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3. BASES TEÓRICAS DA EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

3.5. A DIMENSÃO OBJETIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Como já debatido em capítulo anterior, a mudança na hermenêutica constitucional trouxe consequências no entendimento sobre os direitos fundamentais. Ao encará-los a partir de uma dimensão objetiva, estes passaram a ser vistos como valores orientadores da atuação do Estado em todas as suas esferas e Poderes. Saliente-se que a sua função anterior de direito subjetivo não foi prejudicada por essa nova visão, apenas foi fortalecida e acrescentada mais força aos direitos fundamentais.

Decerto, eles começaram a ser considerados como preceitos e princípios que orientam todas as fases de formação da norma: a produção, a interpretação e aplicação – tanto da legislação infraconstitucional, como de toda a atuação estatal – independentemente de suposta violação a direito individual específico.157

A dimensão objetiva – sem esquecer da visão subjetiva do sujeito de direitos – inclui toda a sociedade sob o olhar normativo dos direitos fundamentais, que passam a valer juridicamente também do ponto de vista de toda a comunidade como valores e fins a serem buscados e alcançados na atuação estatal.158

Daniel Sarmento ressalta que os direitos fundamentais são também valores e fins sociais, por isso, eles não podem ser encarados como meros limites do poder estatal, devendo irradiar sua influência para todo o ordenamento jurídico, de modo a impulsionar e orientar a atuação do Estado em todas as suas vertentes, funções, e 157 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. p. 143.

Poderes (Legislativo, Judiciário e Executivo). Destarte, os direitos fundamentais não são mais um mero limite ao exercício do poder estatal, mas também a direção, o norte da sua atuação.159

Artur Cortez Bonifácio ressalta que o enfoque dos direitos fundamentais sob o prisma objetivo está relacionado a uma abordagem sob o aspecto da ordem jurídica estatal, que deve garantir, implementar e concretizar os direitos fundamentais em todas as suas esferas e funções.160

O jurista prossegue o raciocínio asseverando tratar da concretização de direitos fundamentais com o intuito de atingir os valores e finalidades nela propostos, ou seja, a preocupação do direito fundamental nessa perspectiva é a coletividade e o interesse público.161 Em resumo, o autor conclui:

Na dimensão objetiva, os direitos fundamentais fazem parte da ordem democrática e estatal-jurídica, a qual deve garanti-los, segundo um status jurídico material, com conteúdos concretos e de disponibilidade limitada para o Estado e para aquele a quem cabe o desfrute do direito.162

Já Leonardo Martins e Dimitri Dimoulis mencionam quatro aspectos derivados da dimensão objetiva dos direitos fundamentais: normas de competência negativa; critérios de interpretação infraconstitucional; limitações dos direitos fundamentais no interesse da comunidade; e o dever estatal de tutela dos direitos fundamentais.163

De fato, não se pode olvidar que toda norma constitucional possui eficácia, nem que seja mínima. De fato, elas são dotadas, ao menos, de uma força paralisante (ela é hábil para estabelecer a não recepção da legislação anterior que a contrarie) e de uma força impeditiva (tem o condão de considerar inconstitucional quaisquer leis futuras que a viole), além, é claro, de servirem de fonte hermenêutica para a aplicação do direito.164

Por conseguinte, não poderia ser diferente com os dispositivos relacionados aos direitos fundamentais, que também são considerados normas de competência 159 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas.

160 BONIFÁCIO, Artur Cortez. O Direito Constitucional Internacional e a Proteção dos Direitos Fundamentais. p. 107.

161 Ibidem. p. 108. 162 Ibidem.

163 DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. p. 118-120 164 CHIMENTI, Ricardo Cunha, [et. al.], Curso de Direito Constitucional, 2ª edição, São Paulo: Saraiva, 2005. Ver também em: CRISAFULLI, Vezio, La Costituzione e lê sue disposizioni di principio, Milão: Dott. A. Giuffrè Editore, 1952.

negativa, pois toda liberdade concedida pelo constituinte ao indivíduo significa a redução da discricionariedade do Estado em relação ao tema, ou seja, haverá a subtração de determinada parcela de competência da esfera pública independente do sujeito ir a juízo para discutir a observância ao seu direito subjetivo.165

Sarlet consolida o entendimento supra, afirmando que o poder do Estado é juridicamente constituído, de origem determinada e limitado, de tal maneira que este só poderá ser exercido se respeitar a área delimitada de atribuições colocada à sua disposição. Assim, a liberdade e a igualdade concedidas aos cidadãos é equitativamente retirada da esfera de competência do Estado.166

Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins conectam a competência negativa ao dever estatal de realizar o autocontrole de suas funções e limites constitucionais, bem como, à possibilidade dos legalmente legitimados iniciarem uma ação de controle de constitucionalidade abstrato – não por acaso, classifica-o também como processo objetivo de controle.167

Comungando dessa ideia, Ingo Sarlet preconiza que, no âmbito da competência negativa, inexiste uma modificação da natureza jurídica dos direitos fundamentais subjetivos, ocorre apenas uma inversão de perspectiva: deixa-se de lançar o olhar para o direito outorgado ao indivíduo (subjetivo); para focar na diminuição da competência objetivamente concedida ao Estado. Conclui, assim, que esta é uma “função objetiva reflexa de todo direito fundamental subjetivo”.168

O segundo aspecto detalhado por Leonardo Martins e Dimitri Dimoulis é o emprego das normas de direitos fundamentais como critérios de interpretação e configuração do direito infraconstitucional. A Teoria da Eficácia Mínima revelam a faceta hermenêutica inerente a todas as normas constitucionais.169

Embora de forma crítica, Leonardo Martins e Dimitri Dimoulis assinalam a limitação dos direitos fundamentais como derivada da sua dimensão objetiva. A limitação do direito seria embasada na justificativa de proteção do próprio titular do direito.170

165 DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. op. cit.. p. 118-120

166 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. p. 145.

167 DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. p. 118-119. 168 SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit. p. 145.

169 DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. op. cit. p. 118-119. 170 Ibidem. p. 119-120.

Ingo Sarlet esclarece que os direitos fundamentais sempre devem ser valorados não apenas pela perspectiva individual, pois também é indispensável um exame sob a ótica da sociedade, vez que eles consistem em valores e fins almejados por todos. Esse ponto de vista tem o condão de legitimar restrições aos direitos fundamentais com base no interesse público prevalente, limitando o seu conteúdo e alcance.171

Por essa concepção, é possível reconhecer que todos os direitos fundamentais também são transindividuais e estão sujeitos (inclusive os individuais) ao reconhecimento social, devendo haver, na compreensão de Vieira de Andrade, uma “responsabilidade comunitária dos indivíduos”.172

Finalizando, Leonardo Martins e Dimitri Dimoulis assinalam uma quarta segmentação da dimensão objetiva dos direitos fundamentais: a Teoria do Dever Estatal de Tutela. O Estado deve não apenas observar os direitos fundamentais dos cidadãos, mas também protegê-los contra ameaça ou violação de origem não estatal. Por certo, o Poder Público não é o único capaz de infringir os direitos fundamentais, pois a coação pode vir de terceiros – sejam esses particulares ou algum Estado estrangeiro – bem como do verdadeiro titular do direito subjetivo.173

Essa relevante função do dever de proteção é tratada por Sarlet como resultado da existência de um dever geral de efetivação atribuído ao Estado, destacando a obrigação do ente público de agir positivamente (de diversas formas) no intuito de salvaguardar o exercício dos direitos fundamentais. Ademais, o dever de proteção também está interligado ao monopólio estatal do exercício da força.174

De fato, ao particular é vedado o exercício das próprias razões (conduta punível inclusive na seara penal). Portanto, o Estado assumiu o dever exclusivo de zelar pela paz social e segurança, cabendo-lhe também exercer a proteção sobre os direitos individuais por intermédio de medidas proativas (criando proibições, autorizações, leis penais ou de ordem pública).175 Marinoni menciona que a proteção

171 SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit. p. 146.

172 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 3a Edição. Coimbra: Livraria Almedina, 2006. p. 146.

173 DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. p. 118-119. 174 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. p. 148-149.

estatal pode ocorrer mediante prestações normativas e fáticas.176

Outra relevante característica é ressaltada por Sarlet, a qual deriva da força jurídica objetiva autônoma dos direitos fundamentais, o que a doutrina alemã nomeou de eficácia irradiante. Os direitos fundamentais oferecem estímulos e diretrizes também para a aplicação da legislação infraconstitucional, devendo contagiar todo seu processo de formação e influenciar também a sua hermenêutica.177

Certamente, os direitos fundamentais não podem ser considerados como meros limites do poder estatal, devendo difundir para todo o ordenamento jurídico, norteando e fomentando os atos do Poder Público em todas as suas fases: criação, interpretação e aplicação do direito, bem como no exercício das funções administrativas, legislativas e judiciárias.178

Incumbe ressaltar que a perspectiva objetiva dos direitos fundamentais não ocupa o espaço já alcançado pela sua dimensão subjetiva, não há concorrência entre elas, apenas proporcionam consequências diversas a partir de uma análise doutrinária realizada de diferentes ângulos. Além disso, o olhar objetivo sobre os direitos fundamentais é capaz de produzir novos direitos de natureza jurídica subjetiva.179

3.6. CONTEXTO FÁTICO E A INSUFICIÊNCIA DA PROTEÇÃO UNICAMENTE EM