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Eficácia horizontal dos direitos fundamentais de prestação: considerações e peculiaridades

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CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

CURSO DE MESTRADO EM DIREITO

ANDRÉA NEIVA COELHO DE MEDEIROS

EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE PRESTAÇÃO: CONSIDERAÇÕES E PECULIARIDADES

NATAL/RN 2018

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EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE PRESTAÇÃO: CONSIDERAÇÕES E PECULIARIDADES

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Artur Cortez

Bonifácio.

NATAL-RN 2018

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Medeiros, Andréa Neiva Coelho de.

Eficácia horizontal dos direitos fundamentais de prestação: considerações e peculiaridades / Andréa Neiva Coelho de

Medeiros. - 2018. 118f.: il.

Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Pós-Graduação em Direito. Natal, RN, 2019. Orientador: Prof. Dr. Artur Cortez Bonifácio. 1. Direitos fundamentais - Dissertação. 2. Eficácia

Horizontal - Dissertação. 3. Segurança Jurídica - Dissertação. 4. Autonomia Privada - Dissertação. I. Bonifácio, Artur Cortez. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/UF/Biblioteca do CCSA CDU 342.7

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA

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EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE PRESTAÇÃO: CONSIDERAÇÕES E PECULIARIDADES

Dissertação apresentada e __________________________ em 29 /11/2018 ao Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito, analisada pela Comissão Julgadora:

COMISSÃO EXAMINADORA

_______________________________________________ Prof. Dr. Artur Cortez Bonifácio

Presidente

________________________________________________ Prof. Dr. Otacílio dos Santos Silveira Neto

Membro Interno

________________________________________________ Prof. Dr. Paulo Lopo Saraiva

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Aos meus pais Ao meu marido, e Ao meu pequeno Léo.

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Em primeiro lugar, agradeço a Deus por ter enviado verdadeiros anjos para cuidarem de mim e por me amar de forma tão plena e incondicional que conduz a minha vida modo perfeito, tirando todos os obstáculos que possam dificultar ou atrapalhar o meu caminho.

Aos meus pais, Otílio Júnior e Tereza Cristina, exemplos de bondade e retidão, por acreditarem sempre na minha capacidade e terem me ensinado as lições mais importantes da vida: caridade, fé, justiça e alegria.

Aos meus avós, modelos de coragem e perseverança, em especial, aos que não estão mais entre nós e eram os que mais torciam e confiavam no meu sucesso.

Ao meu marido, Edgard, meu amor e companheiro de todas as horas e momentos, por ter me apoiado e incentivado nesta empreitada desde os primeiros minutos, pela paciência e compreensão demonstrada quando precisei me ausentar e por sempre se preocupar entre as idas e vindas na estrada.

Por fim, ao meu filho, Leonardo, que chegou no final da jornada, mas esteve presente durante toda a escrita dessa dissertação e me fez companhia nas madrugadas de estudo.

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mas a ilusão da verdade”

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Os direitos fundamentais surgem para impor limites aos desmandos do Estado. Contudo, no cenário atual, o Estado não é mais o único violador desses direitos, o constrangimento pode advir também de entidades não-estatais: mercado financeiro, planos de saúde, empresas, sociedade civil, família, etc. Ainda mais, com o retorno das ideias liberais (através do neoliberalismo), o Estado distancia-se da execução direta do serviço público e passa agir como agente regulador criando normas a serem obedecidas por pelo prestador particular. Diante dessa conjuntura, surge o questionamento sobre a possibilidade de exigir que o ente privado torne-se obrigado por um dever fundamental de prestação. Em que pese ser amplamente admitida a eficácia horizontal dos direitos de defesa – aqueles relacionados à liberdade –, pouco se tem na doutrina sobre o seu alcance em relação aos direitos prestacionais – concernente às demandas sociais, uma vez que a exigência de uma conduta positiva do particular é mais controversa. A partir disso, o presente estudo pretende debruçar-se sobre as peculiaridades referentes aos direitos fundamentais de prestação e sua aplicação às relações particulares, considerando a segurança jurídica e a autonomia privada. A análise é realizada através de pesquisa bibliográfica e documental e método de natureza qualitativa e dialética. A pesquisa compreenderá uma síntese da doutrina existente sobre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais individuais, tratando de temas relevantes para a consolidação dessa teoria, para, posteriormente, avançar sobre a vinculação dos particulares também aos direitos fundamentais de prestação (com base na classificação trialista de Georg Jellinek). Ao final, pretende-se analisar os efeitos econômicos e os riscos que podem advir da violação da segurança jurídica. Desta forma, realizar-se-á breves reflexões sobre a criação de critérios para tornar possível e confiável a vinculação dos particulares também aos direitos fundamentais de prestação

Palavras-chave: Eficácia Horizontal. Direitos Fundamentais de Prestação e

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Fundamental rights emerge to impose limits on state oversights. However, in the current scenario, the State is no longer the only violator of these rights, the constraint may also come from non-state entities: financial market, health plans, companies, civil society, family, etc. Moreover, with the return of liberal ideas (through neoliberalism), the State distances itself from the direct execution of the public service and becomes acting as a regulating agent creating norms to be obeyed by the private provider. On this, the question arises about the possibility of requiring the private entity to become ao provider like the State. Although the horizontal efficacy of the rights of defense - those related to freedom - is widely accepted, there is little in the doctrine of its scope in relation to the rights to benefit - concerning social demands, since the requirement of a positive conduct of the particular is more controversial. From this, the present study intends to deal with the peculiarities related to the fundamental rights of provision and their application to private relations, considering legal certainty and private autonomy. The analysis is performed through bibliographical and documentary research and a qualitative and dialectical method. The research will include a synthesis of the existing doctrine on the horizontal effectiveness of individual fundamental rights, dealing with issues relevant to the consolidation of this theory, and later on the linking of individuals also with fundamental rights of provision (based on the trialist classification of Georg Jellinek). In the end, it is intended to analyze the economic effects and risks that can arise from the violation of legal certainty. In this way, there will be brief reflections on the creation of criteria to make possible and reliable the attachment of individuals also to the fundamental rights of provision

Keywords: Horizontal Efficacy. Fundamental Rights of Provision and Private

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...10

2 DIREITOS FUNDAMENTAIS...15

2.1 BREVE ANÁLISE HISTÓRICA...15

2.2. A TEORIA DO STATUS E A CLASSIFICAÇÃO TRIALISTA – GEORG JELLINEK. .19 2.3 DUPLO CARÁTER DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: DIMENSÃO SUBJETIVA E DIMENSÃO OBJETIVA...27

2.4 EFICÁCIA VERTICAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS...35

3. BASES TEÓRICAS DA EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS40 3.1. FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO E A FOLHA DE PAPEL – HESSE versus LASSALE...40

3.2. A NOVA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL...43

3.3 DECISÕES MANIPULATIVAS E INTERPRETAÇÃO CONFORME...48

3.4. A MÁXIMA EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS...52

3.5. A DIMENSÃO OBJETIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS...54

3.6. CONTEXTO FÁTICO E A INSUFICIÊNCIA DA PROTEÇÃO UNICAMENTE EM FACE DO ESTADO...58

4. EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS...61

4.1. BREVES CONSIDERAÇÕES...61

4.2 O CASO LÜTH...62

4.3. PRINCIPAIS TEORIAS DESENVOLVIDAS SOBRE O TEMA...63

4.3.1. Teoria do state action e a negação da eficácia dos direitos fundamentais...63

4.3.2. Teoria da eficácia mediata ou indireta...66

4.3.3. Teoria da eficácia imediata ou direta...69

4.3.4. Teoria dos deveres de proteção...71

4.4. O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA PRIVADA...73

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5.1. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS...80

5.2. PRINCÍPIOS ESPECIAIS DOS DIREITOS PRESTACIONAIS...81

5.2.1. Princípio da reserva do possível e os Custos do direito...82

5.2.2. Mínimo existencial ou social...84

5.2.3. Princípio da vedação ao retrocesso social...88

5.3. A EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE PRESTAÇÃO...90

6. CONCLUSÕES...104

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1 INTRODUÇÃO

A constitucionalização do direito é um fenômeno marcante no ordenamento jurídico pátrio mormente no que concerne ao reflexo dos direitos fundamentais nos ramos legais e institucionais – os quais passaram a ter repercussão além da esfera pública, atingindo também as relações privadas.

A princípio, tais direitos nasceram para impor limites e deveres ao Poder Público. Todavia, com a Primeira Guerra Mundial, as desigualdades sociais fomentaram o surgimento dos direitos fundamentais sociais, pois restava evidente a necessidade de uma conduta ativa estatal para tentar superar a lacuna social existente.

Com o decorrer do tempo, surgiu uma nova conjuntura social e percebeu-se que o Estado não é o único violador dos direitos fundamentais, o constrangimento pode advir de várias esferas sociais: mercado financeiro; grandes corporações; família; sociedade civil e grupos dominantes.

Nesse contexto, despontou na Alemanha a Teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. A vinculação dos particulares a esse gênero normativo foi bastante questionado no país de origem, onde prevaleceu o caráter mediato de aplicação. Todavia, no Brasil, foi amplamente debatido e aceito pela grande maioria dos doutrinadores, inclusive a sua vertente direta, sem a necessidade de mediação do legislador infraconstitucional.

Ao analisar a atual conjuntura, observa-se que o Estado não é capaz de prover todos os direitos fundamentais de prestação elencados na constituição, bem como, no contexto neoliberal, o particular cada vez mais assume a prestação de serviço público – por concessão ou permissão, entidades sem fins lucrativos ou através de entidades privadas para o oferecimento de serviços públicos não exclusivos do Estado (como saúde, educação, etc).

Com essa nova readequação social, o Estado distancia-se da execução direta do serviço público e passa agir como agente regulador criando normas a serem obedecidas por tais agentes particulares. Surge, então, o questionamento se seria possível exigir do particular um dever fundamental originariamente destinado ao Estado.

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defesa – aqueles relacionados à liberdade –, muito ainda se debate sobre o seu alcance em relação aos direitos prestacionais – concernente às demandas sociais, uma vez que a exigência de uma conduta positiva do particular é controversa mesmo quando há lei infraconstitucional que a determine.

Com efeito, o Estado é o responsável por proporcionar ao indivíduo os direitos prestacionais elencados na constituição e, em regra, o papel comunitário do cidadão já é evidenciado através do pagamento de impostos para que o Poder Público implemente suas políticas sociais.

Nesse diapasão, o princípio da solidariedade – inscrito como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil no art. 3o, I da Constituição Federal – ganha espaço no anseio popular e fortifica a ideia de que os indivíduos não estatais, em especial aqueles que atuam no setor de atividades essencialmente públicas, devam agir com um papel proativo na função social. No entanto, o princípio da autonomia privada é invocado para impedir ou limitar os deveres dos particulares no campo de direitos prestacionais.

Evidencia-se, assim, que o tema é merecedor de amplo estudo, vez que a possibilidade, o modo e a limitação dessa aplicação aos particulares ainda é carecedor de maior atenção das discussões doutrinárias e jurisprudenciais, especificamente quando se trata dos direitos fundamentais de prestação e o debate ganha mais relevo no mundo moderno, onde grandes corporações atuam no setor de atividades essencialmente públicas, tais quais, saúde, educação, moradia, segurança e transporte.

Fica ainda mais notória a controvérsia sobre o tema ao recordar de algumas hipóteses atuais, por exemplo: a obrigação de escolas privadas sustentarem a inadimplência do aluno durante todo o ano letivo; a exigência para que planos de saúde suportem custos de tratamento não inclusos em sua cobertura; a quebra de patentes de remédios essenciais; entre outras situações que envolvem um direito prestacional de grande relevo.

De fato, se ainda há polêmica na possibilidade de implementação de políticas públicas pelo Judiciário em face do Poder Executivo, ainda maior é o debate relacionado à situação em que os particulares são obrigados a exercerem uma prestação social em substituição à omissão estatal no cumprimento de deveres dispostos constitucionalmente.

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Diante do embate entre o direito subjetivo aos direitos sociais e a autonomia privada, o tema se propõe a analisar a possibilidade, os riscos e propor alguns critérios a serem utilizados para inserir os particulares como responsáveis pelo dever de implementação de direitos fundamentais de prestação sem ameaçar a autonomia privada ou a segurança jurídica.

Este trabalho pretende sintetizar, de forma objetiva e concisa, a doutrina existente sobre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais individuais e avançar sobre a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais de prestação – com base na classificação trialista de Georg Jellinek. O objeto central será a problematização dos particulares substituírem o Estado no polo passivo das demandas que versem sobre direitos fundamentais de prestação sem esquecer os princípios da autonomia privada e segurança jurídica.

Esse estudo será proposto e desenvolvido no decorrer de seis capítulos. No primeiro e último constam, respectivamente, essa introdução e as conclusões posteriores.

No segundo capítulo abordar-se-á conceitos elementares e a evolução histórica dos direitos fundamentais, abarcando temas essenciais ao desenvolvimento posterior do assunto central do trabalho. Destarte, dissertar-se-á sobre a teoria do status de Georg Jellinek, as dimensões objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais e a sua eficácia principal: a decorrente da relação particular-Estado.

No capítulo seguinte (o terceiro), tratar-se-á dos principais fundamentos teóricos sobre a horizontalização da eficácia dos direitos fundamentais. A priori, far-se-á uma análise comparada entre a doutrina da força normativa da constituição desenvolvida por Hans Kelsen e o entendimento de Constituição como folha de papel apresentado por Ferdinand Lassale. A seguir, o foco estará sobre a nova hermenêutica constitucional, as decisões manipulativas e a interpretação conforme, retornando, posteriormente, para o princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais e um maior detalhamento sobre a sua dimensão objetiva – finalizando com uma análise do contexto fático que proporcionou a vinculação das relações privadas aos direitos fundamentais.

Concernente ao quarto capítulo, o tema central desenvolvido é a eficácia horizontal dos direitos fundamentais com foco sobre os direitos individuais. Desta

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forma, será apresentado o caso Lüth, paradigma alemão sobre a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais e as principais teorias de relevância elaboradas sobre o tema, quais sejam, “Teoria do state action e a negação da eficácia dos direitos fundamentais”; “Teoria da eficácia mediata ou indireta”; “Teoria da eficácia imediata ou direta”; e a “Teoria dos deveres de proteção”. Para finalizar o referido capítulo, enfrentar-se-á o tema da eficácia horizontal dos direitos fundamentais em face dos princípios da autonomia privada e da igualdade.

Por fim, o quinto capítulo será o responsável por condensar as impressões sobre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais de prestação, trazendo princípios aplicáveis a essa espécie de direitos, tais quais, reserva do possível, princípio da vedação ao retrocesso social e o mínimo existencial ou social. Em seguida, será detalhado a atuação do Estado em relação aos direitos prestacionais, os efeitos econômicos e os riscos que podem advir da aplicação da eficácia horizontal sem o estabelecimento de critérios que preservem a segurança jurídica. O arremate final do quinto capítulo será as reflexões e proposições de critérios para tornar possível e confiável a vinculação dos particulares também aos direitos fundamentais de prestação.

Quanto à metodologia a ser aplicada para a análise sobre as limitações, possibilidades e riscos da eficácia horizontal dos direitos fundamentais de prestação, faz-se necessário debruçar-se sobre uma vasta pesquisa bibliográfica e documental, uma vez que o estudo será embasado principalmente em livros e artigos de juristas, bem como nas matérias encontradas na jurisprudência e nas legislações correlatas ao objeto central.

Destarte, o principal método a ser utilizado durante o desenvolvimento do projeto é de natureza qualitativa e dialética, visto o caráter teórico-argumentativo dos problemas a serem abordados. Nas palavras de Silvio Luiz de Oliveira, a abordagem qualitativa “nos leva, entretanto, a uma série de leituras sobre o assunto da pesquisa (...), e, a partir daí, estabelecer uma série de correlações”1.

Desta forma, a técnica utilizada será de abordagem indireta, pois realizar-se-á através de fontes secundárias, a exemplo de livros, revistas, publicações avulsas, outras pesquisas e teses já finalizadas. A utilização desse modo investigativo se 1 OLIVEIRA, Silvio Luiz de. Tratado de Metodologia Científica. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002. p. 116.

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justifica pela possibilidade de diálogo entre as ideias contraditórias que balizarão as conclusões do estudo.

Em função do objetivo da pesquisa, classifica-se como explicativa, haja vista que a finalidade será analisar a possibilidade dessa eficácia horizontal, identificar as suas consequências jurídicas e definir critérios de limitação de sua admissibilidade, pois faz-se necessário estabelecer a relação entre o instituto e suas consequências com o intuito de obter soluções razoáveis para a problemática enfrentada.

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2 DIREITOS FUNDAMENTAIS 2.1 BREVE ANÁLISE HISTÓRICA

Uma das características marcantes dos direitos fundamentais é seu historicismo, uma vez que tais direitos são resultados de anos de avanços galgados na evolução da sociedade e o surgimento de interesses ou problemas sociais em determinada época. Decerto, os direitos fundamentais são produtos da história e seus avanços e retrocessos constituem uma revolução contínua, seja esta advinda de modificações legislativas, seja resultado de alterações hermenêuticas.

No contexto liberal clássico, os direitos fundamentais surgiram com a finalidade principal de limitar os poderes e desmandos estatais. Com base nessa premissa, afirma-se que eles são direitos público-subjetivos titularizados por pessoas (sejam físicas ou jurídicas), elencados em dispositivos constitucionais e, por isso, determinariam o alcance do caráter normativo supremo do Estado, com o escopo de limitar o exercício do poder estatal em face da liberdade individual.2

De fato, as constituições liberais privilegiam os direitos individuais – os quais representam principalmente a ideia do estado abstencionista e positivista – a fim de combater os excessos do absolutismo estatal e os desmandos dos seus governadores. Essa idealização de Estado Mínimo está diretamente atrelada ao fortalecimento do capitalismo: ao Estado caberia apenas garantir ordem e segurança, o restante seria regulado pela “mão invisível do mercado”. Os direitos fundamentais consagrados nessa época traduzem o interesse da burguesia: liberdade e propriedade.3

Paulo Lôpo Saraiva frisa que a Revolução Francesa de 1789 possibilitou a participação política dos cidadãos e ocasionou a derrocada da Monarquia Absolutista. Complementa, ainda: “Substituiu-se o slogan L’État c’est moi por um outro formalmente democrático: L’État c’est la loi”.4

Artur Cortez Bonifácio relembra que essa etapa inaugural do liberalismo 2 DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais – 5 ed., rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2014. p. 41.

3 MEDEIROS, Andréa Neiva Coelho de. (Des)constitucionalização dos direitos sociais: a flexibilização trabalhista. - Olinda: Livro Rápido, 2016. p. 8.

4 SARAIVA, Paulo Lôpo. A Tetradimensionalidade do direito: esforço inicial. Revista de

informação legislativa, v. 38, n. 153, p. 67-77, jan./mar. 2002. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/748> Acesso em: 20 dez.2018.

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(associada diretamente ao surgimento do capitalismo) é evidenciada pela ausência de conduta estatal a ser exigida e por força do respeito aos direitos de liberdade pessoal constitucionalmente asseguradas. Contudo, alerta para compreensão contemporânea5 que ampliou o entendimento acerca dos direitos fundamentais de liberdade: o Estado abstencionista dá espaço ao Estado assegurador da liberdade.6 Em outras palavras, o poder público também tem o dever de agir para propiciar ao particular o exercício da sua liberdade.

Contudo, o cenário pós-guerra apresentou novos problemas a serem combatidos pela sociedade: a ausência de igualdade material entre os cidadãos, a precariedade dos empregos e a pobreza da população. Decerto, a liberdade individual e a igualdade formal buscadas na Revolução Francesa não foram capazes de resolver plenamente os problemas e as necessidades sociais anteriores, bem como, aquelas surgidas com a Primeira Guerra Mundial e com o exercício do livre comércio – regulado apenas pela lei do “laissez-faire”.

Impulsionado por essa realidade, o constitucionalismo moderno tenta implementar a igualdade material no seio da sociedade exigindo do Estado “lídimas prestações positivas”7 através de uma nova gama de direitos fundamentais: os sociais. Nessa conjuntura, tais direitos ganham importante espaço constitucional, restando evidente a necessidade de uma conduta proativa de prestações materiais na tentativa de superar a lacuna social existente.

Desta forma, o Estado passa a assumir na área da saúde, educação, moradia e trabalho o caráter de provedor – aglutinando-se tais encargos às suas funções anteriores (ordem e segurança). O mesmo ocorreu com os direitos fundamentais: os direitos sociais foram incorporados ao seu rol sem excluir os já conquistados direitos individuais. Nesse momento, verifica-se o aumento dos direitos titularizados pelo cidadão para exigir do Estado uma atuação, seja positiva ou negativa.

Segundo Peréz Luño, a ocorrência dessa mutação histórica experimentada pelos direitos fundamentais, dá ensejo ao surgimento de gerações de direitos, sendo 5 Em que pese este capítulo destinar-se exclusivamente a uma visão histórica, clássica, não se pode olvidar a doutrina contemporânea sobre o assunto, por isso, optou-se por relembrar o entendimento moderno e atual sobre os direitos à liberdade e a atuação do Estado.

6 BONIFÁCIO, Artur Cortez. O Direito Constitucional Internacional e a Proteção dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Método, 2008. - (Coleção Professor Gilmar Mendes; 8). p. 111.

7 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional – 3. rev. e atual.- São Paulo: Saraiva, 2009.

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assim, o contexto de seu nascimento confere a carga genética ideológica ao direito criado. De maneira didática, os direitos de primeira geração são aqueles referentes à liberdade do indivíduo – os quais requerem uma autolimitação e a não ingerência do poder público, enquanto os de segunda geração são os que exigem uma política ativa do Estado, quais sejam, os econômicos, sociais e culturais. Já a terceira geração de direitos é apresentada como uma resposta ao comprometimento das liberdades pelo uso de tecnologia.8

O Supremo tribunal Federal, utilizando-se da classificação geracional, relaciona os direitos de terceira dimensão ao princípio da solidariedade e os direitos coletivos surgidos através da modernização da constituição. Segue a ementa de relatoria do Ministro Celso de Mello.

(...)DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO – PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE. - O direito a integridade do meio ambiente – típico direito de terceira geração – constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao individuo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, a própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) - que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identifica com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade. Considerações doutrinarias.

(MS 22164, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 30/10/1995, DJ 17-11-1995 PP-39206 EMENTA VOL-01809-05 PP-01155).9 – grifou-se.

Paulo Bonavides complementa o rol com os direitos fundamentais de quarta e quinta geração. Segundo seus ensinamentos, aqueles consubstanciam-se no direito à democracia, ao pluralismo e à informação, consequência da globalização e do 8 PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. Las generaciones de derechos humanos. R e v i s t a d e l C e n t r o

d e E s t u d i o s C o n s t i t u c i o n a l e s , [ S . l . ] , n . 1 0 , p . 2 0 3 - 2 1 7 . 1 9 9 1 . Disponível em:

<https://dialnet.unirioja.es/servlet /articulo?codigo=1050933 >. Acesso em: 11 jun. 2018. p. 205-206. 9 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Pesquisa Jurisprudência: Acórdão. MANDADO DE SEGURANÇA: MS 22164, Tribunal Pleno, julgado em 30/10/1995. Relator Ministro Celso de Mello. DJ 17-11-1995. D i s p o n í v e l e m : h t t p : / / r e d i r. s t f . j u s . b r / p a g i n a d o r p u b / p a g i n a d o r. j s p ? d o c T P = A C & d o c I D = 8 5 6 9 1 . Acesso em 21/11/2019.

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neoliberalismo.10 Já ao tratar dos direitos de quinta geração, relaciona-os ao direito à paz, considerada condição essencial ao progresso de todas as nações.11

Apesar de haver distinção entre as gerações do direito, isso não significa oposição entre elas.12 De fato, o aparecimento de sucessivas categorias de direitos fundamentais não eliminam as anteriores, mas as complementam.13 Desta forma, Paulo Bonavides faz um alerta sobre o equívoco da utilização do termo geração, uma vez que pode induzir a uma ideia de suposta caducidade dos direitos fundamentais postos anteriormente. Assim, sugere a substituição pelo termo dimensão, acreditando em uma vantagem lógica e qualitativa na interpretação do historicismo.14

Cumpre alertar que o histórico de evolução dos direitos fundamentais apre-sentados aplica-se na ordem mundial, contudo, nem todos os países compartilham a mesma sequência evolutiva de ascensão. O próprio constitucionalismo brasileiro foge da sequência cronológica mundial. De fato, no ordenamento pátrio os direitos sociais se fortaleceram em um período onde a liberdade não era privilegiada: a Era Vargas.

10 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15a edição. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 570-571.

11 BONAVIDES, Paulo. A quinta geração de direitos fundamentais. Direitos Fundamentais &

Justiça, Porto Alegre, n. 3, p.82-93, 2008. Disponível em: <http://www.ufjf.br/siddharta_legale/files/

2014/07/Paulo-Bonavides-A-quinta-geração-de-direitos- fundamentais.pdf>. Acesso em: 11 jun. 2018.

12 PÉREZ LUÑO. Antonio-Enrique. Las generaciones de derechos humanos. p. 205-206.

13 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional/ Ingo Wolfgang Sarlet. 11. ed. rev. Atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012.

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2.2. A TEORIA DO STATUS E A CLASSIFICAÇÃO TRIALISTA – GEORG JELLINEK

Não obstante a ampliação das categorias e espécies dos direitos fundamentais, a abertura da interpretação constitucional e o lançar de uma perspectiva alargada sobre as normas constitucionais realizada pelo direito contemporâneo – a classificação trialista formulada por Georg Jellinek ainda tem grande relevo jurídico ao contrastar a posição do particular à conduta a ser exigida em face do Estado.

Em que pese as suaves críticas e a proposição de uma atualização na tipologia, Artur Cortez Bonifácio ressalta sua importância e resume o ângulo sob o qual foi fundamentada, em suas palavras: “essa teoria [dos quatro status], cuja citação tem sido quase obrigatória pela doutrina dedicada ao tema, situa a posição do indivíduo em relação ao Estado em função do seu vínculo com a comunidade estatal”.15

Sem desconsiderar as avaliações realizadas pela doutrina sobre a classificação trialista produzida por Georg Jellinek, ela foi adotada no presente trabalho por representar bem o objeto central do debate jurídico: o direito fundamental em que a conduta a ser exigida do Estado (ou do particular) é de caráter proativo, ou seja, uma ação positiva para salvaguardar o direito constitucional.

Decerto, apesar das críticas existentes, essa classificação possui relevância não só histórica, como também conceitual e teórica, permitindo uma análise dos direitos e deveres fundamentais sob o prisma da relação cidadão-Estado.16 Desta forma, a dogmática desenvolvida por Jellinek será apresentada de forma didática com o escopo precípuo de elucidar e delimitar o objeto material cerne da pesquisa jurídica a ser desenvolvida.

Como já mencionado, Georg Jellinek desenvolveu a Teoria do status com base na posição ocupada pelo indivíduo em sua relação jurídica com o Estado. Em seus estudos, identificou quatro situações, quais sejam: o status subectionis (ou 15Artur Cortez. O Direito Constitucional Internacional e a Proteção dos Direitos Fundamentais. p. 109. 16 Para evitar confusão, cumpre alertar que, nesse caso, o termo cidadão não é utilizado no seu sentido jurídico estrito, mas como sinônimo de indivíduo titular de direito fundamental ou sujeito a um dever.

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passivo), o status libertatis (ou negativo), o status civitatis (ou positivo) e o status

activus (cidadania ativa).17 O status é um conceito extraído da interação entre a esfera estatal e o espaço individual particular.18 Jellinek o descreve como “uma relação com o Estado que qualifica o indivíduo”19.

Artur Bonifácio resume de forma objetiva e concisa os quatro status, identificados por Georg Jellinek, da posição jurídica do sujeito privado em seu relacionamento com o ente estatal – cuja elucidação é essencial e baseia a classificação trialista:

i) status passivo ou status subjectionis, consistindo na subordinação do indivíduo ao Estado. (…); ii) status negativus ou status libertatis, que marca o respeito pela personalidade individual e autonomia com indivíduo, com a consequente limitação do poder estatal em face da autodeterminação do indivíduo; iii)status positivus ou status civitatis, o Estado, cujas atividades devem se voltar para o interesse dos indivíduos, reconhece a legitimidade da pretensão dos indivíduos, reconhece a legitimidade da pretensão dos indivíduos no sentido de que o Poder Público tome ações positivas em seu favor, a fim de satisfazer as suas necessidades mínimas; iv) status activus ou status activae civitatis, que é a ação dos indivíduos para tornar possível a ação do Estado, por meio do reconhecimento de direitos políticos ou de participação política.20

A partir dessa análise, Jellinek formula uma classificação trialista dos direitos fundamentais: direitos de defesa (status negativo), prestacionais (status positivo) ou de participação (status ativo).21

Hans J. Wolff relaciona o conceito status apresentado por Jellinek com a existência de “direitos e deveres potenciais”.22 De fato, cada diferente posição ocupada pelo particular em face ao Estado possui o condão de evidenciar uma nova categoria de direitos fundamentais (ou deveres) com características específicas atreladas à conduta estatal.

Alerta-se para o fato de que o status subjectionis é caracterizada pela sujeição do indivíduo ao Estado, possibilitando a imposição de determinadas obrigações individuais. Nesse caso, a esfera ocupada pelo cidadão é passiva, onde 17 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. p. 254-255.

18DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. p. 50. 19 JELLINEK, Georg. apud ALEXY, Robert. op cit. p. 254-255.

20 BONIFÁCIO, Artur Cortez. O Direito Constitucional Internacional e a Proteção dos Direitos Fundamentais. p. 109.

21 DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. op. cit. p. 50.

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o sujeito se posiciona abaixo do Estado para o cumprimento de deveres a ele incumbidos.23 Portanto, nesse âmbito, não há o que se falar em direitos fundamentais, mas deveres, uma vez que o Estado possui uma área de competência para implementar regras a serem observadas pelos seus regidos.24

Artur Cortez Bonifácio relembra que há uma impossibilidade lógica em extrair qualquer direito de uma situação total de sujeição, uma vez que, caso seja identificado um direito, a personalidade jurídica de submissão ao Estado estaria aniquilada, contradizendo o próprio status que supostamente fundamentaria tal direito (o subjectionis).25

O status libertatis corresponde às situações em que o Estado não pode interferir na seara particular do indivíduo, ocorrendo a indevida atuação estatal, o sujeito pode repeli-la através de mecanismos oferecidos pelo ordenamento jurídico. Por tal motivo, são considerados direitos de defesa, ou seja, direitos de resistir a uma pretensão estatal injusta. Evidencia-se, então, a área em que o poder do Estado está limitado pela liberdade de agir conferida ao cidadão.26

Ressalte-se que defender a liberdade de agir deve envolver também a defesa da liberdade de não agir. Decerto, não há o que se falar em liberdade, se a conduta admitida pelo Estado é, na verdade, obrigatória, pois, essa autorização de escolha entre fazer e não fazer é o que a caracteriza. Impossível outra conclusão, uma vez que, ao não admitir a possibilidade de escolha, haveria a mera obrigação de agir conforme uma conduta e o ato deixaria de ser um direito para passar a ser um dever. Logo, toda ação livre pressupõe uma faculdade de fazer, em outras palavras, na liberdade haverá sempre uma opção do titular desse direito de escolher em realizar a ação ou manter-se omisso à prática do ato.27

Outrossim, Robert Alexy refere-se aos direitos evidenciados no status negativo como faculdades jurídicas, ou seja, permissões para realizar e não realizar

23 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. p. 256.

24 DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. p. 54.

25 BONIFÁCIO, Artur Cortez. O Direito Constitucional Internacional e a Proteção dos Direitos Fundamentais. p. 109.

26 DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. op cit. p. 50.

27 MEDEIROS, Andréa Neiva Coelho de. Limites Constitucionais à Regulamentação do Direito Fundamental à liberdade de reunião pelo Legislador Ordinário. Revista Brasileira de Direitos e Garantias Fundamentais, e-ISSN: 2526-0111. Brasília, v. 3. n. 1, jan-jun, 2017. p. 97-111. Disponível em: http://indexlaw.org/index.php/ garantiasfundamentais/article/view/1909 <Acesso em 08.ago.18>

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determinada ação.28 Na mesma linha, Canotilho denomina “alternativa de comportamento”29 como fundamental à caracterização de uma liberdade, uma vez que essa componente negativa constitui uma dimensão essencial. Por fim, Konrad Hesse corrobora que essa dupla liberdade (de ação ou de omissão) estão sempre acompanhadas entre si,30 ou seja, presentes concomitantemente como se vivessem em uma relação de simbiose.

Constatado o direito à liberdade, o indivíduo possui um direito de resistência31 à pretensão estatal de interferir em sua conduta. O núcleo desse direito é justamente exigir do Estado a inércia, uma conduta negativa.32 Segundo Jellinek, verifica-se, nessas situações, uma irrelevância jurídica do agir e qualifica a conduta permitida como um indiferente jurídico: ao Estado não importa se haverá ou não a sua realização.33 Contudo, o Estado deve assegurar ao indivíduo o direito de exercer (ou não) a conduta.

Em síntese, os direitos de defesa estão relacionados aos direitos de primeira geração: atrelados à liberdade e à igualdade formal, são titularizados pelo indivíduo e exercidos em face do Estado para proteger a faculdade do particular de fazer e não-fazer algo. Por esse motivo, são conhecidos como direitos individuais e retratam os direitos fundamentais clássicos formulados para limitar o poderio estatal. Em regra, possuem caráter negativo e exigem do Estado uma abstenção e não uma atitude positiva.

Concernente ao status civitatis (positivo), Georg Jellinek o coloca em lado oposto ao status libertatis (negativo), pois, enquanto este garante ao particular o direito ao não-embaraço de sua conduta, aquele permite exigir do Estado uma ação

28 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. p. 261.

29 CANOTILHO, JJ Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7a edição. Coimbra: Almedina, 2000. p. 539.

30 HESSE, Konrad. Os Direitos Fundamentais na República Federal. In: Temas fundamentais do direito constitucional/ Konrad Hesse; textos selecionados e traduzidos por Carlos dos Santos Almeida, Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho. — São Paulo: Saraiva, 2009. p. 77. 31 Preservou-se o termo “direito de resistência” utilizado por Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins por respeito intelectual, mas, para evitar equívocos interpretativos, é importante alertar que eles se referem aos chamados direitos de defesa, e não ao direito de resistência constitucional propriamente dito (chamado pelos mesmos autores de “direito de insurreição”) que permite ao cidadão resistir a uma intenção legítima do Estado. De forma objetiva, o direito de defesa surge a partir de uma intervenção ilegítima do Estado, enquanto no direito de insurreição, o Estado age conforme a ordem constitucional.

32 DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. p. 51. 33 JELLINEK, Georg. apud ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. p. 259.

(25)

estatal específica.34 O status positivo “reconhece a capacidade jurídica para recorrer ao aparato estatal e utilizar as instituições estatais”.35

Jellinek afirma ainda que esse status cívico garante (1) pretensões às atividades estatais e (2) a criação de mecanismos e caminhos jurídicos para a concretização dessa finalidade (pretensões jurídicas positivas formais). Para caracterizar tal situação, exige-se duas condições: o direito titularizado pelo indivíduo e a competência do Estado em relação ao seu cumprimento.36 De fato, o Estado não pode ser obrigado a agir se ausente sua capacidade para tanto.

Da caracterização desse status, extrai-se o conceito de direitos fundamentais de prestação. Decerto, o próprio nome já exprime a natureza positiva de tais direitos, uma vez que, para efetivá-los, o Estado não pode estar inerte, deve agir para conceder as prestações garantidas. Assim, enquanto os direitos de defesa foram idealizados para colocar o indivíduo a salvo de indevida ingerência do Estado, os direitos prestacionais o colocam, sob sua proteção.

Leonardo Martins e Dimitri Dimoulis afirmam que as prestações estatais podem ser de caráter normativo – ou seja, o dever do Estado consiste em legislar, produzir normas que protejam os interesses individuais garantidos constitucionalmente, por exemplo, os direitos trabalhistas –, bem como, tais prestações podem ser de ordem material – compreendendo o fornecimento de bens ou serviços públicos de circulação privada permitida (alimentação, educação, medicamentos, entre outros) ou de serviços exercidos exclusivamente pelo Estado (segurança pública).37

Robert Alexy apresenta de forma didática e concisa as principais características e diferenças entre os direitos de defesa e os direitos de prestação:

Destinados, em primeira instância, a proteger a esfera de liberdade do indivíduo contra intervenções dos Poderes Públicos; eles são direitos de defesa do cidadão contra o Estado. Direitos de defesa do cidadão contra o Estado são direitos a ações negativas (abstenções) do Estado. Eles pertencem ao status negativo, mais precisamente ao status negativo em sentido amplo. Seu contraponto são os direitos a uma ação positiva do Estado, que pertencem ao status positivo, mais precisamente ao status positivo em sentido estrito. Se se adota um conceito amplo de prestação, 34 ALEXY, Robert, op. cit. p. 263 e 266

35 JELLINEK, Georg. apud ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. p. 264. 36 ALEXY, Robert, op cit. p. 264.

(26)

todos os direitos a uma ação estatal positiva podem ser classificados como direitos a prestações estatais em um sentido mais amplo; de forma abreviada: como direitos a prestações em sentido amplo.38

Por fim, o status activus está relacionado com a possível participação do cidadão na formação da vontade estatal. No caso, a intervenção parte do indivíduo para o Estado, por exemplo, com o direito de escolher seus representantes políticos ou de participar diretamente da democracia (leis de iniciativa popular, referendo e plebiscito). Do status activus decorrem os direitos políticos e de participação.39

A categorização proposta por Jellinek, apesar de antiga, é sempre relembrada na doutrina, bem como, também é visitada na formação jurisprudencial. O Ministro Edson Fachin – em seu voto no RE 592.581-RS, publicado na íntegra no Informativo 796 do Supremo Tribunal Federal (quando ainda estava pendente de publicação no diário de justiça) – remete seus argumentos à classificação dos direitos de defesa e prestacionais ao citar o parecer do então Procurador-Geral da República:

(…) 3. Há equívoco em subsumir o direito à integridade física e moral dos presos, previsto no art. 5º, XLIX, da Constituição da República, à categoria dos direitos sociais, a cuja realização se opõem restrições discricionariedade política e de reserva do possível. Esse direito fundamental é direito de defesa, malgrado eventualmente uma de suas consequências jurídicas – secundárias – seja o deferimento de prestação estatal. Deve preponderar o critério material, em detrimento do formal, na classificação dos direitos fundamentais brasileiros: direito de defesa visam à garantia jurídica da liberdade, mediante omissões do Estado, ao passo que direitos sociais promovem igualdade de fato entre pessoas, para que as menos aquinhoadas possam desfrutar de liberdade jurídica, por meio de prestações jurídicas ou materiais do Estado.

4. Uma vez que os presos não possuem, por definição, liberdade de fato, mas apenas limitado raio de liberdade jurídica, sua integridade recai no âmbito dos direitos de defesa.

5.

Ao contrário dos direitos a prestações, cuja implementação estatal se satisfaz por qualquer das opções adequadas adotadas pelo legislador ou pelo administrador, direitos de defesa somente são respeitados caso o Estado se abstenha de todos comportamentos capazes de suprimi-los ou de lesá-los. Não cabe falar, aí, de discricionariedade legislativa ou executiva no fornecimento de condições materiais que atendam ao art. 5º, XLIX, da CR.

6. Possui aplicabilidade imediata o direito fundamental ao respeito à integridade física e moral dos cidadãos presos (art. 5º, XLIX e § 1º). O estado do sistema carcerário brasileiro fere a ordem constitucional e deveres convencionais e legais do Brasil.40 - grifou-se

38 ALEXY, Robert, op. cit. p. 434.

39 DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. p. 53 e 54. 40 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Informativo 797: 31 de agosto a 4 de setembro de 2015. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo797.htm> Acesso em:

(27)

Diante do exposto, verifica-se que a classificação proposta por Georg Jellinek, apesar de vetusta, ainda é relevante no mundo jurídico por ser capaz de refletir as características necessárias para aplicar regimes diferenciados quando se trata de exigir do Estado a concretização do direito.

Em resumo, dos quatro status apontados por Georg Jellinek (passivo, negativo, positivo e ativo), surge uma classificação trialista: direitos de defesa, direitos de prestação e direitos de participação. Como já foi discorrido a respeito, a relação de sujeição do cidadão encontrada no status passivo não tem o condão de gerar direito fundamental, apenas deveres, sendo assim, não aparece na classificação trialista apresentada.41

Todavia, argumentos bem fundamentados correm na doutrina sobre a inclusão dos direitos de participação aos direitos de defesa. Artur Cortez Bonifácio defende, “até mesmo para fins didáticos”42, essa inserção dos direitos de cidadania ativa ou participação política e os direitos procedimentais e organizatórios aos direitos negativos, uma vez que eles “sintetizam o direito de concretização do exercício de direitos políticos e do acionamento do aparelho estatal para a tutela de situações jurídicas e, na outra ponta, o dever do Estado de respeito e facilitação de tal fim”.43

A adoção dessa linha de pensamento ocasiona uma configuração dualista dos direitos fundamentais, quais sejam, os direitos fundamentais negativos – direitos de defesa, envolvendo as liberdades de agir do particular (e de não agir também44) – e os direitos fundamentais positivos – consubstanciados em direitos a prestações estatais.

Contudo, cumpre mencionar que essa teoria bipartite – diferenciada da trialista por integrar os direitos políticos aos direitos negativos – não privilegia o caráter democrático intrínseco aos direitos de participação (ou o equipara ao nível dos direitos de defesa), bem como, os reflexos da interferência do cidadão na 20 nov de 2018.

41 Ibidem. p. 54.

42 BONIFÁCIO, Artur Cortez. O Direito Constitucional Internacional e a Proteção dos Direitos Fundamentais. p. 110.

43 Ibidem.

44 Ver mais em: MEDEIROS, Andréa Neiva Coelho de. Limites Constitucionais à Regulamentação do Direito Fundamental à liberdade de reunião pelo Legislador Ordinário. Revista Brasileira de Direitos e Garantias Fundamentais.

(28)

vontade estatal. De fato, ambas as categorias de direitos fundamentais se assemelham, principalmente se percebidas através de uma visão contemporânea, uma vez que ambas refletem a possibilidade de uma conduta positiva do cidadão, e o dever do Estado não só em abster-se de agir, mas também de garantir que esta liberdade possa ser exercida.

No entanto, os direitos de participação possuem uma veia democrática mais acentuada no intuito de salvaguardar e estimular uma atitude proativa do cidadão para que este possa moldar a vontade estatal conforme a sua concepção de Estado. Outrossim, se o trabalho focasse na eficácia horizontal dos direitos de defesa, os direitos de participação teriam uma influência reduzida sobre as relações jurídicas privadas.

Entretanto, em termos práticos, a opção entre a classificação trialista ou dualista baseadas nos conceitos apresentados por Jellinek não interfere no bom desenrolar do estudo, uma vez que o objeto delimitado – direitos fundamentais prestacionais – mantém-se indiferente à agregação, ou não, dos direitos de participação aos direitos de defesa.

Não se pode olvidar que há quem defenda a teoria unitária, sob o fundamento de que todos os direitos fundamentais possuem igual importância e, por isso, não poderiam sofrer com divisões entre si.45 Contudo, categorizá-los não significa concordar com a existência de uma hierarquia, mas, tão somente, que há características comuns a alguns e particularidades a outros. A valer, não se pode dispensar tratamento jurídico idêntico na exigência de uma conduta estatal negativa e positiva.

Sendo assim, em que pese diversas classificações desenvolvidas pela doutrina, adotou-se a classificação trialista para o estudo do tema proposto por ela ser capaz de diferenciar os direitos fundamentais a partir da atitude estatal necessária para seu adimplemento, bem como, pela posição ocupada pelo cidadão em sua relação jurídica com o Estado.

Desta forma, entende-se que a classificação trialista formulada por Georg Jellinek é a que mais supre as necessidades de categorização dos direitos fundamentais quando se estuda os seus reflexos nas relações privadas.

45 SCHÄFER, Jairo. Classificação dos direitos fundamentais: do sistema geracional ao sistema unitário: uma proposta de compreensão. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

(29)

2.3 DUPLO CARÁTER DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: DIMENSÃO SUBJETIVA E DIMENSÃO OBJETIVA.

Ao observar o histórico dos direitos fundamentais, observa-se que eles surgiram como mandamentos de agir ou não agir direcionados ao Estado, podendo o cidadão exigir a conduta estatal necessária – seja positiva, seja negativa – para o implemento do seu direito. Em termos didáticos, os direitos fundamentais são também direitos titularizados pelos indivíduos. Desta forma, o rol de direitos elencados na Carta Magna não tem efeito meramente decorativo, mas, ao menos em tese, configuram direitos subjetivos garantidos aos cidadãos. 46

Nas lições de Daniel Sarmento, o constitucionalismo liberal privilegiava apenas a vertente jurídica subjetiva dos direitos fundamentais, uma vez que limitava-se a identificar as pretensões exigíveis pelos cidadãos em detrimento do Estado.47 De fato, os direitos fundamentais foram idealizados primeiramente como instrumentos de defesa do indivíduo em face do Poder Estatal, é natural que a vertente subjetiva apareça de forma mais evidente.

Ingo Sarlet complementa esse raciocínio defendendo que a proteção concedida aos direitos fundamentais dá-se através da sua natureza jurídica de direito subjetivo.48 De fato, em sua dimensão subjetiva, os direitos fundamentais são considerados com enfoque no sujeito, o qual é titular de uma posição jurídica contemplada constitucionalmente.

O referido jurista descreve o caráter subjetivo do direito como a possibilidade do indivíduo impor judicialmente seus interesses individuais tutelados pelo ordenamento jurídico em face do destinatário desse direito, ou seja, ao titular do direito fundamental subjetivo é facultado exigir ao Estado49 (através do próprio Estado – corporificado, na maioria das vezes, pelo Poder Judiciário) a

46 MEDEIROS, Andréa Neiva Coelho de. (Des)constitucionalização dos direitos sociais: a flexibilização trabalhista. passim.

47 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010.

48 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. p. 153.

49 Refere-se ao Estado como destinatário exclusivo do direito fundamental, por tratar, nesse momento, de sua concepção liberal e não ser necessário adentrar antecipadamente no mérito de uma teoria que ainda será discorrida ao longo do trabalho.

(30)

prestação/omissão devida.50

Ingo Sarlet faz um alerta sobre a importância de analisar o grau de exigibilidade (ou justiciabilidade) – intensidade variável da força normativa de cada direito fundamental – uma vez que o direito objetivo também é passível de judicialização.51 Isto posto, conclui que direitos fundamentais subjetivos refere-se à

capacidade do indivíduo “fazer valer judicialmente os poderes, as liberdades ou mesmo o direito à ação ou às ações negativas ou positivas que lhe foram outorgadas pela norma consagradora do direito fundamental em questão”.52

Destaca-se, assim, a triangulação formada na relação jurídica subjetiva de um direito (seja fundamental, ou não): o seu titular, o seu objeto e o seu destinatário.53 Realmente, não se pode considerar um direito subjetivo sem tais elementos: uma pessoa que o detenha; uma pretensão a ser exigida; e o destinatário que possua o dever jurídico de implementá-lo. Essa relação tríplice é característica essencial à subjetividade do direito.

Em uma análise superficial, tendo em vista a perspectiva subjetiva advir de uma concepção liberal de constitucionalismo, pode-se (equivocadamente) pensar que esse caráter subjetivo dos direitos fundamentais aplicam-se apenas quando identificado status negativo. A verdade é que, ao realizar um enfrentamento da classificação trialista de Georg Jellinek (já explanada no item anterior) e a dimensão subjetiva, pode-se afirmar que esta não é característica pertencente exclusivamente aos direitos de defesa, mas também relaciona-se aos direitos prestacionais e de participação política.54

De acordo com os ensinamentos de Leonardo Martins e Dimitri Dimoulis, a liberdade positiva – que pressupõe a ação estatal – tem por efeito a proibição da omissão, pretensão também exigível juridicamente. Nessa linha, os direitos políticos e garantias processuais também refletem uma necessidade e o dever de atuação estatal característicos aos direitos subjetivos.55

50 SARLET, Ingo Wolfgang. op cit. p. 152.

51 Ingo Sarlet cita a possibilidade de controle de constitucionalidade das normas como exemplo da subjetivação inerente às normas constitucionais em sua vertente de direito objetivo.

52 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. p. 154.

53 Ibidem. p. 152.

54 DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. p. 116-117 55 Ibidem. p. 117

(31)

Com o fortalecimento do Estado Social (Welfare State) e a evolução da hermenêutica constitucional, houve uma ampliação da percepção sobre o conceito de direito fundamental. Enquanto o constitucionalismo liberal os assimilava exclusivamente pela óptica subjetiva – uma vez que só reconhecia possíveis pretensões exigíveis pelo cidadão –, a visão moderna inseriu um caráter valorativo a tais direitos, entendendo que eles consistem nos valores essenciais pertencentes à comunidade política. Essa nova compreensão recebeu o nome de dimensão objetiva dos direitos fundamentais.56

De fato, a hermenêutica constitucional passou a encarar os direitos fundamentais também através de um prisma objetivo: como valores orientadores da atuação do Estado em todas as suas esferas e Poderes. Sem deixar de lado a sua função anterior, os direitos fundamentais começaram a ser considerados como preceitos e princípios que orientam a produção, a interpretação e aplicação da norma jurídica infraconstitucional, e toda a atuação estatal – independentemente de suposta violação a direito individual específico.57

Em poucas palavras, pode-se afirmar que a perspectiva subjetiva, como a própria etimologia da palavra induz a pensar, parte de um olhar individual, focado no sujeito de direitos. Ao passo que a dimensão objetiva abandona esse prisma egoístico e inclui toda a sociedade sob o olhar normativo dos direitos fundamentais, que passam a valer juridicamente também do ponto de vista de toda a comunidade como valores e fins a serem buscados e alcançados na atuação estatal.58

Artur Cortez Bonifácio ressalta que a diferença entre os prismas subjetivo e objetivo está em observância com a visão de quem o encara: o sujeito de direitos, titular do direito fundamental; ou a ordem jurídica estatal, que deve garantir, implementar e concretizar os direitos fundamentais em todas as suas esferas e funções.59

O jurista prossegue o raciocínio sobre a dimensão subjetiva mencionando que ela se refere à possibilidade do particular exigir o exercício e a observância de determinado direito fundamental em face do Estado e do particular, portanto, 56 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas.

57 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. p. 143.

58 Ibidem. p. 145.

59 BONIFÁCIO, Artur Cortez. O Direito Constitucional Internacional e a Proteção dos Direitos Fundamentais. p. 107.

(32)

consistiria em “interesses, vontades e faculdades do indivíduo”60 concernentes a disposições constitucionais.61

Quanto à dimensão objetiva, Artur Cortez Bonifácio assevera tratar da concretização de direitos fundamentais com o intuito de atingir os valores e finalidades nela propostos, ou seja, a preocupação do direito fundamental nessa perspectiva é a coletividade e o interesse público.62 Em resumo, o autor conclui:

Na dimensão subjetiva o que vai importar é a situação jurídico-constitucional do particular, daquele amparado por uma norma de direito fundamental ou, em outra oração, daquele cuja posição é resguardada por um direito fundamental; na dimensão objetiva, os direitos fundamentais fazem parte da ordem democrática e estatal-jurídica, a qual deve garanti-los, segundo um

status jurídico material, com conteúdos concretos e de disponibilidade

limitada para o Estado e para aquele a quem cabe o desfrute do direito.63

Segundo Daniel Sarmento, com a constatação de que direitos fundamentais são também valores e fins sociais, eles não podem ser encarados como meros limites do poder estatal, devendo irradiar para todo o ordenamento jurídico, impulsionando e orientando a atuação de todos os Poderes (Legislativo, Judiciário e Executivo). Assim, deixa de ser um simples limite de exercício do poder estatal e converte-se em norte da sua atuação.64

É inequívoco que essa inovação interpretativa trouxe consequências (ao nosso ver, positivas) para a aplicação dos direitos fundamentais. Leonardo Martins e Dimitri Dimoulis citam quatro aspectos derivados da dimensão objetiva dos direitos fundamentais: normas de competência negativa; critérios de interpretação infraconstitucional; limitações dos direitos fundamentais no interesse da comunidade; e o dever estatal de tutela dos direitos fundamentais.65

Passa-se a expor sucintamente cada uma delas que serão mais profundamente debatidas em capítulo próprio.

Em princípio, cumpre observar que não há norma constitucional desprovida de eficácia, elas são dotadas, pelo menos, de uma força paralisante (de não 60 Ibidem. p. 107.

61 BONIFÁCIO, Artur Cortez. O Direito Constitucional Internacional e a Proteção dos Direitos Fundamentais. p. 107-108.

62 Ibidem. p. 108. 63 Ibidem.

64 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas.

(33)

recepcionar legislação anterior que a contrarie) e de uma força impeditiva (para considerar inconstitucional quaisquer leis futuras que a viole), além de servirem de fonte hermenêutica para a aplicação do direito.66

Desta forma, não poderia ser diferente com os dispositivos relacionados aos direitos fundamentais, eles também são considerados normas de competência negativa, uma vez que toda liberdade concedida pelo constituinte ao indivíduo significa a diminuição da discricionariedade do Estado em relação ao tema, ou seja, haverá a subtração de determinada fatia de competência da esfera pública independente do sujeito ir a juízo questionar a observância ao seu direito subjetivo.67

Sarlet corrobora o entendimento acima, afirmando que o poder do Estado é juridicamente constituído, de origem determinada e limitado, de tal maneira que este só poderá ser exercido se respeitar a área delimitada de atribuições colocada à sua disposição. Assim, a liberdade e a igualdade concedidas aos cidadãos é equitativamente retirada da esfera de competência do Estado.68

Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins relacionam a competência negativa ao dever estatal de realizar o autocontrole de suas funções e limites constitucionais, bem como, à possibilidade dos legalmente legitimados iniciarem uma ação de controle de constitucionalidade abstrato – não por acaso, classifica-o também como processo objetivo de controle.69

Já Ingo Sarlet, entende que, no âmbito da competência negativa, não há uma modificação da natureza jurídica dos direitos fundamentais subjetivos, ocorre apenas uma inversão de perspectiva: deixa-se de lançar o olhar para o direito outorgado ao indivíduo (subjetivo); para focar na diminuição da competência objetivamente concedida ao Estado. Conclui, assim, que esta é uma “função objetiva reflexa de todo direito fundamental subjetivo”.70

O segundo aspecto comentado por Leonardo Martins e Dimitri Dimoulis é a utilização das normas de direitos fundamentais como critérios de interpretação e

66 CHIMENTI, Ricardo Cunha, [et. al.], Curso de Direito Constitucional, 2ª edição, São Paulo: Saraiva, 2005. Ver também em: CRISAFULLI, Vezio, La Costituzione e lê sue disposizioni di principio, Milão: Dott. A. Giuffrè Editore, 1952.

67 DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. p. 118-120 68 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. p. 145.

69 DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. op cit. p. 118-119. 70 SARLET, Ingo Wolfgang. op cit. p. 145.

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configuração do direito infraconstitucional. A Teoria da Eficácia Mínima revelam a faceta hermenêutica inerente a todas as normas constitucionais.71

Ainda que de forma crítica, Leonardo Martins e Dimitri Dimoulis apontam a limitação dos direitos fundamentais como derivada da sua dimensão objetiva. A limitação do direito seria embasada na justificativa de proteção do próprio titular do direito.72

Ingo Sarlet explica que os direitos fundamentais devem ser sempre valorados não apenas pela perspectiva individual, pois é necessária também uma análise sob o ângulo da sociedade, uma vez que eles consistem em valores e fins almejados por todos. Esse ponto de vista tem o condão de legitimar restrições aos direitos fundamentais com base no interesse público prevalente, limitando o seu conteúdo e alcance.73

Por essa perspectiva, pode-se inclusive afirmar que todos direitos fundamentais são também transindividuais e estão sujeitos (inclusive os individuais) ao reconhecimento social, devendo haver, nas palavras de Vieira de Andrade, uma “responsabilidade comunitária dos indivíduos”.74

Por fim, Leonardo Martins e Dimitri Dimoulis apontam o quarto desdobramento da dimensão objetiva dos direitos fundamentais: a Teoria do Dever Estatal de Tutela. O Estado deve não apenas respeitar os direitos fundamentais dos cidadãos, mas também protegê-los contra ameaça ou violação de origem não estatal. De fato, o Poder Público não é o único capaz de desrespeitar os direitos fundamentais, a coação pode vir de terceiros – sejam esses particulares ou algum Estado estrangeiro – e também do próprio titular do direito subjetivo.75

Sarlet aborda essa importante função do dever proteção como uma consequência da existência de um dever geral de efetivação atribuído ao Estado. Sendo este obrigado a atuar positivamente (de diversas formas) no intuito de salvaguardar o exercício dos direitos fundamentais. Ademais, o dever de proteção

71 DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. op cit. p. 118-119.

72 DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. p. 119-120 73 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. p. 146.

74 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. p. 146.

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