• Nenhum resultado encontrado

Educação, resistência e organização: projeto de construção de barragem hidroelétrica no Rio Uruguai no município de Alecrim/RS

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Educação, resistência e organização: projeto de construção de barragem hidroelétrica no Rio Uruguai no município de Alecrim/RS"

Copied!
105
0
0

Texto

(1)

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS — DOUTORADO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS —

MILTON CÉSAR GERHARDT

EDUCAÇÃO, RESISTÊNCIA E ORGANIZAÇÃO: PROJETO DE CONSTRUÇÃO DE BARRAGEM HIDROELÉTRICA NO RIO URUGUAI NO MUNICÍPIO DE

ALECRIM/RS

IJUÍ – RS 2019

(2)

MILTON CÉSAR GERHARDT

EDUCACÃO, RESISTÊNCIA E ORGANIZAÇÃO: PROJETO DE CONSTRUÇÃO DE BARRAGEM HIDROELÉTRICA NO RIO URUGUAI NO MUNICÍPIO DE

ALECRIM/RS

Tese apresentada ao Programa e Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação nas Ciências da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Educação nas Ciências.

Orientador: Professor Dr. Walter Frantz

IJUÍ – RS 2019

(3)
(4)

G368e

Gerhardt, Milton César.

Educação, resistência e organização: projeto de construção de barragem hidroelétrica no rio Uruguai no município de Alecrim/RS / Milton César Gerhardt. – Ijuí, 2019.

104 f. : il. ; 30 cm.

Tese (doutorado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Educação nas Ciências.

“Orientador: Walter Frantz”

1. Educação. 2. Barragens. 3. Resistência. I. Frantz, Walter. II. Título.

CDU: 316.42(816.5)

Catalogação na Publicação

Eunice Passos Flores Schwaste CRB10/2276

(5)

AGRADECIMENTOS

Ao concluir esta etapa como um grande desafio da minha vida, alguns agradecimentos são necessários e importantes. Minha gratidão se estende a cada um/a que tem parte da construção deste texto que, oxalá, seja um momento para celebrar a etapa concluída.

Gratidão a todos do PPGEC da Unijuí que aceitaram minha proposta de pesquisa, com destaque à Linha 03 Educação Popular e Movimentos Sociais e ao Grupo de Estudo de Educação Popular – GEEP coordenada pelo meu orientador e mestre, Professor Dr. Walter Frantz;

Gratidão à CAPES e à Unijuí que investiram na minha pesquisa enquanto possibilidade de financiamento ao longo dos quatro anos do Doutorado;

Gratidão aos colegas, professores e aos que, ao longo dos anos, foram apoiadores da continuidade da pesquisa e trajetória da pós-graduação. Destaque especial aos membros da banca de qualificação e defesa final, Dr. Walter Frantz, Dra. Helena Copetti Callai, Dra. Noeli Weschenfelder, Dr. Cênio Back Weyh e aos leitores externos à nossa Universidade professores Dr. Noli Bernardo Hahn e Dr. Fábio Cesar Junges, minha gratidão neste momento. Um agradecimento especial aos professores Dr. Léo Zeno Konzen e Guido Boufleur revisores do texto e colegas do Instituto Missioneiro de Teologia que, junto com todos os professores, entenderam o processo da reflexão e pesquisa;

Minha lembrança e apreço a todos os professores e educadores populares os quais são parte de um processo de luta contínua por um mundo melhor;

Gratidão e meu agradecimento todo especial a minha família. Família entendida como aquela que me gerou – pai João Oswaldo e mãe Maria Isoldi – como aquela que constituí: esposa Lisiane e filhos Gustavo e Giulia;

Enfim, gratidão a todos e todas que fazem parte do campo da resistência como um elemento central de defesa e promoção da vida no Planeta Terra. A cada atingido, pela sua bravura e coragem de dizer não ao processo de expropriação dos recursos naturais, com destaque aos que aceitaram dialogar manifestando sua opinião sobre o processo da resistência.

Muito obrigado a todos pelo auxílio e colaboração na reflexão, e que nunca percamos a oportunidade de poder dizer “Águas para a vida e não para a morte”.

(6)

Tem água que vem da chuva Tem água que vem da Fonte Tem mágoa que brota no peito Tem nos olhos uma Cachoeira. A água que dá a vida Muitas vezes tira a sorte Traz o pronto cala o canto

Traz a morte. Contra a força das barragens Somos muitos somos mil Contra a força uma muralha Somos milhões Lutando de braços dados Pra exigir um novo chão Porque o amor só existe Na mesa onde não falta o pão.

(Muralha - Celso Nunes e Persio Assunção – composição; Jadir Bonacina – Interpretação).

(7)

RESUMO

O texto na sequência tem na organização e na resistência elementos centrais e vitais no processo de enfrentamento às grandes obras, com destaque às barragens, como ocasionadoras de profundos impactos socioambientais. Ao abordar esse tema, entendo que existe a necessidade de olhar para os processos de construção de resistências existentes na sociedade, especialmente, por parte da população atingida. Entendo que a resistência, além de ser um ato de coragem, revela um modo de compreender a vida na sua dinamicidade para além das questões econômicas. Nesse sentido, o processo de resistência dialoga com a educação popular. Compreendo meu projeto de pesquisa, especificamente, a respeito do projeto Panambi, no município de Alecrim, no Estado do Rio Grande do Sul, na fronteira com a República Argentina, como uma abordagem qualitativa de viés crítico-dialético. O projeto envolve sujeitos que, em movimentos de mobilização e organização, em torno da problemática do objeto de estudo (barragem), constituem-se atores políticos, produzem posicionamentos frente ao projeto, elaboram aprendizagens, conhecimentos, enfim, em termos políticos, educam-se pela resistência e luta por seus interesses e condições de vida ameaçadas. A metodologia em questão tenta superar um paradigma predominante com discurso hegemônico carregado de poder, que procura justificar atitudes e decisões sobre grandes obras que impactam profundamente os ecossistemas, proposto como contraponto por um paradigma emergente que considera contextos muitas vezes invizibilizados. A pergunta orientadora é como as pessoas fazem do processo de resistência seu mote de vida? Nesse sentido, a tese está constituída: A resistência é um elemento vital de respeito e consideração das diferenças e é a partir do lugar vivencial que as pessoas atingidas por barragens procuram ser protagonistas da sua história, fazendo desse espaço a possibilidade e o seu lugar de vida. A tarefa, neste trabalho, foi a de pensar no sujeito envolvido no processo e do quanto ele tem (ou não) consciência do lugar que ocupa na pesquisa e na sociedade, de modo geral, enquanto ser que se educa num constante conflito: aceitação versus rejeição da obra a partir dos impactos produzidos. Nesse sentido, a construção de espaços de resistências possibilita constituir processos de aprendizagens, de educação popular, nos quais estão presentes os sujeitos vinculados aos movimentos sociais, que se constituem lideranças, com capacidade de organização da população atingida e ameaçada, criando frentes de não aceitação dos projetos impostos pelos interesses do grande capital. Ao longo do percurso, buscamos conhecer sujeitos que resistem a grandes obras, o que faz necessário entender o quanto a trajetória de vida tem um significado para além de um mero espaço de sobrevivência humana. No ser humano está incutido o habitus que acaba sendo o elo entre o social e individual, o objetivo e subjetivo, a estrutura e ação. Nesse campo de conhecer o ser humano e toda sua gama de vicissitudes estão as disposições que acabam envolvendo a maneira de ser, que influencia as escolhas que são condicionadas por tendências constituídas ao longo de toda sua vida. Na resistência está a esperança de um futuro melhor, que move os seres humanos. Como elemento central do ser humano, o que o move são as possibilidades de pensar a educação popular e a democracia como duas questões vitais, porém frágeis, enquanto garantias permanentes.

(8)

ABSTRACT

The text that follows has the organization and resistance elements that are central and vital to the process of copying with the great papers, with emphasis on the dams, as a cause of profound socio-environmental impacts. On approaching this theme, it is understood that there is a need to look at the processes of resistance building that exist in the society, especially by the affected population. It is also understood that resistance, besides being an act of courage, reveals a way of understanding life in its dynamicity beyond economic issues. In this sense, the process of resistance dialogues with the popular education by itself. It is seen on this research project, specifically, about the Panambi project, in the town of Alecrim, in Rio Grande do Sul State, on the border with the Argentine Republic, as a qualitative approach of a critical-dialectical bias. The project involves subjects who, in mobilization and organization movements, around the problem of the object of study (dam), constitute political actors, and also produce positions in front of the project, elaborate learning, knowledge, in political terms, fighting for their endangered interests and living conditions. The methodology in question attempts to overcome a prevailing paradigm with power-driven hegemonic discourse that seeks to justify attitudes and decisions about the major works that profoundly impact ecosystems, proposed as counterpoint by an emerging paradigm that considers contexts that are often invariable. The guiding question is: how do people make the process of resistance their motto of life? In this sense, the thesis is constituted. Resistance is a vital element of respect and consideration of differences and it is from the living place that people affected by dams seek to be protagonists of their history, making this space the possibility and its place of life. The task, in this present paper, was to think about the subject involved in the process and how much it has (or not) awareness of the place it occupies in research and society, in general, as a being that is educated in a constant conflict: acceptance versus rejection of the work from the impacts produced. In this sense, the construction of spaces of resistance makes it possible to constitute the learning processes, of the popular education, in which the subjects linked to social movements are presented, who constitute leaderships, capable of organizing the population affected and threatened, creating fronts of non-acceptance of the projects that are imposed by the interests of the ones with big capital. Along the way, we seek to meet the subjects who resist to great works, which makes it necessary to understand how much the life trajectory has a meaning beyond a mere space of human survival. In the human being is inculcated the habitus that ends up being the link between the social and individual, the objective and subjective, the structure and action. In this field of knowing that the human being and all its range of vicissitudes which are the dispositions that end up involving the way of being, that influences the choices that are conditioned by tendencies constituted throughout all his life. In resistance by itself the hope of a better future is, which moves humans. As the central element of the human being, what moves him/her are the possibilities of thinking about the popular education and the democracy as two vital but fragile issues as permanent guarantees.

(9)

LISTA DE ABREVIATURAS

BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento CPT – Comissão Pastoral da Terra

CRAB – Comissão Regional os Atingidos por Barragens MAB – Movimento Nacional dos Atingidos por Barragens

IECLB – Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil – IECLB OEA – Organização dos Estados Americanos

PAC – Programa de Aceleramento do Crescimento STR – Sindicato dos Trabalhadores Rurais

(10)

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Localização do município de Alecrim ... 21 Figura 2 – Situação dos empreendimentos hidrelétricos na bacia do rio Uruguai ... 24 Figura 3 – Empreendimentos hidrelétricos planejados e já concretizados no rio Uruguai 30 Figura 4 – Emblema do MAB ... 82

(11)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 11

1 CONHECENDO O MUNICÍPIO DE ALECRIM ... 21

1.1 A caracterização e a força do lugar ... 27

1.2 Os sujeitos e a sua necessidade de resistir ... 41

1.3 Os riscos e as resistências das mudanças ... 46

2 MOVIMENTOS SOCIAIS E AS NECESSÁRIAS RESISTÊNCIAS... 54

2.1 Anúncios do movimento social ... 61

2.2 Atores dos processos de resistência ... 65

2.3 Um olhar sobre o Movimento dos Atingidos por Barragens ... 70

3 RESISTÊNCIA COMO PROCESSO EDUCATIVO ... 75

3.1 O protagonismo dos sujeitos: vozes que ecoam ... 81

3.2 Resistência: identidade e a luta pelo sentido para a vida ... 87

CONCLUSÃO ... 93

REFERÊNCIAS ... 99

(12)

INTRODUÇÃO

Afirmar, sustentar e defender uma tese, talvez, seja um dos maiores desafios a um estudante de Pós-Graduação, por ocasião das exigências de seu curso. Apesar de compor um todo, um “entrelaçamento dinâmico” de partes de um processo, trata-se de etapas com desafios específicos. A escrita como “força propulsora” faz parte desses desafios. Ensina Mario Osorio Marques (1998) que a escrita é o princípio da pesquisa. Na visão de Marques, uma vez, tendo definido o objeto de estudo, isto é, o problema de pesquisa, com a maior clareza possível, esse passa a exigir leituras, reflexões, elaborações de textos. Assim, tendo a escrita como princípio de pesquisa, delineiam-se os seus caminhos. Nesse processo, constantemente, amplia-se a percepção e a apropriação da questão de pesquisa, pondo-se em

movimento a produção de um texto. Penso que, embora exista a necessidade da escrita final de

um texto, por ocasião da finalização de um curso, entretanto e especialmente, diante da complexidade de um problema de pesquisa, propriamente, não existe um texto final. O que existe é o ponto final da etapa de um curso de muitos desafios e nem sempre fáceis de

solução. Estou frente aos desafios desta tarefa.

Assim, certamente, o primeiro desafio é o de ter a máxima clareza a esse respeito, definindo o caminho a seguir, isto é, o método, que tem relação com o objeto de conhecimento. O método como caminho da pesquisa é mais que seus instrumentos de obtenção de dados; guarda relação com a percepção e visão de mundo do pesquisador e, como tal, ganha corpo no processo da investigação, do estudo, da interlocução teórica. No entendimento de Silvio Sánchez Gamboa (2007), uma pesquisa constitui um processo

metódico, que compreende o caminho de se chegar ao objeto da investigação. Segundo o

autor, o método de abordagem de uma problemática – no caso de pesquisa em educação – não se restringe a passos e técnicas de produção dos dados, ou mesmo a algumas referências teóricas, mas implica pressupostos ontológicos que conduzam a reflexão do pesquisador. Portanto, uma pesquisa não é processo neutro de busca, análise e interpretação de dados, pois implica concepções filosóficas e de compreensão da “natureza” do objeto de estudo, presentes ao longo da elaboração do texto de uma pesquisa. Enfim, implica visões de mundo e de realidade social, sendo a produção de conhecimento um resultado disso.

Sob essa compreensão, ao propor o tema de minha pesquisa, além da abordagem da problemática que encerra, proponho-me, também, uma reflexão acerca do lugar que ocupo

(13)

como pesquisador. A questão de pesquisa nasceu desse lugar. Penso ser importante dizer que tive uma trajetória de vida, vinculada a movimentos sociais que, hoje, demanda reflexão. Foi uma trajetória de ação e reflexão, até aqui, desafiando a produzir conhecimentos para dar conta da inserção dinâmica em um movimento de luta social. Certamente, um desafio pessoal, é o de somar à militância e ao compromisso social, reflexão crítica ao aprofundamento à compreensão da problemática que envolve a questão das barragens.

Circunstâncias históricas e sociais fizeram com que conhecesse de perto a organização de movimentos e pastorais sociais, sob influência da teologia da libertação1. A partir disso, surge o grande apreço pelo envolvimento e comprometimento com as causas populares. Juntamente com outras lideranças, conheci vários assentamentos de Reforma Agrária e mesmo reassentamentos de pessoas deslocadas de suas regiões, em função de grandes barragens hidroelétricas. A partir desse envolvimento, participei de vários encontros de formação da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em âmbito estadual e nacional, auxiliando no sentido de possibilitar que movimentos e pastorais sociais pudessem se organizar e se articular nas regiões, onde houvesse resistência e incompreensão a seu respeito e de sua possível contribuição a uma sociedade mais justa e acolhedora.

A integração ao Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências (PPGEC), da UNIJUI, oportunizou-me reflexão e amadurecimento teórico, à medida que possibilitou que o tema dos movimentos sociais e da educação popular pudesse ser trazido para a reflexão, para embates teóricos, fundamentados em experiências de lutas e conquistas sociais.

Ao apresentar o texto intitulado “Educação, resistência e organização: o projeto de

construção de barragem hidroelétrica no rio Uruguai no município de Alecrim/RS” apresento

a resistência como elemento central e vital no processo de enfrentamento às grandes obras, com destaque aos grandes barramentos hidrelétricos, ou, simplesmente, denominadas grandes barragens de produção de energia elétrica. Nesse sentido, o projeto do município de Alecrim é um recorte de uma problemática maior, relativa à construção de barragens hidroelétricas, que tem gerado resistências por parte de populações atingidas. Ao abordar o tema das barragens, entendo que existe a necessidade de olhar para os processos de construção de resistências

1 A Teologia da Libertação (TdL) nasce no contexto latino-americano a partir de 1960/70 com a preocupação de considerar a realidade latino-americana, uma vez que a teologia sistemática, até então, considerava apenas a realidade europeia. Para Leonardo Boff (1981), um dos expoentes da TdL, as pessoas necessitam se libertar das amarras ocasionando a libertação dos sujeitos oprimidos em realidades conflitantes e degradantes humanamente. A TdL nasce num contexto em meio a um modo diferente de compreender o mundo com destaque a movimentos e pastorais sociais, círculos bíblicos, Comunidades Eclesiais de Base e outras organizações populares enraizadas na vida concreta do povo.

(14)

existentes na sociedade, especialmente, por parte da população atingida. Entendo que a resistência, além de ser um ato de coragem, revela um modo de compreender a vida na sua dinamicidade para além das questões econômicas, muito presentes nos processos indenizatórios e, muitas vezes, conflitantes entre a população atingida e os interessados pela implantação dos projetos de barragens. Nesse sentido, o processo de resistência dialoga com a educação popular2.

Compreendo meu projeto de pesquisa, especificamente, a respeito do projeto Panambi como um grande projeto hidrelétrico no Rio Uruguai, no município de Alecrim, no Estado do Rio Grande do Sul, na fronteira com a República Argentina, como uma abordagem qualitativa de viés crítico-dialético. O projeto envolve sujeitos que, em movimentos de mobilização e organização, em torno da problemática do objeto de estudo (barragem), constituem-se atores políticos, produzem posicionamentos frente ao projeto, elaboram aprendizagens, conhecimentos, enfim, em termos políticos, educam-se na e pela resistência e luta por seus interesses e condições de vida ameaçadas.

Portanto, com o objetivo de abordar a complexa e problemática questão da construção de barragens hidroelétricas, tomo como objeto específico a experiência de Alecrim, um município do Estado do Rio Grande do Sul, buscando compreender e interpretar a mobilização e organização decorrente. Sem desconhecer a complexidade do todo, busco, especificamente, focar a experiência local, que só pode ser analisada e compreendida em um contexto maior. Porém, não é objetivo desta pesquisa abordar a questão e a problemática da produção de energia no contexto maior dos interesses econômicos hegemônicos, em âmbito global.

Entretanto, aqui, é importante lembrar alguns aspectos desse contexto maior, que nos fazem chegar ao específico do município de Alecrim. De um lado, a história da humanidade mostra a importância dos recursos naturais e seu profundo papel em contribuir para a sobrevivência e organização da sociedade. Nesse aspecto, estão os grandes rios, como grandes mananciais de água (água doce na maioria) e que auxiliam na organização, no moldar da sociedade, da cultura, da economia, enfim nas relações sociais. No cenário mundial e mesmo

2 A educação popular em base a concepção freireana (conforme o verbete educação popular no Dicionário Paulo Freire organizado por Danilo Streck e outros autores, 2018) designa a educação feita com o povo, com os oprimidos ou com as classes populares, a partir de uma concepção de educação. Para Conceição Paludo a educação Libertadora, que é ao mesmo tempo gnoseológica, política, ética e estética. Esta educação é orientada para a transformação da sociedade, exigindo que se parta do contexto concreto vivido para se chegar a ao contexto teórico que requer curiosidade epistemológica, a criatividade, o diálogo.

(15)

brasileiro, temos um modelo de produção energética baseado em hidrelétricas que, no caso brasileiro, representa a maior fonte de produção da energia elétrica.

As hidrelétricas estão presentes nos discursos e na justificativa da produção de energia como indispensáveis para acelerar o crescimento econômico e sustentar o desenvolvimento econômico brasileiro. No entanto, esse assunto é polêmico, pois o discurso de produção energia “limpa” tem muitas contradições pelas inúmeras consequências e impactos socioambientais negativos, tais como, inundações de grandes áreas de terras férteis, destruição de ecossistemas, expulsão de famílias dos seus lugares de convívio social.

Especialmente, em meados da década de 1970, por ocasião da alta do preço do petróleo, o grande capital, representado pelas grandes empresas, percebeu o potencial hidroelétrico, no Brasil. Nesse período histórico começam os primeiros projetos de barramentos hidrelétricos nos grandes rios, em diferentes regiões do Brasil, entre eles, no sul, com destaque ao Rio Uruguai. Dessa forma, se constitui a problemática: Por que da insistência na implementação de grandes barragens com profundos impactos socioambientais se existem outras alternativas de produção de energia? Enquanto atingido, como impedir essas obras?

Vivemos tempos paradoxais e de incertezas, no campo social, político e econômico que, de certo modo, dificultam a reflexão acerca de alguns temas e suas problemáticas; dificultam a abordagem de questões que, constantemente, se ampliam no sentido de compreender o rumo que tomam, no contexto de uma sociedade com necessidades e interesses divergentes. Bauman (2001) chama a atenção ao fato de vivermos em um mundo líquido, onde a desintegração social parece ser uma estratégia selecionada pelo modo de vida neoliberal. Conforme o autor, temos hoje a destruição de muralhas que antes impediam o fluxo de novos fluidos de poderes globais. A desintegração social é condição para as novas técnicas de poder que tem como elementar o desengajamento e a arte da fuga. A necessidade de liberdade é para o capital uma condição vital no sentido do mundo estar livre de cercas, fronteiras e barricadas. Porém, o que se acentua é liberdade para a expropriação de mercadorias ou todos os recursos naturais possíveis. Para isso ser possível, os laços humanos necessitam ser fragilizados ou mesmo rompidos para que o princípio da solidariedade e da cooperação não aconteça, quando o capital entrar com seus interesses numa apropriação indevida.

No caso da presente tese, trata-se de abordar a questão do impacto produzido, junto à população local, que vai de aceitação à rejeição, desde o anúncio do projeto em si até as

(16)

primeiras medidas de construção de barragem hidroelétrica (avaliação do terreno e dimensões do alagamento). Certamente, trata-se de um processo paradoxal de mobilização com diferentes posicionamentos, unindo e desunindo a população local. Acima de tudo, é necessário ir desafiando reflexões, reações, mobilizações e organizações acerca dos possíveis impactos. Ao mesmo tempo em que se aborda o projeto local específico, precisa-se considerar o que já foi pesquisado, escrito e refletido sobre a problemática em questão. Pesquisar na área das ciências sociais e humanas possibilita fomentar constantes e sempre novas reflexões.

Segundo Minayo (2011), o objeto das ciências sociais é histórico, ou seja, cada sociedade humana existe e se constrói a partir de um determinado espaço e se organiza de forma particular e diferente uma das outras. Mesmo tendo traços comuns, as épocas históricas, em meio ao turbilhão de informações, configuram-se entre a dialética como crítica do que está dado, mas principalmente entre o que o protagonismo pode proporcionar. Nesse sentido, a provisoriedade, o dinamismo e a especificidade são características próprias de qualquer questão social. Por isso, a característica primeira do objeto de estudo das ciências sociais é a consciência histórica, que coloca o investigador numa condição de refletir acerca da racionalidade nas ações humanas, pois existe uma identidade entre sujeito e objeto. Não se trata de pesquisar quantitativamente, mas a possibilidade de uma pesquisa qualitativa que procurará compreender o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes do ser humano na sua subjetividade, procurando compreender o conjunto de diferentes fenômenos na realidade social. O sujeito pesquisador procura trabalhar com estratégias que podem advir do cotidiano das experiências das pessoas, bem como, das instituições que estão inseridas na pesquisa e que acabam sendo objeto de reflexão da ação humana objetivada.

A metodologia em questão tenta superar um paradigma predominante com discurso hegemônico carregado de poder, que procura justificar atitudes e decisões sobre grandes obras que impactam profundamente os ecossistemas, proposto como contraponto por um paradigma emergente que considera contextos muitas vezes invizibilizados.

A pesquisa bibliográfica, junto à pesquisa de campo, procurou se ancorar no contexto latino-americano (com ênfase no brasileiro) que possibilita perceber os inúmeros processos de resistência, com sujeitos que parecem perceber a necessidade de defender seu patrimônio de diversidades naturais, culturais, sociais e históricas. Assim, procuramos pesquisar sobre trabalhos e estudos realizados na perspectiva de procurar trazer novas e possíveis

(17)

contribuições no aspecto de incorporar outras possibilidades a partir dos sujeitos à margem que têm no seu modo de vida a vinculação ao lugar enquanto espaço de vivência.

Por parte da grande mídia, temos, muitas vezes, um discurso hegemônico (carregado de poder) de desenvolvimentismo, que procura se sobrepor às inúmeras experiências e estudos realizados que questionam o discurso e a propaganda de progresso onde já foram ou são implementados grandes projetos de hidroelétricas e outros que se apropriam dos diversos recursos naturais existentes. A partir da proposta de como pensar o sujeito afetado por grandes obras, procuramos entender e contrapor o projeto ligado à matriz energética, considerando as dívidas históricas ou enfermidades sociais que o grande capital possui com o povo afetado.

A problemática em questão se defronta com o conflito dos atingidos para poder continuar no lugar onde se enraizaram e constituíram vínculos. Muitas questões se estabelecem aí. Uma das marcas fortes, a partir de Santos (2006), é a memória coletiva que é indispensável para a sobrevivência das sociedades como um elemento de coesão garantidor da permanência e da elaboração do futuro. A consciência pelo lugar se superpõe à consciência no lugar, onde os sujeitos atingidos por barragens gostariam de permanecer, opção muitas vezes não permitida.

A pergunta orientadora diz respeito ao como as pessoas fazem do processo de resistência seu mote de vida? Nesse sentido, afirmo a seguinte tese: a resistência é um elemento vital de respeito e consideração às diferenças e é a partir do lugar vivencial que as pessoas, atingidas por barragens, procuram ser protagonistas da sua história, fazendo do espaço atingido a possibilidade do seu lugar de vida. A tarefa, neste trabalho, foi a de pensar nas pessoas envolvidas no processo de resistência e do quanto elas têm (ou não) consciência do lugar que ocupam na pesquisa e na sociedade, de modo geral, como sujeitos que se educam num constante conflito: aceitação versus rejeição da obra a partir dos impactos produzidos.

De modo amplo, pode-se dizer que, dentre as questões que desafiam compreensão e explicação, estão os movimentos sociais como forças de resistência, relacionadas aos projetos das grandes obras de infraestrutura do setor energético, esses vinculados aos interesses das forças econômicas e financeiras dominantes, com destaque às barragens em leitos de rios. Tais projetos envolvem, para além de questões ecológicas, situações socioambientais, que se confrontam com modelos energéticos alternativos de produção, com propostas contra hegemônicas, que incorporam grupos de resistência, alavancados por movimentos sociais. Confrontam-se com movimentos de resistência que, nascidos às margens dos grandes

(18)

projetos, buscam incorporar a população atingida, historicamente, não considerada e marginalizada em processos de decisão, constituindo-a em sujeitos de reação e ação.

Nesse sentido, a construção de espaços de resistências possibilita constituir processos de aprendizagens, de educação popular, nos quais estão presentes os sujeitos vinculados aos movimentos sociais, que se constituem lideranças, com capacidade de organização da população atingida e ameaçada, criando frentes de não aceitação dos projetos impostos pelos interesses do grande capital. Pensar como acontece a capacidade de organização e formação das lideranças da mobilização dos atingidos constituiu elemento central de pesquisa. Ou seja, perguntou-se – e a pergunta continua – quais as possibilidades que a educação, especialmente a educação popular (como método e possível caminho), oferece para incorporar as margens que, historicamente, pouco ou nada são consideradas como sujeitos da ação na qual estão inseridas?

Para além da resistência que acontece, à medida que existe um empoderamento dos sujeitos das margens, faz-se necessário pensar sobre como as pessoas das margens se enxergam nesse lugar onde estão. O que faz as pessoas se sentirem parte desse lugar, enquanto processo de resistência? O pertencimento é, acima de tudo, um vínculo afetivo que faz com que as pessoas resistentes sejam protagonistas (ou procuram ser) de suas histórias. Ao participar de uma mobilização, ou de um curso de formação, inclusive longe de sua região, aparecem elementos de que eles se sentem parte e para os quais precisam buscar outros elementos que dão suporte, motivação ao ato de resistir e lutar pelo lugar que está vinculado enquanto território de vida e resistência. Ou seja, o encorajamento, a força, a coragem de lutar, opondo-se a uma obra, é um processo de continuidade sempre inacabado no sentido de busca por novos elementos que justifiquem a sua não aceitação de uma grande obra num local onde a vida acontece de modo simples, mas realizável do ponto de vista de quem a possui.

Quanto a aspectos da resistência, é importante considerar o que revela o Documentário Arpilheiras3, lançado em 2017 pelo Movimento dos Atingidos por Barragens, o qual narra/conta a resistência de mulheres atingidas por impactos de grandes obras de barragens em cinco lugares distintos do Brasil. O destaque, e com todo o merecimento, é das mulheres como protagonistas da resistência, com sua arte do bordar e da escrita (técnicas desenvolvidas

3 O Documentário lançado em meados de 2017 pelo coletivo da comunicação do MAB retrata diferentes realidades de processos de resistência que aconteceram e continuam vivos no Brasil. Com depoimentos, análises e reflexões, o filme de protagonismo feminino procura abordar situações reais que evidenciam a problemática da construção de grandes empreendimentos para a produção de energia. Dessa forma, o movimento social evidencia o lugar do antes e depois das obras problematizando as lutas, os sonhos e a necessária organização da população atingida.

(19)

propriamente durante a ditadura militar como modo de resistir e expandir a formação das diferentes formas de manifestação coibidas nesse regime). No documentário, manifestam sua capacidade de empoderamento, frente às consequências duras que uma grande obra impõe diante do planejamento pessoal e familiar da sua vida.

Trazer o olhar dos atingidos por grandes obras de barragens, as quais prometem desenvolvimento local e regional, suscita ter uma sensibilidade popular, uma vez que, nos relatos das entrevistas, nas reuniões de formação e articulação e nas rodas de conversa, muitas formas de resistência emergem. Representados por lideranças, que vão se constituindo no movimento, os sujeitos, historicamente invizibilizados em discussões sobre grandes obras, causam profundos impactos com os envolvidos, pois esta não é a leitura habitual no sentido de ser uma tentativa de compreensão contra hegemônica, onde há poucos escritos e reflexões que ajudem na teorização do quanto as grandes obras causam impactos socioambientais. As lideranças locais são vozes que ecoam nas comunidades ameaçadas, pois estão no dia a dia presentes com aquelas pessoas (nas comunidades locais) que sofrem com a falta de informação. Normalmente a oportunidade de ter vez e voz é dada aos dirigentes políticos (deputados e prefeitos de modo especial), detentores do poder econômico, representados por grupos com interesses dos mais amplos possíveis com destaque à especulação imobiliária, os quais têm em suas mãos meios de comunicação (rádios e jornais), que acabam influenciando diretamente a população regional que pouco acesso tem a outros meios de informação. Entre os movimentos sociais, costuma estar presente a máxima de um ideal crucial no poder de mobilização. Para o movimento social, com destaque ao Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, que é aglutinador e uma referência no aspecto de somar forças e resistências, duas são as motivações principais para as quais pessoas podem se envolverem em espaços de discussão e mobilização: a possibilidade de ganhar ou o risco de perder (bens ou direitos) naquilo que estão envolvidos.

Nesse contexto, certamente, surgem muitos desafios à educação popular, entendida, de modo amplo, como processo de construção de conhecimento e, assim, de constituição de resistências. As práticas de educação popular propõem trazer as vozes dos atingidos a público para que sejam ouvidos. São parte de um processo de movimento educativo que provoca, nos envolvidos, consciência de que necessitam buscar uma qualificação para fazer frente às resistências históricas. A cada dia que passa, urge como uma necessidade maior do ser humano dar-se conta de que ele é parte e não centro da vida. À medida que essa consciência estiver mais evidenciada, seu modo de vida, hoje predador, acabará mudando, ocasionando,

(20)

assim, opções de modos que trabalhem a continuidade da vida a partir de experiências individuais e também coletivas que colaboram no sentido de encontrar caminhos e mesmo alternativas de deixar o seu habitat como espaço de vivência possível.

No primeiro capítulo, procuramos caracterizar o lugar que é o município de Alecrim, como uma opção autoral de proximidade geográfica, além do conhecimento prévio de algumas lideranças. Trata-se de um recorte não apenas geográfico, mas também como um lugar com características históricas específicas. O lugar apresenta propensões favoráveis para a construção de um grande empreendimento, o que atrai também o interesse estrangeiro, representado pelo grande capital. Nesse sentido, procuramos explorar o lugar enquanto espaço de muitas pessoas que fizeram (e fazem) sua história de vida acontecer enquanto atores sociais nesse lugar “distante” e “esquecido” aos olhos hegemônicos que não estão interessados nas especificidades humanas e culturais deste lugar. Procuramos, ainda, introduzir elementos que, concretizando grandes obras de produção de energia, tornam-se riscos iminentes à região, como questões socioambientais, que extrapolam as dimensões que podem ser previstas anteriormente.

No segundo capítulo, para além do lugar, procuramos trazer à reflexão o movimento que fortalece a resistência como mote orientador das motivações para querer manter esse espaço. Para isso, refletimos sobre o Movimento Social como aquele que auxilia enquanto fomento de ações educativas de resistência. Atualmente, existe certa concordância dentro do Movimento Social (destaque ao MAB) de que precisa dar-se prioridade e ter consciência sobre a importância e a necessidade de estudar/pesquisar, enquanto um elemento que auxilia no embate de ideais que fortaleçam a luta por uma sociedade melhor a partir do espaço de cada pessoa humana. Nesse ponto, para além da formação, está a importância do atingido tornar-se protagonista, autor do processo de resistência, sujeito de um processo no qual está à frente, no do embate social, cultural.

Por fim, no terceiro capítulo, procuramos reconhecer nos atingidos/as seu fortalecimento de vozes, que ecoam em diferentes lugares e se tornam protagonistas de seu papel vivencial na sociedade. Com interlocução de diferentes autores, reportagens e entrevistas com atingidos/as, apresentamos a construção da tese no sentido de perceber na resistência um fenômeno sociocultural. Para além de interesses pessoais, comunitários ou coletivos, é necessário coletivizar as resistências as quais cotidianamente necessitam ser fortalecidas. É preciso encontrar, na identidade pessoal e coletiva, elementos que primam pela necessidade da resistência.

(21)

Assim, como afirma parte da letra da música a “Muralha”, do grupo Mistura Popular, de São Paulo, que lembra da resistência “Contra a força das barragens somos muitos, somos mil. Contra a força uma Muralha somos milhões. Lutando de braços dados para exigir um novo chão. Porque o amor só existe na mesa onde não falta o pão.” Contudo, é fundamental pensar em justiça igualdade mesmo que as necessidades básicas sejam afetadas. O modelo de desenvolvimento adotado como consolidação de grandes obras que afetam profundamente o modo de vida de uma região atingida necessariamente precisa compreender o modelo desenvolvimentista que prioriza apenas os interesses de grupos econômicos que se fortalecem cotidianamente. Nesse sentido, surge, a cada dia e com mais vivacidade, a necessidade de apresentar modelos de energias renováveis como alternativas. É importante, apresentar outras possibilidades de produção de energia, contrapondo-as ao modelo energético hegemônico que hoje se configura como de alto risco. É o que se vê em países/grupos/entidades que estão fazendo a transição para outros modelos de produção de energia sustentáveis.

(22)

1 CONHECENDO O MUNICÍPIO DE ALECRIM

O capítulo inicial visa apresentar o lugar a ser refletido e considerado ao longo do nosso percurso teórico. O município de Alecrim está situado no norte do Rio Grande do Sul, o qual faz divisa com a Argentina e que representa na sua história as mudanças e os impactos presentes do andamento de uma obra de barragem. Mesmo não concretizada, mas discutida a mais de quatro décadas, tal projeto causou mudanças em Alecrim, que provavelmente, não mais serão esquecidas. Ao fazer essa opção de produção de energia baseada em hidrelétricas, o Brasil optou por um caminho predatório que afeta e determina problemas socioambientais de larga escala, os quais procuraremos abordar ao longo do trabalho. Com esse cenário de impactos e aumento de riscos se constituem resistências de não aceitação de projetos que modificam largamente as regiões afetadas, tais como evidenciam experiências já implementadas pelo Brasil. Nesse cenário, surgem os movimentos sociais, com destaque ao Movimento dos Atingidos por Barragens, o qual procura constituir nos sujeitos locais um protagonismo para que esses possam liderar o povo atingido no sentido de dar-se conta da amplitude dos projetos em questão que afetam, de modo especial, os direitos inerentes das pessoas e a vida que é ameaçada.

A fundação, enquanto reconhecimento político de Alecrim, aconteceu em 9 de outubro de 1963. Na década seguinte, agricultores já começaram a sair de Alecrim procurando extensões de terras maiores, pois as famílias tinham muitos filhos e não havia condições de oferecer a todos as mesmas quantidades de terras. O êxodo rural, iniciado em 1970, acentuou-se na década de 80 e 90, onde de modo especial os jovens procuraram oportunidades de estudo e trabalho e encontravam em centros maiores, como Santa Maria, Novo Hamburgo, Caxias do Sul, possibilidades vinculadas ao mundo de trabalho e formação acadêmica.

Figura 1 – Localização do município de Alecrim

(23)

Quanto a sua geografia propriamente dita, Alecrim se localiza a uma latitude 27º39'18" sul e a uma longitude 54º45'50" oeste, estando a uma altitude de 311 metros ao nível do mar. Possui uma área de 320,1 km² e sua população estimada no início dos anos 2000 era de 7.650 habitantes. É um município que conta com as águas do rio Uruguai tendo cerca de 40 km de costa do rio Uruguai e que tem fronteira fluvial com a Argentina. Segundo dados atuais do IBGE, hoje o município da região Noroeste do RS tem sua população aproximada de 6.077 habitantes, sendo que já chegou a ter mais que o dobro desse número. Fatores da diminuição populacional são as poucas oportunidades de trabalho (ausência de empresas que empreguem mão de obra) e a concentração das terras nas mãos de poucas famílias, mesmo sendo um município de minifúndios acontece um processo de concentração de terras nas mãos de algumas famílias e/ou empresários da região.

Sendo um município fronteiriço, algumas marcas mais fortes fazem parte de Alecrim como tradições conservadoras (área de fronteira, de segurança nacional) e resistentes a mudanças e aceitação a questões políticas de abertura ao novo/diferente. Destaca-se a resistência e não aceitação de grande parcela da população à articulação, implementação e diálogo com o Movimento dos Atingidos por Barragens, tido inicialmente como um movimento de baderna, bagunça, desordeiro... Tendo feito uma “agitação” inicial no sentido de mobilização de resistência em agosto de 2013, a população local começou a perceber que se tratava de pessoas humanas que buscavam auxiliar a luta e defesa dos direitos das pessoas atingidas.

No cenário maior, especificamente o brasileiro, temos um modelo de produção energética baseado em barramentos hidrelétricos representam 90% do total da produção da eletricidade. Segundo Benincá (2011), as hidrelétricas estão presentes nos discursos e na justificativa, enquanto produção de energia, como indispensáveis para acelerar o crescimento econômico e sustentar o desenvolvimento econômico. No entanto, esse assunto é polêmico, pois o discurso de produção energia “limpa” tem muitas contradições pelas inúmeras consequências e impactos socioambientais que provoca, tais como: inunda muitas áreas de terra (inclusive férteis); destrói ecossistemas (fauna e flora); expulsa famílias de seus lugares de convívio social. Segundo o Movimento dos Atingidos por Barragens no Brasil (MAB), estima-se que já sejam mais de um milhão de famílias desalojadas de seus espaços vivenciais.

Barragens têm sido construídas há milhares de anos - barragens para controlar inundações, para represar águas como fonte de energia hidrelétrica, para fornecer água como consumo humano direto, uso industrial ou para irrigar plantações. Hoje

(24)

quase metade dos rios do mundo tem ao menos uma grande barragem. Segundo alguns autores, a construção de barragens é uma forma de colonização moderna, em que o “outro”, forte e estranho, impõe seu projeto. Apropriando-se dos bens naturais, subordina, silencia e expulsa compulsoriamente as populações locais. Aí a água é transformada em energia; a energia, em mercadoria; a mercadoria em obsessão de consumo; o consumo em sinônimo de desenvolvimento; o desenvolvimento em destruição da natureza e exclusão dos pobres. (BENINCÁ, 2011, p. 27).

Para além de meras obras faraônicas, que vislumbram simpatizantes da engenharia, as grandes hidrelétricas demostram modos de impor modelos que se propõem como hegemônicos e que desconsideram modelos alternativos de produção de energia. Conforme Benincá (2011), as grandes barragens são muito mais do que máquinas que geram eletricidade e armazenam água. São expressões de concreto, rocha e terra da ideologia dominante na era tecnológica. São ícones do desenvolvimento econômico e do progresso científico, à altura das bombas nucleares e dos automóveis.

A história mostra a importância dos recursos naturais e seu profundo papel em contribuir para a sobrevivência e organização da sociedade. Nesse aspecto, estão os grandes rios, como grandes mananciais de água (água doce na maioria) e que auxiliam na organização, no moldar da sociedade, da cultura, da economia, enfim nas relações sociais. Dessa forma, em meados da década de 1970, o grande capital representado pelas grandes empresas internacionais, percebeu no Brasil, durante o governo da ditadura militar, oportunidades, maneiras de se apropriar de alguns recursos próprios para ampliar lucros econômicos. Nesse período histórico, começam os primeiros projetos de barramentos hidrelétricos nos grandes rios em diferentes regiões do Brasil, entre eles, no sul com destaque ao rio Uruguai.

Os megaprojetos governamentais de geração de hidroeletricidade, na bacia do rio Uruguai, são originários de planos da década de 1970 (regime militar). Esses projetos começaram a ser implantados no início dos anos 2000. [...] A implantação dos empreendimentos hidroelétricos se assegura e sustenta na necessidade eminente de produção de energia, ‘garantia’ de desenvolvimento e empregos. Por outro lado, os grandes barramentos de hidrelétricas na bacia alagaram milhares de hectares de terras e são responsáveis pela expulsão ou desalojamento de muitas pessoas. Também, são motivo para a destruição da biodiversidade local como a Floresta com Araucária e Floresta Estacional, mesmo que a Araucária (Araucaria angustifólia) esteja hoje, reconhecida como espécie ameaçada pelas políticas ambientais do País. (MAGRO et al, 2015, p. 9).

Neste contexto, os grandes rios têm mostrado sua enorme importância para as regiões que banham seus leitos, pois moldam a cultura, a economia, as relações sociais, entre outros. O Rio Uruguai que começa entre os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina e se estende na fronteira com a Argentina. Conforme Magro (2015), o rio fornece água, peixe, canal de transporte, traz nutrientes e fertiliza as terras, fazendo parte da paisagem, da cultura, da economia e da inspiração de muitos artistas. Com suas águas, ora calmas, ora turbulentas, corre ligeiro entre dois estados do Brasil e constitui palco de muitas lutas, lidas e vidas. Esse rio é conhecido por suas enormes corredeiras, saltos, estreitos e hoje por seus lagos formados pela ansiedade e necessidade da geração de energia do País. Um rio que transforma uma região e é transformado por ela. (MAGRO, 2015, p. 9).

(25)

A ligação afetiva, histórica, social, econômica, cultural do povo/região com o rio é em boa medida desconsiderada, quando, na década de 1970, surgem os primeiros megaprojetos governamentais de geração de hidroeletricidade, na bacia do Rio Uruguai. Praticamente todos os projetos são originários do regime militar que continha na sua ideia projetos de desenvolvimento com discursos marcados pelo progresso, aliados, com governos estrangeiros que davam seu suporte ao estado policial instalado no Brasil e outros países da América Latina. Assim, numa escada de barramentos no rio Uruguai, conforme mostra a imagem a seguir, se apresenta pela primeira vez a barragem do Roncador localizado no munício de Porto Vera Cruz. Com uma bela corredeira natural, sendo inclusive um ponto turístico, acaba tendo muita resistência de toda a região com liderança dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, o que provocou uma derrocada no projeto e acabou diminuindo a empolgação inicial de rapidamente implementar o projeto.

Figura 2 – Situação dos empreendimentos hidrelétricos na bacia do rio Uruguai

Fonte: Google mapas

Passadas mais de duas décadas, o Brasil dos anos 2000 assume por uma opção política de governo um modelo sociodesenvolvimentista (desenvolvimento social aos cidadãos/as como poder de compra, por exemplo) qual retoma projetos e adota um programa que incentiva a economia e propaga a “necessidade” de obras de grandes impactos, ditas como de desenvolvimento. O modelo adotado teve como centralidade a população das classes sociais historicamente inferiores no Brasil dando a elas a oportunidade de adquirir eletrodomésticos, acesso a novas habitações, o que demandava o consumo maior de energia. Inserido dentro do

(26)

PAC – Programa de Aceleração do Crescimento retomam-se os projetos com alguns rompantes novos inclusive do projeto Roncador, que se torna Panambi, localizado quatro quilômetros leito acima do rio Uruguai. Nesse sentido, o município de Alecrim entra na pauta da discussão regional, pois se torna o município sede do projeto Panambi.

Nesse cenário é importante situar e compreender Alecrim no contexto maior da problemática. A parte está no todo da problemática em relação à construção de usinas hidroelétricas, os quais são projetos maiores ancorados numa matriz energética embasada na produção de energia por barramentos de grandes rios. O projeto Panambi reaparece com novo formato do antigo projeto Roncador e à medida que o projeto se apresenta nas mesas das decisões políticas e econômicas, a região fronteira noroeste sofre com essa notícia. Para alguns, é o momento de ganhar, pois nesse embalo da obra a especulação imobiliária é muito comum. Para a maioria da população, é o momento de incertezas: Para onde vamos? Até onde vai o lago da barragem? Quem vai ser indenizado? Será que essa obra sai mesmo? São perguntas presentes em meio ao povo que sofre muito pela falta de informações. Além da falta de informações, os espaços para sanar suas dúvidas não são disponibilizados.

Com trabalho forte no sentido de discutir algumas questões com experiências de outras regiões, o Movimento dos Atingido por Barragens, com apoio de igrejas (católica e luterana), abrem espaços de diálogo. Com resistências, desconfianças o movimento social se opõe ao projeto, e acaba criando atritos com grupos (empresariais de modo especial) que são favoráveis e que possuem interesses maiores na obra. Os meios de diálogo se intensificam, onde são organizados seminários, palestras, enfim, se cria espaços em jornais e a reprodução de programas de rádios muito bem aceitos, fazendo do ponto um contraponto, algo inédito até então. Trazendo novas informações e construindo canais de diálogo entre a população local, começam cada vez mais a aparecer questionamentos e dúvidas dos reais interesses da obra do projeto Panambi. Para o movimento social, a tentativa maior é a de assegurar os direitos vitais para a população, tais como garantia de ser reconhecido como atingido/a, ter uma justa e necessária indenização quando for afetado, ter respeitado sua parcela de participação e decisão, entre outros direitos que hoje se discute numa plataforma ampliada entre os movimentos sociais e entidades que lutam pela legitimação do povo ter direito de decisão e não ser violado nos Direitos Humanos.

A construção de uma grande barragem no leito de um rio de uso público é apropriação da riqueza do ecossistema envolvido no bioma como um todo. À medida que grandes obras são executadas, evidenciam-se grandes impactos (ambientais e sociais) na vida do entorno

(27)

desse “empreendimento” (expressão normalmente usada pelo capital). A afirmação, enquanto um espaço de resistência, torna-se mais visível aos olhos da sociedade à medida que atividades de enfrentamento ao posto são realizados. Uma das questões no processo de resistência é refletir sobre os sujeitos que vão se empoderando na constituição de fazer frente às grandes obras que no decorrer de sua implementação manifestam suas inúmeras contradições no sentido das promessas iniciais não darem conta da concretude como: boas indenizações, empregos para região afetada, respeito as comunidades e culturas, entre outras questões. Assim, vozes de pessoas oriundas do meio do povo se colocam como questionamentos permanentes diante daquela obra que afetará profundamente o espaço local. A sociedade como um todo necessita estar sensibilizada às vozes emergentes de todos que têm disposição de escuta, ou mesmo de interlocução com sujeitos que auxiliam no trabalho de conscientização da sociedade, emergindo assim vozes que contrapõe o olhar voltado, por vezes, apenas para um discurso hegemônico de certa inevitabilidade de grandes obras.

Assim, a resistência, local e global está alinhada a evitar que ocorra uma indevida apropriação da água como um recurso natural disponível a todos os seres humanos, e não a grupos econômicos que procuram desvincular as forças que podem emergir em comunidades e grupos. O tema da água, neste momento histórico da humanidade, possui uma grande amplitude, pois é, e cada vez mais será, motivo de disputa, enquanto bem de consumo ou mercadoria para aumentar os lucros do capital. Diversos teóricos e cientistas vinculados a pesquisas sobre o aquecimento/mudanças climáticas tratam-na como “ouro azul”, o que remete a uma reflexão profunda no sentido do destino que está se dando e a quem ela está merecendo atenção especial. A água, enquanto um bem público, é fonte de desigualdades imensas no planeta pelas precárias condições de acesso para boa parte da população mundial e por ser um recurso de apropriação cada vez mais forte da parte de algumas grandes corporações mundiais que veem nesse recurso natural uma possibilidade de aumento dos seus lucros e benefícios. Aliás, as grandes corporações instaladas e presentes na maioria dos continentes mundo a fora, possuem estratégias de apropriação (privatização) muito parecidas mesmo em diferentes lugares do planeta.

Conforme Gorbosth (2014), as questões que envolvem a água não são isoladas. Elas estão relacionadas às questões ambientais como um todo, como o aquecimento global, o desmatamento das florestas, a desertificação. O tema da apropriação das águas por meio das grandes barragens tem viés e um fim comercial que suscita a luta pela implementação de políticas públicas aos atingidos e afetados. A reflexão inclui a vida do planeta e da

(28)

humanidade como um todo. “Educar-se para o uso criterioso da água é educar-se para a utilização consciente e responsável dos recursos naturais, visando um desenvolvimento econômico sustentável. A questão básica é: como e para que utilizamos a água.” (GORBOSTH, 2014, p. 7).

A privação da água pela construção de hidrelétricas construídas para produção de energia reproduz questões socioambientais como um todo, as quais requerem pensar nos riscos e consequências. Assim, propomos caracterizar o lugar da pesquisa enquanto o espaço escolhido da consolidação do projeto, mas por outro lado, o espaço de resistência enquanto parte da sua constituição histórica social. Trata-se de conhecer a história do município de Alecrim no noroeste do Estado do Rio Grande do Sul divisa com a Argentina.

1.1 A caracterização e a força do lugar

Ao nos debruçarmos sobre o conhecer de um espaço geográfico necessitamos empenho no sentido de perceber e interpretar os recortes que são importantes a serem feitos, olhando para o território mencionado. Assim, procuraremos fazer um recorte inicial no município de Alecrim no estado do Rio Grande do Sul, no sentido de nos inserir num local que é importante em ser compreendido olhando para questões de criação, organização e consolidação.

O conhecer do município de Alecrim faz memorar questões destacadas por registros de pessoas que têm presente no seu imaginário fatos e acontecimentos que marcam e acabam caracterizando este local como um possível lugar de resistência desde a sua origem até os dias atuais. Para moradores possivelmente atingidos, poder manifestar e realizar a escolha de permanecer nesse lugar enquanto uma opção de vida é poder continuar uma trajetória iniciada com seus familiares de gerações anteriores. A ameaça da grande obra Hidrelétrica Panambi já está presente há mais de quatro décadas, porém resistir ao lugar possivelmente é ter uma opção de vida, formas que ultrapassam a mera individualidade social e fazem com que possa continuar residindo no lugar que escolheram para viver.

Conforme José Eugênio Rauber (2002), primeiro prefeito eleito e historiado local, Alecrim tem na sua trajetória de município um povoamento já sob pressão, onde os colonos, oriundos dos mais diferentes lugares do Rio Grande do Sul, exerceram forte pressão para conseguir alguns lotes rurais. Em meio à mata fechada, os primeiros agricultores foram

(29)

desbravando o território que fazia divisa com o Rio Uruguai, onde ainda se encontravam de maneira meio aleatória famílias de indígenas que se organizaram e residiam por aí até meados de 1920. O processo migratório foi acontecendo em meio à organização dos espaços das famílias, mas com destaque à organização de igrejas e logo depois das escolas.

Os personagens centrais no processo de colonização no município de Alecrim, segundo Rauber (2002), foram os professores, religiosos, comerciantes e os colonos. Cada um ao seu modo contribuiu para que esse município hoje chamado Alecrim pudesse avançar na consolidação do povoado, a fim de se tornar um município. A escola paroquial bancada pelo estado e também município aconteceu em meio a lutas e conquistas de muitas décadas, uma vez que Alecrim não possuía quadro de professores para trabalhar naquele lugar. Dessa forma, alguns professores foram desempenhando papel de protagonismo nesse lugar carente de docentes que pudessem auxiliar no processo de alfabetização.

Na questão religiosa, a organização de Alecrim perpassa muito em torno das comunidades católicas e algumas Evangélicas Luteranas, marcas essas acentuadas pela colonização europeia. Outros hábitos e costumes são heranças fortemente acentuadas pela migração. A influência das lideranças de modo especial religiosas como padres, pastores, professores e ministros é algo notável em relatos e registros históricos. Essa contribuição das Igrejas frente às comunidades de Alecrim se estende até os dias atuais. Em 2013, quando questionado sobre a solidariedade diante dos atingidos, Padre Eugenio Hartmann, Pároco da Paróquia Santa Cecília de Alecrim, expressou sua opinião ao Jornal Tribuna Livre (2013, p. 9) de Santo Cristo.

O que ficamos sabendo através de estudos e assessorias tanto do MAB como de professores universitários que se especializaram nesta área, é que as barragens em muito vem para satisfazer grandes empresas que querem fazer investimentos a longo prazo para usufruir lucros fáceis. E assim o nosso lindo Rio Uruguai vai se transformando numa sucessão de grandes lagos, controlados por grandes empresas. Os peixes, os impactos ambientais, a situação das famílias que escolheram morar ali, não são importantes nesses projetos que subordinam a preservação da natureza e a vida das pessoas ao desenvolvimento econômico. Isto é uma ofensa ao nosso Criador porque quebra as relações de equilíbrio entre as pessoas humanas e a natureza. Por que nos solidarizamos com os atingidos? 1º Porque eles são, em primeiro lugar, nossos irmãos e irmãs mais angustiados e abandonados da Paróquia e do município. Nunca foram informados ou consultados oficialmente sobre a sua situação futura. Quais são seus direitos e suas garantias. 2º Nas reuniões de autoridades dos municípios atingidos direta ou indiretamente, eles não são convidados e talvez lembrados. 3º As barragens trazem muitas perdas sociais, ambientais (os reflexos ambientais que vem destas duas barragens todo Bioma Pampa, que vai até Uruguaiana), humano-afetivas (as pessoas como vão viver felizes longe dos seus amigos, vizinhos e familiares?). Sem considerar a injusta indenização que lhes será oferecida. Exemplos das sete barragens que foram construídas na Bacia do Rio Uruguai, de cada 10 famílias atingidas, três conseguiram indenização. Portanto, o direito de resistência precisa ser estimulado

(30)

por todos nós, para que os agricultores que possivelmente serão atingidos, se organizem da tal maneira que possam ter a devida e justa indenização, não como alguém que escolhe se desfazer de sua propriedade e sair, mas para quem “é forçado a sair de sua terra”.

As indagações e os questionamentos que o Padre Eugênio, enquanto liderança religiosa de Alecrim, expressa, acontece em meio à retomada das discussões dos projetos em 2013 enquanto necessidade e possibilidade de resistência. A falta de informações, a dificuldade de garantias de ser indenizado são situações que angustiam a povo com destaque aos atingidos da margem do rio Uruguai. Contudo, essas indagações diante de algo que parecia inevitável ao processo de resistência no município de Alecrim, é retomado assim como foi na década de 1980 onde as diferentes organizações com destaque ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais coordenaram o processo de não aceitação de projetos faraônicos que prometiam um grande desenvolvimento regional. Assim, com a liderança de agentes religiosos e com o apoio do Movimento dos Atingidos por Barragens que gradativamente foi se estabelecendo na região, começou tomar corpo o processo de resistência como um modo de dizer que existem razões para não aceitar barragens que fortalecem esse modelo energético que exclui os maiores interessados numa grande obra de barragem, que são os da margem do rio.

Nesse sentido, o apoio e incentivo inicial de lideranças religiosas pareceu ser imprescindível para o surgimento de lideranças sociais que fizessem e fazem frente no processo amplo de resistência da implementação de grandes obras de barragens. Com a compreensão e visão de outras regiões afetadas por grandes obras o alerta sempre se voltou para o questionamento do Movimento dos Atingidos por Barragens: Energia para que e para quem? Dessa forma, a partir do tema “Águas para a vida e não para a morte”, a reflexão abordava sobre a ideia não de ser contra a produção de energia, mas questionar o modo/maneira de como os encaminhamentos eram feitos, uma vez que o processo necessita ser discutido com o conjunto da população. A outra indagação é sobre o modelo da matriz energética que ainda é a mesma do período da ditadura militar no final da década de 1960, estruturada no barramento de grandes rios com potencial de produção de energia.

O certo é que o planejamento energético brasileiro jamais incorporou a dimensão socioambiental, e mesmo com a aparente tomada de consciência global acerca dos desafios da conservação da natureza, e do avanço da legislação ambiental, o setor elétrico, desarticuladamente centrado na geração hidráulica, se apropriou do falacioso discurso “da energia limpa”, conseguindo avançar um planejamento extemporâneo (PAIM; ORTIZ, 2006, p. 71).

A forma principal que as grandes barragens se instalavam em diferentes regiões é o lobby de propaganda com a questão da produção de energia limpa. A fim de visibilizar o

(31)

projeto maior e integrado, trazemos para auxílio e compreensão um mapa da bacia do Rio Uruguai que mostra os empreendimentos hidrelétricos e a sua situação sobre os projetos em andamentos ou concretizados. O mapa é uma compilação de estudos de inúmeras instituições favoráveis à defesa do Rio e resistentes à consolidação desses empreendimentos que prometem desenvolvimento (regional de modo especial), mas que, no final, acabam sendo empresas que se apropriam do rio como um bem produtor de lucros.

O mapa da página seguinte mostra os empreendimentos hidrelétricos planejados e já concretizados no leito do Rio Uruguai, o qual tem um dos maiores potenciais de produção de energia hídrica do Brasil e possivelmente do mundo. Desde o seu leito menor, o rio Uruguai tem um potencial hidrelétrico grande e dentro desse processo como um todo está situado o projeto de Roncador, hoje modificado para Panambi, nome este que está associado ao município no outro lado da margem de Alecrim, do lado argentino.

Figura 3 – Empreendimentos hidrelétricos planejados e já concretizados no rio Uruguai

(32)

O mapa é resultado de inúmeras pesquisas e estudos de diversas instituições vinculadas a ONGs e movimentos sociais que têm na sua prioridade primeira a defesa dos bens naturais e sociais.

O rio Uruguai possui 2.200 km de extensão, originando-se da confluência dos rios Pelotas e do Peixe, onde divide os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Delimita a fronteira entre o Brasil e a Argentina após a sua confluência com o rio Peperi-Guaçu e, depois de receber a afluência do rio Quaraí, que limita o Brasil e o Uruguai, marca fronteira entre a Argentina e o Uruguai até sua foz. [...] Aproximadamente 3,8 milhões de pessoas vivem na parte brasileira da região hidrográfica do rio Uruguai, que possui um total de 384 municípios, com maior concentração nas unidades hidrográficas de Chapecó, Canoas, Ibicuí e Turvo. Entre as maiores cidades estão Lages e Chapecó, em Santa Catarina, e Erechim, Ijuí, Uruguaiana, Santana do Livramento e Bagé, no Rio Grande do Sul. A região concentra importantes atividades agro-industriais e apresenta reconhecido potencial hidrelétrico. [...] Por suas dimensões, a bacia hidrográfica do rio Uruguai é um dos mais importantes corredores de biodiversidade da Cone Sul, apresentado em a fauna diversas espécies endêmicas ou em vias de extinção. (PAIM; ORTIZ, 2006, p. 11-12).

Retomando um pouco mais o específico de Alecrim, outro destaque dos personagens na história de Alecrim, segundo Rauber (2002), são os comerciantes. Em razão das distâncias e de certo isolamento com outros municípios, o comércio local teve papel central na vida dos Alecrinenses. Casas comerciais as quais consistiam em mercadorias em geral e compra de produtos coloniais acabavam sendo o ponto de socorro das pessoas. O acerto/pagamento girava em torno da colheita dos produtos agrícolas, pois para a maioria acabava sendo a única fonte de renda, a colheita anual dos grãos. As casas comerciais de caráter informal acabaram sendo a primeira atividade comercial para a criação de um intercâmbio comercial entre Alecrim e a República Argentina.

Referente aos comerciantes, se faz necessário refletir sobre o modelo agrícola fundiário de Alecrim. Desde a origem de sua colonização, o modelo básico de produção é a agricultura familiar. Conforme Conti (2006), grandes transformações ocorreram na agricultura brasileira que produzia basicamente para a subsistência, comercializando o excedente para comprar produtos e mantimentos que nãos e produziam na roça. Esse quadro mudou gradativamente em todas as regiões inseridas numa lógica de mercado, onde se produz somente para comercialização, adotando cadeias integradas, tais como produção de leite, soja, milho, suínos, gado, que geram certo ciclo de dependência que ocasiona a necessidade da compra de produtos básicos como frutas, verduras e outros produtos.

Mesmo com uma estrutura fundiária baseada na pequena propriedade familiar, Alecrim sofre com as transformações ocasionadas pela agricultura brasileira. Mesmo sendo

Referências

Documentos relacionados

Rhizopus-associated soft ti ssue infecti on in an immunocompetent air-conditi oning technician aft er a road traffi c accident: a case report and review of the literature.

Quando os dados são analisados categorizando as respostas por tempo de trabalho no SERPRO, é possível observar que os respondentes com menor tempo de trabalho concordam menos que

Essa tarefa não tem a necessidade de interface com o usuário, tornando-se uma boa candidata ao processamento em lotes, normalmente utilizados como a divisão

Com base nos resultados da pesquisa referente à questão sobre a internacionalização de processos de negócios habilitados pela TI com o apoio do BPM para a geração de ganhos para

Do projeto pedagógico foram extraídas treze competências, tomando como base, o método de Rogério Leme em sua obra: APLICAÇÃO PRÁTICA DE GESTÃO DE PESSOAS POR

A proposta aqui apresentada prevê uma metodologia de determinação da capacidade de carga de visitação turística para as cavernas da região de Bulhas D’Água

Neste artigo busco pensar Américo de Castro como empresário concessionário de companhias ferro carril e em outras atividades relacionadas à construção civil e que de- pendiam

Mas o esporte paralímpico brasileiro, assim como o Rio de Janeiro, ficaria definitivamente em evidência três anos depois, quando a cidade se torna a sede dos Jogos