempo e velhice no mesmo saco: "Ó tempo, grande devastador, e tu, velhice invejosa, juntos destruís todas as coisas e, roendo lentamente com vossos dentes, consumis, afinal, todas as coisas numa morte lenta".

Horácio (apud FERREIRA, 2007) mostrava que a velhice feminina surgia em distintas obras como ameaça contra a virilidade masculina, mas, ao mesmo tempo, tinha um curso possível pela via do sexo oral.

Já Ovídio (apud FERREIRA, 2007) descrevia que a mulher orgulhosa era aquela que não atendia a demanda masculina, portanto receberia seu castigo quando, na velhice, ninguém se interessasse por elas.

A mulher que não compreendia o limite da própria idade e pretendia continuar sendo bela e apreciar os vinhos – o signo do prazer – não era bem vista na sociedade patriarcal.

Não eram desejadas, embora desejosas, ao exercício do gozo. O homem, ao contrário, tinha uma atividade sexual regular, até ser visto como alguém que largou as armas, que teria uma menor produção de esperma e membros frouxos (impotência), portanto o desejo sexual estava ligado às representações bélicas e musicais. A frase utilizada na velhice “largue as armas” indicava o abandono ao erotismo.

Havia uma repulsa pela fealdade dos velhos; em contrapartida, existia um véu que ocultava o mais humano do homem, seu ser efêmero, numa polarização jovem (o corpo dos deuses nunca envelhece) e velho.

As recentes aberturas na sociedade e no meio acadêmico para tratar da velhice levam a perceber como o idoso é caracterizado. Há velhos engajados, velhos inativos, velhos assanhados, velhos divertidos, alguns que continuam desejosos, outros que renunciaram à sexualidade e ao cuidado com o próprio corpo.

1.2.2 Em segundo lugar, o tempo

A palavra “tempo” vem do latim tempus, temporis, que significa a divisão da duração

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tempo como um período contínuo e indefinido no qual os eventos se sucedem e criam no homem a noção de presente, passado e futuro.

Segundo Lacub (2007), a representação do corpo e a sexualidade foram atravessadas pelo decurso do tempo ou por uma variável: “a temporalidade [...], que é feita por meio de uma codificação: infância, meia idade e velhice [...]”. A internalização da temporalidade do corpo teve relação com a incorporação dos espelhos ao ambiente doméstico, pois eles permitiam visualizar cotidianamente o corpo inteiro e de uma forma individual, tornando possível perceber suas modificações através do tempo.

O conceito de tempo e o vocabulário que o designa constituem um símbolo comunicativo. Por exemplo, o símbolo relógio e o calendário são artificiais, os ponteiros e as folhinhas numeradas com dias da semana são reconhecidos como tempo. São esses marcadores de tempo que acompanham o indivíduo, a sociedade e a natureza no processo natural da vida. A determinação do tempo se concebe a partir de uma representação que interage entre mundo e sujeito.

Instrumento de orientação indispensável para realizar múltiplas tarefas, o tempo, que muitas vezes é encarado como uma invenção humana, liga-se ao corpo para classificar fases ou períodos na vida de um determinado indivíduo.

Os símbolos temporais ligados ao tempo caracterizam o encaminhamento da vida individual. A regulação social do tempo assumiu aspecto pessoal e contribui para consolidar a consciência individual em relação aos processos da relação com o corpo e com o mundo.

Ao crescer, o indivíduo aprende a interpretar sinais temporais usados nas sociedades. A imagem e a representação do tempo em um determinado ser depende, pois, do nível de desenvolvimento das instituições sociais que representam o tempo e difundem seu conhecimento. Assim, o indivíduo, desde a mais tenra idade, possui experiências ligadas ao tempo.

1.2.3 Em terceiro lugar, o envelhecimento

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Verifica-se, também, que no envelhecimento se reduz a proporção de mulheres casadas e há um aumento de viúvas. Na população idosa feminina, encontram-se aproximadamente 41% de viúvas. Em função de menor mortalidade feminina, constata-se, pois, uma feminilização no segmento idoso.

O envelhecer está ligado à segregação, à desolação, à perda do eu, elementos que emolduram uma fotografia negativa da velhice, um caminhar para as trevas, o fim da ilusão de ser eterno. Essa visão trata os idosos como algo desagradável, já que a velhice, em algumas sociedades, está ligada à baixa produtividade do ser no contexto sociopolítico-econômico.

Na sociedade do belo, envelhecer e morrer foi deixado à margem; é tabu falar de velhice e morte, como foi tabu falar de virgindade durante algum tempo. Porém, em meio a tantas trevas, é possível encontrar no velho algo que ensine a viver, histórias de vida, sabedoria, entendimento da vida, o mestre. Os idosos serão luz, e poderemos descobri-los como tal quando nos aproximarmos deles e neles descobrirmos desejos, bom-humor e a graciosidade da velhice.

Pessini (2006, p. 154-163) afirma que os humanos não são simplesmente vítimas da velhice; esta não é uma experiência puramente passiva. Pelo contrário, envelhecer requer autopossessão e integração como qualquer outro estágio da vida, tal como a adolescência, a juventude e a idade adulta.

A sexualidade do idoso em Hilda Hilst é vista como tabu; alguém que foi engessado pela sociedade não pode mais sentir desejo ou prazer (HILST, 2001, p. 23):

[...] não venha, Ehud, posso fazer o café, o roupão branco está aqui, os peitos não caíram, é assustador até, mas não venha Ehud, não posso dispor do que não conheço, não sei o que é o corpo mãos boca sexo, não sei nada de você Ehud a não ser isso de estar sentado no vão da escada, isso de me dizer palavras, nunca soube nada, é isso nunca soube você deitava comigo, mesmo não sabendo.

Hilda mostra a sexualidade na velhice de uma forma que chama a atenção para o pornográfico e erótico ao se referir ao corpo da Senhora D. Segundo Azevedo Filho (2002), a pornografia tem leis exatamente claras. O erotismo, de algum modo, tendo outro tom, parece estar junto e vice-versa. Ambos adentram, como material, o campo da sexualidade, das interdições sociais e se expressam pela transgressão.

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Essas três dimensões serão mais bem discutidas na Revisão da Literatura.

1.3 OBJETIVOS

1.3.1 Geral

Investigar a imagem (são tentativas de captar o que existe, de torná-lo compreensível, um aspecto especial; na verdade é uma cópia, seja do mundo exterior ou do mundo interior) do corpo, a representação (significado que as figuras têm no contexto do livro) do tempo e do envelhecimento, que serão utilizados como eixos para analisar e compreender a construção de um discurso tridimensional (Fairclough) na velhice mostrada na obra “A Obscena Senhora D”, de Hilda Hilst.

1.3.2 Específicos

a) Apontar os diálogos da Senhora D como uma chave para entender o processo de envelhecer: o corpo e a carne como resposta ao eterno conflito do ser humano com a certeza da existência;

b) Caracterizar, por meio da análise do discurso, como Hilda Hilst percebe o tempo do envelhecimento;

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2 MÉTODOS

Esta pesquisa procura investigar como a escritora Hilda Hilst trabalha a percepção do ser idoso na obra “A Obscena Senhora D”, ao descrever o tempo, o corpo e o envelhecimento por meio de uma abordagem qualitativa.

Segundo Habermas (1990 apud MAY, 2004), a pesquisa qualitativa trabalha na construção de pontes tentando fundir os objetivos gêmeos de “como” (entendimento) e “porque” (explicação) na pesquisa social. Também para Minayo (1996), o objeto de trabalho das pesquisas sociais é qualitativo, havendo imbricação entre o pesquisador e a natureza do seu trabalho.

A pesquisa qualitativa busca entender os fatos em seu ambiente natural, por meio de sentido e interpretação dos fenômenos, de acordo com os significados que os sujeitos atribuem a eles. Ela acontece no processo interativo, em que a história pessoal, a biografia, as classes sociais com suas várias características pessoais estão envolvidas no contexto da pesquisa. Isso mostra como as estratégias de pesquisa podem revelar usos e significados trazidos para cada prática.

Os pesquisadores, nesse tipo de pesquisa, reconhecem que o sujeito é capaz de relatar e significar sua própria experiência, sendo esses significados a ponte para o conhecimento do próprio mundo interno.

É importante entender que, em qualquer pesquisa social, deve existir uma compreensão intersubjetiva da linguagem que se mostra, para que possam ser avaliados dois aspectos fundamentais. O primeiro é o elo entre a própria experiência de vida de alguém e a tradição à qual ele pertence, e o segundo acontece na esfera das comunicações entre diferentes indivíduos.

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Ao enunciar, o sujeito concede certo lugar de fala e atribui um lugar complementar ao Outro. O ouvinte do discurso deve reconhecer quem fala e o que diz a respeito de algo. Porém essa fala só terá sentido se o Eu e o Outro compartilharem o que está sendo enunciado.

O gênero discursivo mostra que um papel está definido pela sua relação com o Outro, pois não é possível que um enunciador fale para o vazio, sem um coenunciador.

Maingueneau (1997) aponta três sujeitos: o primeiro é o sujeito linguístico, é aquele que interessa à linguística, pois ele é um pressuposto, não o objeto de seu estudo. O segundo é o sujeito da formação discursiva, é interpelado pela ideologia que o constitui. E o terceiro é o sujeito genérico, pois o indivíduo não é entendido como sujeito sob a forma universal do sujeito de enunciação, mas em certo número de lugares enunciativos que fazem com que uma sequência discursiva seja uma alocução.

Assim, as posições enunciativas estão sempre ligadas a um determinado sujeito que, ao enunciar, presume uma espécie de ritual social da linguagem partilhado pelos seus interlocutores. É a noção de contrato social que pressupõe que os indivíduos participam do mesmo corpo de práticas sociais, portanto compartilham a mesma linguagem.

A análise do discurso na obra “A Obscena Senhora D”, de Hilda Hilst, será feita de uma foram triangular que acontece quando a Senhora D fala, quando D fala de Hillé, quando Ehud fala para D e quando Ehud fala para Hillé.

Embora Mainguenau (1997) tenha uma importante contribuição para a análise do discurso, inclusive ao identificar e nomear os tipos de sujeitos, optou-se, ao trabalhar com esse tipo de análise, pela teoria de Fairclough, pois o autor trabalha com um olhar tridimensional em que avalia os vários momentos do discurso dentro da prática social. A seguir virá uma breve explicação para se entender como acontece a análise do discurso segundo Fairclough (2008).

A análise do discurso para Fairclough é um conceito que mostra várias perspectivas relacionadas a um texto, que em geral é formulado a partir de uma perspectiva teórica ou ligado a alguma disciplina e que busca conceituar ou definir por meio de uma amostragem referencial o discurso na interação entre um falante e um receptor, por isso há que se levar em consideração o contexto em que esse discurso está inserido.

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Na análise crítica de um discurso, a linguagem será estudada como uma prática social em que o papel do contexto é fundamental. Por isso a Análise do Discurso (AD) em geral quer analisar o discurso ligado à relação de dominação, de poder e controle, na busca de compreensão de como isso se manifesta por meio da linguagem.

Fairclough (2008) afirma que a AD é uma forma de ciência crítica que foi concebida como ciência social destinada a identificar os problemas que as pessoas enfrentam em decorrência de formas particulares da vida social. O discurso orientado linguisticamente e o pensamento social e político são relevantes para o discurso e a linguagem no estudo da mudança social.

Percebe-se que existem implicações do uso social da linguagem; o discurso é uma forma de ação sobre o mundo e sobre os outros, o que se caracteriza como um modo de representação do dizer. A estrutura social então servirá como uma moldura para dar corpo a esse discurso, já que ele aparece por meio de classes ou relações sociais.

Outro aspecto importante é que ao ser moldado o discurso surge com suas próprias normas ou convenções, que não quer apenas representar um mundo, mas também dar significado a essas identidades sociais, e pretende mostrar a posição do sujeito e os tipos de “eu” por ele manifestado.

Se o discurso está atrelado à linguagem dentro de uma estrutura social, há que se pensar na função que esse deve exercer e quais são as dimensões de sentido que quer demonstrar. Enquanto função podem-se citar a função identitária, a função relacional e a função ideacional. A primeira mostra os modos pelo quais as identidades sociais são estabelecidas no discurso; a segunda função mostra a relação social dos sujeitos participantes do discurso; já na terceira função, os textos significam o mundo e seus processos, entidades e relações.

É importante lembrar que todo discurso, seja ele escrito ou oral, é um objeto historicamente produzido e interpretado, o que possibilita entender que a função da linguagem também se localiza no tempo e espaço, fazendo com que esse discurso seja sempre móvel, pois ele é legitimado dentro de uma estrutura e de um contexto e que, fora deste contexto, o que se diz pode ter outro sentido.

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Fairclough, que trabalha com a tridimensionalidade do discurso, que, por sua vez, apresenta três categorias de análise: análise textual, análise da prática discursiva e análise social. Para se entender melhor como isso acontece, serão descritos no próximo tópico alguns conceitos básicos que são utilizados na análise do discurso.

Para se entender melhor a natureza da análise do discurso segundo Fairclough (2008), faz-se necessário o entendimento de alguns conceitos, porém esses conceitos foram aqui comentados como sendo indissociáveis, pois eles são complementares para se entender a análise do discurso segundo a teoria tridimensional de Fairclough. Serão apresentados então os conceitos de: discurso, contexto, sujeito, identidade, intertextualidade, interdiscursividade, crítica discursiva, ideologia e linguagem.

O discurso é entendido como o reflexo da realidade e da estrutura social. Ele acontece por meio da dialética, que leva em consideração a determinação do discurso, e sua construção social se apresenta como forma idealizada, como fonte social. O discurso, portanto, ocorre como fonte discursiva de uma sociedade por meio de uma prática social que está intrinsecamente ligada a estruturas sociais concretas (materiais), orientadas para essa prática, não por meio de um jogo livre de ideias na mente dos indivíduos.

Fairclough (2008)defende o discurso como prática política e ideológica. Como prática política, o discurso estabelece, mantém e transforma as relações de poder e as entidades coletivas em que existem tais relações. Como prática ideológica, o discurso constitui, naturaliza, mantém e também transforma os significados de mundo nos mais diversos posicionamentos das relações de poder.

O discurso deve então ser entendido como um modo de ação (como as pessoas agem sobre o mundo e sobre as outras), como um modo de representação (há uma dialética entre ele e a estrutura social). O discurso, ainda, é tanto moldado como restringido pela estrutura social. “Os eventos discursivos específicos variam em sua determinação estrutural segundo o domínio social particular ou o quadro institucional em que são gerados” (FAIRCLOUGH, 2008, p. 91). Eles são, também, socialmente constitutivos. O discurso é uma prática de representação e de significação do mundo, constituindo e construindo esse mundo em significado.

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Porém nenhum discurso ou contexto está dissociado de um emissor, que é a pessoa que emite mensagens endereçadas a um receptor. Disso decorre o sistema simétrico da comunicação. Porém na pragmática discursiva o termo emissor não é mais concebido como uma simples fonte ou processo de codificação, como se o sentido estivesse determinado antecipadamente, mas esse emissor aparece como um sujeito munido de intenção, de uma competência, investido de um projeto de fala. Para Fairclough (2008), os sujeitos podem contrapor e, de forma progressiva, reestruturar a dominação e as formações mediante a prática, isto é, os sujeitos sociais são moldados pelas práticas discursivas, mas também são capazes de remodelar e reestruturar essas práticas conforme a identidade do discurso.

Essa identidade do discurso tem a ver com a origem social, gênero, classe, atitudes e crenças de um falante e é expressa a partir das formas linguísticas e dos significados que esse falante seleciona, passando à maneira como o produtor de um texto (editor) retextualiza a fala de um locutor, atribuindo-se uma identidade e outra para esse locutor (emissor/sujeito).

Todo o discurso ligado ao contexto e ao sujeito não se dissocia na maioria das vezes das categorias de intertextualidade e de interdiscursividade, que são bastante exploradas pela AD, pois elas têm como finalidade analisar as relações de um texto ou um discurso considerando outros que lhe são recorrentes.

A intertextualidade é entendida quando se recorre explicitamente a outros textos específicos. Ela pode ser intertextualidade sequencial, que é aquela em que diferentes tipos de discurso se alternam em um texto; ou intertextualidade encaixada, que é aquela em que um tipo de discurso está claramente contido dentro da matriz de um outro, e ainda é citada por Fairclough (2008) como intertextualidade mista, em que textos ou tipos de discurso estão fundidos de forma mais complexa e menos facilmente separável.

Já a interdiscursividade é como um tipo de discurso que é constituído por meio de uma combinação de elementos de discurso. Os elementos da interdiscursividade são:

a) Os gêneros – que podem ser entendidos como textos relativamente estáveis de um enunciado dada a riqueza de variedade. Eles podem ser separados em dois grupos. O primeiro é conhecido como gênero primário, que são aqueles que fazem parte do cotidiano da linguagem e que podem ser controlados diretamente na situação discursiva. Entre eles temos bilhetes, cartas, diálogos, relato familiar. Os gêneros secundários são aqueles geralmente mediados pela escrita e fazem parte do uso oficial. São o romance, o teatro, o discurso científico.

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é produzida em um mesmo contexto institucional ou comunitário, que pode ter tanto uma circulação interna como uma circulação externa, e pode interagir com outros textos de outras ordens discursivas (rede social, regras, rituais etc.).

c) Estilo de discurso – são as formas constantes que dão qualidade à expressão na arte de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos.

Fairclough (2008) ainda indica que na análise do discurso “a crítica discursiva” que será feita ao texto analisado pode ser entendida como um ato político que muitas vezes está centrado na autocrítica de uma sociedade, de um grupo religioso etc. Isso não se dissocia da ideologia, pois ela indica no seio da sociedade a regulamentação ou normatização e conservação de relações desiguais de poder; por isso a crítica se utiliza em geral de preceitos já instituídos pela ideologia para entender determinados discursos. Caberá então à linguagem a função de classificar e expressar que tipo de poder é esse que permeia o texto. Os sujeitos do discurso fazem da linguagem e suas competências um meio para revelar o poder que pode ser, em alguns casos, negociado ou mesmo disputado, pois é rara a ocasião em que um texto é obra de uma pessoa só. Porém a linguagem não deve ser entendida como algo que se origina no poder, ela apenas se vale de seu próprio poder para efetivar um controle que a pessoa é capaz de demonstrar por meio de um texto.

A fim de contribuir para a pesquisa de forma metodológica, será utilizada a pesquisa descritiva e o estudo cultural, com o objetivo de conhecer o significado e o contexto da obra em comento. Busca-se entender o comportamento da personagem Senhora D no seu contexto social.

A abordagem descritiva tem como objetivo primordial a descrição das características de determinadas populações ou fenômenos. Uma de suas características é a utilização de técnicas padronizadas de coleta de dados, tais como o questionário e a observação sistemática. Destacam-se também na pesquisa descritiva aquelas que visam a descrever características de grupos (idade, sexo, procedência etc.), como também a descrição de um processo numa organização, o estudo do nível de atendimento de entidades, levantamento de opiniões, atitudes e crenças de uma população.

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Ao caminhar por esse universo, será necessária a aquisição de dados para a confecção da presente pesquisa. Serão utilizados subsídios adquiridos na obra “A Obscena Senhora D”, sendo essa referência entendida como fonte primária. As fontes secundárias utilizadas no presente estudo se constituíram primordialmente de artigos de periódicos científicos captados por meio de busca bibliográfica realizada em base de dados eletrônicos, além de manuais especializados e outras publicações.

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3 REVISÃO DA LITERATURA

Este capítulo pretende demonstrar como alguns teóricos abordam as dimensões ligadas ao corpo, tempo e envelhecimento apontados por Hilda Hilst em seu textoum tanto barroco e um tanto contemporâneo na Obra “A Obscena Senhora D”. A intenção ao discutir essas dimensões é que elas possam subsidiar a análise do discurso que será feita posteriormente do texto de Hilst aqui apontado.

3.1 O CORPO

A palavra “corpo” sempre foi objeto de estudo e de apreciação da humanidade por se tratar de uma engrenagem composta que tem a possibilidade de articular com o outro e com o mundo uma relação de interação em que um eu passa a ser conhecido por meio de gestos e atitudes que são vivenciadas no corpo. Por isso cada área do conhecimento procura apresentar definições que sirvam de apoio ao utilizar o corpo como objeto de estudo.

A filosofia traz representada no pensamento platônico a ideia de dois mundos em que o mundo sensível está ligado ao corpo, e o mundo inteligível à alma. A alma seria a detentora do saber, e o corpo seria a prisão.

As regras sociais, segundo a teoria de Foucault (1998), mostram um corpo com variadas determinações, pois esse corpo em que se inscreve a história pessoal e social do indivíduo muitas vezes está ligado às interdições do Estado, que permeiam o controle nas relações do indivíduo. Isso leva a entender que todas as regras sociais tendem a construir um corpo pelo aspecto de múltiplas determinações.

Lacan (apud NASIO, 1995) via o corpo como espelho da mente, que demonstra muito sobre nós mesmos. A ideia de Nietzsche (apud NASIO, 1995) sobre o corpo era algo surpreendente, pois ele (corpo) é o que somos e o que vivemos.

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Ao apresentar essas teorias sobre o corpo, discutidas por vários pensadores, prentende-se apontar que a percepção corporal é multifacetada, que esprentende-ses questionamentos prentende-se ligam a um tempo e que, ao falar do corpo, existe uma metamorfose ao longo das civilizações.

O corpo sempre foi identificado como instrumento mediador e organizador entre a subjetividade e o mundo com o qual esse sujeito se relaciona, que pode servir para aprisioná-lo ou libertá-aprisioná-lo quando é possível acompanhar seus desejos.

Schopenhauer (apud GOLDFARB, 1998, p. 38) afirma que o Eu do sujeito é aquele elo temporal entre estas duas manifestações: o sujeito do querer e o sujeito do conhecer. Aponta esse dualismo quando refere que, no primeiro caso (sujeito do querer), existe algo entre instinto e pulsão e, no segundo caso (sujeito do conhecer), algo entre pulsão e intelecto, sendo que, tanto no primeiro caso como no segundo, está a vontade do sujeito manifestada no corpo.

O pensamento de Schopenhauer (apud GOLDFARB, 1998, p. 38) abre a seguinte reflexão: é possível ou não conhecer a vontade e o desejo do ser que envelhece? Ou se sabe apenas aquilo que é manifestado pelo sujeito por meio da representação de seu mundo?

Hilda Hilst apresenta o corpo da velha senhora desprovido de encanto por ser comparado, em determinado momento, a uma porca ou a uma sapa, e o desejo de viver em sociedade foi colocado de lado, já que a velha Senhora D passou a viver trancada em sua casa e a morar no vão da escada. Ehud, o marido morto com quem a Senhora D estabelece os diálogos, faz o seguinte relato a Hillé:

Então escuta aqui na vila me perguntaram por você todos os dias, eles vêm trazer o leite, a carne, as flores que eu te trago, querem saber o porquê das janelas fechadas, tento explicar que a Senhora D é pouco complicada, tenta, Hillé, algumas vezes lhes dizer algumas palavras, você está me ouvindo? Ando cheio de sussurros, das portas entreabertas quando passo pela rua ando cheio, está me ouvindo? Te amo, Hillé, está escutando? Sim olhe, esse teu fechado tem muito a ver com o corpo [...]. (HILST, 2001, p. 22)

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a) O sujeito que envelhece se insere dentro de um contexto social para representar ou ser representado por uma categoria heterogênea em relação a funções e atributos que são peculiares a cada sociedade.

Para Moscovici (1978),

A representação também é uma forma de conhecimento por meio da qual aquele que conhece se substitui no que ele conhece. Daí decorre a alternação que caracteriza ora representar, ora representar-se entre o polo passivo da estampagem do objeto – a figura e o polo ativo da escolha do sujeito – a significação que lhe dá e de que ele se está investindo [...] trata-se da construção lógica. No real, a estrutura da cada representação apresenta-se desdobrada, tem duas faces tão pouco dissociáveis quanto a página da frente e o verso de uma folha de papel: a face figurativa e a face simbólica.

O pensamento de Serge Moscovici (1978) expressa bem a discussão que Hilda Hilst quer imprimir no seu relato sobre a representação do corpo que envelhece, pois essa busca não se liga apenas a conhecer o corpo natural, que interessa à pesquisa biológica, mas também àquilo que é representado pela linguagem e que manifesta desejo ou pulsões, o corpo simbólico.

Segundo Françoise Dolto (1986 apud NASIO, 1995), o corpo é ferramenta, mediador organizado entre o sujeito e o mundo, mas ela diferencia esquema corporal de imagem inconsciente do corpo. O esquema corporal é uma realidade de fato, mais ou menos comum a todos os indivíduos de uma cultura, época e regiões determinadas. Estrutura-se mediante o aprendizado e a experiência e é consciente, pré-consciente e inconsciente. A imagem do corpo, pelo contrário, é própria a cada sujeito e está ligada a sua história. É relacional, depende especialmente da história libidinal, apresenta-se como síntese das experiências relacionais do sujeito desejante e pode ser considerada como sua encarnação simbólica.

Dolto (1986 apud NASIO, 1995) mostra que as primeiras sensações corporais, como sugar o seio materno, os primeiros contatos com o mundo físico, são experiências de realidade que levam a um processo identificatório do corpo, mas ainda não reconhece um Eu nem Outro. Porém a imagem do corpo é anterior à maturidade orgânica.

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sociais relacionados ao ser que envelhece são subjacentes a determinados comportamentos, ditados por uma determinada cultura.

Em “A Obscena Senhora D”, de Hilda Hilst (2001), o corpo aparece como armadilha para questionar a velhice: “o que são essas senhoras velhas, os ganidos da infância, os homens curvos o que pensam de si mesmo os tolos, as crianças, o que é pensar [...]”. A personagem Senhora D, encostada no vão da escada, reflete sobre sua existência; os diálogos com o marido morto, Ehud, funcionam como uma busca para encontrar nesse corpo, gasto pelo tempo, algo do passado; para fazer ressurgir a adorável Hillé, pois é o marido que a faz lembrar-se do tempo em que era jovem, em que faziam sexo, e que reconhece, nesse corpo decrépito, a jovialidade de uma mulher que ainda possui os seios perfeitos – “os peitos não caíram” (HILST, 2001, p.10).

Hilda Hilst na verdade utiliza uma fala sobre o corpo para discutir o aqui e o agora, ou seja, a velhice vivida por uma mulher que se isolou da sociedade e procura usar sua escrita como uma fonte de mostrar esse olhar sobre si mesma no processo do envelhecer. Sua personagem Hillé (Senhora D) se vale de uma polivalência semântica no nível do objeto simbólico, pois, ao falar do corpo animado, mostra-se muitas vezes como um animal que caminha aos bandos.

A identificação mítica homem e animal, que indica, em alguns casos, rebaixamento de valores, ausência de qualidade ou de situação social, mostra que, por meio da animalidade básica, surgiria o homem verdadeiro. A forma do nariz, dos olhos, da testa ao ser comparada às de animais é uma forma de transgressão da forma estética em que um traço não bem definido remete ao barroco, forte, chocante, chamado de barrochus ruprestis, com forte dose

de naturalismo rústico. Para Sodré e Paiva (2002), a alma do barroco tem com o corpo uma relação complexa: sempre inseparável do corpo, ela encontra neste uma animalidade que aturde, que embaraça nos recônditos da matéria, mas também uma humanidade orgânica ou cerebral.

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Para Ferreira (2007), Horácio canta o vinho, as mulheres, os prazeres e odeia a velhice, que é o fim de todos os prazeres: "a triste velhice chega, banindo os amores folgazões e o sono fácil". E Ovídio junta tempo e velhice no mesmo saco: "Ó tempo, grande devastador, e tu, velhice invejosa, juntos destruís todas as coisas e, roendo lentamente com vossos dentes, consumis, afinal, todas as coisas numa morte lenta".

Horácio (apud FERREIRA, 2007) mostrava que a velhice feminina surgia em distintas obras como ameaça contra a virilidade masculina, mas, ao mesmo tempo, tinha um curso possível pela via do sexo oral.

Já Ovídio (apud FERREIRA, 2007) descrevia que a mulher orgulhosa era aquela que não atendia à demanda masculina, portanto receberia seu castigo quando, na velhice, ninguém se interessasse por elas.

Segundo essa visão sobre as relações de gênero numa sociedade discriminatória, a mulher que não compreendia o limite da própria idade e pretendia continuar sendo bela e apreciar os vinhos – o signo do prazer – não era bem vista na sociedade patriarcal. Não eram desejadas, embora desejosas, ao exercício do gozo. O homem, ao contrário, tinha uma atividade sexual regular, até ser visto como alguém que largou as armas, que teria uma menor produção de esperma e membros frouxos (impotência); portanto o desejo sexual estava ligado às representações bélicas e musicais. A frase utilizada na velhice “largue as armas” indicava o abandono do erotismo.

Havia uma repulsa à fealdade dos velhos; em contrapartida, existia um véu que ocultava o mais humano do homem, seu ser efêmero, numa polarização jovem (o corpo dos deuses nunca envelhece) e velho. As recentes aberturas na sociedade e no meio acadêmico para tratar da velhice levam a perceber como o idoso é caracterizado. Há velhos engajados, velhos inativos, velhos assanhados, velhos divertidos, alguns que continuam desejosos, outros que renunciaram à sexualidade e ao cuidado com o próprio corpo. É a heterogeneidade da velhice que deve ser entendida como uma etapa da vida em que cada sujeito tem uma maneira própria de vivenciá-la, já que o sujeito idoso tem uma forma de existir no mundo, que é representado pelo corpo, que ajuda a identificar esse sujeito histórico e crítico. Estar na mesma faixa etária não significa que ele possui uma velhice homogênea com as mesmas necessidades e anseios de outro velho, já que as mudanças sofridas com o tempo são únicas a todos os seres humanos.

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quem devaneia, a qual exprime uma visão desencantada da existência ao comparar a velha senhora com animais. Na sua composição, ao expressar a figura da Senhora D de maneira monstruosa sob formas humanas X animais, fica clara a intenção de Hilda Hilst de provocar no leitor o medo ou o riso nervoso, um estranhamento e uma sensação de absurdo ou de inexplicável.

Outro ponto discutido pela autora Hilst é a relação de velhice com o tempo – tempo igual à finitude e solidão dos dias, tempo de reclusão e isolamento, tempo de ser rechaçada pela vizinhança e que será discutido a seguir.

3.2 O TEMPO

O tempo na obra “A Obscena Senhora D”quer apresentar a velhice como algo estranho à personagem Senhora D e também à própria autora, pois os questionamentos sobre os dias, como lidar com o corpo, como não reconhecê-lo, são constantes ao longo do discurso de Hilda. O tempo é algo que não afeta somente a imagem, mas também o psíquico, a relação social. No primeiro caso o tempo desenhou em Hillé pintas pelo corpo – “a casa da sapa” (HILST, 2001, p. 40); no segundo caso o psiquismo da Senhora D é demonstrado por meio dos questionamentos que são feitos a Ehud, o marido morto: “como é o tempo no úmido fosso” (HILST, 2001, p. 39); em outro trecho: “sábio é o que tu és, Ehud por que, senhora D? ao teu redor um tempo conhecido palmilhado, o olhar de quem conheceu muito” (HILST, 2001, p. 83); no terceiro caso o tempo na relação social da personagem senhora D com a vila se mostra como algo deteriorado, vazio do contato social: “Memórias velhice tateio nadas, amizades que se foram, objetos que foram acariciados” (HILST, 2001, p. 71). Em outro trecho:

Deito sobre a palha no meu vão da escada, toco dentro das águas os peixes pardos, esfarelam-se, é preciso recortar os novos, talvez deva usar um papel mais encorpado para resistirem mais tempo [...] por que não me colocaram uma crosta calosa, ao invés de carne uma matéria de fibras muito duras, esticadas e tesas, essas cordas de arco [...] corda de outra carne mais imbatível e viva sobre Hillé, iria suportar melhor a caduquice (HILST, 2001, p. 33).

A palavra “tempo” vem do latim tempus, temporis, que significa a divisão da duração

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define o tempo como um período contínuo e indefinido no qual os eventos se sucedem e criam no homem a noção de presente, passado e futuro.

Segundo Lacub (2007 p. 23), a representação do corpo e a sexualidade foram atravessadas pelo decurso do tempo ou por uma variável que pode ser entendida como: “a temporalidade [...], que é feita por meio de uma codificação: infância, meia idade e velhice”. A internalização da temporalidade do corpo teve relação com a incorporação dos espelhos ao ambiente doméstico, pois eles permitiam visualizar cotidianamente o corpo inteiro e de uma forma individual, tornando possível perceber suas modificações através do tempo.

O conceito de tempo e o vocabulário que o designa constituem um símbolo comunicativo. Por exemplo, o símbolo relógio e o calendário são artificiais; os ponteiros e as folhinhas numeradas com dias da semana são reconhecidos como tempo. São esses marcadores de tempo que acompanham o indivíduo, a sociedade e a natureza no processo natural da vida. A determinação do tempo se concebe a partir de uma representação que interage entre mundo e sujeito. Instrumento de orientação indispensável para realizar múltiplas tarefas, o tempo, que muitas vezes é encarado como uma invenção humana, liga-se ao corpo para classificar fases ou períodos na vida de um determinado indivíduo.

Os símbolos temporais ligados ao tempo caracterizam o encaminhamento da vida individual. A regulação social do tempo assumiu aspecto pessoal e contribui para consolidar a consciência individual em relação aos processos da relação com o corpo e com o mundo.

Para Merleau-Ponty (2006, p. 549), o tempo no caminho que nos conduz à subjetividade é em primeiro lugar porque todas as nossas experiências, enquanto são nossas, se dispõem segundo o antes e o depois, porque a temporalidade, em linguagem kantiana, é a forma do sentido interno, e porque ela é o caráter mais geral dos fatos psíquicos.

Ao crescer, o indivíduo aprende a interpretar sinais temporais usados nas sociedades. A imagem e a representação do tempo em um determinado ser depende, pois, do nível de desenvolvimento das instituições sociais, que representam o tempo e difundem seu conhecimento. Assim, o indivíduo, desde a mais tenra idade, possui experiências ligadas ao tempo.

A dinâmica da relação social para homens e mulheres que envelheceram sofre uma pressão do tempo, do belo ao feio (juventude-velhice). Surgem comparações com estilo de vida e de experiência que caracterizam cada sujeito e indicam como cada ser utilizou o tempo vivido.

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humano. Nesse entrecruzamento de tempos encontra-se o sujeito que percebe seu envelhecimento, deixa de contar os anos vividos e passa a fazer planos para os anos que ainda lhe resta viver.

O tempo em “A Obscena Senhora D”, de Hilda Hilst, apresenta-se em determinados

momento como Kronos – é o tempo mensurado, com dias, meses e anos (cronológico), que é

finito, metódico, controlado, igual para todos; considera-se esse tempo linear, que cobramos aos outros e do qual dizemos “tempo é dinheiro”. É também conhecido como o tempo do calendário. O tempo do relógio em Hilda aparece como tempo de finitude e velhice: “Também não compreendo o corpo, essa armadilha, nem a sangrenta lógica dos dias” (HILST, 2001, p. 21); em outro trecho: “Quem a mim me nomeia o mundo? Estar aqui no existir da terra, nascer, decifrar-se, aprender a deles adequada linguagem, estar bem não estou bem, Ehud ninguém está bem, estamos todos morrendo” (HILST, 2001, p. 24). E em outro momento aparece na obra o tempo apresentado como Kairós, que significa “o momento certo

ou oportuno”. Quando estamos totalmente absorvidos e vivemos no momento presente, sempre que nos sentimos apaixonados pelo que estamos a fazer ou pelas pessoas com quem estamos empenhados, absorvidos, vivemos Kairós, que é considerado o tempo que alimenta a

alma. Veja a citação do texto “A Obscena Senhora D”: “sessenta anos à procura da Luz numa cegueira silenciosa” (HILST, 2001, p. 17); em outro trecho: “quero te falar do fardo quando envelhecemos, do desaparecimento dessa coisa que não existe mas é crua, é viva, o tempo” (HILST, 2001, p. 18).

Côrte (2006) mostra que a procura do sentido do tempo e de como gerir o tempo de uma vida mais longa marcada pela multiplicidade sincrônica dos papéis e dos estatutos está subjacente aos novos comportamentos em face do envelhecer e do envelhecimento.

Ainda há que falar do exílio e isolamento da idosa que, por falta de interação social, levam a uma diminuição das referências que lhe dão identidade. O tempo atual na velhice feminina é visto como a soma de eventos presentes e passados. O fato já transcorrido é objeto de mais atenção do que aquele que poderá ocorrer.

O processo de identidade na velhice que está em permanente mudança evoca o passado como uma maneira de atualizar a história pessoal de cada indivíduo, e é essa repetição que se torna o núcleo que define como o sujeito se relacionará com o tempo.

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Goldfarb (1998) afirma que o tempo influencia a estrutura psíquica, modificando a posição do sujeito, provocando especificidades suscetíveis de revelar-se em cada tipo de organização subjetiva e de modo singular para cada velho.

A autora se refere ao que cada sujeito faz com sua velhice. Muitas vezes existem “coisas de velhos” rígidas e não passíveis de mobilidade, e a ressignificação acontece ao longo da vida e não só na velhice, pois cada velhice é uma construção subjetiva particular (GOLDFARB, 1998, p. 34).

A expressão do tempo na velhice remete a uma posição de segmento anterior na evolução contínua do ser humano, pois essa percepção encontra-se expressa no símbolo social temporal e comunicável, que é pontual em cada fase da vida do indivíduo infância, idade

adulta e velhice.

O tempo em Hilda Hilst é algo que está à procura de ser entendido, presente no seu processo de questionamento da personagem Senhora D com o mundo:

[...] queria te falar, te falar da morte de Ivan Ilitch, da solidão desse homem, desses nadas do dia a dia que vão consumindo a melhor parte de nós, queria te falar do fardo quando envelhecemos, do desaparecimento, dessa coisa que não existe mas é crua, é viva, o Tempo. (HILST, 2001, p. 18).

3.3 ENVELHECIMENTO

O Censo Demográfico de 2000 (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2000) demonstra que 55% da população brasileira com mais de 60 anos é formado por mulheres. Entre os de idade superior a 80 anos, essa proporção sobe para 60,1%. Verifica-se, também, que no envelhecimento se reduz a proporção de mulheres casadas e há um aumento de viúvas. Na população idosa feminina encontram-se aproximadamente 41% de viúvas. Em função da menor mortalidade feminina, constata-se, pois, uma feminilização no segmento idoso.

O envelhecer pode estar ligado à segregação, à desolação, à perda do eu elementos

que emolduram uma fotografia negativa da velhice, um caminhar para as trevas, o fim da ilusão de ser eterno. Essa visão trata os idosos como algo desagradável, já que a velhice, em algumas sociedades, está ligada à baixa produtividade do ser no contexto sociopolítico-econômico.

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tantas trevas, é possível encontrar no velho algo que ensine a viver, histórias de vida, sabedoria, entendimento da vida, o mestre. Os idosos serão luz e poderemos descobri-los como tal quando nos aproximarmos deles e neles descobrirmos desejos, bom-humor e a graciosidade da velhice.

Pessini (2006, p. 154-163) afirma que os humanos não são simplesmente vítimas da velhice esta não é uma experiência puramente passiva. Pelo contrário, envelhecer requer

autopossessão e integração como qualquer outro estágio da vida, tal como a adolescência, a juventude e a idade adulta.

A sexualidade do idoso em Hilda Hilst é vista como tabu; alguém que foi engessado pela sociedade não pode mais sentir desejo ou prazer (HILST, 2001, p. 23):

[...] não venha, Ehud, posso fazer o café, o roupão branco está aqui, os peitos não caíram, é assustador até, mas não venha Ehud, não posso dispor do que não conheço, não sei o que é o corpo mãos boca sexo, não sei nada de você Ehud a não ser isso de estar sentado no vão da escada, isso de me dizer palavras, nunca soube nada, é isso nunca soube você deitava comigo, mesmo não sabendo.

Hilda mostra a sexualidade na velhice de uma forma que chama a atenção para o pornográfico e erótico ao se referir ao corpo da Senhora D. Segundo Azevedo Filho (2002), a pornografia tem leis exatamente claras. O erotismo, de algum modo, tendo outro tom, parece estar junto e vice-versa. Ambos adentram, como material, o campo da sexualidade, das interdições sociais e se expressam pela transgressão.

Hilst produz um texto que é por vezes hostil e provocativo ao representar o idoso em sua obra, pois a sexualidade do senescente, por vezes, provoca riso no leitor e, por vezes, provoca embaraçamento, produzindo um gênero de efeitos variados, voltando o olhar do espectador para um retrato da velhice por vezes agradável e por vezes desagradável.

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de atividades. Os autores desmistificaram a crença de que na viuvez as mulheres são menos desejáveis por não poderem reproduzir e de que essa fase não era o limite do desejo.

Negreiros (2004, p. 22), afirma que:

Nas últimas décadas do final do século XX, foram muito intensas e aceleradas as mudanças relacionadas à sexualidade. Cada homem e cada mulher foi e continua sendo protagonista, espectador e autor de rupturas e transformações sem precedentes nos costumes e nos estilos de vida [...]. A geração mais velha, por exemplo, experimentou, por um tempo maior, relações de poder e também adquiriram mais noções sobre os papéis masculino e feminino calcadas em modelo tradicional. [...] Na esfera pública – domínio masculino e privado – domínio feminino [...] se os mais velhos experimentam relações de poder homem-mulher é que no decorrer de sua trajetória [...] assimetria relacional, principalmente no tocante a sua sexualidade.

A individualização na velhice deve levar em conta a idade, gênero e atributos físicos, que perdem força em nome de uma clivagem social. A percepção social do velho passa por uma estigmatização da menos valia, que funciona como um fator de redução de potencialidades no processo de envelhecer.

É preciso entender qual a distância entre o percurso de inserção sociocultural e o projeto de vida da mulher, pois a construção do papel feminino, na condição de sujeito de um projeto, deve persistir até o envelhecimento. Fica claro que toda essa construção deve ser organizada durante o ciclo de vida.

Segundo Forghieri (1993, p. 15), a redução é uma abstração relativamente ao mundo e ao sujeito, mas uma mudança de atitude – da natural para a fenomenológica – que nos permite visualizá-los como fenômeno, ou como constituinte de uma totalidade, no seio do qual o mundo e o sujeito revelam-se, reciprocamente, como significações.

Há que pensar que o envelhecimento social deve passar por uma reestruturação individual e coletiva em que os sistemas de papéis e laços sociais adquiram novas significações. Isso se faz necessário porque a modernidade trouxe dificuldades de adaptação do idoso, que viveu em um contexto de grandes mudanças entre obrigações familiares e trabalho profissional.

Referências

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