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4.3 ANÁLISE TEXTUAL

4.6.5 Análise social

A análise social tem como objetivo especificar “a natureza da prática social da qual a prática discursiva é uma parte, constituindo a base para explicar por que a prática discursiva é como é e os efeitos da prática discursiva sobre a prática social” (FAIRCLOUGH, 2008, p. 289), porque “a prática social (política, ideológica etc.) é uma dimensão do evento comunicativo, da mesma forma que o texto” (FAIRCLOUGH, 2008, p. 99). Essa é uma análise de tradição macrossociológica e com características interpretativas. É uma dimensão que verifica as questões de interesse na análise social, ou seja, analisa as circunstâncias institucionais e organizacionais do evento discursivo e de que maneira elas moldam a natureza da prática discursiva.

O discurso, como prática social, tem por objetivo, especialmente, trabalhar ideologia e hegemonia. No primeiro caso, das ideologias, são construções ou significações da realidade (mundo físico, relações sociais, identidades sociais) que se fundamentam em diferentes dimensões das formas e dos sentidos das práticas discursivas e que colaboram para a produção, a reprodução ou a transformação das relações de poder.

As ideologias implícitas nas práticas discursivas são por demais eficazes quando se tornam naturalizadas e conseguem atingir o status de senso comum (repositório dos diversos efeitos de lutas ideológicas passadas e constante alvo de reestruturação nas lutas atuais). Contudo, essa propriedade aparentemente estável e estabelecida das ideologias pode ser subjugada pela transformação, ou seja, pela luta ideológica como dimensão da prática discursiva, conseguindo-se, assim, remodelar as práticas discursivas e as ideologias que nelas foram construídas, no contexto das redefinições das relações de dominação.

No segundo caso, o da hegemonia, há que se levar em consideração a matriz social do discurso, que tem por finalidade especificar as relações e as estruturas sociais que se

constituem a partir das estruturas e relações. Isso se torna possível, pois a ordem do discurso produz efeito de reprodução e transformação, seja de efeito ideológico, dos sistemas de conhecimento de crenças, de relações sociais ou de identidades sociais (eu).

A pornografia, do ponto de vista social na obra de Hilst, quer satisfazer um desejo, mesmo que isso o coloque à margem da sociedade, visto que a pornografia funciona como o corte na excitação, pois ela é utilizada na verdade pela autora com intenção de produzir uma metalinguagem em que coloca seus vários sujeitos do discurso – EHUD, Senhora D e Hillé – na busca de um reconhecimento, assim como a autora está em busca de reconhecimento de sua obra pelos críticos e público em geral.

Hilda utiliza o discurso como estratégia de marketing, pois quer vender livros – isso é incontestável – porém sua ideologia, que era “liberar a criatividade”, é na verdade uma resposta a sua falta de público; sua tetralogia obscena surge como forma de buscar reconhecimento.

E é bem verdade que o reconhecimento chegou a partir de 1990, quando então é lançado “O caderno rosa de Lori Lamby”. Porém a crítica tentou enquadrá-la como uma escritora maldita, porca e depravada – “a velha tirou a saia”. O papel feminino descrito na obras de Hilst, seja de Lori com oito anos ou da Senhora D com 60, quer demonstrar o tratamento dados à mulher na sociedade enquanto criança desejável, enquanto velha repugnante.

Segundo Pécora (2010, p. 37), Hilda, ao ser perguntada pela mudança do Código Civil, em 1959, se as mulheres deveriam ter mais direitos do que os homens, ela respondeu que na verdade as mulheres deveriam ter mais deveres, pois ela considerava que o mais importante é amar e ser amada como as mulheres da idade média.

Isso demonstrava que as questões de ordem pública irritavam a autora, que de fato estava preocupada com outras questões sociais ligadas ao feminino. Na verdade a expectativa de Hilda era de conquistar sujeitos extraordinários, que compreendessem seu trabalho de escritora. Seu interesse também era voltado às questões sociais. Quando, por exemplo, denunciou que em Rondônia e no Acre mais de mil menores haviam sido vendidas como prostitutas para garimpeiros, a autora se dizia em estado catatônico e argumentou que só restava “beber, beber além do que bebo”.

Enquanto análise social, a obra “A Obscena Senhora D” de Hilda Hilst mostra a condição social do sujeito que envelhece, sua relação com o tempo e com o corpo. Porém o que aparece na superfície é na verdade um espelho do que há na profundidade, pois Hilst quer se inserir contra a condição de sujeição que a sociedade determina ao velho. A qualificação de

depravada e obscena sem parecer moralista já mostra o protesto da autora a uma subjugação da espécie, seja enquanto feminina, enquanto velha ou enquanto escritora.

Outro fato importante é o movimento de descida que a personagem senhora D faz quando resolve viver no vão da escada – “Senhora D, é definitivo isso de morar no vão da escada?” (HILST, 2001, p. 18) –, pois parece manifestar a implicação da autora em relação ao mundo que vivencia, Para se sentir segura parece precisar estar próxima do chão, e a escada parece a fortaleza de onde pode questionar os vários aspectos de sua relação objetiva e subjetiva com o mundo. No abandono de Hillé, percebe-se a distância da vontade do Outro. O horror do vão da escada cria um mundo longe da lucidez, um mundo de máscaras, capaz de assustar, causar polêmica, dizer aquilo que o lúcido não seria capaz.

Ehud e se eu costurasse máscaras de seda ajustadas, elegantes, por exemplo, se eu estivesse serena sairia com máscara de serenidade, leve, pequenas pinceladas, um meio sorriso, todos os que estivessem serenos usariam as mesmas máscaras, máscara de ódio, de não disponibilidade, máscara de luto, máscara de não pacto, não seria preciso perguntar vai bem como vai etc., tudo estaria na cara (HILST, 2001, p. 25).

[...] abro a janela nuns urros compassados, espalho roucos palavrões, giro as órbitas atrás da máscara, não lhes falei que recorto ovais feitos de estopa, ajusto-os na cara e desenho sobrancelhas, negras, olhos, bocas brancas aberta? Há máscara de focinhez e espinhos amarelos (canudos de papel, pintados pregos), há máscara de ferrugem e esterco, a boca cheia de dentes, há uma desastrada lembrança de mim mesma (HILST, 2001, p. 20).

Segundo Forghieri (1993, p. 27):

Nos acontecimentos da vida diária podemos evidenciar o quanto estamos implicados no mundo pela aflição que sentimos quando, por exemplo, simplesmente escorregamos e caímos; ficamos desapontados e confusos, pois ao perder o chão no qual nos apoiamos, sentimo-nos, por instantes, como se perdêssemos o próprio mundo e, simultaneamente, [...] para sabermos quem somos precisamos, de certo modo, saber onde nos encontramos. Para sabermos quem somos precisamos, de certo modo, saber onde estamos, pois, a identidade de cada um de nós está implicada nos acontecimentos que vivenciamos no mundo.

O processo de degradação do corpo, que faz o leitor refletir sobre sua condição humana, traz uma escrita rica de votos amorosos, inquietações metafísicas, ironia política e o não pacto social, que é sempre representado por uma relação perversa com a vizinhança.

Essa confusão de manifestações apresentadas pela personagem Senhora D parece funcionar como um mecanismo para se posicionar contra as imposições das ideologias dominantes na obra representadas pela vila: “E agora vejamos as frases corretas para quando abrir a janela à sociedade da vila: o podre cu de vocês vossas imagináveis pestilências as

bocas fétidas de escarro e estupidez gordas bundas esperando a vez. de quê? de cagar nas panelas” (HILST, 2001, p. 48); em outro trecho: “sabe Antonão, a vida é tão cheia de tranqueira, porca sapa velha, que se a gente não enche o bucho e não dá uns mergulhos nos buraco das mulhé, vezenquando uns murros numa gente, cuspidas e escarradas, umas pauladas no cachorro, esses descansos, se a gente não faz isso Antonão a vida fica triste” (HILST, 2001, p. 41). Esses trechos nos mostram que Hilda quer se impor contra os valores determinados pela sociedade, ela quer na verdade mostrar uma ideia oposta à relação da vida cotidiana com as suas rotinas. Em relação aos dogmas da igreja, Hilst procura romper a tradição imposta do que é o divino, de quem é o seu representante na terra: o padre, o pastor. Veja o trecho a seguir: “Venho Senhora D venho a pedido da vila, a confissão, a comunhão, não quer? meu nome é de onde vem Mal, senhor? o misterium iniquitatis, a Senhora D, há milênios lutamos com respostas, coexistem bons e mal, o corpo do mal é separado do divino” (HILST, 2001, p. 31, grifo da autora). Em outro trecho continua o diálogo entre Hillé e o padre: “por que fecha sempre as janelas? E por que devo abri-las? E por que as abre derepente e assusta as gentes e grita? O corpo é quem grita esses vazios tristes por que não alimenta o corpo com benquerença aceitando o agrado dos outros? Por que o corpo está morto e a alma? A alma é hóspede da Terra, procura e te olha os olhos agora, e te vê cheio de perguntas sou um homem como outro qualquer, Senhora D então rua, fora, despacha-te homem como outro qualquer” (HILST, 2001, p. 32).

Hilda expõe ao ridículo os dogmas e as ideologias vigentes, com a intenção de subverter a ordem das coisas e oferece a elas uma nova interpretação, que parece ser condizente com a carnavalização, termo proveniente da palavra “carnaval”, que era utilizada na paródia medieval carnavalesca. A carnavalização permite que nos deparemos com novas perspectivas e óticas pouco convencionais sobre assuntos variados. Por meio de uma linguagem calcada no exagero, no paradoxo e no não ortodoxo, o texto carnavalizado se espelha na festa popular denominada carnaval. A paródia medieval carnavalesca, apresentada por Hilda Hilst na obra “A Obscena Senhora D”, quer propiciar o renascimento, o crescimento e a compreensão provenientes da catarse.

Para Bakhtin (2002, p. 9-10), todas as formas e símbolos da linguagem carnavalesca estão impregnados do lirismo da alternância e da renovação, da consciência da alegre relatividade das verdades e autoridades do poder. Ela caracteriza-se, principalmente, pela lógica original das coisas “ao avesso”, “ao contrário”, das permutações constantes do alto e do baixo (“a roda”), da face e do traseiro, e pelas diversas formas de paródia, travestis, degradações, profanações, coroamentos, destronamentos bufões. A segunda vida, o segundo

mundo da cultura popular, constrói-se de certa forma como paródia da vida ordinária, como um “mundo ao revés”.

A carnavalização aparece de maneira a contestar os dogmas, que Hilst roga por explicações sobre a existência do PAI ETERNO:

Como será a cara DELE hen? É só luz? Uma gigantesca tampinha prateada? não há vínculo entre ELE e nós? não dizem que é PAI? não fez um acordo conosco? fez, fez, é PAI, somos filhos. não é o PAI obrigado a cuidar da prole, a zelar ainda que a contragosto? É PAI relapso? (HILST, 2001, p. 38).

Em outro trecho:

Engulo-te homem Cristo no caminho das águas, se eras homem sabias desse turvo no peito, desse grande desconhecimento que de tão grande se parece à sabedoria, de estar presente no mundo sabendo que há um pai eternamente ausente (HILST, 2001, p. 67).

O fato é que Hilst-Hillé-Ehud-Senhora D estão em busca de entender o sagrado e o profano, por isso exigem explicações, para entender o que provocou tanta desordem, e o que levou a espécie humana a uma derrocada. Isso nos mostra o altruísmo e o inconformismo de Hilda Hilst com a condição humana.

A linguagem discursiva de Hilda Hilst traz referências ao clero, à escatologia e à realidade cruel que aparece na obra como se estivesse na superfície, mas que na verdade remete a algo mais profundo, que é o fluxo de consciência da autora.

Para Chaui (2002, p. 187):

[...] a linguagem é esta cuja força existe somente quando não se reduz a ser mera designação de coisas nem mera cópia de pensamentos? Não é a linguagem empírica e costumeira de nossa vida cotidiana, já instituída em nossa cultura. É a linguagem criadora e operante, instituinte. É a linguagem do escritor quando este imprime uma torção na linguagem existente, obriga-a a uma “deformação coerente”, rouba-lhe o equilíbrio para fazê-la significar e dizer o novo. “Como tecelão, o escritor trabalha pelo avesso: só tem a ver com a linguagem e é assim que, subitamente, encontra-se rodeado de sentido

Enquanto hegemonia, o discurso de Hilda questiona a sustentação da hegemonia ideológica burguesa, principalmente a hegemonia cristã com seus reflexos sobre a cultura, visto que essa forma de hegemonia remete a uma espécie de messianismo que vem dominando alguns seguimentos da sociedade com um imaginário da divindade patriarcal.

A religiosidade como hegemonia aparece na obra de Hilda como algo questionável, em relação a sua fé, ao Deus, ao que esse Deus tem feito com a humanidade e o que os

homens são capazes de fazer em nome desse Deus. A espiritualidade aparece ligada ao tempo, ao corpo e à velhice como forma de questionar o que foi aprendido e que agora não faz mais sentido.

Como será a cara DELE hen? É só luz? Uma gigantesca tampinha prateada? Não há vínculo entre ELE e nós? não dizem que é PAI, somos filhos, não é o PAI obrigado a cuidar da prole, a zelar ainda que a contragosto? É PAI relapso? (HILST, 2001, p. 38).

Olha Hillé a face de Deus onde onde? Olha o abismo e vê eu vejo nada debruça-te mais agora só névoa e fundura é isso. Adora-O. Condensa névoa e fundura e constrói uma cara. Res facta, aquieta-te (HILST, 2001, p. 47).

O pai tem cheiro bom, a mãe também. Eles usam perfume. Por que? Não é bom a gente cheirar o cheiro da gente? Não sei. Por que a gente se veste? É feio ficar pelado? Eles dizem que é. Por quê? Olha a lagarta ela tá pelada, coitada. Ehud, escuta: você já viu Deus? Eu não, Deus me livre. Por quê Ah sei lá, a gente não conhece (HILST, 2001, p. 43).

A hierarquia dos dogmas se soma ao texto de Hilda, a deuses de outras culturas e também a seres considerados demoníacos, como Asmodeu, que significa também “aquele que faz perecer” (anjo destruidor – II Samuel 24:16, Sabedoria 18:25; Apocalipse 9:11). Asmodeu reaparece no testamento de Salomão (onde ele é, como em Tobias, inimigo da união conjugal) e no judaísmo pós-bíblico. Asmodeu também é chamado de Ashmadia, que pode originar do persa Aeshma-Deva ou "Demônio da Ira", um dos demônios do parsismo. Asmodeu é um demônio da mitologia do judaísmo (Livro de Tobias 3, 8, 17- 6, 14 – 8, 2), considerado o demônio bíblico da ira e da luxúria. Outro ser que aparece no texto de Hilda é Astaroth, que é considerado um grão duque do Inferno; é um demônio de primeira hierarquia que seduz por meio da beleza, da vaidade, filosofias racionalistas. Em geral esse demônio inspira os matemáticos, os artesãos, os pintores e outros artistas liberais; pode dar invisibilidade aos homens, pode conduzir os homens a tesouros escondidos. Hilst se utiliza desses seres com a intenção clara de romper com o Deus cristão, em busca de uma nova significação para sua existência. O patriarcalismo de recorte judaico-cristão produziu o Deus Pai de nosso modelo de civilização, criou o mundo e os homens. Depois, colocou-se fora dele, delegando seu poder ao homem, criado à sua imagem e semelhança. Deus é uma espécie de “motor imóvel” que só interfere no mundo de forma miraculosa e/ou através de intermediários rigorosamente estabelecidos por alguma espécie de saber esotérico, vinculado a algum tipo de instituição formal.

Senhora D, podia por favor abrir a janela? Só um instantinho, sabe o que é, é que tem um homem aqui que sabe fazer benzedura, sabe o que é senhora D, espera um pouco, o homem tá dizendo umas coisas, presta atenção senhora D. quem? ah sim, o

homem tá dizendo que Asmodeu, Asmodeu a senhora conhece né? Ele dizia que sim que a senhora conhece, então, se a senhora conhece não precisa dizer muito mais, mas o homem ta dizendo que Asmodeu tá aí dentro do seu peito, hen? Quem mais, moço? Tem mais aí senhora D, pera um pouco que o nome desse é mais difícil, ah sim, Astaroth, é isso, credo Astaroth, é isso, esses dois estão aí, é o homem que diz, ele também tá dizendo que esses é que fazem a senhora assim, viu Senhora D? senhora D? (HILST, 2001, p. 58).

Por isso o questionamento de Hilda Hilst se faz exatamente a respeito de quando esse Deus voltará a interferir no mundo que ele próprio criou e do qual se exilou voluntariamente. Ou seja, para nos encontrarmos com essa divindade, temos que nos afastar do mundo. Hilst questiona a transcendência, se ela está ou não está vinculada ao nosso estar no mundo.

Hilda quer mostrar que esse modelo hegemônico patriarcal instituído pela religião foi transferido para outras áreas da vivência do ser humano e que muita atrocidade é feita em nome do deus cristão; que o mundo feminino também sofreu influências diretas ou indiretas dessa cultura; que o discurso, em especial, no caso de Hilda, o literário, capaz de se inserir, como algo político, no fazer estético para mudar essa visão; e fazer com que alguns escritores contemporâneos tomem para si, com maior ou menor consciência, a tarefa de se impor e desconstruir a ditadura da objetividade, imposta pela hegemonia da cultura ocidental.

Joca que enfiou o dedo no cu da criança de zitinho dizendo que lá era a boca de Deus. Virge nossa e a pretinha, cês não lembra? Qual? Aquela que era preta e se atirô no cal, tô dizendo que pega credo qual? Pois a única preta aqui da vila que ficô branca ahnnn, aquela, mas aquela não tava loca não, queria zarpá mesmo pro outro lado virge tá todo mundo mal, ontem também senti um troço aqui por dentro tu precisa é metê (HILST, 2001, p. 64).

Hilst (2001) propõe uma imaginação visionária que possa servir de arma para combater a alienação proposta pela hegemonia burguesa, talvez algo de contracultura interna ou uma espécie de antídoto ao caráter ritual da obra literária, do fazer técnico e poético sem compromisso com uma única verdade, mas sim para apresentar várias verdades ou pontos de vista.

5 CONCLUSÃO

Nesta dissertação de mestrado, foi possível discorrer sobre uma temática tão abrangente quanto sedutora – o corpo, o tempo e o envelhecimento no discurso de Hilda Hilst na obra “A Obscena Senhora D”, utilizando como teoria para tal a teoria de Fairclough. Durante todo o tempo de pesquisa, foi possível trabalhar com o discurso de Hilda Hilst na busca de compreender quem é essa escritora e o que são seus personagens e como que o seu texto pode ser essencial à aventura humana.

“A Obscena Senhora D”representa um momento de perfeição estilística que mostra uma escrita equilibrada do desempenho em que ficção e prosa conversam de maneira complementar. Hilda Hilst compõe votos amorosos, extremos dramáticos e sensuais em que a linguagem ora vulgar ora rebuscada contribui para dizer o não dito, os anseios de mulher, velha e escritora.

A inquietação metafísica, com dúvidas e questionamentos teológicos ligados ao corpo (velhice), aparece ligada a um método aporético, que pode ser entendido como loucura ou ciência de configuração do discurso, que é por vezes rico em ironia obscena, porém que não perde seu foco político, que tem como intenção questionar a evidência, a mediocridade da burguesia e os dogmas constituídos pela igreja.

Porém é importante citar que o término deste trabalho acadêmico não constitui a sinalização de uma reta final, de uma conclusão, de uma visão definitiva sobre os assuntos abordados. Ao contrário, representa um novo começo e fortalece um desejo de ir além, de seguir adiante, de desvendar as novas paisagens que se sucedem nessa jornada infinita que é a busca pelo conhecimento.

A verdade é que as influências do sagrado, do profano e dos aspectos carnavalizantes das obras de Hilda Hilst mostram possibilidades de um caráter universal da obra da autora, pois é uma obra rica em dualidade, e ambivalência dialética da experiência humana cristalizada e representada, apresentada de forma sublime na literatura brasileira.

Hilda consegue, por meio do discurso, apontar a mesquinhez do ser humano. Isso se mostra no texto por meio da vizinhança burra, que está disposta a qualquer barbárie para garantir a hegemonia do senso comum. A vila aparece sempre em condição ridícula e caricata, que ajuda a montar o quebra-cabeça nonsense (expressão inglesa que denota algo disparatado, sem nexo. A expressão é utilizada para denotar um estilo característico de humor perturbado e sem sentido) e contribui para apresentar o humor negro da autora, que chega a exacebar em

determinados momentos do texto utilizando recursos escatológicos e bestialógicos com uma certa energia excessiva.

Os dilemas da personagem Senhora D são dilemas do homem desde o princípio da civilização. Esses dilemas inerentes à condição humana sempre confrontam o ser humano, independentemente de nossas posições ideológicas, de nossa classe social, de nossa nacionalidade. Os dilemas apresentados por Hilst mostram a união dos contrários, algo bem característico da literatura barroca – o masculino e o feminino, a luz e as trevas, a matéria e o espírito, o particular e o universal, o sagrado e o profano – polos complementares que

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