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4.3 ANÁLISE TEXTUAL

4.3.1 Vocabulário

O estudo do vocabulário em geral implica entender as questões políticas e ideológicas, identificando-se os conflitos entre metáforas. Quando determinada metáfora é escolhida para significar coisas, constrói-se uma realidade de uma maneira específica. É importante lembrar que as metáforas estão naturalizadas de tal forma nas culturas, que se torna difícil identificá- las ou mesmo escapar delas.

Em “A Obscena Senhora D”, a metáfora é resultado da imaginação e da subjetividade de quem cria um texto rico em direção a um olhar ligado à velhice e à finitude. Um exemplo disso é quando Hilda Hilst se refere à região fisiológica comum aos dois sexos. Ao longo de toda a obra aparecem os seguintes termos: anel, rosquinha, buraco, rebembela, rodela, o meu, pretinho, of, oiti, prega, roquete, aro, regueira, botão, borboleta, cibazol, jiló, cabo, bozó, besouro, furo, porvarino, figo, babau. Além disso, o corpo aparece ligado a animais a SAPA, A Senhora P (porca), girafa, zebu que serve para caracterizar uma visão da autora sobre a velhice. Esse jogo metafórico mostra como o corpo é visto – parece algo deformado, que se assemelha a um animal. “É uma sapa velha, Viu a pele pintada? É sarda. Ainda tem boas tetas. Credo, teta de sapa [...]” (HILST, 2001, p. 40), mas a visão animalesca também aparece

como sinônimo de força para se erguer e lutar pela sua existência como fazem os animais: “Se sou zebu também caminho aos bandos [...] sendo girafa olho alto” (HILST, 2001, p. 27).

O tempo aparece e é mostrado de forma cronológica para marcar por Hilda o tempo da velhice: “[...] do fardo quando envelhecemos, do desaparecimento, dessa coisa que não existe mas que é crua, é viva, o tempo” (HILST, 2001, p. 18), em outro trecho: “[...] que gemidos meu Deus, não tenho muito tempo, muitos que se foram estão por perto, é a hora, viver foi uma angústia escura, um nojo negro” (HILST, 2001, p. 52), que muitas vezes aponta em direção ao passado: “Agora que Ehud morreu vai ser mais difícil viver no vão da escada, há um ano atrás quando ele ainda vivia, quando tomei este lugar na escada” (HILST, 2001, p. 18); em outra parte do texto: “Engolia o corpo de Deus, devo continuar engolia porque acreditava, mas nem por isso compreendia” (HILST, 2001, p.19); em outros momentos aponta para o futuro: “NUNCA SERIA, mas antes de ser Ehud não era, e então depois Foi não sendo (HILST, 2001, p. 24); ainda foi possível encontrar: “tu tens vinte agora, eu vinte e cinco, pensa tudo isso não vai voltar não terás mais vinte nem eu vinte e cinco, teremos cinquenta e cinquenta e cinco, e vais ficar triste de teres perdido tanto tempo com perguntas, pensa como serás aos sessenta. Eu estarei morto [...]” (HILST, 2001, p. 34).

Ainda tratando dos aspectos ligados às metáforas da obra, o próprio título, “A Obscena Senhora D”, foi criado para indicar relações subjetivas com um mundo idealizado pela autora. A palavra obscena é utilizada para indicar a experiência radical de destruição da velha senhora que passou a viver no vão da escada, pois obsceno contraria a regra de ouro da pornografia, que é a simulação realista. Ao contrário, escancara a condição da personagem Hillé ao criar uma composição literária que esvazia o conteúdo sexual imediato.

A letra D que aparece no título do livro citado acima se refere à palavra “derrelição”. Segundo o dicionário Houaiss, versão eletrônica 2010, a palavra “derrelição” é um substantivo feminino que significa abandono, desamparo (DERRELIÇÃO, 2010). No Direito é entendido como abandono voluntário de coisa móvel com a intenção de não mais a ter para si. A letra D também remete a um arco ou curva, pois com o passar dos anos, o peso do tempo, a velhice, com suas degenerações físicas, imprime alterações físicas no corpo. Veja o trecho a seguir: “Hillé, foi apenas uma letra D, primeira letra de Derrelição, doce curva comprimindo uma haste” (HILST, 2001, p. 29).

Outro ponto de análise nesse tópico diz respeito às lexicalizações que trazem alternativas em suas significações tanto políticas quanto ideológicas. “Os significados das palavras e a lexicalização de significados são questões que são variáveis socialmente e socialmente contestadas e facetas de processos sociais e culturais mais amplos”

(FAIRCLOUGH, 2008, p. 230). Ao utilizar um determinado vocabulário, é interessante constatar que a criação de itens lexicais gera novas categorias culturalmente essenciais. É como se o autor do texto se apropriasse de uma terminologia própria para caracterizar seu estilo na escrita de um texto.

Pra melhor entender esse aspecto, é importante compreender que a lexicalização é de extrema importância para a análise textual, pois ela é um processo ao fim do qual um sintagma se lexicaliza, transformando-se em unidade lexical autônoma. Exemplo: “à-vontade” é uma palavra diferente da locução “à vontade”; “faz-tudo” é diferente de “faz tudo”. Hilda Hilst utiliza-se da lexicalização para falar do corpo e do transcendente.

A autora quer demonstrar uma relação com o divino, que aparece ao longo do texto. Para exemplificar como isso se dá no texto de Hilst, veja a seguinte explicação: o pronome DELE que se refere a Deus se transforma em ELE para se referir ao PAI (Deus) com a intenção de humanizar o divino (HILST, 2001, p. 38); em outro trecho ainda na mesma página a autora volta a apontar para o léxico ELE, só que não mais há a intenção de se referir a Deus, e sim ao “menino louco” ou “menino porco” ou ainda “Porco menino”, criando uma mudança do léxico para também modificar o sentido daquilo que quer dizer. Pois ao utilizar ELE no lugar DELE pretende desmistificar o divino transformando o ser divino em algo humano, passível de ser contactado e com quem pode-se estabelecer um diálogo menos formal. Veja o trecho abaixo:

Olha, até a porca vem vindo

A senhora P é esse o nome que Hillé deu à porca Hillé era turva, não?

Um susto que adquiriu compreensão Que cê disse, menino?

O que você ouviu: um susto que adquiriu compreensão. isso era Hillé. Ahn.cê é daqui menino?

Eu moro longe, mas conheci Hillé muito bem. Como cê chama?

Me chamam de Porco-Menino Por quê?

Porque eu gosto de porcos. Gosto de gente também Ahn

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