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45º Encontro Anual da Anpocs. SPG14 Economias Populares, conflitos e desigualdades

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45º Encontro Anual da Anpocs

SPG14 – Economias Populares, conflitos e desigualdades

Empreendedorismo ou sobrevivência: uma análise das motivações para se empreender no Polo de Confecções do Agreste de Pernambuco

Virgínia Carneiro

1

- UFCG

Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar as motivações para se empreender no Polo de Confecções do Agreste de Pernambuco, considerando para tanto, a relação entre esse processo e o contexto de alta informalidade, trabalho precário por um lado e dinamismo econômico, geração de renda e crescimento econômico por outro, verificados no Polo. Parte-se do pressuposto de que esses fatores que estruturam essa Economia Popular, atuam incidindo sobre a decisão de empreender e busca -se com essa investigação mostrar que o empreendedorismo nesse espaço tanto se confunde e camufla com o trabalho precário que permeia a maior parte das relações de trabalho no Polo, como representa valores culturais que refletem uma visão positiva sobre a capacidade do Polo em gerar emprego, renda e negócios.

Palavras-chave: Empreendedorismo, Polo de Confecções, Informalidade, Trabalho precário, empresário de si mesmo.

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Doutoranda em Ciências Sociais da Universidade Federal de Campina Grande - UFCG

Email: virginiavlins@gmail.com

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Introdução

O estudo sobre empreendedorismo no Polo, deve considerar a história desse aglomerado, a qual indica que os atores locais já apresentavam características empreendedoras desde o primórdio, visto que o Polo surge da inicativa, criatividade e coragem dos atores locais que criaram uma nova atividade econômica para garantir a subsistência sem o apoio do poder público ou de atores externos (ANDRADE, 2008; CABRAL, 2007; FREIRE, 2016; PEREIRA, 2011;

VÉRAS DE OLIVEIRA, 2013; XAVIER, 2006).

O desenvolvimento do Polo por sua vez, reforçou essas características empreendedoras e fez surgir valores culturais compartilhados que concebem o empreendedorismo como fator positivo que retrata a busca por autonomia, liberdade, protagonismo, ascensão, fatores citados como ideal de vida dos atores locais. A dinâmica principal de organização do trabalho no Polo, por ser alicerçada na produção familiar, domiciliar, mediante relações informais, acaba retroalimentando esses valores por criar relações de parentesco e amizade, as quais favorecem a disseminação de exemplos positivos, possibilitam o compartilhamento de conhecimentos e funcionam como redes onde os atores locais podem se apoiar para criarem seus negócios. Além dessas dinâmicas próprias, o Polo assimila e se adequa a questões externas, existindo portanto o movimento de tensão, conformação, adapatação entre sociabilidades locais e fatores externos (VÉRAS DE OLIVEIRA, 2013). Nesse aspecto, é prudente dizer que o ato de empreender sofre influências também das demandas de mercado, dos desdobramentos do capitalismo. Nas trajetórias empreendedoras analisadas é possível perceber portanto, a influência desses aspectos das sociabilidades do polo e das influências externas.

Esse trabalho analisa as motivações para se empreender no Polo de Confecções do Agreste

de Pernambuco partindo do pressuposto de que tal processo perpassa necessariamente pelas

vivências dos atores locais em um contexto de alta informalidade, trabalho precário, nesse

sentido, assume-se que esses fatores exercem influênciam na decisão de se empreender, aliado a

esse contexto, parte-se da premissa de que os valores culturais construídos nas sociabilidades

locais também interferem, influenciam e incentivam o empreendedorismo, visto que tais valores

estão alicerçados na ideia de dinamismo econômico, geração de renda e crescimento econômico

verificados no Polo. Para tanto, além das entrevistas, que captaram as percepções e sentidos que

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os atores locais dão ao processo empreendedor, foi feita análise teórica sobre estudos que analisaram esse processo no Polo.

Para responder ao objetivo proposto, foi feita uma abordagem metodológica que contemplou, revisão bibliográfica, entrevistas com diferentes perfis de empreendedores, análise de dados secundários como reportagens sobre o tema no locus de investigação e análise de conteúdo dos achados da pesquisa, as entrevistas foram realizadas na modalidade presencial e também mediante tecnologias digitais para atender aos protocolos sanitários devido a Covid - 19, ao todo foram entrevistados 10 empreendedores da cidade de Santa Cruz do Capibaribe - PE, os entrevistados são microempreendedores, sendo 7 informais e 3 formais. O trabalho de campo se deu desde maio e foi finalizado em julho. Pretendia-se realizar uma etnografia, com observação participante para captar aspectos do cotidiano do trabalho dos empreendedores, bem como suas percepções sobre o ato de empreender na prática, o que não foi possível devido as regras de isolamento vivenciadas nesse momento pandêmico, de toda forma, isso não interferiu na coleta de dados. Por se tratar de uma pesquisa exploratória, conclui-se que os resultados apontam para a necessidade de novas abordagens para o aprofundamaneto das análises.

Os resultados indicam a existência de três motivações principais para se empreender no Polo, que são: a adoção do discurso de empreendedor de si mesmo, o ato de empreender devido a questões estruturais como trabalho precário e informalidade e o empreendedorismo como valor que reflete as sociabilidades dos atores locais e seu ideal de vida, que preconiza autonomia, liberdade, protagonismo e ascensão. Os resultados indicam também que a assmiliação dos valores culturais é a motivação principal e que essas motivações se interelacionam.

Polo de Confecções: Informalidade, trabalho precário e a criação de negócios

A formação do Polo de Confecções do Agreste de Pernambuco foi um processo endógeno,

proveniente das dinâmicas de luta por sobrevivência que os atores locais engendraram para

criarem condições de subsistência em meio a um cenário de economia periférica, sem Políticas

Públicas nem apoio de instituções de fomento à economia local. (FREIRE, 2016; PEREIRA,

2011; VÉRAS DE OLIVEIRA, 2011).

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O surgimento da atividade de confecções se insere nesse contexto como um processo proveniente do esgotamento da agricultura devido às condições climáticas adversas. Foi um processo portanto, circunscrito às sociabilidades dos atores locais, que tiveram que criar sozinhos uma nova atividade econômica para sobreviver. (ANDRADE, 2008; CABRAL, 2007; XAVIER, 2006). Nesse cenário, os atores locais se utilizaram de fatores que favoreceram o empreendedorismo, como iniciativa, coragem e persistência, nesse sentido, é coerente afirmar que tais atributos estão presentes no Polo desde seu surgimento, e é justamente a proliferação desses atributos de geração em geração, de década em década, que estimula e consolida o Polo como um espaço de dinâmicas empreendedoras. Sobre esse protagonismo local que incitou e consolidou o empreendedorismo como marca distintiva do Polo, Véras de Oliveira (2011) enfatiza: "o sugimento do Polo só foi possível porque contou com a iniciativa, a perseverança e a criatividade de homens e mulheres pobres (poucos no início, cada vez mais, na sequência e milhares, atualmente"). E como reforça Milanês (2019):

"[...] o surgimento da sulanca não acontece “do nada”, nem é calcado na

“espontaneidade”, como já foi reproduzido em alguns debates acadêmicos, mas, ao contrário, são a partir das diversas “experiências” constituintes da história local e do saber e aprendizado prático do trabalho (seja comercial ou produtivo) transmitido de geração a geração, que tal empreendimento se consolida com tanto êxito e orgulho, como é falado no discurso dos agentes locais". (MILANÊS, 2019, p. 8).

No entanto, embora o Polo tenha surgido de sociabilidades próprias, do caráter criativo de seu povo e das estratégias que criaram para sobreviver, sua evolução demonstra um constante processo de absorção de tendências externas, retrata uma tensão constante entre a adaptação aos desdobramentos do capitalismo e a criação de dinâmicas próprias, nesse sentido, o Polo não pode ser analisado como um mero fenômeno de adaptação ao capitalismo, mais especificamente como um produto do capitalismo periférico, nem pode ser concebido como uma criação exclusiva das sociabilidades dos atores locais. Pois como assinala Véras de Oliveira (2013) há nesse contexto uma tensão entre o moderno e o tradicional, entre o local e o global, entre dinâmicas de sobrevivência e a globalização.

Tal constatação denuncia portanto, que estudar empreendedorismo nessa realidade não se

limita a analisar esse fenômeno como imperativo do capitalismo flexível, que camufla

exploração do trabalho com o ideário das pessoas como empresárias de si mesmo (MACHADO

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DA SILVA, 2002) visto que a realidade local não é caracterizada por alto índice de desemprego, perdas de postos de trabalho formal e perda de direitos, já que o Polo nunca atuou dentro da lógica de economia formal e as relações de trabalho sempre tiverem elevado grau de flexibilidade. Nesse sentido, o Polo embora absorva, se adapte à esse discurso, não pode ser explicado só por ele.

Considerando essas tensões entre moderno e tradicional, sociabilidades próprias e adaptação aos desdobramentos do capitalismo, é adequado afirmar que há de uma interligação entre a dinâmica padrão do polo: trabalho domiciliar, familiar e informal, as quais são pautadas pela lógica de trabalho desprotegido, flexível e precário, que resultam em violação de direitos, a existência de jornadas exaustivas de trabalho, condições inadequadas de trabalho, com as configurações de modernização do Polo, como a criação dos centros comerciais que escoam a produção para todo o país, a ampliação da estrurura institucional com a instalação de entidades como Sebrae, Senai, Fiepe, associações empresariais, entre outros e ampliação constante da capacidade produtiva que pode ser retratada nos resultados econômicos expressivos de geração de mais 100 mil empregos e a existência de mais de 18.000 mil empresas (SEBRAE, 2013). O Polo saiu portanto de uma configuração de produção de baixo valor agregado, para a produção em larga escala, de bases produtivas artesanais para bases tecnológicas, mas esse desenvolvimento não foi acompanhado pela evolução das configurações de trabalho e formatos de empresa, os quais permanecem na informalidade.

O trabalho informal portanto, como modalidade predominante no Polo, atua

potencializando o trabalho domiciliar e precário, para as empresas, a informalidade é vista como

um fator de estratégia competitiva, que permite a inserção e permanência no mercado via

redução de custos produtivos e inexistência de encargos fiscais e trabalhistas, para o trabalhador,

embora ela atue impedindo o acesso a direitos e a proteção do trabalhador, os atores locais

significam essa prática como positiva por possibilitar autonomia e liberdade para as pessoas

decidirem para quem trabalhar, quantos fornecedores aceitar e como organizar o tempo de

trabalho e de vida. Nesse ponto, há uma relação indispensável entre informalidade e

empreendedorismo no Polo, pois a informalidade além de favorecer a criação de negócios via

redução de custos, se adequar as dinâmicas de flexibilização da economia e das relações de

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trabalho, atua justificando e confirmando a importância da autonomia, da liberdade, valores associados ao ato de empreender no Polo.

Convém destacar no entanto, que embora a informalidade retrate o perfil das empresas e das configurações de trabalho, chegando ao patamar de 80% segundo dados do Sebrae (2013), há na prática uma interligação entre o formal e o informal, uma relação dialética entre esses fatores para colocar nos termos de Oliveira (2013), isto porque, como demonstra Zannata (2016) muitos empreendedores só formalizam suas empresas para finalidades fiscais, mas permanecem contratando mão-de-obra informal, além disso, muitos trabalhadores possuem fornecedores formais e informais e estabelecem relações contratuais heterogêneas, tais fatores demonstram que o informal e o formal estão integrados, embora a informalidade seja padrão e culturalmente reforçada é importante notar que os atores locais se aproximam da formalização em momentos específicos como quando é necessário promover o crescimento do negócio, acessar mercados mais exigentes, ou quando são fiscalizados e obrigados a se adequarem as leis. Nesse sentido, não há portanto uma oposição entre esses aspectos, mas uma relação dinâmica para atender demandas específicas.

No Polo, a informalidade é retratada em termos positivos pelos atores locais, vista portanto como uma ferramenta que favorece a criação de negócios lucrativos, a inserção de trabalhadores não qualificados no mercado, é uma visão otimista que contrasta com a visão de miserabilidade amplamente difundida que a concebe como mecanismo de exploração. Tal percepção favorece tanto a criação contínua de negócios como atua mascarando o trabalho precário e as violações de direitos ocorridas nesse contexto.

Além da informalidade, outros fatores atuam favorecendo a criação de negócios no Polo,

como a facilidade para se adquirir insumos produtivos, contratar mão-de-obra e o acesso a

conhecimentos sobre as práticas produtivas e comerciais, visto que, como as sociabilidades que

formam o Polo estão alicerçadas em relações de parentesco e amizade, é comum o

compartilhamento de informações, a criação de redes e a ajuda mútua (SOUZA, 2012). Aliado a

esses aspectos, os exemplos de familiares que atuam no setor, a proximidade com pessoas que

possuem histórias exitosas e o acesso a experiências e aprendizagens sobre o processo de

empreender, facilita a entrada no mercado ao possibilitar o contato com conhecimentos técnicos

e tácitos que são repassados ao longo do tempo. (FREIRE, 2016).

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De modo geral, a criação de negócios no Polo é influenciada diretamente e positivamente pelas sociabilidades locais que concebem a flexibilidade, a autonomia, a liberdade, importância fundamental, esses aspectos por sua vez são reforçados pelos desdobramentos do capitalismo atual, o qual se caracteriza pelo incentivo à terceirização, a flexibilização da produção e o incentivo ao empreendedorismo como forma de retirar das empresas o papel e a responsabilidade de garantir direitos e proteção ao trabalhador, dessa forma, tal dinâmica retrata a tensão constante entre fatores internos e externos, mas nesse caso as sociabilidades locais se adequaram perfeitamente às demandas de mercado, o que atua incidindo consideravelmente sobre a abertura de empresas no Polo, nesse sentido, é possível dizer que tais aspectos já existiam no Polo desde seu surgimento e agora estão sendo reforçados por fatores externos, com isso, o ato de empreender não pode ser compreendido só como um resultado desse ideário do capitalismo atual.

Corroborando essa constatação, os achados da pesquisa indicam que a questão fundamental no ato de empreender no Polo, são os valores culturais que estimulam a busca pela autonomia, liberdade, protagonismo e sucesso, valores esses que estão presentes tanto nas vivências dos empreendedores como nas trajetórias dos trabalhadores do Polo, que assimilam o trabalho precário não como um fator negativo que deve ser combatido, mas como uma etapa que estimula a abertura do próprio negócio, pois como indica Milanês, no Polo "todo mundo quer ser patrão".

Empreendedorismo no Polo: os diferentes sentidos e motivações

No Polo de Confecções do Agreste de Pernambuco, ser patrão é um ideário buscado por muitos e valorizado pela grande maioria dos atores que atuam nessa economia popular. Tal fator implica um olhar cuidadoso sobre os aspectos que constituem e contribuem para o empreendedorismo local, visto que o Polo é um espaço heterogêneo, que abriga uma mutiplicidade considerável de formatos de trabalho e de negócio.

Convém destacar portanto, que embora o trabalho domiciliar, familiar e informal seja a

base que estrutura a organização do trabalho e das relações de produção e comercialização

(VÉRAS DE OLIVEIRA, 2011), há múltiplas dinâmicas que se desdobram desses fatores, como

a existência de fabricos fundo de quintal, de base familiar, a criação de empresas formais que

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contratam trabalho informal, a existência de facções que prestam serviços para empresas formais mas subcontratam mão-de-obra informal, fabricos formais e informais, dentre outros. Aliado a esse processo dinâmico e diverso de organização do trabalho, existem múltiplas trajetórias e consequentemente nomeclaturas, para retratar o empreendedor nesse contexto, dentro os nomes mais usados destacam-se: sulanqueiro, confeccionista, patrão, microempresário, empresário, microempreendedor, empreendedor. Tais nomeclaturas retratam tanto mudanças históricas desse conceito, como revelam também experiências diferentes, onde o termo empresário é comumente associado à quem é dono de uma empresa formal, grande, de sucessso, enquanto os nomes microempresário ou microempreendedor são acionados para designar donos de empresas pequenas, geralmente informais e sulanqueiro é um termo que carrega uma conotação negativa sendo associado à baixa qualidade dos produtos, à pouca qualificação profissional, embora tenha sido um termo historicamente usado para versar sobre a atitude empreendedora dos atores locais.

Considerando esses aspectos e sem querer se colocar no debate sobre as terminologias adequadas, esse trabalho considera empreendedor no âmbito do Polo, o ator que produz ou comercializa produtos próprios, que criou uma empresa e se inseriu no mercado sem intermediários. Essa escolha além de representar um recorte analítico, retrata também o tipo ideal de empresa que reflete os valores que são atribuídos ao ato de empreender no Polo, como autonomia, liberdade e ascensão.

O termo empreendedorismo por sua vez, é pensado aqui como uma categoria que aciona elementos culturais das vivências do atores, nesse sentido, ele não é estudado como um mero desdobramento do capitalismo, visto que não é só o trabalho precário, a informalidade que atuam incidindo sobre o ato de empreender no Polo.

No Polo, a criação de negócio perpassa necessariamente pelas vivências familiares, de

parentesco e amizade, os chamados laços fortes como preoconiza Granovetter (2005) os quais

atuam facilitando o compartilhamento de conhecimentos tácitos sobre essa atividade econômica

e constituem uma rede na qual os atores podem se inserir para conhecer e participar desse

mercado. Essas vivências são reforçadas por sua vez pelos laços fracos que os atores estabelecem

com empresários já consolidados no mercado, pelos contatos com clientes, fornecedores e

demais atores que trocam experiências, aprendizados e demandas similares. Desse modo, é

possível concluir que para além das questões econômicas, analisar o Polo requer uma abordagem

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que considere as sociabilidades, os valores compartilhados e a influência de questões socioculturais nas decisões econômicas, isto porque, abrir um negócio no Polo nunca é um processo só mercadológico, pois como alerta Granovetter (2007), a estrutura econômica está relacionada, enraízada nas relações sociais que os atores estabelecem para viver e trabalhar.

Estudos anteriores relacionam o tema empreendedorismo às condições e configurações do trabalho no Polo, aos processos de formalização e a cultura da informalidade (FREIRE, 2016;

PEREIRA, 2011; ZANNATA; 2016). Em relação aos processos de formalização, Zannata (2016) argumenta que a formalização nesse contexto de trabalho flexível é feita para atender a fins fiscais, mas na prática, as relações de trabalho são estabelecidas na modalidade informal, fenômeno que ela denominou de "formalização precária", e a cultura da informalidade foi apontada por Pereira (2011) como fator que inibe a adesão dos empreendedores locais a programas de formalização como o MEI. Tais constatações demonstram que as questões estruturais como informalidade, são fortemente associadas a questões culturais, nesse sentido, não é possível compreender as diferentes motivações para se empreender sem considerar como os atores locais assimilam essas questões. Nesse sentido, foi possível identificar na pesquisa empírica que os empreendedores concebem a informalidade como um fator competitivivo que garante a entrada e permanência no mercado, pois argumentam questões como: "se tivesse que pagar imposto não tinha como produzir" (Empreendedor 09) quando se referem a custos produtivos e também assimilam a informalidade como elemento necessário para as relações de trabalho: "é melhor a pessoa não ser fichada (trabalhar com carteira assinada) porque pode ter muitos fornecededores, ganhar mais dinheiro, trabalhar quando quer" (Empreendedor 07).

No tocante a relação entre as condições e configurações do trabalho e o processo de empreender, Freire (2016), argumenta que o empreendedor sai da condição de trabalhador motivado por fatores culturais, costumes e hábitos assimilados nas experiências de trabalho nas fábricas, para a autora, a criação de negócios é influenciada pelo desejo de autonomia e sucesso.

Tal conclusão é citada nas falas dos entrevitados, quando estes relatam que as experiências de trabalho no Polo como funcionários, estimularam a criação de negócios.

"Eu trabalhei em muitas fábricas, aprendi tudo que sei nelas, mas eu nunca quis ficar a

vida toda trabalhando "pros outro", porque aqui é assim, a pessoa aprende a costurar, a

cortar, a vender, pra depois abrir uma confecção, porque é o sonho de todo mundo, e

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assim, só tendo seu negócio você consegue as "coisa", e tem também né [...], a pessoa não fica recebendo ordem de ninguém, a pessoa que decide os "horário" e tal".

(EMPREENDEDOR 08).

"Quando eu comecei nesse ramo eu fui trabalhar numa facção, mas achava muito ruim porque não tinha dia de costurar, era quando a empresa mandava peça, aí tinha dia que tinha trabalho, e tinha dia que eu ficava desocupada, aí eu nem ganhava muito e quando as peças chegava tinha que trabalhar muito em pouco tempo. Pronto, isso foi uma das coisas que me fez trabalhar pra mim". (EMPREENDEDOR 06).

"A pessoa começa a trabalhar para os outros pra ir aprendendo, depois que aprende, oxé, eu duvido querer ficar (risos), trabalhar pra pessoa é bom demais, dá mais trabalho né, mais também você não tem que depender de ninguém". (EMPREENDEDOR 03).

Corroborando essa abordagem, Souza (2012) argumenta que o trabalho assalariado no Polo é um processo transitório para a abertura do negócio próprio. Nesse sentido, ocorre o que Milanês (2015) argumentou: no Polo "todo mundo quer ser patrão", esse ideário mostra que a questão central é que ser patrão traduz um ideal de vida, qual seja: autonomia, liberdade, ascesão econômica e social e é esse ideal que incita e reforça o empreendedorismo como prática desejada. A motivação para ser patrão, para trabalhar por conta própria, é portanto um valor cultural que tem sido repassado de geração para geração. (MILANÊS, 2015; SOUZA, 2012).

Milanês (2015) enfantiza que essa percepção retrata a formação histórica do Polo que tem sua gênese nas vivências no campo, na transição do trabalho rural para o trabalho de costura, onde valores típicos do campesinato como trabalho familiar, valorização do tempo, autonomia e liberdade foram assimilados e assumidos pela nova economia que surgia, a confecção de roupas nos espaços urbanos.

Nesse sentido, para os atores locais inseridos nesse mercado como trabalhadores autônomos (80% dos trabalhadores, segundo dados do Sebare 2013) é preferível ganhar menos, não ter direitos, mas fazer o seu horário, decidir sua rotina e arriscar ter um negócio, enriquecer.

O trabalho formal nesse contexto, é visto como submissão, perda de autonomia e nesse processo

a informalidade é retroalimentada e significada como fator positivo e até necessário para garantir

essas dinâmicas flexíveis e livres de regras rígidas como foi mostrado nas falas dos

entrevistados. É nesse ponto que o empreendedorismo por necessidade se insere, e a

sobrevivência é confundida com empreendedorismo, mesmo que os atores inseridos nesse

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contexto não tenham essa percepção, pois como foi mostrado nas suas falas, eles se consideram empreendedores e atribuem ao ato de empreender, uma conotação positiva.

A partir desses estudos e considerando as narrativas dos empreendedores entrevistados, cabe destacar que as trajetórias empreendedoras se alicerçam em percepções positivas sobre o trabalho autônomo, se assentam nas dinâmicas produtivas de base familiar, domiciliar, onde a ajuda, a colaboração e os contratos informais se estabelecem e se reforçam com as narrativas positivas sobre empreendedorismo amplamente disseminadas no âmbito local, portanto, as experiências de vida, embora diversificadas, convergem nesses aspectos gerais.

"Não troco meu fabrico por emprego nenhum com carteira assinada"

(EMPREENDEDOR 04).

"Eu comecei a fabricar com a ajuda das minhas tias, elas tinham um boxe na feira, me deram uns tecidos, aí eu comecei" (EMPREENDEDOR 02).

"Influencia muito a pessoa ouvir falar bem do Polo, as notícias que aqui é bom pra abrir um negócio, que qualquer um consegue, é um estímulo grande". (EMPREENDEDOR 10).

De modo geral, os achados da pesquisa apontam para a existência de três motivações principais para se empreender no Polo, é importante destacar que essa pesquisa é exploratória e que é necessário um aprofundamento nas análises sobre as trajetórias empreendedoras para considerações mais assertivas, é necessário dizer também que são necessárias novas abordagens para contemplar atores com perfis e vivências diferentes, como médios e grandes empresários, para ampliar as análises sobre as decisões de se empreender no Polo e seus respectivos sentidos, isto porque nessa pesquisa foram abordados apenas pequenos empreendedores, formais e informais com vistas a abarcar a relação entre empreendedorismo e sobrevivência. Tal processo será efetivado nas abordagens para a Tese que esse trabalho se insere.

Sobre as motivações para se empreender identificadas na pesquisa, é possível concluir que

o empreendedorismo para os atores abordados reflete: 1) assimilação e aceitação do discurso

neoliberal de "empresário de si mesmo"; 2) o ato de empreender como necessidade devido as

limitações estruturais materializadas em trabalho precário e informalidade; 3) e

empreendedorismo como valor construído pelas sociabilidades próprias do Polo que se

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manifestam pela busca de autonomia econômica, liberdade para fazer seu tempo e organizar o trabalho e ascensão e protagonismo social.

Essas motivações principais apresentam algumas caracteríticas importantes: a) elas se interelacionam, ou seja, embora sejam preponderantes em trajetórias empreendedoras específicas elas atuam em conjunto, dessa forma é coerente afirmar que nenhum ator decide empreender considerando só uma motivação, embora elenquem a motivação principal e a relação dela com as demais, os resultados indicam portanto que quem empreende por necessidade também concebe o empreendedorismo como um valor, quem adota a noção de "empresário de si mesmo" reforça tal noção com as sociabilidades do Polo que enaltecem o ato de empreender, e quem empreende a partir dos valores culturais associados ao empreendedorismo, também considera as limitações estruturais e aceita o ideário neoliberal que preconiza que cada um é responsável por seu sucesso; b) tais motivações refletem momentos específicos das trajetórias empreendedoras, isto porque quem empreende a partir da noção de "empresário de si mesmo" são os empreendedores novatos, que entraram no mercado justamente quando esse discurso estava em evidência e os empreendedores antigos, relatam questões estruturais e culturais como motivadoras para abrir um negócio; c) e todas as trajetórias estudadas, identificam o empreendedorismo como um valor que garante autonomia, ascensão social e liberdade econômica, mesmo os empreendedores que empreendem por necessidade associam as limitações estruturais como salários baixos, trabalho precário como estímulos para se empreender, como solução para tirá-los da condição de trabalhor precário para a condição ideal de empreendedor.

O processo de criação de negócios no Polo de Confecções do Agreste de Pernambuco

assume portanto, diferentes sentidos por estar alicerçado em múltiplas motivações. Os resultados

da pesquisa indicam que é equivocado atribuir somente às questões estruturais, como

informalidade, trabalho precário, a decisão para se empreender nessa economia, como é

igualmente equivocado concluir que tal processo se deva exclusivamente à adequação dos atores

locais ao discurso neoliberal, que preoconiza o ideário do homem como empresário de si mesmo,

ainda que tais narrativas estejam também presentes na decisão para se criar um negócio, mas

assumir que elas por si só explicam o empreendedorismo local é desconsiderar o fato que os

atores locais já empreendem desde o surgimento do polo, na década de 50, aliado à esse dado

histórico, está a valorização do empreendedorismo como ideal de vida nesse contexto, ideal esse,

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alicerçado nas noções de autonomia, liberdade, ascensão e protagonismo, nesse contexto portanto, abrir um negócio é algo muito além de objetivos econômicos, é um aspecto relativamente autonômo do sistema capitalista e é um valor coletivamente compartilhado e historicamente reforçado. Conclui-se portanto, que a motivação principal é a concepção do empreendedorismo como um valor cultural, um ideal de vida e essa motivação dialoga, se conecta e se integra tanto com os fatores estruturais, como com as influências do discurso neoliberal de empresário de si.

Considerações Finais

A investigação empírica indica a existência de três motivações principais: a) o empreendedorismo como assimilação do discurso neoliberal de “empresário de si mesmo”; b) empreendedorismo por necessidade devido a conjuntura de informalidade e trabalho precário e degradante e; c) o empreendedorismo como um valor construído por sociabilidades próprias dos atores locais, que inspira autonomia econômica, liberdade financeira e protagonismo social. Os achados indicam a existência de diferentes motivações para se empreender que refletem por sua vez tanto questões estruturais como questões culturais e simbólicas, tais resultados demonstram a importância dessa Economia Popular e indicam a necessidade de novos estudos para aprofundamento das reflexões.

É importante ressaltar também, que essas motivações se interelacionam e refletem

momentos específicos das diferentes trajetórias dos empreendedores, isto porque ficou evidente

que o discurso neoliberal de empresário de si mesmo é fator decisivo para aqueles

empreendedores que começaram seus negócios recentemente, o que converge com o fato da

disseminação desse discurso ser atual, já os empreededores que abriram seus negócios há mais

tempo são motivados pelas questões estruturais e culturais, e em muitos casos essas motivações

estão imbricadas. Porém em todas as trajetórias relatadas é possível identificar o

empreendedorismo como um valor que garante autonomia, ascensão social e liberdade

econômica, isso é perceptível mesmo quando os atores relatam questões estruturais como

motivadores para empreender, como salários baixos, informalidade, trabalho precário, pois eles

retratam o empreendedorismo como uma solução para sair dessas situações desfavoráveis.

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Dessa forma, é possível indicar, que o dinamismo econômico, a capacidade de geração de emprego e renda e a possibilidade de se trabalhar por conta própria, sem patrão e conquistar autonomia, são fatores prepoderantes na decisão para se empreender. Tal fator reflete por sua vez as sociabilidades construídas nas trajetórias desses atores nas suas vivências no Polo, dessa forma é coerente assumir, que todas as experiências nessa economia incitam a abertura de negócios, desde o trabalho precário, instável, sem garantia de renda, com salários baixos e pouca projeção profissional, até o contato com experiências exitosas e a assimilação de discursos positivos sobre o empreededorismo atuam influenciando as pessoas para abrirem seus negócios, serem donos de si mesmo, isto porque, quem vivencia trabalho precário quer empreeender para sair dessa situação e o contato com casos de sucesso e a proximidade com familiares e amigos que conseguiram abrir um negócio e permancer no mercado estimulam as pessoas a percorrem o mesmo caminho, alia-se a isso o fato do Polo dispor de todos os insumos produtivos necessários para se abrir uma confecção, ter estrutura comercial para as vendas e os atores locais terem os conhecimentos necessários para executar as atividades produtivas e comerciais necessárias para a inserção nesse mercado.

É possível deduzir portanto, que o alto índice de informalidade, o trabalho flexível, desprotegido e precário, são assimilados como elementos limitantes, mas não totalmente negativos, pois os atores locais enfatizam que aspectos como liberdade, fazer seu próprio horário, são mais relevantes e até compensatórios da falta de direitos e estabilidade, tais experiências, por suas vez acabam favorecendo a decisão para se abrir um negócio.

Considerando a indagação sobre empreendedorismo ou sobrevivência, os achados da

pesquisa indicam que os atores locais atribuem sentido positivo ao ato de abrir um negócio,

mesmo quando são motivados a se tornarem empreendedores devido a questões estruturais,

como trabalho precário, dessa forma, esses atores empreendem também para sobreviver devido

as limitações do mercado, mas não fazem isso contra a vontade, por ser a última opção, mas

fazem por considerarm a melhor opção.

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Referências Bibliográficas

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