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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL INTRANSIGÊNCIAS E CONCESSÕES DE UM HINDUISMO OCIDENTALIZADO:

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

INTRANSIGÊNCIAS E CONCESSÕES DE UM HINDUISMO OCIDENTALIZADO: UM ESTUDO ETNOGRÁFICO SOBRE O MOVIMENTO HARE KRISHNA

VÍTOR HUGO DA SILVA ADAMI

Relatório Técnico apresentado como requisito parcial para obtenção do título de mestre em Ciências Sociais.

Orientador: Prof. Dr. Airton Luiz Jungblut

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

INTRANSIGÊNCIAS E CONCESSÕES DE UM HINDUISMO OCIDENTALIZADO: UM ESTUDO ETNOGRÁFICO SOBRE O MOVIMENTO HARE KRISHNA

VÍTOR HUGO DA SILVA ADAMI

Relatório Técnico apresentado como requisito parcial para obtenção do título de mestre em Ciências Sociais.

Orientador: Prof. Dr. Airton Luiz Jungblut

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Banca Examinadora

Prof. Dra. Lúcia Helena Alves Mülller.

Prof. Dr. Bernardo Lewigoy

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AGRADECIMENTOS

Agradecimento é um vocábulo que não consegue “dar conta” de expressar a gratidão que sinto pelas pessoas comprometidas e envolvidas com o processo de realização desta pesquisa. Foram muitas pessoas... Quase impossível enumerá-las para constar neste limitado espaço gráfico. Entretanto, não eximindo o seu devido valor de gratidão àquelas que não menciono aqui, quero exprimir meus sinceros agradecimentos aos meus avós - Cirema e Moacyr Bandeira -, minha irmã - Cristina Adami -, Cláudio Mércio, a família Silva, a comunidade Hare Krishna de Porto Alegre, ao meu orientador - Airton Luiz Jungblut -, Silas Guerriero, Marcos Silva da Silveira, à banca examinadora, Lúcia Müller e Bernardo Lewigoy e ao amigo de todas as horas - Thomas Josué Silva. Muito Obrigado a todos!

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“Qualquer tentativa de falar num idioma particular não tem maior fundamento que a tentativa de ter uma religião que não seja uma religião em particular... Assim, cada religião viva e saudável tem uma idiossincrasia marcante. Seu poder consiste em sua mensagem especial e surpreendente e na direção que essa revelação dá à vida. As perspectivas que ela abre e os mistérios que propõe criam um novo mundo em que viver; e um novo mundo em que viver – quer esperemos ou não usufruí-lo totalmente – é justamente o que desejamos ao adotarmos uma religião.

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SUMÁRIO

RESUMO ... ABSTRACT ... INTRODUÇÃO ... 1 A HISTÓRIA DO MOVIMENTO HARE KRISHNA ...

1.1 A OCIDENTALIZAÇÃO DO MOVIMENTO HARE KRISHNA ... 1.2 “VIDA SIMPLES E PENSAMENTO ELEVADO”: O “POSICIONAMENTO” DO

GURU ...

1.3 A SUSTENTAÇÃO ECONÔMICA DO GRUPO: “O SANKIRTANA DE SRILA

PRABHUPADA” ... 2 A ISKCON BRASILEIRA EM RELAÇÃO AO MOVIMENTO HARE KRISHNA OCIDENTAL ...

2.1 AS PRÁTICAS SINCRÉTICAS NO “MERCADO DE KRISHNA”. ... 2.2 O SINCRETISMO INTRATRADICIONAL: MOVIMENTO HARE KRISHNA E/OU ISKCON? ...

3 A ISKCON NO RIO GRANDE DO SUL ...

3.1 O TEMPLO HARE KRISHNA EM PORTO ALEGRE: UM TRÂNSITO ENTRE LUGARES E ESPAÇOS. ... 3.2 A CONGREGAÇÃO, O CONSELHO E OS SWAMIS (GBC) ...

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3.3 O CONSELHO ADMINISTRATIVO E OS SWAMIS. ...

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... REFERÊNCIAS ... ANEXOS ...

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RESUMO

Este Relatório Técnico é orientado por uma questão fundamental: questionar de que forma um movimento religioso de tradição hindu, não vinculado a um grupo étnico, consegue se tornar assimilável ao Ocidente. Busca-se, para tanto, um exercício etnográfico que parte, inicialmente, de uma breve reconstituição histórica da presença do movimento Hare Krishna na Índia (Bengala, no século XV) e de sua chegada aos Estados Unidos, na década de sessenta, e no Brasil, nos anos setenta. Chega-se, por fim, à contemporaneidade com a análise da comunidade Hare Krishna situada na cidade de Porto Alegre. Evidenciou-se, a partir desta investigação, uma seqüência de tensões entre os vários modelos organizacionais congregadores dos adeptos da “doutrina de Krishna”, que foram surgindo ao longo dessa trajetória histórica. Isso permitiu entender o movimento Hare Krishna como um agrupamento amplo e relativamente difuso, que engloba distintos grupos organizados os quais vivenciam esta mesma fé hindu, em seus diferentes arranjos possíveis, com maiores ou menores transigências sincréticas. O inventário tanto dessas concessões como de muitas intransigências rituais e doutrinárias constitui, em síntese, o corpus etnográfico que serve de base para a análise mais ampla sobre a trajetória dessa tradição hindu em seu deslocamento para o Ocidente.

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ABSTRACT

This technical report follows one mainline; how can a religious movement of Hindu tradition and not related to any ethnic group become acceptable in the western civilization. An ethnographic exercise is carried out on the basis of a brief reconstruction of the arousal of the Hare Krishna movement in XV century Bengal, India and its arrival to the United State in the nineteen sixties and to Brazil in the following decade. Finally, we will focus on the Hare Krishna community of Porto Alegre. A series of tensions were observed among the several organizational models of the followers of the Hare Krishna doctrine that have arisen along the history of the movement. This allows to an understanding of the movement as a broad, embracing and diffuse grouping, including diverse possible arrangements with greater or lesser sorts of syncretic courses. The whole relation of all these forms of concession, ritualistic intransigencies and doctrines makes up the ethnographical corps on which the analysis of this ancient Hindu tradition and its westward movement is based.

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INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é investigar o movimento religioso Hare Krishna caracterizado como uma tradição do hinduísmo cujo processo de “migração global” na década de sessenta (BEYER, 1998, p.: 21) permitiu seu crescimento no Ocidente. Cabe ressaltar que o hinduísmo não pode ser considerado uma religião única e que a versão ocidental do movimento Hare Krishna, a ISKCON (Sociedade Internacional para Consciência de Krishna), é somente um dos ramos da tradição hindu1. Segundo um estudioso desse grupo (GUERRIERO, 2001), a ISKCON “até hoje permanece como uma das mais sólidas instituições religiosas de cunho orientalista não vinculadas a grupos étnicos” (2001:1).

Cabe, então, a pergunta: como um movimento religioso de tradição hindu, não vinculado a um grupo étnico tanto no Ocidente como no Brasil negocia a sua tradição com as alteridades culturais com as quais se depara nos vários fronts ambicionados no seu processo de expansão. Para responder a tal questão, este trabalho foi dividido em duas partes dispostas em três capítulos: 1ª) a investigação com base, principalmente, em revisão bibliográfica da

1 Ver Guerriero, 1989, p.: 48. Em sua dissertação de mestrado, encontra-se detalhes sobre a relação entre

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trajetória das acomodações à ocidentalidade (local e global) pelas quais o grupo precisou passar; 2ª) o relato da trajetória de uma unidade particular da organização, (ISKCON em Porto Alegre) e de seu cotidiano nos últimos anos (novembro/2002 – dezembro/2004), visando a verificação dos dilemas específicos dessa unidade.

A análise dos impressos do movimento Hare Krishna, a leitura de outras pesquisas sobre este tema2, histórias de vida de membros do grupo, entrevistas e um convívio intenso com a comunidade Hare Krishna em Porto Alegre foram os procedimentos metodológicos adotados para esta pesquisa. O trabalho está estruturado da seguinte forma:

No primeiro capítulo, procura-se mostrar em que bases sociais na Índia, Bengala do final do século XV, o movimento Hare Krishna surge. A partir deste momento, surgiram conflitos que tencionavam tanto com a ordem social envolvente como com a interioridade do próprio movimento Hare Krishna quando este procura se institucionalizar. Ainda, neste capítulo, analisa-se a versão institucionalizada do movimento Hare Krishna no Ocidente, a partir do trabalho realizado pelo guru indiano Prabhupada. Observa-se uma série de adaptações feitas por ele que resultaram em um certo afastamento da tradição indiana mais ortodoxa. Como conseqüência, o movimento de Prabhupada tornou-se um ramo ocidentalizado da tradição que lhe dá origem.

No segundo capítulo, é observada a relação do movimento Hare Krishna Ocidental com o modelo organizacional criado por Prabhupada, a Sociedade Internacional para Consciência de Krishna, a ISKCON. No Brasil, observa-se um movimento Hare Krishna procurando reproduzir os moldes de uma “igreja” que se situa a meio termo entre aquilo que o

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guru indiano ensinou nos Estados Unidos e as políticas de expansão adotadas pelos seus

sucessores. Percebe-se uma tensão entre o que Prabhupada ensinou e a maneira de se propagar este ensinamento no Brasil pelos representantes do corpo diretivo da ISKCON (GBC).

No terceiro capítulo, analisa-se uma unidade local do movimento Hare Krishna, no modelo organizacional ISKCON, representado por um templo em Porto Alegre. O fato de um templo da ISKCON encontrar-se dentro de um restaurante de uma seguidora do movimento Hare Krishna mostra uma “negociação” que esta tradição globalizada faz, localmente, para se auto-sustentar. Esses e outros exercícios adaptativos são, neste capítulo, analisados.

Os índices de adesão ao movimento Hare Krishna, bem como os índices de freqüência aos templos da ISKCON no Brasil são pouco expressivos (GUERRIERO, 2001, p.: 7). Entretanto, este estudo torna-se importante ao pretender avaliar os impactos das tendências contemporâneas da modernidade sobre o formato organizacional de grupos religiosos orientais emergentes, algo ainda pouco feito no Brasil. A contribuição desta pesquisa para o campo das Ciências Sociais da religião como um estudo que adota a abordagem organizacional é, igualmente, merecedora de nota já que essa perspectiva é, relativamente, escassa nas pesquisas brasileiras sobre religião. A escassez de estudos sobre as tradições orientais no Brasil e, principalmente, no Rio Grande do Sul torna, outrossim, pertinente a presente análise.

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1 A HISTÓRIA DO MOVIMENTO HARE KRISHNA

Este capítulo apresenta-se subdividido em três tópicos. O primeiro deles procura fazer uma revisão histórica do movimento Hare Krishna no contexto indiano até a chegada nos Estados Unidos, na década de sessenta. No segundo, já se observa a versão ocidental deste movimento com as devidas adaptações e transformações instituídas pelo seu fundador, o guru indiano Prabhupada. No terceiro tópico, o movimento Hare Krishna se apresenta plenamente institucionalizado num modelo de organização religiosa ocidental. As duas partes iniciais deste capítulo servem de embasamento teórico para se ter uma referência das bases que formaram o modelo organizacional ISKCON.

1.1 A OCIDENTALIZAÇÃO DO MOVIMENTO HARE KRISHNA

O culto ao deus Krishna remonta, há cerca de 5.000 anos, diversas escolas filosóficas da Índia antiga3. No final do Século XV depois de Cristo, um brâmana, chamado Caitanya4

3

Ver Raymond Hammer, Concepts of Hinduism – The World‟s Religion – A Lion Handbook (p.: 171-191).

4 Profeta indiano nascido em Mayapur na região de Nadia em 18/02/1486 (1486 -1533) – fonte:

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foi quem, segundo Turner, “„reavivou‟ e não quem criou o Krishna-bhakti (devoção intensa) na Índia oriental” (1974:188-189).

Na bibliografia do movimento, consta que a pessoa de Caitanya é considerada como o próprio Krishna que veio à Terra, um avatar5, para resgatar os valores espirituais da “consciência de Krishna” que estavam sendo desgastados. Este profeta indiano ensinava que o princípio de “adorar a Krishna é de natureza universal”. A universalidade propagada por

Caitanya criou as condições para qualquer um tornar-se um brâmana, desde que se dedicasse

a adorar e servir Krishna e, também, se dispusesse a conhecer a sua ciência, independente de casta social. Isso é sustentado em uma bibliografia do grupo:

Aceita-se que qualquer um que conheça a ciência de Krsna e esteja ocupado no serviço ao Senhor está numa posição mais elevada do que uma pessoa nascida na família de um brahmana (BHAKTIVEDANTA,1989:XII)

Na época em que Caitanya fazia suas pregações, o conhecimento sobre a doutrina de Krishna e todo o seu ritual de adoração era restrito aos brâmanas de castas. Tanto Guerriero (1989), como Silva da Silveira (2000) distinguem o significado de ser considerado um brâmana: brâmana ou brâmane é um “indivíduo da casta sacerdotal (smarta brâmana), hierarquicamente mais elevada diante das demais”. Silva da Silveira (2000) explica que o brâmana de casta é diferente do brâmana vaishnava: os brâmanas vaishnavas seriam aqueles que seguiam Caitanya, os sacerdotes de seitas, diferentes dos brâmanas de castas, aqueles que nasciam em famílias de casta social de brâmanas.

5 Avatar significa a personificação de Deus que aparece na Terra com a função de reviver os valores espirituais

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A pregação de caráter “universal” estabelecida por Caitanya gerou um impasse entre os brâmanas de castas e aqueles que foram instituídos pelo movimento religioso de Caitanya. Esta tensão acirrou-se ainda mais em decorrência da expansão do movimento dos vaishnavas (movimento de brâmanas de seitas que se opunham aos brâmanas de castas) que “passou a ser o movimento mais significativo na Bengala”( GUERRIERO, 1989, p.:66). Em Turner (1974), encontra-se dados históricos que localizam este tipo de movimento: “Os movimentos vaisnavitas eram conhecidos em Bengala desde o século XI ou XII de nossa era, isto é, pelo menos três séculos antes da época de Caitanya” (TURNER, 1974:189).

Victor Turner (1974) baseou-se nos estudos de Edward C. Dimock (1966 a, 1966b) para classificar o movimento dos vaishnavas de Bengala como uma “communitas do afastamento e do retiro”. Este tipo de “communitas”, segundo o autor, “não está tão estreitamente ligada à crença em um fim iminente do mundo, ao contrário, implica a renúncia, total ou parcial, à participação nas relações estruturais do mundo” (TURNER, 1974:187-188).

Tal constatação encontra-se também em Guerriero (1989), quando este autor explica como Turner entendeu o aspecto “communitas” do movimento:

Para Victor Turner, o movimento vaishnava de Chaitanya representava um amor ao mesmo tempo divino e ilícito, simbolizando uma „communitas‟. A quebra da estrutura da época e o não reconhecimento das distinções hierárquicas demonstravam o caráter „communitas‟ do movimento (GUERRIERO,1989:67).

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O vaishnavismo veio se propagando ao longo do tempo a partir de pessoas pertencentes a diferentes escolas filosóficas6 que interpretavam e procuravam viver os ensinamentos dos seus mestres/filósofos. O que Caitanya fez foi compilar o pensamento de vários filósofos vaishnavas anteriores a ele.

No período em que Caitanya desenvolvia este trabalho de pregação, Bengala passava por conflitos sérios de invasão e saques por estrangeiros (um exemplo disso foi a invasão mulçumana que pretendia impor o Islamismo) com cultura e religião bem diferentes. Para contornar essa situação de conflito social, os brâmanas de castas, os detentores do poder local, resolveram “endurecer” mais ainda a sua dominação religiosa e o sistema de castas. Foi proibido qualquer tipo de movimento que viesse a desrespeitar a hierarquia estabelecida pelo sistema (GUERRIERO,1989:68).

O movimento de Caitanya, nesse período, representou um movimento de oposição ao “endurecimento” e, também, ao monopólio das escrituras sagradas indianas praticadas pelos brâmanas de castas.

Na pesquisa de Guerriero, é relatada como Caitanya organizou seu movimento de oposição à ordem social vigente da época:

Em princípio com um número reduzido de participantes, os vaishnavas se reuniam na casa de alguns deles para praticar a devoção espiritual e ler a literatura védica, principalmente o Bhagavatam. (...) Chaitanya começou a incentivar o canto do

maha mantra em praças públicas, organizando grandes sankirtanas Pregava que

qualquer um poderia cantar os nomes do Senhor, antes restritos apenas aos brâmanes de casta (GUERRIERO, 1989:67).

6 Estas escolas filosóficas fundam-se a partir do estudo e interpretação das escrituras sagradas indianas,

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Com a morte de Caitanya, o movimento ficou enfraquecido, polarizando-se em duas vertentes: uma foi liderada pelo seu fiel amigo, Nityananda, que persistiu na continuação do movimento aos moldes de Caitanya, num apelo de “devoção universal” a Krishna (TURNER, 1974, p. 193). A outra facção seguiu Advaita-acharya (um dos primeiros e principais discípulos de Caitanya) que pregava um movimento não tanto pela devoção, mas pela gnose (conhecimento) em relação à doutrina de Krishna. Paralelamente a isso, ocorria em Vrindavana7 um outro movimento de seis goswamis8 na tentativa de procurar dar continuidade ao trabalho de Caitanya.

Turner (1974) faz uma distinção importante para essa discussão entre Caitanya e seus

Goswamis:

Caitanya (...) era um poeta da religião devocional, humilde e simples, vivendo sua

fé mais do que pensando a respeito dela. No entanto, seus seis Goswamis eram teólogos e filósofos, que estabeleceram um ãsrama (escola de instrução religiosa) para vaishnavas, onde a doutrina formal de sua seita poderia ser elegantemente forjada (TURNER, 1974:192).

O autor entendeu que o movimento vaishanava de Bengala, institucionalizado como movimento Hare Krishna, dividiu-se entre os “devocionais e conservadores” (TURNER,1974 p.:192). Os “devocionais” representados pelo movimento de Nityananda (continuavam em oposição à estrutura social da época), e o movimento dos seis Goswamis, juntamente com o movimento de Advaita considerados como “conservadores”. Turner (1974) disse que os “conservadores”

7 Cidade indiana onde a tradição vaishnava reconhece como o lugar que Krishna passou grande parte dos seus

dias quando estava na Terra.

8Guerriero (1989) diz que goswamis quer dizer “mestre dos sentidos”. Uma categoria hierarquicamente mais

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acreditavam que a “salvação” operava-se pela gnose, não pela devoção, e implicava a aceitação da estrutura social na forma presente (TURNER, 1974 p.:194).

Entende-se, aqui, que os goswamis, ao interpretarem a obra de Caitanya, de certa maneira estavam também tentando monopolizar o entendimento da doutrina pregada pelo seu “profeta”. A forma como se concretizou esse “monopólio doutrinário” foi a partir da criação de uma organização que pudesse legitimar entre eles uma interpretação mais autêntica dos ensinamentos.

Guerriero (1989) faz um sucinto relato histórico da Gaudya Math, uma organização que teve como objetivo reunir os seguidores de Caitanya e tentar enquadrar em regras de uma instituição formal o serviço devocional vaishnava.

Conforme relato de Guerriero:

Até então, era prática comum entre os seguidores de Krishna, como ainda é para todos os seguidores de outros deuses, que cada mestre deveria sair pregando, formando discípulos à sua volta. Não havia nenhum organismo que regulamentasse a devoção a Krishna. A Gaudya Math procurou criar esse organismo em que cada seguidor deveria estar de acordo com as ordens do mestre; desde as colocações de Chaitanya, até as do mestre presente na Terra naquele momento (GUERRIERO,1989:71).

Em Vallverdú (2000:57) consta que, no ano de 1932, o “mestre presente na Terra” habilitado a pregar autenticamente os ensinamentos de Caitanya era Bhaktisiddhanta

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Nesse mesmo ano, Bhaktisiddhanta “dá iniciação espiritual” a Abhay Charan, o instituidor do movimento Hare Krishna no Ocidente. Até 1952, Abhay Charan ainda estava envolvido com atividades profissionais numa empresa de produtos farmacêuticos em Allahabad. No ano de 1944, ele começou a publicar e distribuir uma revista quinzenal chamada “Back to Godhead” (Voltando ao Supremo), publicação esta que não teve o impacto esperado. A atividade profissional desenvolvida no ramo farmacêutico também já não estava indo muito bem e isso fez com que se dedicasse, cada vez mais, ao seu propósito de propagar a “consciência de Krishna”.

Devido a conflitos internos na Gaudya Math, esta perde seu reconhecimento popular na “propagação da consciência de Krishna”. Para fazer com que este propósito não se perdesse, Charan funda, no ano de 1952, “a liga dos devotos”. A Liga dos devotos vaishnavas tinha como objetivo reviver os princípios religiosos da “consciência de Krishna” que estavam sendo desgastados com as lutas internas da missão Gaudya (VALLVERDÚ, 2000:57).

Abhay Charan, aos sessenta e quatro anos, no ano de 1959, aceitou a ordem de sannyasi, passando a ser chamado de A. C.Bhaktivedanta Swami Prabhupada. Desde então,

ele se viu solitário, morando em Vrindavana, num templo da sua tradição religiosa, onde se aprofundou nas escrituras sagradas: Srimad Bhagavatam e Bagavad gita.

O propósito inicial do guru era ficar em Vrindavana por um tempo e, em seguida, retornar a Nova Delhi para conseguir patrocinadores que o ajudassem na continuidade do seu trabalho de pregação. (VALLVERDU, 2000:56-57).

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Até o ano de 1964, Prabhupada já havia traduzido e interpretado do Sânscrito para o Inglês quatro volumes do Srimad Bhagavatam. Ao retornar a Delhi, não obteve grande sucesso em seus propósitos, pois não era ainda tão conhecido e havia a repercussão negativa do desmembramento da Missão Gaudya (VALLVERDÚ, 2000:57). Lembrando-se do que seu mestre espiritual, Bhaktisiddhanta Sarasvati, havia lhe falado há quarenta anos, deveria ir para o Ocidente e pregar a “consciência de krishna” o Swami aceita a doação de uma passagem de navio e parte no dia 13 de Agosto de 1965 para os Estado Unidos (VALLVERDÚ, 2000:57).

A chegada a Nova Iorque, em 19 de Setembro de 1965, foi muito difícil, pois ele passou por várias enfermidades durante a viagem. Praticamente sem dinheiro, Prabhupada vai para a casa de alguns conhecidos na Pensilvânia, em seguida, porém, dirige-se a Nova Iorque.

As condições financeiras desfavoráveis fizeram com que o Swami fosse morar em bairros considerados centros intelectuais underground dos anos sessenta. Nesses bairros, residiam, na grande maioria, jovens intelectualizados e “hippies” que pertenciam ao movimento da “contracultura” (VALLVERDÚ, 2000:58). O guru chamou atenção dos “hippies”, sobretudo, através do canto devocional (Kirtana) e a vestimenta indiana que ele usava nas pregações em diferentes parques americanos.

Os primeiros discípulos de Prabhupada foram, preponderantemente, músicos e artistas que se interessavam por música transcendental e filosofia. Eles já tocavam instrumentos e praticavam meditação espiritual, mas alguns usavam drogas. Quando o guru indiano

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apresentou o mantra Hare krishna, tanto em forma de música como numa sonoridade para se meditar, prontamente os jovens se interessaram (VALLVERDÚ, 2000:60-61).

Através de uma publicação do grupo, onde é abordada a formação histórica do movimento nos Estados Unidos, encontrou-se a seguinte comunicação de Prabhupada endereçada a Columbas Indian Association em 11/05/69. O Swami, nesta carta, relata sobre a sua chegada aos Estados Unidos:

Assim, pela graça do Senhor Chaitanya, este movimento já se introduziu nos países ocidentais, tendo seu início em Nova York. Nosso movimento sankirtana começou no ano de 1966. Naquela época, eu vim e comecei a cantar este mantra Hare Krishna na Tompkins Square. Eu cantava ali por três horas seguidas com uma pequena mridanga (tambor), e estes rapazes americanos começaram a vir e aos poucos se juntaram a mim, e dessa forma o movimento está crescendo. A princípio, ele começou em uma lojinha de Nova York, no número 26 da Segunda Avenida, e depois inauguramos outros centros em São Francisco, Montreal, Boston e Los Angeles. Em pouco tempo ele se espalhou por todo o mundo. Em Londres, por exemplo, todos os membros são rapazes e moças que não são sannyasis nem vedantistas, nem hindus, nem indianos, mas estão levando este movimento muito a sério. Inclusive, no London Times saiu um artigo intitulado: “Canto de Hare Krishna surpreende Londres”. De modo que temos muitos participantes do movimento atualmente. Todos os meus discípulos cantam e dançam pelas ruas e distribuem uma revista, De Volta ao Supremo. Até o momento publicamos muitos livros – Shrimad Bhagavatam, Bhagavad-Gita como ele é, Os Ensinamentos do Senhor Chaitanya e Ysopanishad. Não é que este movimento seja de sentimentalistas. Não pensem que estes rapazes estejam dançando devido a algum sentimentalismo ou fanatismo religioso. Temos as mais elevadas bases filosóficas e teosóficas. (SPL 69-006 address to Columbas Indian Association 11/05/69)9.

Esta carta pode ser pensada como uma demonstração das ambições globalizantes desse movimento religioso. Beyer (1998), em sua pesquisa sobre “migração global e religião”, cita o movimento Hare Krishna (ISKCON) como um típico exemplo de migração global quando o

9 Cante e Seja Feliz: conversas com John Lennon e George Harrison – Bhaktivedanta Book Trust, 2000, Madras

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seu fundador deliberadamente muda-se para os Estados Unidos com o intuito de propagar a sua versão do vaishnavismo da Bengala (BEYER, Horizontes Antropológicos, p.23).

O breve relato histórico acima procurou mostrar a origem da tradição religiosa/filosófica deste movimento em estudo até a sua forma globalizada. Isso permitiu perceber que “movimento Hare Krishna” é, antes de qualquer coisa, um movimento religioso que não se limita exclusivamente a uma única instituição e ou uma escola filosófica. Quando

Caitanya, no final do século XV, “reavivou” o movimento vaishnava, dentro de um

“princípio de adoração universal” a Krishna, acabou fundando um movimento religioso que resultou em impasses sociais e políticos (os brâmanas de castas X os brâmanas de seitas). Com a sua morte, de acordo com Turner (1974), o movimento divide-se entre os “mais devocionais” e opositores da estrutura social vigente (movimento de Nityananda) e os “conservadores”, aqueles que pregavam um movimento de intelectualidade e com isto aceitavam a hierarquia social que restringia o conhecimento das escrituras aos brâmanas de castas (Advaita e os seis goswamis). Estes, por sua vez, organizaram-se de tal forma que “os ensinamentos foram passados por sucessão discipular” até chegar a um “mestre espiritual” (Baktisidhanta) que oficializou uma organização (Gaudya Math) a qual procurou reunir os “devotos de Krishna” que comungassem o entendimento e interpretação da doutrina de Krishna desta escola.

A Gaudya Math adotou uma hierarquia discipular, onde a “interpretação e os ensinamentos das escrituras sagradas” eram passados pela sucessão discipular (paramparã)10

.

10 Guerriero (1989) diz que paramparã significa “a sucessão discipular através da qual se transmite o

(24)

O fundador do movimento Hare Krishna no ocidente, Prabhupada, foi um “mestre espiritual”, um paramparã, reconhecido por essa escola filosófica. Antes de vir para o ocidente,

Prabhupada criou uma organização paralela (Liga dos devotos) a Gaudya Math, a fim de

procurar “reavivar” o movimento da “consciência de Krishna” que fora socialmente desgastado pelos conflitos internos da Gaudya Math. Não obtendo um resultado satisfatório neste intento, Prabhupada lança-se para os Estados Unidos deliberadamente para propagar a sua versão de movimento Hare Krishna.

Dessa forma, “movimento Hare Krishna”, falando de uma maneira reducionista, nada mais é que uma série de interpretações do movimento vaishnava da Bengala, que vem sendo negociada no seu contexto local por seus tradutores (mestres espirituais) que conseguiam se legitimar dentro dos contextos sociais mais amplos. Poder-se-á entender, assim, que Caitanya conseguiu isso na Bengala do século XV, e Prabhupada, em uma dimensão globalizada, nos Estados Unidos do século XX.

O tópico a seguir retrata a formação da organização criada por Prabhupada, no Ocidente, para dar suporte ao seu movimento religioso, a Sociedade Internacional para a consciência de Krishna (ISKCON).

A análise do crescimento do movimento Hare Krishna numa realidade sócio-cultural tão distinta da sua original é encontrada de forma detalhada e aprofundada nas pesquisas do sociólogo americano Burke Rochford (1984). Este autor constatou, a partir de entrevistas realizadas com devotos, que quase cinqüenta por cento deles foram recrutados pelo movimento Hare Krishna através de um vínculo social com amigos ou parentes que eram

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também membros da ISKCON ou eram simpatizantes da prática da “consciência de Krishna”. Um número bem menor dos seus entrevistados disse que teve primeiro contato com o movimento em locais públicos. Conforme ver-se-á, estas maneiras de recrutamento sofreram modificações ao longo do tempo e, com isso, ocorreram significativas mudanças no processo de expansão do movimento americano.

Os primeiros discípulos de Prabhupada pertenciam, quase que na totalidade, ao “movimento da contracultura” e buscavam no guru indiano a possibilidade de conhecer melhor a “consciência de Krishna” e adaptá-las aos seus respectivos estilos de vida. Isso, portanto, não quer dizer, necessariamente, pelo menos no início, que estes jovens queriam mudar suas vidas e viverem da forma que Prabhupada pregava.

De acordo com Burke (1984:155), nos primórdios do movimento, Prabhupada percebeu que seus discípulos não estavam interessados em abandonar seus estilos de vida para se tornar “conscientes de Krishna”. Ele não tentou restringir as atividades nem os obrigava a parar de comer carne, utilizar drogas, “fazer sexo ilícito”, jogar jogos de azar e, muito menos, que eles viessem a morar em templos. A maioria dos adeptos continuava a viver e trabalhar nas suas comunidades locais e, com seus próprios ganhos, ajudavam na manutenção do templo. O autor comenta que, nesta fase inicial do movimento, o processo da “consciência de Krishna” era mais simples, sem muitos rigores quanto às exigências de profundas mudanças culturais.

Foi exatamente pelo tratamento mais compreensivo e flexível de Prabhupada com os seus primeiros discípulos que o movimento vai se disseminando nas “redes sociais” de diferentes grupos. Burke percebeu que a “propaganda de boca a boca” da “consciência

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Krishna” e do seu respectivo movimento favoreceu o incremento da adesão de novos seguidores.

Para melhor compreender como se deu a expansão inicial do movimento Hare Krishna nos Estados Unidos, levanta-se algumas das estratégias adotadas: primeiro que, provavelmente houve uma “justa negociação” entre Prabhupada e os seus primeiros discípulos para adaptar a tradição Gaudya vaishnava ao Ocidente. Diante disso, entende-se que o movimento tornou-se uma alternativa de “estrutura social” possível de ser vivida na sociedade abrangente. Ou seja, o seu teor de “communitas” toma, nesse estágio de expansão, um significado de uma “estrutura” possível de ser vivida dentro da estrutura mais ampla da sociedade americana. Turner (1974:161) chamaria este tipo de comunidades de “communitas normativa”.

As outras estratégias esclarecem de que forma aconteceu a união entre os jovens e o

guru. Eles se uniram ao guru buscando incorporar uma “consciência alternativa”, diferente

daquela que eles viviam. Prabhupada, tanto pela sua idade, como pela sua origem indiana, representava o exótico (tal qual os seus discípulos “hippies”), “o diferente”, e o detentor dessa “nova consciência” (“consciência de Krishna”).

A estratégia da sustentação financeira inicial do movimento foi feita pela pregação em locais públicos com a “distribuição” de uma revista. Cabe aqui uma distinção significativa quanto à modalidade inicial de pregação em locais públicos: Prabhupada usava o termo “distribuição” para distinguir de comercialização. O propósito do guru não era venda por si próprio (se assim fosse, estaria fomentando aquilo que ele combatia; o materialismo), mas a pregação de uma “nova consciência” e, em “troca”, uma doação voluntária. Nesse sentido, o

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termo “distribuição” pode ser pensado dentro do “princípio da dádiva” que nos fala Mauss (1974:35-184).

A doação de dinheiro oriunda da pregação nas ruas possibilitou ao grupo o convívio num mesmo local e, assim, conjuntamente, praticarem o ideal da “consciência de Krishna”. Um outro aspecto importante é o fato de eles seguirem uma tradição filosófica tida como mais longa que a própria tradição filosófica ocidental.

As estratégias levantadas (a condescendência do guru, a proposta de um estilo de vida alternativo, o convívio em comunidades fechadas e seguir uma escola filosófica de longa tradição indiana) são entendidas como atrativos que permitiram a aproximação dos jovens a

Prabhupada e, por conseguinte, a expansão do seu movimento.

1.2 “VIDA SIMPLES E PENSAMENTO ELEVADO”: O “POSICIONAMENTO” DO

GURU

Burke (1984) concordou tanto com Turner (1972) e Killian (1972) que os movimentos sociais, em geral, e os movimentos religiosos, em particular, não nascem com uma ideologia completamente desenvolvida dentro de uma base definida de metas, ou uma estrutura organizacional estável (BURKE, 1984 p.:16). Para tais autores, os movimentos sociais estão envolvidos num contínuo processo de troca com o contexto sócio cultural em que eles operam.

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No caso específico do movimento Hare Krishna, Burke (1984) ressaltou que, na sua fase inicial, algumas estratégias adotadas por ele, enquanto movimento social, propiciaram a sua própria expansão. Em momentos posteriores, o pesquisador observou certas adaptações, dessas mesmas estratégias anteriores que levaram ao declínio do movimento. Um exemplo disso foi quanto às adaptações nas estratégias de recrutamento de novos membros (BURKE, 1984, p.:182-188). Vejamos como aconteceu.

No início, o movimento expandiu-se muito em função de ter conquistado os jovens da "contracultura americana" e, também, por ter sido muito divulgado por pessoas simpatizantes com a proposta filosófica pregada por Prabhupada. Segundo Burke, esses "simpatizantes" foram aqueles que ajudaram a dar o impulso maior no movimento, inclusive chegando até mesmo a recomendar muitos jovens a sua adesão. Esta era uma fase em que o movimento estava mais aberto ao “mundano”, pois esse é o momento em que Prabhupada mostrava-se bem condescendente com a vida mundana dos seus discípulos. Em termos weberianos, poder-se-á afirmar que imperava um certo “ascetismo intramundano” (WEBER, 1969: cap 5).

No início dos anos setenta, quando o grupo já estava convivendo em comunidades próprias, praticamente isoladas do convívio social mais abrangente, a forma de recrutamento foi comprometida seriamente, pois a adesão de novos adeptos passou a depender, unicamente, da pregação dos adeptos antigos em locais públicos. A "propaganda de boca a boca" do movimento do guru indiano foi praticamente suprimida, devido ao isolamento social do grupo em comunidades fechadas (BURKE, 1984, p.:153-168).

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Conforme foi constatado, os jovens americanos intelectualizados e aqueles pertencentes ao "movimento da contracultura" aspiravam a um modelo de sociedade "alternativo", diferente daquele que eles viviam.

Na década de sessenta, a sociedade americana estava no auge do seu processo de industrialização com a expansão de um grande mercado consumidor. A "ideologia" predominante exaltava o ato de adquirir bens materiais. Havia uma pré-disposição social bem clara a se adotar o “culto ao consumismo”.

Por outro lado, tem-se ali um Prabhupada pregando um ideal de “vida simples e pensamento elevado”, opondo-se, dessa maneira, ao "culto da industrialização", do “materialismo”. É freqüente encontrar nos livros de Prabhupada discursos como estes11

:

... a indústria não é tão importante quanto a agricultura. O homem pode de fato solucionar seus problemas econômicos simplesmente cultivando um pouco de terra e mantendo vacas. A vida simples, em equilíbrio com a terra, cria um equilíbrio natural entre nós e o planeta e encoraja-nos a consumir só o necessário.” (BHAKTIVEDANTA SWAMI, 1991: II)

Assim, pode-se entender o movimento deste guru como um “movimento social”12de oposição ao sistema vigente. Aqui, cabe fazer uma aproximação comparativa com Caitanya quando ele também se opôs aos brâmanas de castas na Bengala do final do século XV.

11Bhaktivedanta Swami, A . C. Vida Simples e Pensamento Elevado. Pindamonhagaba, SP, 1991. 12

Utiliza-se a palavra “movimento” para qualificar a ação desse grupo religioso no social. Com isto, não se quer dizer que a idéia de “movimento” seja a mesma que se qualifica, hoje em dia, os movimentos sociais como, por exemplo, o “movimento dos sem terras”.

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Um outro pesquisador que entende o movimento Hare Krishna como um grupo de desviante do social mais amplo é Giddens (1999), quando o tomou na Inglaterra como “um grupo religioso cujas crenças e modo de vida se diferenciam muito da grande maioria das pessoas que vivem no Reino Unido” (GIDDENS,1999:232). O autor o caracteriza como um “grupo de desviantes”.

A progressiva popularidade de Prabhupada entre os jovens “desviantes”, “alternativos”, “contraculturais”, oportunizou a institucionalização do grupo, mediante a formação de uma organização religiosa que refletisse os valores idealizados de uma sociedade diferente daquela que eles viviam. Foi com base nesse ideal de comunhão de idéias que foi fundada por Prabhupada em Nova Iorque, em 1966, a Sociedade Internacional para Consciência de Krishna – ISKCON (GUERRIERO, 1989, p.:70).

Os propósitos da ISKCON estão relatados em Vallverdú (2000) (VALLVERDÚ, 2000, p.: 60). Esses foram chamados de “Os Sete Propósitos da ISKCON”.

Conforme a seguir:

1.Propagar sistematicamente o conhecimento espiritual entre a sociedade em geral e educar todas a pessoas nas técnicas da vida espiritual a fim de restabelecer o equilíbrio dos valores na vida e alcançar assim a verdadeira união e paz mundiais. 2.Propagar a consciência de Krishna (Deus), como é revelada nas grandes escrituras da Índia: Bhagavad-gita e o Srimad Bhagavatam.

3.Unir os membros da sociedade uns dos outros e torna-los mais próximos de Krishna, a entidade primordial, desta forma desenvolvendo a idéia, entre os membros e a humanidade em geral, que cada alma é parte integrante da qualidade do Supremo (Krishna).

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5.Erigir, para os membros e para a sociedade em geral, um local 4.Ensinar e encorajar o movimento de sankirtana, o canto congregacional do santo nome de Deus, como revelado nos ensinamentos do Senhor Sri Caitanya Mahaprabhu.sagrado de passatempos transcendentais dedicado à personalidade de

Krishna.

6.Manter os membros unidos com o propósito de ensinar um modo de vida mais simples e natural.

7.Tendo em vista o cumprimento dos propósitos acima mencionados, publicar e distribuir periódicos, revistas, livros e outros escritos”.

É possível perceber, nesse documento, sob a forma de uma intenção, o foco de atenção adotado para análise. São dois tópicos: o posicionamento de Prabhupada em oposição à "sociedade materialista" e a sustentação financeira do movimento a partir da "distribuição" de impressos que abordassem o movimento da "consciência de Krishna".

Até onde se sabe, quando os jovens se "renderam" à doutrina de “vida simples e pensamento elevado”, houve uma comunhão entre eles e o guru de ideais de vida em sociedade e, assim, os jovens mobilizaram-se para sair pelas ruas “vendendo” esse ideal e obter dinheiro para a manutenção do movimento. Com este dinheiro, eles conseguiram se manter em vida comunitária, que lhes permitia reforçar, cada vez mais, os novos valores sociais assumidos.

O período da convivência dos adeptos em comunidades fechadas pode ser considerado como uma segunda etapa do movimento. Como foi visto anteriormente, no início,

Prabhupada era flexível com os seus discípulos, aceitando o estilo de vida deles

(BURKE,1984:155). No início da década de setenta, porém, quando houve uma expansão muito grande da “distribuição de livros”, tornou-se viável financeiramente a vida em

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comunidades fechadas.13 Nesse período, Prabhupada já tinha uma postura mais rigorosa diante dos seus discípulos internos quanto a "etiquetas vaishnavas". Essas "etiquetas" baseavam-se em "normas e regulações” ditadas pela escola filosófica Gaudya Math.

Somente vender livros nas ruas com a cabeça raspada14, no caso dos homens, e usando roupas de estilo indiano não assegurava a condição de ser reconhecido pela instituição como um Hare Krishna. Fazia-se necessário, então, nesta nova fase mais endurecida do movimento, seguir normas e regulações da tradição Gaudya vaishnava.

As normas e regulações sempre foram claramente definidas e detalhadas por

Prabhupada desde o início da sua trajetória nos Estados Unidos. Entretanto, no primeiro

momento, estas tinham um tom de aconselhamento e não de cobrança. Observou-se isso em uma publicação do grupo, onde é descrita a situação de adversidades que o guru teve que passar ao morar no Bowery, bairro marginalizado de Nova Iorque nos anos sessenta.

Prabhupada não tinha um lugar fixo para morar, dependia da ajuda dos jovens que o escutavam nas ruas. Esses mobilizavam-se e procuravam arrumar um local para o guru ficar. Dentre esses locais, Prabhupada foi morar num estúdio de um jovem chamado Carl que morava com a namorada, cães e gatos. Ambos usavam drogas e comiam carne. Carl teve que levá-lo para seu sótão porque, quando Prabhupada estava morando com o seu amigo, David, este havia botado fogo no apartamento onde ele morava com o guru, quando estava sobre os

13 Burke (1984:173-174) citou que a ISKCON faturou, aproximadamente, 13 milhões de dólares no período de

1974 e 1978 somente com as vendas de livros.

14 Na verdade, não é totalmente raspada, deixa-se um pouco de cabelo no alto da cabeça, alguns têm um “rabo de

cavalo”, que simboliza um fiel que acredita em Deus em forma de uma pessoa. Os devotos Hare Krishnas são considerados personalistas. Diferente dos monges budistas que raspam totalmente a cabeça, qualificando, assim, um fiel impersonalista – não cultua Deus a partir de uma forma pessoal.

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efeitos de alucinógenos do LSD. A namorada de Carl não gostou muito disso, pois era ela que sustentava a casa e sabia que o estilo de vida pregado por Prabhupada ia contra o modo de vida deles. A passagem abaixo descreve bem essa problemática:

Quase imediatamente, a situação tornou-se intolerável para Eva. Ela ressentia-se da presença do Swami em seu lar. Ela era uma feminista, uma branca emancipada com esposo negro e um bom emprego. Não gostava das opiniões do Swami sobre as mulheres. Não lera seus livros nem assistira a suas aulas, mas ouvira que ele se opunha ao intercurso sexual, exceto quando para procriação, e que, em seu parecer, a mulher devia ser recatada e casta e ajudar seu esposo na vida espiritual. Estava a par das quatro regras do Swami – não comer carne, não praticar sexo ilícito, não se intoxicar e não praticar jogos de azar – e definitivamente não queria que o Swami de Carl tentasse mudar o modo de vida deles para ajustá-lo ao seu (SATSVARUPA,1986:99).

As quatros regras e o cantar do “mantra hare krishna” desesseis vezes utilizando uma espécie de rosário (japa mala) com cento e oito contas são as normas e regulações que fazem parte da "etiqueta vaishnava" indispensáveis para ser um devoto, um seguidor do movimento Hare Krishna. Prabupada flexibilizou o número das voltas de sessenta e quatro vezes, da realidade indiana, para dezessete na ocidental. Uma outra concessão foi a possibilidade de morar juntos homens e mulheres num mesmo templo (GUERRIERO, 1989).

Constata-se, desde o início, a partir do exame dessa mesma bibliografia do grupo, a intenção do guru em procurar formar uma comunidade que pudesse reproduzir o ideal contido na doutrina de Krishna. Mesmo num local pequeno, Prabhupada acolhia tanto os jovens que queriam ajudá-lo como os que queriam se converter ao movimento, conforme pode ser comprovado no relato abaixo:

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A política de Prabhupada era que qualquer rapaz que expressasse mesmo um mínimo de interesse em tornar-se seu aluno podia ficar na lojinha e fazer dela seu lar. Naturalmente, Prabhupada pedia-lhes para contribuírem com as despesas do aluguel e das refeições, mas, como no caso dos jovens Don e Raphael, se não tivessem dinheiro, mesmo assim estava tudo bem, contanto que ajudassem de outras maneiras. Don e Raphael foram os primeiros dois rapazes a aproveitarem-se da oferta de Prabhupada. Eles ficaram atraídos pelo Swami e pelo canto, mas não levavam a sério a filosofia dele nem as disciplinas da vida devocional. Não tinham emprego e nem dinheiro, seus cabelos eram longos e despenteados, e viviam e dormiam com as mesmas roupas dia após dia. Prabhupada estipulou que pelo menos enquanto estivessem no prédio não podiam transgredir suas regras (os quatros princípios). Ele sabia que aqueles dois pensionistas não eram estudantes sérios, mas permitia-lhes ficar, na esperança de que aos poucos eles se tornassem sérios (SATSVARUPA,1986:124).

Verifica-se, até então, algumas tensões ocorridas no movimento Hare Krishna ocidental quando Prabhupada teve que “negociar” posições diante dos impasses que se apresentavam: o primeiro, a oposição ao processo de industrialização americano (estrutura x communitas); o segundo, uma proposta mais flexível e a possibilidade de um contato mais amplo com o social; por último, o endurecimento nas “regras e regulações” e a vida em comunidades fechadas (flexibilidade x endurecimento - comunidade aberta x comunidade fechada).

Essas “negociações” feitas por Prabhupada tanto promoveram resultados de expansão do movimento quanto de retração. No momento em que ele agia de forma mais flexível quanto a regras e regulações, permitindo que seus discípulos pudessem conjugar suas vidas mundanas com a proposta de uma “nova consciência” pregada por ele, o movimento teve seu êxito de expansão. Quando o guru posicionou-se de uma maneira mais rigorosa, incentivando a vida em comunidades fechadas e motivando seus discípulos a abandonarem as ligações sociais com a estrutura social mais ampla, o movimento declina em seu poder de obter novas conversões. Uma das razões que Burke (1984) levantou a esse respeito foi o

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descontentamento dos “simpatizantes”15

que não concordaram com esta postura de radicalismo e isolamento social. Com isso, essas pessoas pararam de incentivar a conversão ao movimento como algo recomendável (BURKE, 1984, p.: 70). Por outro lado a vida em comunidades fechadas propiciou uma expansão em nível financeiro do movimento. Já que todos tinham que “viver somente para Krishna e “distribuir” os impressos que retratavam a “consciência de Krishna”, isto é adaptado por Prabhupada como um sankirtana16

.

A forma que Prabhupada encontrou para manter estes jovens convivendo com ele foi a partir de uma adaptação do modo de pregar a "consciência de Krishna" no Ocidente. O próximo tópico permite entender como a adaptação dessa pregação do movimento aconteceu em comparação com a tradição indiana.

1.3 A SUSTENTAÇÃO ECONÔMICA DO GRUPO: “O SANKIRTANA DE SRILA

PRABHUPADA”17.

O relato de um episódio acontecido no bairro americano, onde Prabhupada alojou-se logo que chegou da Índia, ilustra o quanto esse foi importante para o seu movimento. Este é encontrado numa bibliografia do grupo18:

15Os “simpatizantes” eram aquelas pessoas que freqüentavam o templo, mas não se converteram. Mas estes

tinham um peso como formadores de opinião, incentivando parentes e amigos à conversão. Na fase mais endurecida de Prabhupada, o movimento perde o apoio dos “simpatizantes”.

16

Ver Silva da Silveira (2000). A tese deste pesquisador está voltada para análise deste ritual.

17 “O sankirtana de Srila Prabhupada”, título utilizado por Silva da Silveira, 2000.

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(...) houve uma grande passeata de milhares de jovens intoxicados ou loucos em busca das respostas finais da vida, desrespeitando inteiramente „o sistema‟ e a vida rotineira adotada por milhões de americanos „caretas‟. Prabhupada, quando viu toda essa movimentação no bairro, se surpreendeu „de que a próspera terra americana pudesse gerar tantos jovens insatisfeitos‟. Naturalmente, isso também comprovava ainda mais que o bem-estar material, a marca registrada da vida americana, não podia fazer o povo feliz (GOSWAMI, SATSVARUPA, 1986:110).

A partir disso, é possível pensar que o cenário social encontrado por Prabhupada reforçou mais ainda as possibilidades de expansão do seu movimento. Nota-se, portanto, um grande número de jovens insatisfeitos e um guru indiano (algo pouco comum na época) oferecendo uma proposta de vida "alternativa" que pudesse "libertá-los" daquelas “amarras sociais” da materialista sociedade americana sem a utilização do LSD e a maconha, pois, supõe-se, que isso era o que eles, na grande maioria, utilizavam para se sentirem "livres".

Nessa mesma bibliografia, consta que Prabhupada “deu um lar” para esses “jovens perdidos”, ou seja, um local onde eles pudessem se reunir com alguém que os acolhia e que era também, tal qual como eles, diferente daquele contexto social envolvente. Assim, o guru indiano conseguiu, com o seu movimento, organizar uma instituição que em certa medida abrigou aqueles que eram considerados “estranhos” para o sistema social vigente. O seguinte relato sustenta esta constatação:

Aqueles jovens desligados de seus antecedentes materialistas estereotipados e reunidos agora no Lower East Side de Nova Iorque eram o que por acaso, ou escolha, ou destino, tornar-se-iam a congregação de candidatos à lojinha do Swami de Kirtana [Prabhupada] e orientação espiritual (GOSWAMI, SATSVARUPA, 1986:111).

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A “lojinha” no Lower East Side de Nova Iorque foi o novo “lar” desses jovens e onde se ergueu o primeiro templo da ISKCON. Para a manutenção inicial deste lugar, Prabhupada contava com ajuda, em forma de doações, dos freqüentadores. Havia, então, a proposta de uma troca: Prabhupada ensinava-lhes uma “nova consciência filosófica”, e os jovens ajudavam-no com as despesas básicas de aluguel, água, luz e alimentação.

O aumento do número de pessoas freqüentando suas aulas e a vontade de muitos de conviver junto com seu “mestre espiritual” motivou Prabhupada a colocar seus discípulos a pregar nas ruas com a “distribuição” da revista (Voltando ao Supremo) editada e impressa por ele. O processo de troca (receber uma doação em troca de uma revista que aborda uma “nova consciência”), nesse sentido, dar-se-ia entre os jovens e o público em geral, não mais, exclusivamente, na relação de troca entre o guru e os seus discípulos.

O cantar, dançar e tocar instrumentos nas ruas “louvando a Krishna” já era uma forma de ritual dos seguidores do movimento Hare Krishna desde a tradição indiana. Este é o chamado ritual de sankirtana: Prabhupada adaptou conjuntamente a pregação (falar de Krishna) e a troca da revista que abordava essa filosofia. Silva da Silveira (2000) observou em sua pesquisa que Prabhupada conciliou a prática de “distribuição” de seus impressos como uma extensão do ritual de adoração a Krishna, o Hari Nama Sankirtana:

Sankirtana de Prabhupada”, criação de Bhaktisiddhanta Sarasvati, tinha um

evidente caráter de inovação no seu contexto indiano, uma expressão marcante de secularização do Gaudya Vaisnavismo. O mestre espiritual de Bhakthivedanta

Swami [Prabhupada] estabeleceu uma editora, a Bhagawat Press , em

Krishnanagar, West Bengal, voltada para a pregação em grande escala, pois considerava a imprensa como uma forma de sankirtana. Distribuir literatura espiritualista tornava-se um rito, como Srila Prabhupada viria sistematizar com seus discípulos (SILVA DA SILVEIRA, 2000:56).

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A impressão da literatura espiritualista já acontecia na Índia, a adaptação feita por

Prabhupada teve como conseqüência o fato de os jovens saírem às ruas, falando da

"consciência de Krishna" e pedindo qualquer importância em dinheiro em troca de uma revista e/ou livro que versava sobre esta filosofia.

Burke (1984) observou que o ritual de sankirtana foi classificado em três tipos de atividades: a “distribuição” de livros, quando os seus discípulos saíam com o objetivo de pregar em locais públicos e “trocar” os impressos por doações de dinheiro para manter o templo e a tradução (impressão) da literatura que Prabhupada fazia das escrituras védicas; o

Hare Nam, que tem como característica atividades de saírem para pregar, cantar e dançar nas

ruas, mas sem a “distribuição” de impressos e o picking, que era uma atividade nos locais públicos onde os jovens “distribuíam” (aqui se qualificava como uma venda propriamente dita) qualquer produto, não necessariamente os impressos de Prabhupada. Essas atividades eram entendidas pelos devotos, pelo menos em tese, estritamente como uma forma de “serviço devocional a Krishna”. No período em que o movimento se fechou dentro de uma proposta mais radical, essas atividades de sankirtana tornaram-se, também, um meio de se recrutar novos adeptos (BURKE, 1984 p.: 172; 294- 295).

A decisão de combinar a atividade de pregação com a coleta de dinheiro foi estabelecida por Prabhupada, porque ele não queria que os seus discípulos dependessem de outros tipos de negócios não relacionados à "consciência de Krishna" e porque dessa forma eles, ao mesmo tempo, estariam ajudando na expansão do movimento cujo propósito era criar uma “nova sociedade” pautada em valores que colocavam Krishna no centro de qualquer atividade social (BURKE, 1984 p.: 295).

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Com base em publicações do grupo19, nos anos iniciais do movimento, os jovens devotos20 levaram muito a sério o sankirtana de Prabhupada. Os adeptos saíam às ruas cantando Hare Krishna e distribuindo a revista Back to Godhead (voltando ao supremo) praticamente em tempo integral. Em muitos lugares, os templos foram sustentados financeiramente somente pela coleta de dinheiro oriundo da distribuição dos impressos publicados por Prabhupada. Se os devotos saíam e cantavam de 6 a 8 horas por dia, eles arrecadavam no mínimo entre U$80 a U$150, o que era suficiente para pagamento da revista, o aluguel do templo e a comida. Em uma dessas publicações, constam a reprodução de uma aula de Prabhupada onde ele comenta que queria que os seus estudantes vivessem de forma simples e com o pensamento elevado a Krishna e dependesse exclusivamente de Krishna para a sua auto sobrevivência.

Veja como vocês vão vender as nossas revistas (Back to Godhead). A venda da revista e a contribuição obtida não é o nosso negócio. Nosso negócio é propagar a consciência de Krishna. As pessoas estarão ouvindo sobre Krishna e, só pelo fato de nós estarmos ajudando eles com isto, nós estaremos ouvindo sobre Krishna também. Nós também seremos beneficiados com isto. Quando nós falamos a alguém sobre Krishna nós também estamos ouvindo. Sravana Kirtana. O primeiro passo para esta consciência é dado, ouvindo e falando sobre Krishna. Então, dessa maneira, nós temos a oportunidade de 24 horas tanto acordado ou dormindo, pensando em Krishna. Isto é perfeição. (minha tradução)

O resultado desse “negócio” feito em nome da "consciência de Krishna" é relatado numa bibliografia do movimento:

19Ver pesquisa feita em 01/09/2004 na internet: http://krishna.org/iskcon/whtthk.

20Devoto é a denominação dada entre eles como seguidores da “consciência de Krishna”. No início do

movimento no Brasil, só era considerado devoto quem se convertesse, hoje se estende a denominação até para os “simpatizantes” do movimento.

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De uma pequena loja de frente em Nova Iorque e com alguns “hippies” como seguidores no ano de 1966, se transforma numa grande confederação mundial com 108 templos, comunidades rurais e escolas antes da metade da década de setenta. (GOSWAMI, SATSVARUPA, 1986:117).

Guerriero (1989) também relata a expansão inicial do movimento:

(...) o movimento se alastrou pelos principais centros da juventude dos EUA, principalmente Califórnia, e logo em seguida pela Inglaterra. Em 1969, o movimento ganhou uma ajuda com a adesão de George Harrison, John Lennon e Yoko Ono. George gravou o maha mantra e o disco alcançou as primeiras colocações na parada de sucessos da BBC de Londres (GUERRIERO, 1989:72).

Nos anos iniciais do movimento, a competição entre os jovens era tão acirrada para distribuir os impressos de Prabhupada, que ele teve que instituir medidas que mediaram a distribuição de livros com as atividades que os seus discípulos deveriam cumprir no templo. Tal fato é verificado na pesquisa de Silva da Silveira (2000):

(...) institui o padrão regular de adoração à deidade instalada no altar, em Los Angeles, num momento em que seus discípulos estavam tão entregues à distribuição de livros, que não tinham horários para nada, nem para cantar as dezesseis voltas diárias. Ele procurou estabelecer um meio termo, complementando o sankirtana com a adoração do altar, o centro da vida cerimonial do templo (SILVA DA SILVEIRA, 2000:56).

Observa-se, com esta citação de Silva da Silveira, que Prabhupada estabeleceu uma maneira de regular esse interesse frenético dos devotos em querer só ficar nas ruas “distribuindo” impressos. Para tanto, ele instituiu regras com obrigações diárias nos templos, com o objetivo de que eles não desviassem a atenção de uma das atividades principais de um

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devoto de Krishna: “adorar Krishna no altar”. Entende-se com isso que Prabhupada frisava a importância da relação entre o devoto e o templo. Não era suficiente para ser um devoto de krishna somente um trabalho individual de adoração (distribuir livros e cantar o Maha Mantra sozinho), ele deveria estar “associado” a outros devotos onde estivessem as “deidades” que representassem o próprio Krishna.

O serviço devocional a Krishna adaptado ao sankirtana tomou um desdobramento que até mesmo Prabhupada não esperava. Burke (1984:182) observou que, no final dos anos setenta, o ideal missionário da pregação foi relegado a um segundo plano em função do interesse explícito dos devotos em darem mais atenção à coleta de dinheiro do que à pregação propriamente dita. Entende-se que, na fase inicial do processo de pregação nas ruas, havia um propósito de pregar e receber uma doação (distribuição); já para uma segunda fase, houve uma motivação maior pela venda por si só. O pesquisador relatou que, nesta fase, muitos devotos vendiam diferentes produtos (incensos, ingressos para show de rock, até adereços de Natal em épocas de finais de anos), visando a coleta de dinheiro para os templos. Em 1977, a distribuição de livros começou a cair sensivelmente e, paralelo a isso, houve um declínio da adesão de novos adeptos. Uma das explicações levantadas por Burke (1984:176) para esta queda foi a mudança do comportamento dos devotos nas ruas. O autor acredita que a postura dos devotos em procurar enfatizar mais a venda do que falar da “consciência de Krishna” desapontou o público que estava acostumado com a presença dos Krishnas nas ruas. Um exemplo foi a proibição oficial aos devotos de entrarem no aeroporto de Los Angeles devido às reclamações dos transeuntes que passavam a não mais aceitar as abordagens meramente comerciais destes (BURKE,1984:187).

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Com a morte de Prabhupada (1977), o movimento chegou ao ápice de seu declínio, sendo que a situação se agravou ainda mais com os conflitos da sucessão (BURKE,1984:191). A sua organização (ISKCON) ficou exclusivamente sobre a tutela do GBC – Governing Body

Commission. O GBC fora instituído por Prabhupada, em julho de 1970, com o propósito de

ser uma comissão central que se limitasse a controlar a ISKCON e de se responsabilizar pelo padrão de adoração empregado em cada templo e ou centro culturais21. Estes continuariam, contudo, auto suficientes financeiramente (GUERRIERO, 1989:70).

Burke (1984) disse que o GBC fora constituído de um grupo dos 25 discípulos mais antigos de Prabhupada, oriundos de diferentes partes do mundo. Dos 25 discípulos, 13 serviram como “gurus da ISKCON”, podendo iniciar novos discípulos na “consciência de Krishna” e se responsabilizariam em manter a tradição de 5.000 anos de “sucessão discipular” até chegar neles mesmos. Os membros do GBC, na sua maioria gurus, são os representantes da área específica do mundo onde se encontravam “instaladas” comunidades Hare Krishna. O GBC tem responsabilidade total de implantar diretrizes políticas para o futuro do movimento na América e internacionalmente. As decisões do GBC são feitas de forma democrática, já que cada membro pode votar sobre os assuntos levantados pela comissão, cada qual, geralmente, aponta um ou mais secretários para sua zona de abrangência. Os membros do GBC e seus secretários são responsáveis por informar a comunidade Hare Krishna local sobre todas as decisões tomadas. As comunidades Hare Krishna são constituídas como organizações sem fins lucrativos, sendo que cada comunidade possui seu corpo diretivo, como um presidente de templo que lida com as questões do dia-a-dia da comunidade local (BURKE, 1984:18-19).

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Os representantes do GBC, que assumiram a direção da ISKCON, incentivaram ainda mais a "pregação comercial" atrelada a um discurso em que se dizia que a arrecadação visava a manter acesa a obra do fundador da ISKCON. Os novos líderes apoiavam-se na própria fala de Prabhupada quando este insistia em dizer que “ele era a própria organização que ele criou, a ISKCON”. Este discurso de Prabhupada era, então, utilizado pelos líderes para mobilizar ainda mais os devotos a “coletarem” dinheiro para a manutenção e expansão dos templos (BURKE, 1984:195).

A postura na liderança dos sucessores de Prabhupada voltada em priorizar as políticas de expansão do movimento foi questionada por muitos devotos, os quais falavam que a demasiada atenção dada à manutenção e expansão dos templos era uma forma de “culto ao materialismo”, algo exatamente contrário àquilo que Prabhupada pregava na década de 60. Os novos líderes insistiam na prática dizendo que nada havia mudado na filosofia do grupo e que, devido às mudanças econômicas, fazia-se necessário priorizar “certas estratégias” em nome da perpetuação da ISKCON (Prabhupada). Burke (1984:195) interpreta essas adaptações como uma justificativa moral levantada pelos novos líderes visando à explicação de novos rumos do movimento.

No capítulo seguinte, procurar-se-á abordar a presença do movimento Hare Krishna no Brasil a partir de dois focos de análises: inicialmente, constata-se um movimento totalmente institucionalizado pela sua organização ISKCON e fortemente marcado pela liderança dos representantes do GBC.

Observa-se, nesse período, a ISKCON como sinônimo de movimento Hare Krishna. Na segunda etapa deste capítulo, constata-se no Brasil um certo recuo da liderança dos

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representantes do GBC e a presença de um “outro” movimento Hare Krishna oriundo da mesma escola filosófica de Prabhupada (Gaudya Math). O líder deste movimento, Narayan

Maharaje, é considerado “sobrinho espiritual” de Prabhupada, pois ambos foram iniciados

como gurus pelo mesmo guru (Bhaktisidhanta). Nesse levantamento de dados, é possível constatar tensões entre a ISKCON e o movimento de Narayan em torno do reconhecimento do que pode ser tomado como o legítimo movimento Hare Krishna.

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2 A ISKCON BRASILEIRA EM RELAÇÃO AO MOVIMENTO HARE KRISHNA OCIDENTAL

A ISCKON chega ao Brasil com os remanescentes do movimento da “contracultura” e encontra um cenário social de repressão política comum naquela época a quase toda a América Latina. Na década de setenta, havia grupos de jovens isolados principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador, que se reuniam em suas casas nos finais de semana para “cantar Hare Krishna” (GUERRIERO, 1989).

Na Argentina, os militares proibiram e reprimiram o movimento Hare Krishna, o que dificultou o agrupamento de pessoas interessadas em seguir essa tradição religiosa. A proibição ao movimento argentino, onde também era um centro de aglutinação de outros seguidores da América Latina, fez com que esses jovens latino-americanos migrassem para o Brasil, pois, apesar da ditadura militar, aqui o movimento não foi tão perseguido quanto na Argentina. O endurecimento do sistema político argentino atingia qualquer tipo de movimento que destoasse da ordem social vigente na época. Guerreiro (1999) observou que isso veio a

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