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Revista
Portuguesa
de
Cardiologia
Portuguese
Journal
of
Cardiology
ARTIGO
ORIGINAL
Estudo
TRomboEmbolismo
Venoso
pós-Operatório
(TREVO)
---
risco
e
mortalidade
por
especialidade
cirúrgica
Cristina
Amaral
a,∗,
Luís
Guimarães
Pereira
a,
Ana
Moreto
a,
Ana
Carolina
Sá
a,
Ana
Azevedo
baServic¸odeAnestesiologia,CentroHospitalardeSãoJoão,Porto,Portugal
bDepartamentodeEpidemiologiaClínica,MedicinaPreditivaeSaúdePública,FaculdadedeMedicina,UniversidadedoPorto,
EPIUnit---InstitutodeSaúdePública,UniversidadedoPorto,CentrodeEpidemiologiaHospitalar,CentroHospitalardeSãoJoão, Porto,Portugal
Recebidoa4dedezembrode2015;aceitea25denovembrode2016 DisponívelnaInterneta1desetembrode2017
PALAVRAS-CHAVE Tromboembolismo venoso; Risco; Especialidades cirúrgicas; Incidência; Complicac¸ão; Seguranc¸adodoente
Resumo
Introduc¸ãoeobjetivos: O tromboembolismo venoso, cujo risco está aumentado no doente cirúrgico, é uma causaevitável demorbimortalidade. Oobjetivoprimário deste estudofoi estimaroriscodetromboembolismo venososintomáticopós-operatórioglobal epor especi-alidade cirúrgica,num hospital terciário.Secundariamente,foramanalisadas agravidadee mortalidadedoseventostromboembólicos.
Métodos: Foirealizadoumestudoretrospetivoparaaidentificac¸ãodecasosde tromboembo-lismo venoso pós-operatório intra-hospitalar, codificados pela Classificac¸ão Internacionalde Doenc¸as --- 9.a revisão, pelos critérios da Joint Commission International. Foram incluídos episódiosdeinternamentodedoentesadultos,operados,noperíodo2008-2012.
Resultados: Em 67635episódios deinternamento comcirurgia identificaram-se90 casosde tromboembolismovenosopós-operatório(medianadeidades:59anos),correspondendoaum riscode1,33/1000episódios(intervalodeconfianc¸aa95%[IC95%],1,1-1,6/1000).A neuroci-rurgiaapresentoumaiorrisco(4,07/1000),seguidapelaurologiaepelacirurgiageralp<0,001. Houve50episódiosdeemboliapulmonar,dosquais11foramfatais.Dos90casos,12,2% decor-reramsobanestesiadoneuro-eixoe55,1%emdoentesemestadofísicoASAIII.Foiadministrada doseprofiláticadeanticoagulanteinjetávelnopós-operatórioa,pelomenos,37,7%dosdoentes. Oriscodecresceude2008até2012.Amortalidadeassociadaaoseventosdetromboembolismo venosoduranteointernamentofoi21,1%(IC95%,13,6-30,4).
Conclusões: Oriscodetromboembolismovenososintomáticopós-operatóriofoide1,33/1000. Aneurocirurgiaapresentoumaiorrisco.Amortalidadefoide21,1%.
©2017SociedadePortuguesa deCardiologia.PublicadoporElsevierEspa˜na,S.L.U.Todosos direitosreservados.
∗Autorparacorrespondência.
Correioeletrónico:acristinamaral@gmail.com(C.Amaral). http://dx.doi.org/10.1016/j.repc.2016.11.007
KEYWORDS Thromboembolism, venous; Risk; Surgicalspecialties; Incidence; Complication; Patientsafety
Thepostoperativevenousthromboembolism(TREVO)study---riskandcasemortality
bysurgicalspecialty
Abstract
IntroductionandObjectives: Venousthromboembolism,riskofwhichisincreasedinsurgical patients,isapreventablecauseofmorbidityanddeath.Theprimaryobjectiveofthisstudywas toestimatetheincidenceofsymptomaticpostoperativevenousthromboembolisminadultsat atertiaryuniversityhospital,overallandbysurgicalspecialty.Thesecondaryobjectivewasto analyzeseverityofandmortalityfromthromboembolicevents.
Methods:We performedaretrospectivestudy toidentify casesofin-hospital postoperative venousthromboembolism,encodedbytheInternationalClassificationofDiseases,Ninth Revi-sion, according to theJoint CommissionInternational criteria.Adult patients admitted for surgeryin2008-2012wereincluded.
Results:Among67635hospitalizations,90casesofpostoperativesymptomaticvenous throm-boembolism were identified, corresponding to an incidence of 1.33/1000 admissions (95% confidenceinterval[CI]1.1-1.6/1000).Neurosurgeryhadthehighestrisk(4.07/1000),followed byurologicalsurgeryandgeneralsurgery(p<0.001).Therewere50casesofpulmonary embo-lism,11ofwhichwerefatal.Ofthe90cases,12.2%occurredunderneuraxialanesthesiaand 55.1%inpatientswithAmericanSocietyofAnesthesiologyIIIphysicalstatus.Atleast37.7%of patientswitheventsreceivedaprophylacticdoseofinjectableanticoagulantpostoperatively. Theoverallriskdecreasedfrom2008to2012.Venousthromboembolism-associatedmortality duringhospitalizationwas21.1%(95%CI13.6-30.4).
Conclusions:The incidence of postoperative symptomatic venous thromboembolism was 1.33/1000.Neurosurgeryshowedthegreatestrisk.Mortalitywas21.1%.
©2017SociedadePortuguesadeCardiologia.PublishedbyElsevier Espa˜na, S.L.U.Allrights reserved.
Listadeabreviaturas
CID9 Classificac¸ão Internacional deDoenc¸as --- 9.a
revisão---Modificac¸ãoClínica EP emboliapulmonar
IC95% intervalodeconfianc¸aa95% P25 percentil25
P75 percentil75
p probabilidadecalculada TEV tromboembolismovenoso
TREVO TRomboEmbolismoVenosopós-Operatório TVP trombosevenosaprofunda
Introduc
¸ão
O tromboembolismo venoso (TEV), que inclui a trombose venosaprofunda (TVP)e aembolia pulmonar(EP),é uma importante causa de morbimortalidade e acarreta custos financeiroselevados,sendoconsideradoumgraveproblema desaúdepública.AsestimativasdeincidênciadeTEVvariam entre104-183/100000pessoas/ano1;amortalidadeprecoce éde cercade 12,6%e a mortalidadeaos cincoanos éde 50-60%paraaEPede25%paraaTVP2.
Édifícilobterestimativasválidasecomparáveisda inci-dência de TEV por vários motivos. A sintomatologia e os sinaisclínicos nãosão específicos,levando ao diagnóstico
deapenascercade50%doscasos,e ovalorpreditivo dos testesderastreioemdoentesassintomáticosébaixo3.Estes fatores contribuempara a variac¸ão dedados epidemioló-gicos encontrada em diferentesestudos, apesarde haver tambémdiferenc¸asétnicas1.
NodoentecirúrgicooriscodeTEVestáaumentadoe,na ausência de tromboprofilaxia, varia entre 15-60%, depen-dendodotipodecirurgia,sendomaiselevadoemcirurgia ortopédicamajor4,5.Paraesseriscocontribuem,também, fatoresespecíficosdodoente,tipodeanestesiaedurac¸ão doprocedimentoedointernamento4,5.
O estudo ENDORSE6, que analisou o risco de TEV em 32países,revelouque,emPortugal,dos762doentes cirúr-gicosavaliados,69%estavamexpostos arisco aumentado. Apesardaimportânciadoconhecimentodeindicadoresde resultado,hápoucosestudosepidemiológicossobreTEVno períodopós-operatórioemPortugal.
Objetivos
OestudoTRomboEmbolismoVenosopós-Operatório(TREVO) teve como objetivo primário estimar o risco de TEV pós--operatóriosintomático,globaleporespecialidadecirúrgica num hospital terciário. Secundariamente, foi analisada a gravidade e mortalidade dos casos de tromboembolismo, incluindo características dos doentes envolvidos e do tra-tamentoaqueforamsubmetidos.
Métodos
O TREVO é um estudo epidemiológico retrospetivo, na populac¸ãoadultadedoentescirúrgicosdoCentroHospitalar deSãoJoão,queéumhospitalterciárioeuniversitário.O estudofoiaprovadopelaComissãodeÉticaparaaSaúdeda instituic¸ão.
Desenhodoestudo
Foramestudadososepisódiosdeinternamentodedoentes comidade igualousuperior a18anos, submetidosa pelo menosumaintervenc¸ãocirúrgica,programadaouurgente, noperíododeumdejaneirode2008a31dedezembrode 2012,registadosembasededadosadministrativa.
Identificámos casos de TEV, a partir dos códigos da Classificac¸ão Internacional de Doenc¸as --- 9.a revisão ---Modificac¸ãoClínica(CID9)nosdiagnósticossecundários, res-tritos aosprimeiros 120 dias de internamento. O critério deTEV utilizado foio daJointCommissionInternational7
(Tabela1).
Osprocessosclínicosdoscasosidentificadosforam revis-tosnaedic¸ãoeletrónicaenoarquivoempapel.Ainformac¸ão foirecolhida paraumformulárioelaborado parao efeito, e incluiu características demográficas e patologia associ-adadosdoentesenvolvidos,diagnósticosdeadmissãoede alta;característicasdotratamento,nomeadamente,tipode anestesia,tipodecirurgia,procedimentodecateterizac¸ão venosa central, ocorrência de imobilidade pós-operatória superior a dois dias, prescric¸ão de tromboprofilaxia pós--operatória; e estado vital à saída do internamento. A variável gravidade dos eventos de TEV pós-operatório foi analisadaem quatrogrupos:EPfatal, EPnãofatal, TVPe outrosTEV.
Tabela1 CritériosdaJointCommissionInternationalpara definic¸ãodetromboembolismovenoso
CódigoCID9 Descric¸ão
415.11 Embolia/enfartepulmonar iatrogénicos
415.19 Embolia/enfartepulmonar (excluindoemboliaséticaou napopulac¸ãoobstétrica)NCOP 451.11 Flebitedeveiafemoral 451.19 Outraflebiteprofundada
perna
451.2 TromboflebitedapernaNCOP 451.81 Tromboflebiteilíaca
451.9 TromboflebiteNCOP
453.40 TVP/emboliadistalmembros inferioresNCOP
453.41 TVP/emboliaproximal membrosinferiores 453.87 Emboliatorácicaveia
453.89 EmboliaveiaNCOP
453.9 TrombosevenosaNCOP
CID9:Classificac¸ãoInternacionaldeDoenc¸as,9.arevisão;NCOP:
nãocompreendidoemoutraparte;TVP:trombosevenosa pro-funda
Foram excluídos os casos de doentes cirúrgicos inter-nados não operados, aqueles com registo incompleto de dadose oscasos com diagnóstico secundário de TEV não confirmado.Adicionalmente,excluíram-seoscasosdeTEV ocorridosantesdacirurgia.
Aselec¸ãodoscasosfundamentou-senoregistoobjetivo dodiagnóstico deTEVnoprocessoclínico,suportadopela descric¸ão de achados imagiológicos. A EP foi confirmada portomografiacomputadorizadahelicoidal,angiografiade subtrac¸ãodigitaloucintilografiadeventilac¸ão/perfusãode altaprobabilidade;aTVPporultrassonografiaouvenografia; eoutrosTEVporultrassonografia,venografiaou angiorresso-nânciamagnética.Asimagensnãoforamvisualizadaspelos investigadores,tendoestesvalidadoasinformac¸ões regista-dasparacomparac¸ãocomacodificac¸ãoCID9.
Osepisódiosinicialmenteidentificadosforamrevistospor uminvestigadordiferenteparaconfirmac¸ãodainformac¸ão recolhida.
OoutcomeconsideradofoioTEVsintomáticoporser prá-ticainstituicionalorientaraimagiologiapelaclínica,nãose fazendorastreiodoTEV.
Noscasosquecursaramcommaisdoqueumeventode TEV,foiconsideradoapenasomaisgraveparaefeitos esta-tísticos.
Análiseestatística
Foramelaboradasestatísticasdescritivasdosdados, recor-rendoàmediana e intervalointerquartis (P25-P75)para as
variáveisquantitativas,eproporc¸õesparaasvariáveis qua-litativas. As estimativas são apresentadas com intervalos deconfianc¸aa 95%(IC95%).O riscodeTEV ede EPentre subgruposfoicomparadopelo testedoquiquadrado. Para avaliaraevoluc¸ãotemporaldoindicadorderesultadoTEV, foi utilizado um teste para a tendência linear. Os dados foramanalisadosnoprogramaStataversão11.1para Win-dows(StataCorpLP,CollegeStation,TX)eoMicrosoftExcel
2010(MicrosoftCorp,Redmond,WA)
Resultados
Selec¸ãodecasos
A populac¸ão estudada no TREVO incluiu 67635 episódios deinternamento,em quedoentesadultosforamoperados pelasespecialidadesdecirurgiacardiotorácica,geral, plás-tica,vascular,neurocirurgia,ortopedia,otorrinolaringologia eurologia.
Dos 178 casos inicialmente identificadoscomo TEV,de acordo com os diagnósticos codificados pela CID9, foram excluídos35casosdedoentescirúrgicosinternadosnão ope-rados;16casosporregistodedadosincompleto,novepor codificac¸ãoincongruentecomainformac¸ãoclínicae28por teremocorridoantesdacirurgia(Figura1).
Característicasdemográficas
Orisco global deTEVfoi semelhanteemdoentes dosexo masculino ou feminino (1,35 versus 1,31/1000 episódios,
67 635 episódios de internamento com
cirurgia
178 casos codificados como TEV segundo diagnósticos CID9
127 casos codificados como TEV com informação completa
118 casos de TEV confirmado
90 casos de TEV pós-operatório
Motivos de exclusão: Não operados/ sem registo (51 casos) 35 casos de doentes cirúrgicos, não operados
16 casos com registo incompleto
Motivos de exclusão: Codificação não conforme (9 casos) 5 embolia sética
4 trombose arterial
Motivos de exclusão: TEV antes da cirurgia (28 casos)
Figura1 Identificac¸ãodecasosdetromboembolismovenoso(TEV)napopulac¸ãoestudada. respetivamente,p=0,96).Noentanto,nosdoentescomEP
fataloráciofeminino/masculinofoide63,6%.
AmedianadeidadesdosdoentescomTEVfoide59anos (P25-P75:46-70).Adiferenc¸adamédiadasidadesdoscasos deTEVnãofoisignificativacomparativamenteàdetodaa populac¸ãoestudada(p=0,191).OscasosdeEPfatal ocor-reram na média das idades 63,3±10,6. Os doentes com TVPpertenceramaumescalãoetáriotendencialmentemais baixo(média54±16,3).
Riscoporespecialidadecirúrgica
Aos90casos deTEVsintomático pós-operatório confirma-doscorrespondeuumriscode1,33/1000episódios(IC95%, 1,1-1,6/1000).Noquerespeitaaoriscoestimadopor espe-cialidadecirúrgica,aneurocirurgiafoiaespecialidadecom maiorrisco(4,07/1000),seguidadaurologia(1,55/1000)e cirurgiageral (1,42/1000), p<0,001. Aespecialidade com menorriscofoiacirurgiaplástica(0,47/1000)(Figura2).
Nos casos neurocirúrgicos, foi observada EP em cinco casos de cirurgia de remoc¸ão de lesões neoplásicas (dois neurinomasdoacústico,astrocitoma,adenomadahipófise emeningioma)eemoutroscincocasoscirúrgicosdiversos (duasdrenagensdeabcessocerebral,biopsiacerebral, dre-nagemde hemorragia cerebral, colocac¸ão de ummonitor depressãointracraniana).OcorreramTVPemtrêscirurgias dedrenagemdehematomasubdural enumadrenagemde hemorragiaintracerebral.UmdoentedeParkinson subme-tidoaimplantac¸ãodeneuroestimuladorintracranianoteve outrotipodeTEV.Nenhumdoscasoscomlesõesneoplásicas apresentouEPfatal.
Dos 14 doentes urológicos, quatro foramsubmetidos a transplante renal e em três destes ocorreu EP(um outro TEV).UmdostransplantadosapresentouEP,TVPeoutroTEV. Este e outro transplantado, ambos homens, faleceram.A
0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5 4 4,5
NC Urologia C. geral C. vascular Ortopedia C. torácica ORL C. plástica
Casos de TEV/1000 episódios
EP TVP
Figura2 Riscodetromboembolismovenoso(TEV)comousem embolia pulmonar(EP),porespecialidadecirúrgica.C.geral: cirurgia geral; C. plástica: cirurgia plástica, reconstrutiva e maxilofacial;C.torácica:cirurgiatorácica;C.vascular:cirurgia vascular;NC:neurocirurgia;OTL:otorrinolaringologia.
EPcomplicouaindaumaressec¸ãotransuretraldapróstata, umaureteroscopiacombiopsiaeumanefroureterectomia. OsrestantesepisódiosurológicosforamTVP.
Dos90casosdeTEVidentificados,11(12,2%)decorreram sobanestesiadoneuroeixo,dasquaistrêscombinadascom anestesiageral eduas combinadasdoneuroeixo(bloqueio subaracnoideueepidural).
OscasosdeTEVdistribuíram-seporestadofísicoda Ame-ricanSocietyofAnesthesiology(ASA),segundoodescrito: ASAIII(55,1%),ASAII(21,4%)eASAIV(13,5%).
Orisco global decresceu ao longodos anos noperíodo deestudo, de1,95/1000 em2008 até1,01/1000 em 2012 (ptend ˆencialinear=0,036)(Figura3).
0 0,5 1 1,5 2 2,5 2008 2009 2010 2011 2012 Ca so s de TEV/ 1000 episódios
Figura3 Evoluc¸ãoanualdoriscoglobaldetromboembolismo venoso(TEV),2008-2012.
Gravidadedoseventos
Nototaldoscasos,identificaram-se50casosdeEP, corres-pondendoa umrisco de0,75/1000 episódios (IC95% 0,56-0,99/1000), mais elevado na neurocirurgia (2,39/1000), seguida da ortopedia (0,91/1000) e urologia (0,89/1000)
(Figura2).
Houve 11 EP fatais (mortalidade 22,0%), a que esteve associadaumamaiorpercentagemdedoentescomdoenc¸a maligna ou com insuficiência renal (Tabela 2). Mais de metade destes doentes tinham sido submetidos a cateterizac¸ão venosa central na subclávia direita e, se incluídaacateterizac¸ãodajugularinterna,72,7%dos doen-testinhamcatetercentral(Tabela3).
Aimobilidadesuperioradoisdiasesteveassociadaaum maiornúmerodeeventosgraves(Tabela3).
Tabela2 Característicasdosdoentesportipodeeventotromboembólico
Características EPfatal(n=11) EPnãofatal(n=39) TVP(n=33) OutrosTEV(n=7)
Masculino/feminino,n1/n2 4/7 22/17 16/17 4/3 Idade(anos),média+-SD 63,3±10,6 58,8±17,2 54,3±16,3 60,1±15,8
Índicemassacorporal>30Kgmm-2,n 2/11(ND2) 9/39(ND8) 10/33(ND5) 1/7 Doenc¸aagudaassociada
CardíacaIII/IVNYHA,n/N(%) 2/11(18,2) 2/39(5,1) 0 1/7(14,3)
Respiratória(DPOCoupneumonia),n/N(%) 2/11(18,2) 9/39(23,1) 3/33(9,1) 2/7(28,6) Renalaguda,crónicaouterminal,n/N(%) 3/11(27,3) 7/39(17,9) 3/33(9,1) 5/7(71,4)
Doenc¸amalignaassociada,n/N(%) 4/11(36,4) 7/39(17,9) 9/33(27,3) 0
Sépsis,n/N(%) 2/11(18,2) 5/39(12,8) 6/33(18,2) 1/7(14,3) DPOC:doenc¸apulmonarobstrutivacrónica;EP:emboliapulmonar;I:insuficiência;n:númerodecasosporcaracterística;N:número totaldecasosdeeventos;ND:casosseminformac¸ãodisponível;NYHA:NewYorkHeartAssociation;TEV:tromboembolismovenoso; TVP:trombosevenosaprofunda;SD:desviopadrão.
Tabela3 Característicasdotratamentoportipodeeventotromboembólico
Característica EPfatal(n=11) EPnãofatal(n=39) TVP(n=33) OutrosTEV(n=7)
Tipodeanestesia Geral,n/N(%) 10/11(90,9) 33/39(84,6) 27/33(81,8) 7/7(100) Neuroeixo,n/N(%) 1/11(9,1) 5/39(12,8) 2/33(6,1) 0 Geral+NE,n/N(%) 0 0 3/33(9,1) 0 Outra,n/N(%) 0 1/39(2,6) 1/33(3,0) 0 C.venosocentral Jugularinterna,n/N(%) 2/11(18,2) 2/39(5,1) 5/33(15,2) 3/7(42,8) Subclávia,n/N(%) 6/11(54,5) 3/39(7,7) 3/33(9,1) 0
Imobilidadepós-op.>2dias,n/N(%) 7/11(63,6) 9/39(23,1) 15/33(45,5) 3/7(42,8)
Tromboprofilaxiapós-operatória
Enoxaparinadoseprofiláticaou>n/N(%) 4/11(36,4) 13/39(33,3) 14/33(42,4) 2/7(28,6)
Enoxaparina<doseprofilática,n/N(%) 0 6/39(15,4) 0 0
Heparinanãofracionada 0 1/39(2,6) 0 0
Casosseminformac¸ãodisponível 1 6 4 2
Tabela4 Causasassociadasàmortalidadedoseventosde tromboembolismovenoso
Causas Númerocasos
Choquecardiogénico 1
Choqueséptico 1
Emboliapulmonar 11
Infec¸ãorenal 1
Insuficiênciarenal 1
Neoplasiamalignadorim 1
Pneumonia 1
Sépsis+FMO 1
Trombosevenosa profunda+síndrome veiacavainferior
1
FMO:falênciamultiorgânica.
Pelo menos 37,7% dos doentes com eventos estavam sob dose profilática de anticoagulante injetável no pós--operatório(Tabela3).
Houve19doentescomTEVquefalecerameaspossíveis causasassociadasestãoexplicitadasnaTabela4.
AmortalidadedototaldosepisódiosdeTEVfoide21,1% (IC95%,13,6-30,4).
Discussão
NoTREVO englobaram-se doentes de cirurgiaprogramada e urgentede oitoespecialidades. Estimou-se umrisco de TEV de 1,33/1000 episódios, correspondente ao outcome
intra-hospitalar. Comparativamente ao risco atribuído à populac¸ãocirúrgicaportuguesanoestudoENDORSE(69%), estevaloréextremamentebaixo.OENDORSEconsideranão ooutcome,masaavaliac¸ãodosfatoresderiscoesomente em doentes agudos, de cirurgia geral, uroginecologia e ortotraumatologia6,10,constituindoestesumgrupodemaior riscodeTEV.Bilimoriaetal.relatamumriscode5,35/1000 numestudomulticêntrico,fundamentadoemoutcomes,que incluiortopedia,neurocirurgia,cirurgiacardiotorácica, uro-logiaecirurgiageral8.Nesteestudo,baseadonapopulac¸ão norte-americana,osautoreschamamaatenc¸ãoparaofacto deoníveldevigilânciaclínicaconstituirumimportanteviés nosresultadosencontrados,tantomaiorquantomais inter-ventivossejam os protocolos locais no pedidode exames imagiológicos.Se,porumlado,algunseventostêm sinto-matologiafruste,podendonãoservalorizadosemlocaisem quea imagiologia(standard diagnóstico)é orientadapela clínica,poroutro,emalgunscentros,comonosde trauma-tologia,aimagiologiaéfeitaporrotina8.
OriscodeTEVobservadonesteestudoincorporaoefeito datromboprofilaxia,quereduzaincidênciadeTEVde 50-75%9, refletindo osprocessos institucionais. Além disso, o TEVsintomático,quefoiooutcomeconsiderado,representa cercade50% detodososeventosdeTEV3.Aindaassim,o TREVOmostravaloresmaisbaixosdoqueoutros encontra-dosna literatura,o que pode, porumlado, relacionar-se comrejeic¸ãodecasosporinconformidadenoprocesso clí-nicooumenor sensibilidadenodiagnóstico/registo. Neste últimocaso,poderájustificar-seaelevadamortalidadepor oseventos fatais obrigarem a um registo maisconforme,
tantomaisquealiteraturadescreveumaincidênciadeEP inferioraoutrosTEV,oquenãofoiconstatadonesteestudo, levantandoahipótesedesubdiagnósticodeoutrosTEV,que nãoEP,proporcionalmente.Poroutrolado,estemenorrisco poderefletirtromboprofilaxiamaisadequada.
No TREVO, a especialidade com maior risco de TEV foi a neurocirurgia. Aespecialidade descrita na literatura como exposta a maior risco4,10,12,13 é a ortopedia. Tzu--Frei Wangetal.,numestudoretrospetivode94casosde TEVintra-hospitalar,identificaramacirurgiaintracraniana como fatorpreditivo deTEV,com umoddsratio singular-mente elevado de 16,19. Num estudo anterior, Hamilton etal.observaramquemetadedosdoentesneurocirúrgicos, quandotriadosimagiologicamente,apresentavamTEV dete-tável,enquantosó5%desenvolviamTEVsintomático14.Um fatorderisco conhecidodeTEV quepodeestarassociado é o factodacirurgia intracranianaenvolvercateterizac¸ão venosa central numa elevada percentagem de casos. Um estudo retrospetivo associou a cateterizac¸ão venosa cen-tralà duplicac¸ão dorisco deTEV intra-hospitalar15.Além disso, muitos destes doentes são internados em unidades de cuidadosintensivos e têmtempos operatórios e inter-namentosmaisprolongados,fatoresadicionaisderiscode TEV.Alimitac¸ãoaousodetromboprofilaxiafarmacológica, inerente à especialidade de neurocirurgia, maisdo que a populac¸ãotratada,estátambémdeacordocomoaumento de risco constatado. Este facto reforc¸a a necessidade, já contemplada em algumasguidelines4,5, de fazer trom-boprofilaxia mecânica desde o pré-operatório no doente neurocirúrgicoedeponderarprofilaxiamedicamentosaem doentesdemaiorriscodeTEV.
OTREVOestimaoriscodeTEVintra-hospitalar.Embora sejaconhecidooelevadoriscodeTEVemcirurgiaortopédica
major,astaxasdeeventossintomáticospós-operatóriosaté àaltanãotraduzemoriscoglobal,porquenocasoda artro-plastia daancao tempomédiodeeventossintomáticosé ao17.◦diaenocasodaartroplastiadojoelhoéao7.◦dia, estendendo-seoperíododeelevadoriscopor12semanasno primeirocaso eseisnosegundo11,3.Estesdoentes,comos cadavezmaisfrequentesprogramasdeenhancedrecovery,
têmaltamuitoantesdostemposreferidos,enviesandoainda maisoregistointra-hospitalardeeventoscomomedidade risco,oquepodejustificaroaparecimentodaortopediaem 5.◦lugar(1,09/1000episódios)noTREVO.
O risco associado à urologia (1,55/1000) surge em segundo lugar no TREVO. Embora seja um grupo derisco menosdocumentado,umestudo decoorte recenterelata uma taxa de TEV moderada/alta para cistectomia total (3,96%)eparcial(2,35%),seguindo-seanefrectomiaaberta radical(1,67%)16.Outrosestudosdocumentamumelevado riscodeTEVassociadoàtransplantac¸ãorenal(7,9-9,1%)17,18. A populac¸ão de doentes estudados no TREVO inclui uma unidade detransplantac¸ão renal,o que contribuiupara a proporc¸ãodevaloresencontrada.Beyeretal.referemuma incidênciaelevadadeEP(5,8%)naprostatectomia19,outro procedimentocomumnapopulac¸ãoestudada.
Atendênciadecrescentenaevoluc¸ãoanualdorisco glo-balde TEV,de 2008-2012, é favorávelà hipótese deuma tromboprofilaxiaprogressivamentemaisadequada.
Amortalidadeencontrada nototaldos eventosdeTEV (21,1%)foimaisaltadoqueadescritanaliteraturae pró-xima da mortalidade por EP (22,0%), sendo esta também
elevada.Reisrefereumamortalidade precoceporTEVde 12,6%2. Dados do Nation wide Inpatient Sample indicam umamortalidadeintra-hospitalarporEPde12,3-8,2%,com tendência decrescente ao longo dos anos20. Num estudo norueguês,amortalidadeaos30diasporEPfoide9,7%e a de TVP de4,6%21.A mortalidade encontrada no TREVO em comparac¸ão com estes valores reforc¸a a hipótese de subdiagnósticodeeventosnãofatais.
A anestesia do neuroeixo, neste estudo, foi realizada em12,2%dascirurgias.Numameta-análise,Rodgersetal. mostraramqueaanestesiaepiduralmodificaradicalmente o risco de TEV, com reduc¸ões de 44 e 55% para a TVP e EP, respetivamente22. Outra meta-análise confirmou o benefíciodaanestesiaepidurallombarcontínuanoperíodo pós-operatórionareduc¸ãodorisco deTEVemcirurgiados membrosinferioreseprostatectomia23.Estefactopode con-tribuirparaaexplicac¸ãodareduc¸ãoderiscoencontradaem ortopedia,ondeaanestesiadoneuroeixoéatécnicamais utilizadanacirurgiamajordosmembrosinferiores.
Em relac¸ãoaoestadofísicoASA,nesteestudooestado ASAIII(55,1%)foiopredominante.Estádescrito,na litera-tura, umagravamento dorisco de TEVcom o progressivo aumentodoASAparacirurgiadaanca24.
Este estudotemváriaslimitac¸ões.Aprimeiraéofacto deserretrospetivoe,portanto,observacionaledependente dainformac¸ãodisponívelnoprocessoclínico.Asegundaéa exclusãodecasosporinconformidadesnoregistoclínico.A terceiraéo hipotéticoviés devigilânciadeeventosentre servic¸os, o que, a par da segunda, pode contribuir para subdiagnóstico.Aquartaéconsiderarapenaseventos intra--hospitalares,desvalorizandoosque ocorremapós alta. A quintaénãodispornatotalidadedoscasos,dedadossobre aadministrac¸ãodaprofilaxiatromboembólicae, nomeada-mente, daavaliac¸ão doriscode TEVpré-operatório(e da indicac¸ãoàluzdaevidência atual)dosdoentes emcausa, paraavaliarcommaiorprecisãooimpactoda tromboprofi-laxia.
Dos aspetospositivos doTREVO, háa salientar:nãose conhecerem estudos publicados sobre TEV pós-operatório em Portugal,além do ENDORSE,sobretudo com amostras semelhantes;incluir umaamostrade67635doentes, com 90casosdocumentadosdeTEV,oquecomparacomoutros estudos internacionais; tratar-se de umestudo feito com base em outcomese nãona avaliac¸ãodo risco; acautelar alguns viésesde selec¸ão,nomeadamente tendo em conta oscódigosdaCIDeoscritériosdeTEVdefinidospelaJoint CommissionInternational.
Conclusão
Nesteestudo,oriscodeTEVsintomáticopós-operatóriofoi de1,33/1000episódios.Aespecialidadecommaiorriscode TEVedeEPfoianeurocirurgia.
Amortalidadefoide21,1%.Nãoédeexcluir subdiagnós-ticoouausênciaderegistodeeventosnãofatais.
Responsabilidades
éticas
Protec¸ãodepessoaseanimais.Osautoresdeclaramque paraesta investigac¸ãonão serealizaram experiênciasem sereshumanose/ouanimais.
Confidencialidadedosdados.Osautoresdeclaramquenão aparecemdadosdepacientesnesteartigo.
Direitoà privacidade e consentimento escrito.Os auto-resdeclaramquenãoaparecemdadosdepacientesneste artigo.
Conflito
de
interesses
Osautoresdeclaramnãohaverconflitodeinteresses.
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