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Avaliação institucional: promoção da autonomia ou hiperburocracia?: estudo de caso num agrupamento de escolas

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Academic year: 2020

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DECLARAÇÃO Nome: Celso Gabriel Machado Fernandes

Endereço Eletrónico: celsogabriel@gmail.com Telefone: 918157878

Número de Cartão de Cidadão: 11012711

Título da Dissertação: Avaliação institucional: promoção da autonomia ou hiperburocracia? Estudo de caso num agrupamento de escolas

Orientador: Professor Doutor Licínio C. Lima Ano de conclusão: 2018

Designação do Mestrado: Mestrado em Ciências da Educação, área de especialização em Administração Educacional

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO INTEGRAL DESTA DISSERTAÇÃO APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE.

Universidade do Minho, 25 de outubro de 2018 Assinatura:

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Avaliação Institucional: promoção da autonomia ou hiperburocracia? Estudo de caso num agrupamento de escolas.

Resumo

Esta dissertação é o resultado de uma investigação realizada num Agrupamento de Escolas do norte de Portugal. Teve como principais objetivos analisar criticamente os processos de autoavaliação, caracterizar a participação dos atores e órgãos de gestão nesses processos, identificar as representações dos atores escolares face à avaliação institucional e identificar nesta, características democráticas e hiperburocráticas.

Sem descurar o poder interpretativo de outros modelos, imagens e metáforas, esta pesquisa privilegiou um olhar burocrático e anárquico na análise de um processo de avaliação institucional, procurando indagar as alterações organizacionais produzidas após uma avaliação externa, ao mesmo tempo que interpretava o grau de interdependência desta com a autoavaliação.

Esta investigação procurou confrontar e identificar imagens formalistas, racionalistas e mecanicistas, baseadas em regras estabelecidas a priori, respeitando uma codificação generalizada, centralizada e em grande escala, marcadamente hiperburocrática, com mecanismos de subjetividade, ambiguidade, pluralidade, incerteza e existência de plurirracionalidades, efetiva autoavaliação, assente na autonomia individual.

Inscrita num paradigma qualitativo e interpretativo, algo que permitiu interpretar as representações individuais dos diversos atores, este estudo recorreu às técnicas de entrevista e pesquisa documental, nomeadamente: atas, relatórios, documentos organizacionais internos e legislação. Ao privilegiar este paradigma, foi dada primazia às representações complexas e subjetivas dos indivíduos, em detrimento da realidade objetiva e extrínseca de cada um.

Esta investigação permitiu concluir que no agrupamento estudado a imagem da avaliação institucional pressupõe forte conexão, linearidade e causalidade dos objetivos e das técnicas. Baseia-se no cálculo e mensuração dos resultados, na comparação de indicadores, desvalorizando os processos e os resultados mais difíceis de contabilizar, apresentando caraterísticas de hiperburocracia. Dessa forma, favorece a padronização da avaliação e das suas conclusões, sendo uma avaliação orientada para o exterior, em parte motivada pela existência de mecanismos de “quase-mercado”, que, indiretamente, regem a atuação da diretora e dos diferentes órgãos do Agrupamento de Escolas. A avaliação institucional neste agrupamento não goza de autonomia avaliativa, não negociando os referenciais de avaliação, mantendo-se sobredeterminada em função de regras heterónomas, assumindo-os como internos. Desta forma, apresenta-se como uma heteroavaliação e não como uma autoavaliação.

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Institutional evaluation: promotion of autonomy or hyper bureaucracy? Case study in a grouping of schools.

Abstract

This dissertation is the result of an investigation carried out in a Grouping of Schools in the north of Portugal. Its main objectives were to critically analyze the processes of self-evaluation, to typify the participation of the members and management bodies in these processes, to identify the representations of the school members regarding the institutional evaluation and to identify, on this evaluation, democratic and hyper bureaucratic characteristics.

Without neglecting the revealing power of other models, images and metaphors, this research has privileged a bureaucratic and anarchic look at the analysis of an institutional evaluation process, seeking to investigate the organizational changes produced after an external evaluation, while inferring the degree of interdependence with self-assessment.

This research sought to confront and identify formalist, rationalist and mechanistic images, based on pre-established rules, respecting a generalized codification, centralized and in a large-scale, significantly hyper bureaucratic, with mechanisms of subjectivity, ambiguity, plurality, uncertainty and existence of plural rationalities, effective self-assessment, based on individual autonomy.

Inserted in a qualitative and interpretative paradigm, something that allowed to understand the individual representations of the different members, this study used the techniques of interview and documental research, namely: minutes, reports, internal organizational documents and legislation. By favouring this paradigm, the complex and subjective representations of individuals were given priority over the objective and extrinsic reality of each individual.

This research permitted to conclude that in the studied group the image of the institutional evaluation assumes strong connection, linearity and causality of the objectives and the techniques. It is based on the calculation and measurement of the results, on the comparison of indicators, undervaluing the processes and the most difficult results to count, presenting characteristics of hyper bureaucracy. This way, it favors the standardization of the evaluation and its conclusions, being an evaluation oriented to the exterior, partly motivated by the existence of quasi-market mechanisms, which, indirectly, administer the performance of the executive and the different organs of the Grouping of Schools. The institutional evaluation in this group does not benefit from evaluation autonomy, not negotiating the evaluation frameworks, remaining overdetermined according to heteronomous rules, assuming them as internal. Therefore, it is presented as a hetero-evaluation and not as a self-assessment.

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Aos meus filhos, Inês e André, que são, desde sempre, a minha fonte de inspiração. Para eles, a certeza que todos os sonhos são possíveis.

À minha esposa Célia, que comigo partilhou esta aventura, sem nunca me deixar esmorecer, permanecendo ao meu lado, incondicionalmente.

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Agradecimentos

“Pelo sonho é que vamos, comovidos e mudos. Chegamos? Não chegamos? […] Partimos. Vamos. Somos.”

Sebastião da Gama

Este trabalho resulta do desejo de enriquecimento pessoal e profissional, sendo o resultado de três anos de dedicação.

Agradeço, em primeiro lugar, ao orientador desta dissertação, Professor Doutor Licínio C. Lima. Mais que um orientador foi, ao longo de todo o processo, uma voz presente, exigente e motivadora. A serenidade, a confiança, o entusiasmo e a sabedoria que me foi transmitindo foram, e continuam a ser, para mim, uma fonte de inspiração e um enorme privilégio. Agradeço o seu empenho, colaboração e profissionalismo, estando sempre disponível para uma efetiva orientação. Sem a sua ajuda, esta dissertação não seria possível.

Apesar da presença física, a minha família sentiu as minhas “ausências”. À Célia, à Inês e ao André, o meu reconhecimento por compreenderem as renúncias próprias de um trabalho deste tipo: o meu desafio também foi, e é, o deles.

Agradeço à direção do agrupamento de escolas onde se realizou este estudo, em especial à diretora, pela disponibilidade e amabilidade com que sempre me recebeu. A todos os professores que se disponibilizaram e participaram ativamente no processo de recolha de dados.

Agradeço ao meu diretor pela compreensão, estímulo e pelo incentivo constante à realização desta investigação.

Por último, agradeço a todos os meus familiares, amigos e colegas que comigo partilharam esta aventura. A todos os que, de alguma forma, me ajudaram e incentivaram, a certeza que permanecerão no meu álbum de memórias.

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Índice

INTRODUÇÃO... 1

CAPITULO I – Avaliação Institucional no âmbito das políticas neoliberais ... 11

1. Globalização e europeização das políticas educativas ... 13

1.1- “Cultura Educacional Mundial Comum” e “Agenda Globalmente Estruturada para a Educação” 15 1.2- Globalização da Educação no contexto português ... 19

1.3- Processos de “Europeização” da Educação ... 21

2. Reformas educativas em Portugal: da gestão democrática ao “Novo Gerencialismo” e “Nova Gestão Pública” ... 25

2.1- “Normalização” das Políticas Educativas ... 27

2.2- A Democratização das Escolas e a Reforma Educativa ... 29

2.3- Da “Nova Gestão Pública” e “Novo Gerencialismo” à descentralização e modernização ... 31

3. Estado Avaliador, quase-mercados e accountability na educação ... 34

3.1- O “Estado Avaliador”, a Avaliação e o Paradigma da “educação contábil” ... 37

3.2- A Avaliação nos mecanismos de Accountability na Educação ... 38

4. Avaliação Institucional das Escolas ... 40

4.1- O Conceito de Avaliação ... 41

4.2- Avaliação Institucional da Escola: processo interno e externo? ... 42

4.3- Finalidades e funções da Avaliação Institucional da Escola ... 43

4.4- Avaliação externa e interna ou autoavaliação? ... 45

4.5- Práticas de Avaliação de Escolas em Portugal e enquadramento legal ... 47

4.6-Investigação Portuguesa em Avaliação ... 51

4.6.1- Investigação em Avaliação Institucional ... 51

4.6.2- Investigação em Autoavaliação ... 55

4.6.3- Investigação em Avaliação Externa ... 59

CAPITULO II – A Escola como Organização: a Autonomia e a Burocracia na Avaliação Institucional ... 63

1. A Escola como Organização ... 65

2. Modelos de análise das organizações educativas ... 67

2.1- A Escola como burocracia ... 71

2.2- O estudo da Escola como “anarquia organizada” ... 80

2.3- O modo de funcionamento díptico da Escola como organização ... 85

3. “Autonomia praticada” e descentralização ... 89

3.1- Conceito e âmbito da autonomia ... 91

3.2- Enquadramento histórico da “autonomia” na legislação escolar ... 93

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4.1- A “hiperburocracia” na Avaliação Institucional ... 103

5. Avaliação Institucional – construção de um modelo de análise ... 105

CAPITULO III– Estratégias metodológicas – contexto de investigação ... 111

1. Natureza do estudo ... 113

2. Do problema e pergunta de partida aos objetivos e hipóteses de investigação ... 117

2.1 Problema de Investigação ... 117

2.2 Pergunta de partida e objetivos gerais e específicos ... 119

2.3 Hipóteses teóricas ... 120

3. Método de pesquisa: o estudo de caso ... 121

3.1 Técnicas de pesquisa ... 123

3.1.1 – Análise documental ... 124

3.1.2 - Entrevista ... 126

3.1.3 – Tratamento e análise dos dados ... 130

4. O Agrupamento π ... 132

4.1 Contextualização ... 132

4.2 Princípios e “cultura organizacional” do Agrupamento ... 136

4.2.1 – As escolas ... 138

4.2.2 – Os alunos ... 140

4.2.3 – Os professores ... 147

4.2.4 – O pessoal não docente ... 150

CAPITULO IV– Um estudo de caso: conceções e práticas de avaliação institucional: promoção da autonomia ou hiperburocracia? ... 153

1. Traços identitários do agrupamento π ... 155

1.1 Ambiente escolar: liberdade, igualdade e democracia ... 155

1.2 Imagem social do agrupamento ... 160

1.3 Resultados dos alunos, currículo e rankings escolares ... 162

1.4 Agrupamento de Escolas? Ou conjunto de Escolas? ... 168

1.5 A desmobilização dos professores ... 172

2- Avaliação institucional no Agrupamento π ... 177

2.1 Práticas de autoavaliação ou avaliação em piloto automático? ... 177

2.2. Autoavaliação: movimento oscilatório entre EAA e os órgãos de gestão ... 186

2.3. Autoavaliação participada? Ou avaliação por controlo remoto? ... 193

2.4. Autoavaliação com impacto ou amorfa? ... 200

2.5. Autoavaliação e avaliação externa: complementaridade ou seguidismo? ... 203

2.6. Avaliação externa: ameaça ou oportunidade? ... 206

CONCLUSÃO ... 217

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 219

1. Livros e artigos citados ... 233

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Apêndices ... 269

1. Guião de entrevistas ... 271

1.1. Guião de entrevista à diretora ... 271

1.2. Guião de entrevista aos membros da Equipa de Autoavaliação ... 273

1.3. Guião de entrevista aos membros dos órgãos de gestão intermédia ... 275

1.4. Guião de entrevista aos professores ... 277

2. Transcrição das entrevistas ... 279

2.1. Entrevista 1 - Professor coordenador de estabelecimento ... 279

2.2. Entrevista 2 - Membro da Equipa de Autoavaliação ... 291

2.3. Entrevista 3 - Diretora do agrupamento ... 308

2.4. Entrevista 4 - Elemento do Conselho Pedagógico ... 321

2.5. Entrevista 5 - Presidente do Conselho Geral... 332

2.6. Entrevista 6 - Membro de órgão de gestão intermédia ... 349

2.7. Entrevista 7 - Membro do Conselho Pedagógico ... 363

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Índice de Quadros

Quadro 1 - Entrevistas realizadas e perfil dos entrevistados ... 129

Quadro 2 - População do concelho, região e norte de Portugal continental segundo o nível de ensino, em percentagem. ... 136

Quadro 3 - Docentes do agrupamento por grupo disciplinar. ... 147

Índice de Figuras Figura 1 - Tipologia de modelos organizacionais segundo Per-Erik Ellström (2007, p. 456). ... 70

Figura 2 - Modo de funcionamento díptico da escola como organização (Lima, 2003, p. 48). ... 86

Figura 3 - Proposta teórico-conceptual para a análise organizacional da escola (Lima, 2003, p. 57) 87 Figura 4 - Modelo de análise – avaliação institucional. ... 108

Figura 5 - Rede Escolar do concelho a que pertence o agrupamento π. ... 134

Figura 6: Rede escolar pública do concelho π e dos concelhos limítrofes. ... 134

Figura 7: Rede escolar privada do concelho π e dos concelhos limítrofes. ... 135

Figura 8: Alunos do agrupamento por ciclo de ensino. ... 140

Figura 9: Evolução do número de alunos do agrupamento por ciclo de ensino. ... 141

Figura 10: Habilitações dos encarregados de educação por nível de ensino. ... 144

Figura 11: Assiduidade dos alunos no 1.º período do ano letivo 2016/2017. ... 145

Figura 12: Comportamento dos alunos no 1.º período do ano letivo 2016/2017. ... 146

Figura 13: Docentes por ciclo de ensino. ... 148

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xv Índice de Siglas

AI – Avaliação Interna AA - Autoavaliação

AE – Agrupamento de Escolas BCE - Banco Central Europeu BM – Banco Mundial

CAA - Conselho de Acompanhamento e Avaliação CAF - Common Assessment Framework

CEE - Comunidade Económica Europeia CG - Conselho Geral

CP - Conselho Pedagógico

CPCJ – Comissão de Proteção de Crianças e Jovens DGE – Direção-Geral de Educação

EAA- Equipa de Autoavaliação

EFQM - European Foundation for Quality Management FMI – Fundo Monetário Internacional

GTPDAE - Grupo de Trabalho do Projeto de Desenvolvimento e Autonomia das Escolas IGEC- Inspeção-Geral da Educação e Ciência

LBSE – Lei de Bases do Sistema Educativo ME – Ministério da Educação

OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico ONGs - Organizações Não Governamentais

OMC – Organização Mundial do Comércio PAA – Plano Anual de Atividades

PDCA – Projeto de Desenvolvimento do Currículo do Agrupamento RGAA – Regulamento Geral de Avaliação dos Alunos

RI – Regulamento Interno

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Desde meados dos anos oitenta, do século passado, que temos assistido a um aumento do protagonismo da avaliação, assumindo-se como um “dispositivo de regulação dos sistemas de ensino” (Afonso, 2001a, p. 22). Nesta medida, a avaliação institucional, insere-se num “ímpeto avaliador que tem sido impulsionado, entre outros, por factores políticos-ideológicos, educacionais, económicos e culturais” (Afonso, 2010a, p. 343), assente principalmente em processos de avaliação externa e de autoavaliação que são, muitas vezes, “apontados como instrumentos decisivos para a melhoria da qualidade do serviço educativo” (Correia, Fialho, & Sá, 2015a, p. 100). Dessa forma, as organizações educativas são mais responsabilizadas e avaliadas, tendo em conta a sua capacidade para corresponder às exigências da sociedade.

Aliado a esta centralidade da avaliação institucional, as políticas educativas têm hoje uma enorme influência sobre as práticas escolares, sendo generalizada a ideia de que um aumento da autonomia pressupõe um aumento da avaliação, ideia corroborada pelo recente enquadramento normativo da autonomia das escolas. Nesse sentido, a avaliação institucional passou a fazer parte do léxico e do quotidiano dos atores escolares, correlacionando-se com aspetos relacionados com a responsabilização e prestação de contas, assumindo um papel central como garante de qualidade e equidade na distribuição dos recursos da educação.

Corroborando Licínio Lima, quando afirma que, “as modalidades, as regras e os processos de avaliação não se limitam a observar a realidade, mas também intervêm sobre ela, projetam valores e orientações de todo o tipo” (2015, p. 1343), consideramos ser pertinente questionar, interpretar e analisar as implicações que a mesma tem na organização e administração da escola, bem como realizar uma análise crítica sobre conceitos chave, como “autonomia praticada” (Lima, 2006a, p. 12) e “hiperburocracia” (2012a, p. 130).

Este reconhecido protagonismo da avaliação, a sua importância ao nível das políticas educativas, a preponderância que mantém na administração educacional, bem como a possível tensão existente entre autonomia praticada na avaliação e hiperburocracia, fez-nos escolher este tema e realizar o estudo que em seguida apresentamos.

O desejo de efetuar esta investigação, além de ser resultado de interesses pessoais, relacionados com a nossa própria experiência, resulta em larga escala da revisão de literatura específica, permitindo-nos localizar e refletir sobre a centralidade e complexidade da temática. De entre a extensa literatura revista, dois textos de Licínio Lima, (2015) e (2011a), despertaram em nós o desejo de realizar

esta investigação. Nesses textos, o autor questiona a crescente “centralização e hierarquização das decisões” (Lima, 2011a, p. 76), indica algumas hipóteses de estudo, e fundamenta a necessidade de

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investigar a tensão existente entre “autonomia praticada” e “hiperburocratização” (Lima, 2015, p. 1345) num processo de avaliação institucional.

Esta tensão entre autonomia e burocracia no processo de avaliação institucional tem sido questionada por alguns autores de referência. Segundo José Sobrinho, “tudo se relaciona também com duas faces da avaliação: autonomia e heteronomia” (2008, p. 83). Nesse sentido, a autonomia, pode pressupor o exercício e a promoção da liberdade, dentro dos horizontes possíveis, sendo associada à autorregulação. Em sentido antagónico, a heteronomia, pode evocar a regulação externa, assumindo-se como garantia pública e legitimação social. Ainda segundo José Sobrinho, a delimitação débil de limites entre as duas promove o risco de incorrer-se na burocratização e autoritarismo da avaliação, “quando esta se processa como instrumento de regulação formal, que se impõe unilateralmente como norma a ser cumprida acriticamente, sem margem a qualquer exercício criativo da autonomia e da auto-regulação” (2008, p. 83).

Dessa forma, consideramos ser importante estudar a dinâmica existente entre avaliação – autonomia e burocracia, considerando que autonomia e burocracia (e no limite a hiperburocracia) se encontram em faces opostas da avaliação institucional, existindo “strong tensions between a centralised administrative system […] and decentralization of education and the autonomy of schools” (Lima & Afonso, 1995, p. 171).

Considerando que a avaliação institucional está intimamente relacionada com políticas educativas, constatamos que a avaliação dos estabelecimentos de ensino tem assumido um papel fulcral, com o argumento que a mesma promove a melhoria da qualidade do serviço público de educação (Decreto-Lei n.o 137/2012, de 2 de julho, 2012), ou como refere Licínio Lima, “à avaliação virá a ser

conferido o estatuto de fiel da balança, de selo de garantia ou de certificado de qualidade” (1997, p. 55). De acordo com Almerindo Afonso, as políticas educativas que promovem a avaliação são “políticas híbridas” dos “governos de inspiração neoliberal e neoconservadora” (2002, p. 33) que levam o Estado a adotar medidas que têm como objetivo a descentralização, tendo como consequência a avaliação de ações e decisões institucionais. Esta consequente descentralização conduz, frequentemente, à disseminação da ideia do aumento da autonomia das instituições. A este propósito, Almerindo Afonso defende que “a autonomia das escolas públicas, mais retórica do que real, acabou por ser mais um pretexto para a avaliação e responsabilização dos actores educativos” (2007, p. 16 e 17) contribuindo para promover outras representações do papel do Estado, diferentes das funções de bem-estar social.

Dessa forma, o desenvolvimento da avaliação nas políticas do Estado, conduz à emergência do “Estado Avaliador” (Neave, 1988), levando-nos a questionar se este reforço da avaliação institucional não será uma desvalorização da autonomia das escolas, conduzindo a uma maior “formalização dos

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objetivos, dos processos e das formas de organização e gestão das organizações educativas, bem como a alta racionalização, técnico-instrumental, da educação escolar” (Lima, 2015, p. 1342).

Como defende Licínio Lima (2012a, p. 129), tem sido anunciada a queda da burocracia como tipo de organização e o surgimento de organizações pós burocráticas que superam as características analisadas por Max Weber (1978) relativamente às organizações. Apesar deste facto é de salientar que Johan Olsen, um dos autores da “anarquia organizada” (Cohen, March, & Olsen, 1972), num artigo intitulado “talvez seja tempo de redescobrir a burocracia” (Olsen, 2005), observa que uma organização burocrática possui elementos institucionais e não apenas técnicos-instrumentais, instrumentos esses que não lhe conferem maior rigidez. Como refere o autor “what, then, does it mean to ‘rediscover’ bureaucracy? […] public administrations face different challenges, command different resources, and are embedded in different political and administrative traditions” (Olsen, 2005, p. 19, aspas no original). A necessidade de aprofundar o estudo dos mecanismos de burocratização da administração é apontada pelo autor quando refere “much has to be learned about the mechanisms by which public administration approaches the ideal-type bureaucracy” (Olsen, 2005, p. 19).

Com a realização desta investigação pretendemos contribuir, embora de forma preliminar, para esse estudo. Nesse sentido, concordamos com Francisco Ramirez, quando alerta para a formalização dos mecanismos de avaliação das universidades, referindo que “the formal process is now in place in many universities and the formal process creates the impression that all are engaged in a serious, high-stakes assessment” (2013, p. 142). Segundo o autor, a formalização da avaliação leva a que as universidades (e as escolas) “pretend that they are formally similar, and thus, comparable” (2013, p. 147), alertando para a emergência dos rankings. Na opinião de Licínio Lima e Almerindo Afonso a educação, e consequente avaliação institucional, em Portugal continua a ser centralizada, uma vez que “what seems to be happening, under the suggestion of promises of decentralisation and autonomy, is the maintenance of the status quo (centralised) or, even, a more or less subtle movement of re-centralisation of education, which could indicate a hypercentralised/hyperrationalised system with a modernising appearance” (Lima & Afonso, 1995, pp. 170–171).

Situada a um nível meso de abordagem, tentando seguir uma via de análise que permitisse explorar a dialética entre os discursos, as orientações normativas, e as práticas efetivas, esta investigação tem como principal objetivo identificar características democráticas e hiperburocráticas na avaliação institucional do agrupamento de escolas. Ao colocarmos em extremos opostos do processo de avaliação a hiperburocratização e a autonomia pretendemos interpretar criticamente as práticas e as representações dos autores inerentes a todo o processo, assim como, caraterizar a participação dos atores e órgãos de gestão no processo de autoavaliação e avaliação externa.

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Aspeto fulcral no desenvolvimento desta investigação foi orientar a mesma para conseguir compreender o grau de interdependência entre o processo de autoavaliação e de avaliação externa de um agrupamento, bem como analisar as alterações organizacionais produzidas pela avaliação externa e autoavaliação.

Nesse sentido, este trabalho, para além desta introdução e da conclusão, está estruturado em quatro capítulos. O primeiro capítulo, denominado “Avaliação Institucional no âmbito das políticas neoliberais”, incide, num primeiro momento, na análise crítica dos processos hegemónicos de globalização e europeização das políticas educativas, com o objetivo de compreender de que forma é que esses processos influenciaram as políticas educativas e a educação em Portugal. Para melhor se compreender as alterações existentes nas políticas educativas, e no sistema educativo português, realizamos uma pequena resenha das alterações que ocorreram desde a revolução, ocorrida em 25 de abril de 1974, onde as escolas adotaram práticas autogestionárias, até momentos mais recentes em que imperam práticas de gestão que se baseiam na introdução de mecanismos de mercado e na adoção de ferramentas de gestão privada, com o objetivo de solucionar os problemas de eficiência da gestão pública, “novo gerencialismo” (Lima & Afonso, 2002) e “nova gestão pública” (Ferlie, Ashburner, Fitzgerald, & Pettigrew, 1996). Ao longo desse estudo, iremos realçar as mudanças sociais, políticas e culturais amplas, marcadas pela viragem neoconservadora e neoliberal, que conduziram ao surgimento de conceitos fundamentais, como Estado Avaliador (Neave, 1988, 1998), accountability (Afonso, 2009a) e “quase-mercado” (quasi-markets) (Le Grand, 1991).

Após a abordagem destes conceitos fundamentais e intimamente relacionados com a valorização da avaliação institucional, concluímos o primeiro capítulo com a elucidação do conceito de avaliação, em particular de avaliação institucional, de autoavaliação e avaliação externa. Atendendo a que este estudo foi realizado numa escola pública portuguesa, fizemos uma pequena síntese sobre as práticas de avaliação das escolas em Portugal, bem como o seu enquadramento legal. No final do capítulo demos destaque à investigação realizada em Portugal no âmbito da avaliação institucional. Para tal delimitamos as três categorias de avaliação referidas anteriormente.

No segundo capítulo, que designamos, “A Escola como Organização: a Autonomia e a Burocracia na Avaliação Institucional”, assumimos a escola como objeto de estudo. Desse modo, necessitamos de aclarar conhecimentos teóricos, que serviram de “lentes”, possibilitando entender a complexidade da escola enquanto organização. Sem descurar o poder interpretativo de outros modelos, imagens e metáforas, optámos por privilegiar um olhar burocrático e anárquico para a análise de um processo de avaliação institucional. Sustentado no “modo de funcionamento díptico” (1998, p. 163, itálico no original), proposto por Licínio Lima, procuramos construir um díptico assente num referencial

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com dois extremos opostos: num dos extremos a anarquia organizada, representada pela autonomia e no outro a burocracia racional, a heteronomia e a hipótese teórica da existência de hiperburocracia. Segundo esta proposta, todas os processos de avaliação institucional podem ser enquadráveis nesse referencial atendendo à sua contextualização: de um lado a subjetividade, ambiguidade, e efetiva autoavaliação, assente na autonomia individual; do outro a objetividade, heteronomia, heteroavaliação, representados na hipótese teórica da hiperburocracia.

A adoção do modelo burocrático permite ir ao encontro das rotinas que se manifestam no dia-a-dia da escola, enfatizando as relações com a estrutura formal da organização, o legalismo, o formalismo, a hierarquia, o poder, a uniformidade, a impessoalidade e o centralismo. Este modelo acentua o consenso e a clareza dos objetivos organizacionais bem como pressupõe a existência de processos claros e transparentes (Lima, 1998, p. 69). Por outro lado, a adoção deste modelo negligencia a ação dos atores, as margens de autonomia que cada um exerce, a “autonomia relativa” (Lima, 2003, p. 8, itálico no original) que cada um dos atores possui. Ao colocarmos no extremo oposto do díptico o modelo da “anarquia organizada” pretendemos interpretar a possível existência de falta de intencionalidade da ação organizacional (Cohen et al., 1972), correspondendo a uma desarticulação entre o plano das intenções e o plano da ação (Ellström, 2007, p. 453). Com este modelo é nosso objetivo identificar e interpretar ações que questionem a sequencialidade prevista no modelo burocrático e demonstrem que as organizações não são homogéneas, existindo fações em conflito, com pluralidade de ideologias, que tendem a envolver-se em processos de decisão pouco racionais, numa “organização da hipocrisia” (Brunsson, 2006).

Tendo em conta os propósitos desta investigação realizamos uma contextualização teórica do conceito e do âmbito da autonomia, procurando clarificar e contextualizar a existência de “uma (retórica) da autonomia” (Lima, 2004, p. 27, parênteses no original), relativamente à avaliação institucional, em contraciclo com uma “autonomia praticada” (Lima, 2006a, p. 12) ou “autonomia vivida” (Torres, 2011, p. 94, itálico no original). Assente na ideia de que a valorização do conceito de autonomia se deve a razões políticas, nomeadamente ao desejo de descentralização e democratização, mas também razões sociais intrinsecamente ligadas às anteriores, procuramos realizar um enquadramento histórico do conceito na legislação escolar, procurando conexões com a realidade das escolas. Em sentido inverso, num extremo oposto do díptico proposto, a hipótese que muitas das dimensões do “tipo ideal” weberiano têm surgido mais claras e com maior grau de intensidade. Nesse sentido, a racionalidade técnico instrumental; a recusa da subjetividade, dos sentimentos e emoções; a alta racionalização, baseada no funcionário especializado e a hierarquia de cargos (Weber, 1978, 2002, 2012) têm ganho protagonismo,

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constituindo uma hipótese teórica de hiperburocracia (Lima, 2012a), uma burocracia aumentada, assente em novas tecnologias de comunicação.

No final do segundo capítulo, partindo do pressuposto de que a avaliação institucional também se inscreve num quadro teórico que contemple um eixo, onde é possível identificar duas faces: a face A (metaforicamente representada como modelos de ambiguidade) e a face B (interpretada através do modelo burocrático/racional), apresentamos um modelo analítico com vista a caraterizar a avaliação institucional de um agrupamento de escolas em Portugal. Este modelo analítico, tal como referido anteriormente, resultou da conjugação do “modo de funcionamento díptico” (1998, p. 163, itálico no original), proposto por Licínio Lima, com conceitos fundamentais da avaliação institucional que podem ser antagónicos: autonomia vs heteronomia, subjetividade vs objetividade, pluralidade vs singularidade, autoavaliação vs heteroavaliação, entre outros.

No terceiro capítulo, além de apresentarmos o problema, os objetivos e as hipóteses de investigação, sistematizamos o processo metodológico que desenvolvemos, justificando as opções metodológicas que lhe estão subjacentes. Além desta justificação, apresentamos as estratégias de investigação e fundamentamos a escolha do método de pesquisa adotado, estudo de caso, assim como explicitamos as estratégias seguidas no acesso e tratamento da informação. Optamos por um “estudo de caso descritivo” (Yin, 2005, p. 5), privilegiando o discurso dos atores, nomeadamente dos docentes. Iniciamos o trabalho de campo em outubro de 2016, com recurso a entrevistas e pesquisa documental, nomeadamente: atas, relatórios, documentos organizacionais internos e legislação. Ainda neste capítulo fazemos a apresentação do agrupamento onde realizamos o estudo, caraterizando-o a partir dos elementos que consideramos fundamentais para a compreensão do último capítulo. Apesar de não ser nosso propósito estudar a “cultura organizacional” do agrupamento, efetuamos uma breve referência à mesma, bem como aos princípios que estão consagrados nos documentos organizacionais. Assumimos esta referência para melhor se interpretar algumas práticas e perceções dos atores, nomeadamente no seu modus operandi, atendendo a que, de acordo com Leonor Torres (2013, p. 58), os modos de ser e principalmente de fazer da organização, que ultrapassam e estão para além das orientações normativas e estruturais, tendem a constituir-se como modelos de ação, perpetuando-se no tempo, configurando a “cultura organizacional de escola”.

No quarto, e último capítulo, ao mesmo tempo que se apresentam os dados recolhidos com a investigação, procede-se a uma análise, interpretação e discussão dos resultados da pesquisa. A análise efetuada teve como orientação os objetivos traçados anteriormente, bem como as perguntas de partida definidas. Em todos os momentos tentamos, essencialmente, interpretar as perceções, as práticas e o sentido que a cada uma delas é conferido pelos atores. Decorrente do trabalho empírico realizado, da

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categorização e interpretação da informação recolhida, foi possível fazer-se a caraterização do processo de avaliação institucional do agrupamento, em duas dimensões: traços identitários do agrupamento π e avaliação institucional do agrupamento π. Na dimensão “traços identitários do agrupamento π” providenciamos caraterizar aspetos relacionados com o ambiente escolar: liberdade, igualdade e democracia e imagem social do agrupamento. Ainda nesta dimensão tentamos interpretar qual a perceção dos atores acerca dos resultados dos alunos, currículo e rankings escolares, bem como as implicações que a formação do agrupamento teve na organização escolar.

Na dimensão “avaliação institucional no Agrupamento π”, procuramos contribuir para a discussão em torno dos significados atribuídos pelos diversos atores à avaliação institucional, bem como indagar, empiricamente, sobre a possível hiperburocratização da avaliação institucional, num quadro de “autonomia heterogovernada” (Lima, 2009, p. 237). Para tal, organizamos a apresentação e interpretação dos dados em seis tópicos/questões, que são a essência deste trabalho.

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1. Globalização e europeização das políticas educativas

Em pleno século XXI o fenómeno da globalização domina os assuntos económicos e está bem patente em diversas áreas da sociedade.

Segundo David Held e Anthony McGrew (2001) não existe uma definição única e universalmente aceite para globalização. Os referidos autores defendem que a globalização1 “representa uma mudança significativa no alcance espacial da ação e das organizações sociais, que passam para uma escala inter-regional ou intercontinental” (Held & McGrew, 2001, p. 12). David Held (1995, pp. 16– 23) defende ainda que a globalização resulta da emergência de uma economia global que resulta em novas formas de tomada de decisão coletivas, assim como promove o desenvolvimento de instituições intergovernamentais ou supranacionais.

Na atualidade a globalização não se limita à esfera económica, uma vez que interage com o campo social, político e cultural. Na linha de David Held (1995), Boaventura Santos (2001) defende a existência de duas formas de globalização: globalização hegemónica2 e contra-hegemónica. Segundo o

autor a globalização hegemónica assenta numa governação que se baseia num “novo paradigma de

regulação social que veio suplantar o paradigma anteriormente em vigor assente no conflito social e no papel privilegiado do Estado, enquanto ente soberano” (Santos, 2005, p. 7). Dessa forma, este novo paradigma, segundo Boaventura Santos, apresenta-se “como a matriz regulatória do neoliberalismo, entendido como a nova versão do capitalismo de laissez faire” (2005, p. 7, itálico no original), contribuindo para agravar a crise de legitimidade do Estado. Essa crise de legitimidade é acentuada com implementação dos três pilares do neoliberalismo e da globalização neoliberal: “a privatização, a ‘mercantilização’ e a liberalização” (Santos, 2005, p. 13, aspas no original). Nesta perspetiva com o Estado a retirar-se do setor social e da regulação económica, impondo-se a lei do mercado na regulação económica e social, proliferam as organizações da sociedade civil, genericamente designadas por “terceiro setor”, que vêm satisfazer as necessidades a que o mercado não consegue dar resposta nem o Estado está em condições de satisfazer. Dessa forma surgem importantes mudanças políticas: predomínio do privado e do mercado em detrimento do público e do Estado, aumento da descentralização em oposição à centralização tradicional, valorização dos técnicos e não dos políticos (Crozier, Huntington, & Watanuki, 1975).

1 Segundo David Held e Anthony McGrew o “conceito de globalização funciona como um ‘mito necessário’, através do qual os políticos e governos disciplinam seus cidadãos para que eles satisfaçam os requisitos do mercado global” (2001, p. 16, aspas no original).

2 Também designada pelo autor de neoliberal ou Consenso de Washington, na medida em que foi nessa cidade, em meados da década de oitenta, que foi subscrito pelos Estados centrais do sistema munidal (Santos, 2001, p. 33).

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Boaventura Santos (2001) considera que a globalização hegemónica tem como principais intervenientes: o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM), a Organização Mundial do Comércio (OMC), bem como empresas de dimensão multinacional, assim como defende que este tipo de globalização comporta duas formas: localismo globalizado e globalismo localizado. O primeiro consiste no processo através do qual um “determinado fenómeno local é globalizado com sucesso” (Santos, 2001, p. 71), por exemplo a expansão da língua inglesa, globalização do fast food Americano ou da sua música popular. O segundo consiste no “impacto específico de práticas e imperativos transnacionais nas condições locais, as quais são, por essa via, desestruturadas e reestruturadas de modo a responder a esses imperativos transnacionais” (Santos, 2001, p. 71), por exemplo eliminação do comércio de proximidade e criação de zonas francas.

Em contrapondo com a primeira forma de globalização, a globalização contra-hegemónica3 é um movimento político e económico alternativo e solidário que luta contra os efeitos da globalização neoliberal e defende a emancipação social. Rege-se por normas cooperativas e participativas, direcionadas para a autossustentabilidade. Tem como principais intervenientes os movimentos cooperativos e as organizações não-governamentais.

Para Bernard Charlot (2007) a globalização pode ser definida “pela circulação de fluxos e o desenvolvimento correlativo de empresas multinacionais” (2007, p. 132), que se desenvolveram com a globalização e consequente diminuição do papel do Estado. Nesse sentido, o autor defende que a globalização, inicialmente um fenómeno económico, se desenvolveu e se tornou num fenómeno político. Cada vez mais a globalização é tida como um processo multidimensional, onde se podem identificar aspetos culturais, políticos, científicos, sociais, tecnológicos, ecológicos e predominantemente económicos.

Com o emergir da globalização neoliberal a vertente primordial é financeira e económica, levando a uma subserviência do poder económico local e nacional em favor do poder transnacional. Corroborando essa ideia, Michael Apple (2002) defende que “a eficiência e a “ética” da análise de custo-lucro assumem-se como padrões dominantes” (2002, p. 58, aspas no original).

O conceito de glocalização, proposto por Roland Robertson (2000), enquadra a globalização numa nova realidade ampla entre global e local. Nesse sentido, os aspetos globais e locais influenciam-se mutuamente, operando uma globalização local. Segundo o autor existe uma relocalização em vez de uma deslocalização, algo que pode acontecer tanto nas instituições como nas práticas sociais, operando uma recontextualização. Esta glocalização pode acontecer a nível local ou ao nível de um Estado-nação.

3 Boaventura Santos (2001, pp. 72–77) considera duas formas de globalização contra-hegemónica: o cosmopolitismo (organizações feministas e ecológicas, Organizações Não Governamentais (ONG’s), movimentos literários, artísticos e científicos) e o património comum da humanidade (lutas transnacionais de proteção de recursos, entidades, património, …, considerado fundamental para a Humanidade).

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Reconhecendo que os processos hegemónicos de globalização se aplicam principalmente a aspetos económicos, não podemos descurar a importância que assumem no campo educacional. Para melhor se perceber as relações existentes entre educação e globalização, Bernard Charlot (2007, p. 129) distingue claramente quatro fenómenos: o facto de a educação privilegiar uma lógica económica, décadas de sessenta e setenta, na época do Estado Desenvolvimentista, antes da globalização; as novas lógicas socioeconómicas, que vigoraram na década de oitenta, onde se destacavam as “lógicas da qualidade, da eficácia, da territorialização” (Charlot, 2007, p. 129); a própria globalização, integração entre as economias e entre as sociedades de vários países, contando com a influência de organizações como o FMI, OMC e BM e por fim uma quarta fase, “movimento que aceita a abertura mundial, sem por isso concordar com a lógica neoliberal da globalização” (Charlot, 2007, p. 129). Esta última fase iniciou-se nos Fóruns Sociais Mundiais nascidos em Porto Alegre, inclusive o Fórum Mundial de Educação e, de outra forma, pelas Nações Unidas, com o programa Escola Para Todos.

Na perspetiva de Bernard Charlot (2007) a eficácia, a qualidade e a preocupação com a diversidade e com o contexto local reportam, primordialmente à lógica de modernização, apesar de serem recorrentes no neoliberalismo. Assim, considera que as lógicas das empresas são também adotadas pelo próprio Estado, não abdicando este do seu objetivo primordial, o desenvolvimento. Nesse sentido o Estado renuncia à ação económica direta e dá primazia à regulação das normas essenciais à manutenção dos equilíbrios sociais mínimos, dessa forma o Estado regulador4 substituiu o Estado desenvolvimentista. Esta mudança no papel do Estado reflete-se, igualmente, na escola, seja ela pública ou privada. Aliás, o Estado regulador é um conceito dominante quer para a caracterização das políticas pós-modernas, que na opinião de Michael Apple (1999) são tendências para que as escolas se desenvolvam obedecendo às forças de mercado, com propósitos de flexibilização, quer para a consolidação de movimentos de reestruturação escolar baseados na ideia de accountability, algo que abordaremos com maior profundidade neste capítulo.

1.1- “Cultura Educacional Mundial Comum” e “Agenda Globalmente Estruturada para a Educação” A distinção entre “mundialização” e “globalização”, particularmente para a análise do campo educativo, torna-se um imperativo. Esta distinção é desenvolvida no debate promovido por Roger Dale (2004) com os investigadores liderados por John Meyer (1992; 1997) da Universidade de Stanford, em

4 O “Estado regulador” é descrito por Bernard Charlot a partir da ideia de que “o tempo de tudo gerir, controlar, passou. A administração deve impulsionar, animar, dar coerência, contratualizar, avaliar” (1994, p. 47).

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torno da noção de “cultura educacional mundial comum” em contraste com a noção de “agenda globalmente estruturada para a educação”. A primeira proposta teórica que, segundo Almerindo Afonso (2003, p. 41), pode ser designada como a perspetiva dos institucionalistas do sistema mundial (world institutionalists), tenta demonstrar que o desenvolvimento dos sistemas educativos resulta da ocorrência de uma “cultura educacional mundial comum” que se traduz num conjunto de recursos não materiais, partilhados por uma comunidade mundial composta por Estados-nação autónomos que tendem a generalizar modelos estandardizados e a seguir orientações idênticas, com base no que alguns autores apelidam de “isomorfismo educacional” (Meyer et al., 1992). Para Francisco Ramírez e Marc Ventresca (1992) a

“adhesión a los modelos mundiales de escolarización masiva nacional ha producido un isomorfismo ideológico y organizativo. A pesar de las diferencias en muchas características endógenas de las sociedades nacionales, la escolarización masiva se há institucionalizado globalmente” (Ramírez & Ventresca, 1992, p. 135).

A influência de organizações internacionais como a OCDE, aUnesco, o BM entre outras ganha preponderância e torna-se mais determinante “no desenvolvimento dos respectivos sistemas educativos e na disseminação de orientações e categorias organizacionais e curriculares do que os factores internos a cada um dos diferentes Estados-nação” (Afonso, 2003, p. 41). Como argumento principal desta proposta teórica, assente no institucionalismo, resulta a ideia de que as instituições nacionais, bem como o próprio estado, não se desenvolvam autonomamente, sendo antes modelados por um contexto supranacional e por um “efeito de uma ideologia mundial (ocidental) dominante” (Afonso, 2003, p. 41). Esta abordagem de Jonh Meyer e colaboradores defende que “o desenvolvimento dos sistemas educativos nacionais e as categorias curriculares se explicam através de modelos universais de educação, de estado e de sociedade, mais do que através de factores nacionais distintivos” (Dale, 2004, p. 425).

Uma segunda proposta teórica encontra uma explicação mais consistente na hipótese da existência de uma “agenda globalmente estruturada para a educação”5. Almerindo Afonso (2003) refere que:

“Essa perspectiva, entre outros pressupostos, enfatiza a centralidade da economia capitalista no processo de globalização, entende o global como o conjunto de forças económicas que operam supranacional e transnacionalmente, e discute os processos que levam à imposição de prioridades por parte de alguns Estados sobre outros” (Afonso, 2003, p. 41).

5 Esta teoria baseia-se em trabalhos sobre economia política internacional que encaram a mudança da economia mundial como resultado direto da globalização, ao mesmo tempo que “procuram estabelecer o seus efeitos, ainda que intensamente mediados pelo local, sobre os sistemas educativos” (Dale, 2004, p. 425)

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Roger Dale (2004) defende que a principal diferença entre as duas propostas “reside na compreensão da natureza do fenómeno global” (Dale, 2004, p. 436). Prossegue ainda afirmando que essa diferença reside no facto de a “cultura educacional mundial comum” conotar uma sociedade, “ou política, internacional constituída por estados-nação individuais autónomos; o que se pressupõe é essencialmente uma comunidade internacional” (Dale, 2004, p. 426), enquanto a “agenda globalmente estruturada para a educação”, proposta por este autor, implica uma sinergia entre as forças económicas que operam “supra e transnacionalmente para romper, ou ultrapassar, as fronteiras nacionais, ao mesmo tempo que reconstroem as relações entre as nações” (Dale, 2004, p. 426). Nas críticas que faz à “cultura educacional mundial comum”, Roger Dale (2004) afirma que esta manifesta uma aparente neutralidade da prática curricular, uma vez que não contempla na sua análise as relações da educação com as desigualdades sociais, quer a nível nacional ou global. Na sua opinião esta proposta pressupõe uma subordinação do caráter político da educação ao aspeto económico, como se esta dependesse e fosse um reflexo da parte económica. Em contraponto a “agenda globalmente estruturada para a educação”,

“introduz novas concepções sobre a natureza das forças globais e sobre como é que elas operam, e atribui estas transformações à mudança da natureza das forças supranacionais, não estando os valores culturais universais e os guiões imunes às forças da globalização, económica, política e cultural” (Dale, 2004, pp. 454–455).

Roger Dale (2004) salienta a permanência do controlo do Estado, como principal padrão de governação educacional, não desprezando “novas e cada vez mais visíveis formas de desresponsabilização” (Dale, 2004, p. 440), ao mesmo tempo que entende que a educação nacional permanece um assunto “intensamente político” (Dale, 2004, p. 440), cuja agenda depende mais das políticas educativas do que das condicionantes estruturais. Em suma, salienta-se o facto de na perspetiva institucionalista os valores e a ideologia que estão presentes e caraterizam a “cultura educacional mundial comum” são realmente determinantes que se sobrepõem aos aspetos nacionais, desvalorizando, a sua especificidade e contribuição; para a perspetiva da “agenda globalmente estruturada para a educação” o que está em causa é a manutenção do sistema económico capitalista e a posição hegemónica que assumem os Estados mais poderosos, que mesmo assim, não impedem uma análise das particularidades dos processos nacionais nas dinâmicas transnacionais e globais (Afonso, 2003, p. 41).

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Tendo por base as especificidades portuguesas, em contexto europeu, alguns autores propõem o conceito de “globalização de baixa intensidade”6 para apontar para a mediação realizada pelos Estados nacionais na implementação e idealização das respetivas políticas educacionais. A este respeito é importante referir que a educação, ao contrário de outros setores, tem resistido mais ao impacto da globalização (Teodoro, 2001a). Almerindo Afonso (2003) defende que mesmo quando a redefinição do papel do Estado passa pela cedência voluntária de partes da soberania nacional através da influência de instâncias supranacionais7 como acontece com Portugal relativamente à União Europeia, isso “não implica (ou não tem implicado até o momento) homogeneização ou uniformização de políticas e orientações educativas” (Afonso, 2003, p. 42, parênteses no original), daí a utilização do quantificador “baixa intensidade”8 para a globalização, no que à educação diz respeito. Este aspeto leva Stephen Stoer (2002) a defender a utilização do termo “transnacionalização”9 da educação em vez de globalização da educação, atendendo aos “efeitos indirectos que sobre estas [políticas educativas] exercem os grandes projectos estatísticos internacionais, por um lado, e pelas relações entre as organizações internacionais e a formulação das políticas educativas nacionais, por outro” (Stoer, 2002, p. 37).

Para melhor se perceber o alcance da globalização podemos confrontar o grau de influência distinto que a mesma teve em aspetos fundamentais como a economia e a educação. Se por um lado, na política económica as decisões adotadas foram marcadamente de cariz neoliberal (desregulação, desmantelamento do setor empresarial do Estado, privatização, vulnerabilidade dos direitos do trabalho, abertura e fomento do mercado em detrimento do Estado), por outro, na política educativa, as decisões tomadas foram em relativo contraciclo com a referida ideologia neoliberal, indo mais ao encontro de ideais do Estado-providência (Afonso, 1997, 2000).

Em consonância com a ideia defendida anteriormente, Stephen Ball (2001) defende que a construção das políticas nacionais, com origem na globalização, representa uma “unidade articulada” (2001, p. 103) com capacidade de se contextualizar e diferenciar, uma vez que:

“a criação das políticas nacionais é, inevitavelmente, um processo de “bricolagem”; um constante processo de empréstimo e cópia de fragmentos e partes de idéias de outros contextos, de uso e melhoria das abordagens locais já tentadas e testadas, de teorias canibalizadoras, de investigação, de adoção de tendências e modas e,

6 Para Boaventura Santos a “globalização de baixa intensidade tende a dominar em situações em que as trocas são menos desiguais, ou seja, em que as diferenças de poder (entre países, interesses, actores ou práticas por detrás de concepções alternativas de globalização) são pequenas” (2001, p. 93)

7 João Barroso defende que as instâncias supranacionais “não atuam através de um poder soberano (por falta de fundamento e legitimidade democrática), mas sim, através de programas técnicos que sugerem (impõem) diagnósticos, metodologias, práticas, soluções (muitas vezes de maneira uniforme) que acabam por constituir uma espécie de ‘pronto-a-vestir’” (Barroso, 2015, p. 34, parênteses e aspas no original).

8 Para António Teodoro esta metáfora deve ser usada apenas nas políticas de educação nos países centrais ou em alguns países semiperiféricos (como é o caso de Portugal) “com larga margem de intervenção e estabilidade na cena internacional” (Teodoro, 2002, p. 70).

9 Segundo Stephen Stoer (2002) a globalização “implica uma coerência interna que a transnacionalização não tem” (2002, p. 34). Esta relação entre o conceito de transnacionalização e o conceito de globalização é realizada por Luísa Cortesão e Stephen Stoer (2001) no capítulo “Cartografando a transnacionalização do campo educativo: O caso português” no livro “Globalização: Fatalidade ou Utopia?” de Boaventura Santos (2001).

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por vezes, de investimento em tudo aquilo que possa vir a funcionar. A maior parte das políticas são frágeis, produto de acordos, algo que pode ou não funcionar; elas são retrabalhadas, aperfeiçoadas, ensaiadas, crivadas de nuances e moduladas através de complexos processos de influência, produção e disseminação de textos e, em última análise, recriadas nos contextos da prática” (Ball, 2001, p. 102).

Em termos gerais, na perspetiva de Luísa Cortesão e Stephen Stoer (2001, p. 372), a globalização explica-se através de cinco mecanismos: a harmonização (por exemplo promovida pela organização regional do Tratado de Maastricht10), a disseminação (nas atividades de organizações como a OCDE, através, por exemplo, dos seus esforços de definir prioridades), a estandardização (ilustrada na política científica adotada pela UNESCO onde o respeito pelos Direitos Humanos é considerado condição para ser membro da comunidade internacional), a implementação da interdependência (mecanismo identificado em grande medida com as ONGs, por exemplo na utilização de materiais “amigos do ambiente”) e a imposição (presente, por exemplo, nas medidas obrigatórias associadas com os empréstimos para a educação do BM).

Segundo João Barroso (2006) esta regulação das políticas públicas de educação nacionais, sob influência das estruturas supranacionais, é realizada sob a forma de “regras e dos sistemas de financiamento, a execução das políticas nesse domínio […] programas de cooperação, apoio, investigação, e desenvolvimento com origem em diferentes organismos internacionais” (2006, pp. 44– 45) , como é o caso da União Europeia. Nesse sentido o autor defende que se assiste a uma “contaminação” internacional de conceitos, políticas e medidas, que são colocadas em prática à escala mundial, através de sistemas de “adoção” e de “externalização” das políticas nacionais (Barroso, 2006, pp. 45–47).

1.2- Globalização da Educação no contexto português

No contexto português essa influência é diferente consoante o período histórico em causa. Ainda numa época anterior à globalização, nas décadas de cinquenta e sessenta do século passado, o sistema educativo português foi influenciado por várias organizações internacionais11 através de empréstimos e formas de planificar a educação. Nesse sentido é importante clarificar, de forma sucinta, a influência que algumas organizações internacionais exerceram sobre a educação: OCDE, FMI, BM e OMC. As decisões e as ações implementadas por cada uma destas organizações vão de encontro aos

10 O Tratado de Maastricht, também conhecido como Tratado da União Europeia, foi assinado no dia 7 de fevereiro de 1992.

11 A título de exemplo refira-se que em meados dos anos 60 Portugal participou no Projecto Regional do Mediterrâneo, fomentado pela OCDE, que previa o alargamento da escolaridade obrigatória em mais 2 anos a partir de 1965, através de vias de ensino separadas (Teodoro, 2001a, pp. 132–135).

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objetivos e interesses dos países que as financiam, uma vez que, “atrás das organizações internacionais é o poder do capital internacional que funciona”(Charlot, 2007, p. 133).

A influência de cada uma das organizações referidas é exercida em campos e com intensidades diferentes. Apesar de não ter poder de decisão, a OMC arbitra os conflitos, após um acordo assinado (Charlot, 2007, p. 133). A OCDE desempenha um papel fundamental no desenvolvimento dos ideais neoliberais na educação, na medida em que um dos seus principais objetivos é desenvolver e promover a economia de mercado. Centra a sua intervenção no desenvolvimento de ideias e na implementação de programas que as desenvolvam, nomeadamente “’reforma da matemática moderna’, a ideia e a própria expressão de ‘qualidade da educação’, a ideia de ‘economia do saber’, a de ‘formação ao longo de toda a vida’” (Charlot, 2007, p. 133, aspas no original). Em meados da década de oitenta, ressurge a influência da OCDE através do exame às políticas nacionais, defendendo como “prioridade capital da política educativa portuguesa” (Teodoro, 2001a, p. 145).

O FMI exerce uma influência indireta na educação, no entanto essa influência, pode ser preponderante nas políticas e no sistema educativo de um país. O principal objetivo desta instituição é evitar as graves crises económicas, como a de 192912. Para tal empresta dinheiro, a curto prazo, aos países em dificuldades, exigindo em troca um “plano de ajustamento estrutural”13, que visa garantir o pagamento do empréstimo por parte do país ajudado. Nesse “plano de ajustamento estrutural” é frequente existirem cortes em áreas como a saúde e educação, visto que são consideradas áreas sem rentabilidade a curto prazo. Em 17 de Maio de 2011 Portugal assinou com aComissão Europeia, o BCE e o FMI um memorando que previa para a área da educação: “preparar um sistema de monitorização, avaliação e apresentação de resultados para avaliar as políticas de educação e formação” (Portugal, 2011), com o objetivo de reduzir custos e rentabilizar recursos nesta área.

A influência exercida pelo BM assenta em princípios que relacionam a educação (ou falta dela) com a pobreza, na medida que, como afirma Bernard Charlot, o BM “pensa que a qualidade da educação é fundamental para lutar contra a pobreza, mas que não tem e nunca terá dinheiro público suficiente para desenvolver uma educação de qualidade” (Charlot, 2007, p. 133). A sua intervenção em Portugal iniciou-se após a revolução de 25 de abril de 1974, numa época marcada pela crise financeira. Tratando-se de um banco a sua forma de atuação caracteriza-Tratando-se por avaliar os projetos que lhe são submetidos, de acordo com os seus próprios critérios, dando conselhos aos países que pretendem ter projetos financiados. António Teodoro (2001a) refere a presença do BM, através de um programa que, entre

12 A crise de 1929, também chamada de Grande Depressão, foi uma grande depressão econômica a nível mundial que teve início em 1929, e que persistiu ao longo da década de 1930, terminando apenas com a Segunda Guerra Mundial (Cardoso, 2012).

13 No âmbito das ciências económicas, a expressão Ajustamento Estrutural designa um processo de correção da situação económica de um país através de um conjunto de políticas que visam o fim de desequilíbrios económicos graves como sejam a redução do défice externo, do défice público, ou da inflação.

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outros, permitiu o surgimento do ensino superior politécnico, contribuindo assim para uma “respeitável fonte de legitimação” (Teodoro, 2001a, p. 141).

1.3- Processos de “Europeização” da Educação

Após a adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (CEE), em 1986, esta passa a exercer uma influência cada vez mais notória nas políticas educativas, algo que alguns autores apelidam de europeização14 das políticas educativas (Antunes, 2003, 2005). Esta convergência, sem precedentes, de políticas educativas, a nível europeu, é denominada por Roger Dale como um “espaço europeu de educação”15 (2008).

O plano de uma Europa unida iniciou-se no início do século XX16. Com o desenvolvimento do ideal europeu, aumentaram os interesses empresariais e políticos que resultaram na construção do poder do Estado, assente no controlo de fluxos de riqueza, informação e poder. Uma das questões que emerge rapidamente prende-se com a soberania dos Estados. A este propósito Manuel Castells refere:

“El elemento clave en el establecimiento gradual de la legitimidad de la Unión Europea, sin poner en peligro su capacidad de hacer política, es la habilidad de sus instituciones para vincularse con niveles subnacionales de gobierno – regional y local – mediante una extensión deliberada del principio de subsidiariedad, según el cual las instituciones de la Unión sólo se encargan de las decisiones de los niveles inferiores de gobierno, incluidos los estados-nación, no pueden asumir con efectividad” (Castells, 2004a, p. 400).

Também Antony Giddens (2001) destaca a soberania partilhada da União Europeia, onde as decisões são tomadas por instâncias múltiplas:

“O mais importante na EU não é o facto de estar localizada na Europa, é a condição de pioneira de uma fórmula de governação transnacional, uma vez que os estados aderiram […] os países abdicaram voluntariamente de parte da sua soberania” (Giddens, 2001, p. 79).

Embora não comprometida, do ponto de vista formal, com uma política educativa comum, a influência da União Europeia nas políticas educativas faz-se sentir, desde meados dos anos setenta,

14 Fátima Antunes propõe duas etapas e quatro fases no processo de progressiva gestação e consolidação da intervenção política comunitária no campo da educação (Antunes, 2005, pp. 124–129).

15 Roger Dale propõe três fases de desenvolvimento do “espaço europeu de educação” no estabelecimento da “qualidade”, da “soft governance” (o Método Aberto de Coordenação) e da agenda da “Aprendizagem ao Longo da Vida” (2008, p. 13): a primeira, anterior à cimeira de Lisboa (2000); a segunda, entre 2000 e 2005 e a terceira, de 2005 até à atualidade.

16 Em 1949 foi fundado o Conselho da Europa com o objetivo de superar as dificuldades provocadas pela guerra e aproximar as Nações Europeias. Os Estados, com as duas constituições, adotaram formas democráticas de governação, baseados no princípio do direito e da planificação económica.

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como um ator cada vez mais relevante (Lima, Azevedo, & Catani, 2008, p. 9). Segundo Fátima Antunes (2005) essa primeira fase dura até à assinatura do Tratado da União Europeia e pode ser caraterizada pela construção “de entendimentos, orientações e modelos de interpretação de problemas e soluções comuns aos estados-membros, susceptíveis de condensar um referencial global europeu em formação para as políticas educativas nacionais” (Antunes, 2005, p. 126). Essa construção de um discurso europeu na área da educação ganha preponderância ao ponto de existir “une longue liste de documents, qui définissent des orientations au moment même où ils construisent un langage pour parler de l’éducation en Europe” (Nóvoa, 1998, p. 101, itálico no original).

Após a assinatura do Tratado de Maastricht17 ficam instituídas competências específicas da União Europeia na área da educação, apesar de essas competências serem definidas “como complementares, de apoio, encorajamento, contribuição para o desenvolvimento da acção dos estados-membros” (Antunes, 2005, p. 126), ficando estes responsáveis pela organização do sistema educativo. Esta inclusão da educação no Tratado de Maastricht favorece e legitima o aparecimento de diversos programas, a partir de 1994. Assim, assinala-se claramente uma estratégia de racionalização de meios e uma tendência para juntar as ações em dois grandes eixos de intervenção, ou seja, incluem-se as

ações na área da educação no programa “Sócrates”18, enquanto que as ações na área da formação

profissional são incluídas no programa “Leonardo Da Vinci”19. Nesta fase emerge uma orientação política deliberada: o desenvolvimento de uma intervenção nas áreas da educação e formação com destaque para as políticas sociais, investigação e desenvolvimento tecnológico (Antunes, 2005, pp. 126–127).

Os últimos anos da década de noventa são, na opinião de Fátima Antunes (2005), uma nova fase do processo de europeização das políticas educativas e de formação, organizados sob o lema de uma cooperação reforçada, entre os estados-membros da União Europeia, e os candidatos à integração, procurando alargar o âmbito regional envolvido. Com a cimeira de Lisboa em 2000, o Conselho Europeu definiu como objetivo transformar os sistemas de educação e de formação na União Europeia “na economia baseada no conhecimento mais dinâmica e competitiva do mundo, capaz de garantir um crescimento económico sustentável, com mais e melhores empregos, e com maior coesão social” (Conselho Europeu, 2000, p. 2) levando assim, à elaboração de um conjunto de instrumentos de ação pública com o objetivo do cumprimento das diretrizes políticas (Rufino, 2007). Como exemplo desta nova

17 Este tratado foi assinado a 7 de fevereiro de 1993 e prevê no seu artigo 126º que “A União contribuirá para o desenvolvimento de uma educação de qualidade, incentivando a cooperação entre Estados-Membros e, se necessário, apoiando e completando a sua acção, respeitando integralmente a responsabilidade dos Estados-Membros pelo conteúdo do ensino e pela organização do sistema educativo, bem como a sua diversidade cultural e linguística” (Tratado da União Europeia / Tratado de Maastricht de 7 de fevereiro, 1993).

18 O Programa “Sócrates” é uma iniciativa de ação comunitária em matéria de educação que tem, entre outros, o objetivo de reforçar a dimensão europeia na educação a todos os níveis e promover a melhoria quantitativa e qualitativa do conhecimento das línguas da União Europeia, especialmente das menos utilizadas e ensinadas, bem como incentivar a inovação através do desenvolvimento de práticas pedagógicas no domínio das políticas educativas.

19O Programa “Leonardo Da Vinci” tem por objetivo o ensino e aprendizagem de todos os intervenientes no ensino e formação profissionais, excluindo o ensino e formação profissional avançados de nível superior.

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Figura 1 - Tipologia de modelos organizacionais segundo Per-Erik Ellström (2007, p. 456)
Figura 2 - Modo de funcionamento díptico da escola como organização (Lima, 2003, p. 48)
Figura 3 - Proposta teórico-conceptual para a análise organizacional da escola (Lima, 2003, p
Figura 4 - Modelo de análise – avaliação institucional.
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Referências

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