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CAPITULO II – A Escola como Organização: a Autonomia e a Burocracia na Avaliação Institucional

1. Traços identitários do agrupamento π

1.4 Agrupamento de Escolas? Ou conjunto de Escolas?

Tal como referido anteriormente o agrupamento π resulta da agregação, ocorrida em abril de 2013, da escola secundária π com um outro agrupamento de escolas, este último composto por uma escola E. B. 2, 3 e duas escolas E. B. 1, uma das quais com educação pré-escolar. O processo de agregação não era desejado e “tem um pouco a ver ainda com alguma resistência” (E5PCG, p. 12), “a instalação do agrupamento […] foi num tempo muito difícil do funcionamento desta escola” (E8CG, p. 12). O facto de não ter sido um processo desejado e bem-recebido, é referido pela docente que integra a EAA e que acumula o cargo de subdiretora,

“também não dependia de nós. Foi uma normativa que veio de cima e nós é assim, ou agarramos e ficamos, ou vamos embora. Portanto, como decidimos ficar temos que agarrar e abraçar este mega agrupamento que agora é nosso e nós defendemos com unhas e dentes. É o melhor do mundo!” (E2MEAA, p.19).

Assim, o processo de agregação está concretizado apesar de não estar consolidado, na medida que “sendo um casamento forçado um gajo está, logo à partida, contra isso” (E5PCG, p. 12).

A dificuldade em aceitar a formação do agrupamento e consequentemente em adotar práticas de articulação é reconhecida por todos os atores entrevistados. A esse respeito o presidente do CG reconhece que,

“ainda não se conseguiu estabelecer um espírito de colaboração e equipa que o agrupamento, suponho, na sua génese, mereceria. Portanto, está tudo muito agrupado: o secundário, é o secundário, o segundo e o terceiro ciclo, é o segundo e o terceiro ciclo, e o primeiro ciclo é o primeiro ciclo. Parecem realidades distintas” (E5PCG, p. 12).

O facto de o agrupamento ser um mega agrupamento156 (designados pelo ME como “agregações”) é visto, maioritariamente, pelos docentes como um problema, “portanto, a criação do próprio agrupamento, é um ponto fraco” (E7CP, p.15), logo pelo número excessivo de alunos e professores:

“Isto é uma escola que tem muitos professores e muitos alunos. Só este edifício alberga mil seiscentos e tantos. É muito maior que muitos agrupamentos. Nós somos um agrupamento com dois mil e quatrocentos alunos. É muita coisa” (E6P, p. 4 e 5).

156 A rede de escolas públicas Portuguesas, nas últimas duas décadas, foi gerida com base nos pressupostos do Decreto-Lei n.º115-A/98 de 4 de Maio e no atual modelo de gestão previsto no Decreto-Lei n.º75/2008 de 22 de abril, que revogou o anterior e que foi recentemente alterado pelo DL n.º137/2012 de 2 de julho. A Resolução do Conselho de Ministros nº 44/2010, de 14 de junho, estabeleceu como orientação para o reordenamento da rede escolar a racionalização dos agrupamentos de escolas, de modo a promover o desenvolvimento de um PE comum, articulando níveis e ciclos de ensino distintos, desde a educação pré-escolar até ao ensino secundário.

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Esta nova complexidade traduz uma das grandes preocupações dos membros do CG, na medida que “passamos de um conjunto de escolas para um agrupamento assim complexo, nunca se sabe o que vai funcionar bem ou o que é que vai funcionar mal” (E8CG, p. 10).

Em termos gerais “o agrupamento é muito grande” (E2MEAA, p.1), e é assumido que não existe interligação entre os ciclos de ensino, havendo necessidade de aumentar “o aprofundamento das práticas de articulação horizontal e vertical do currículo enquanto área promotora da sequencialidade das aprendizagens e do desempenho dos alunos” (Relatório de avaliação externa, p. 11). Esta falta de sequencialidade, de articulação entre ciclos é assumida pelos docentes que afirmam que “em relação ao agrupamento, deixe-me que lhe diga só uma coisa. Isto não é um agrupamento, isto são quatro grupos. Começa por aí.” (E6P, p. 11). Assim a ideia de criar “um percurso sequencial e articulado e, desse modo, favorecer a transição adequada entre os diferentes níveis e ciclos de ensino” (Decreto-Lei n.o 137/2012, de 2 de julho, 2012, p. 3341), prevista no normativo é contrariada pelo discurso dos

atores, na medida que,

“são quatro grupos: é o básico, que tem os problemas específicos, é o secundário, que é aquele que eu conheço melhor, e depois temos mais duas escolas básicas do primeiro ciclo, essas sim podemos considerar só uma, porque de facto são muito próximas uma da outra, têm o mesmo coordenador e tal, essas de facto funcionam melhor. Mas não é um agrupamento. Ou seja, a ideia de agrupamento, de forma a discutir tudo, é assim, […] estou-me borrifando para o que eles vão discutir sobre o segundo e terceiro ciclo. Essa é uma parte da reunião que nem me interessa e vice-versa. […] É assim, nem eu sei como é que vão fazer que se interessem uns pelos outros, nem eu sei. […] Mas a verdade é um bocado esta, de costas voltadas. A integração, isso não existe. Isto é, são mesmo três grupos e dentro da (disciplina lecionada pelo docente) não temos os do ensino básico do primeiro ciclo, mas temos segundo, terceiro ciclo e secundário. São todos do mesmo departamento, com reuniões comuns que […] têm interesses diferentes” (E6P, p. 11 e 12).

Ainda referente à articulação, ou falta dela, outra docente refere que,

“portanto, isto é uma coisa megalómana, não há possibilidade nenhuma, aliás é uma das coisas do relatório era exatamente a articulação vertical, que não se faz. É claro que não se faz. Não se faz. Pode-se fazer? Claro que pode, se as pessoas tiverem tempo para o fazer” (E7CP, p.15).

O facto de as escolas que constituem o agrupamento π não serem próximas (distam cerca de um quilómetro), é apontado pelos docentes como um entrave ao aprofundamento de relações pessoais e à implementação de práticas pedagógicas colaborativas,

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“é mesmo um ponto fraco. Depois, fisicamente as escolas estarem tão distanciadas, as pessoas não se conhecerem, não haver tempo para essa relação de proximidade, acho que é muito mau. Depois, aconteceu num tempo em que, em termos legislativos, foi uma loucura. As escolas nunca conseguiram encontrar um padrão de trabalho porque as coisas estavam, e estão, constantemente, a mudar. Portanto, nem sequer podemos arranjar métodos de trabalho, porque quando a gente criava um método ele ficava obsoleto no mês seguinte” (E7CP, p.15).

O sentimento generalizado dos docentes, relativamente ao agrupamento, é contrário ao disposto no Decreto-Lei n.º137/2012, de 2 de julho, artigo 6.º, que preconiza a “eficácia e eficiência da gestão dos recursos humanos, pedagógicos e materiais” (Decreto-Lei n.o 137/2012, de 2 de julho, 2012,

p. 3342), como um dos objetivos da constituição dos agrupamentos de escolas. Nesse sentido,

“era uma escola que tinha rotinas instaladas há muitos anos, esta e as outras que fazem parte do agrupamento, tinham rotinas instaladas há muitos anos, testadas e que funcionavam e de repente muda tudo. De repente tínhamos aqui três anos de ensino e passamos a ter os doze, mais a pré-primária. Tudo isto são processos muito complicados que provocaram um abalo muito razoável no modelo de funcionamento nas escolas todas do agrupamento” (E8CG, p. 5 e 6).

O Decreto-Lei 137/2012, de 2 de julho prevê, igualmente, que a agregação de escolas e agrupamentos contribuísse para “racionalizar a gestão dos recursos humanos e materiais das escolas e estabelecimentos de educação pré -escolar que o integram” (Decreto-Lei n.o 137/2012, de 2 de julho,

2012, p. 3341). Este aspeto relacionado com a racionalização da gestão dos agrupamentos não é entendido como uma vantagem, antes é visto como mais um entrave ao bom funcionamento do agrupamento, uma vez que, “eu também não entendo a administração e gestão do agrupamento, ou do mega agrupamento, para mim é tudo muito complicado. Eu sou de outros tempos, que as coisas eram mais simples, mais terra a terra” (E7CP, p.1). O facto de o agrupamento ter sido criado e os recursos ao dispor da diretora não terem sido aumentados é apontado como algo que inibe uma melhoria do mesmo, na medida que,

“foi criado o agrupamento, mas não foram aumentados os recursos. Portanto o que está a acontecer é que é esta escola, com o seu orçamento privativo, que está a resolver o problema das outras. Isso é muito complicado e tem havido aí situações muito complicadas de final de ano, de princípio de ano, que não têm dinheiro, portanto, não é por aí” (E8CG, p. 20).

Em termos de administração e gestão do AE, o facto de ser um mega agrupamento é apontado como um problema acrescido para a diretora na medida em que a figura do diretor, órgão unipessoal, passa a ser “o órgão de administração e gestão do agrupamento de escolas ou escola não agrupada nas

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áreas pedagógica, cultural, administrativa, financeira e patrimonial” (Decreto-Lei no 75/2008, de 22 de

abril, 2008b, p. 2346). Com a agregação, é reconhecido o aumento de trabalho e de responsabilidade para a diretora, conduzindo a uma alteração de prática e mesmo de estratégia “política”, uma vez que “é muito difícil, é muito desgastante e é muito exigente ter uma unidade tão complexa como esta, toda às costas de uma pessoa, porque tende a jogar na defensiva, e essa não era a caraterística desta escola” (E8CG, p. 20). A este respeito é reconhecida essa dificuldade pela subdiretora do agrupamento quando afirma que:

“achamos que fazemos o melhor, mas, de facto, há sempre coisas que ficam por fazer e nem temos a pretensão de achar que fazemos tudo bem, pois não fazemos. Nem temos capacidade para, aliás não é por acaso que nós tínhamos as mesmas pessoas que temos agora a trabalhar na direção com o mega agrupamento. Isso, por si só, começa a descurar algumas coisas” (E2MEAA, p.19).

O papel que a diretora tem desempenhado nesta tentativa de “unir” as quatro escolas que compõem o agrupamento é reconhecido e valorizado pela coordenadora de uma das escolas que o constituem, visto que,

“o facto de sermos um mega agrupamento e termos alguns constrangimentos também se conseguiu, graças à forma de pensar da senhora diretora, conseguiu-se tirar coisas muito positivas daí. A articulação entre, já com secundário, mesmo pelo trabalho colaborativo de colegas que são do secundário e estão aqui connosco e depois recebem os alunos que vão daqui para lá. Quer dizer, com toda esta troca conseguiu-se minimizar o impacto que poderia ser negativo no sentido que passamos a ser muitos e é muita coisa ao mesmo tempo, mas a forma de encarar isso pela senhora diretora e a forma como contorna essas dificuldades acabou por trazer uma vantagem” (E1CE, p. 11 e 12).

A tónica da mudança de práticas e na mudança de paradigma é assumida pelos intervenientes que conseguem ver, ligeiramente, algumas vantagens na criação do mega agrupamento. Apesar dos condicionalismos que referimos anteriormente, por eles assumidos, esta agregação é entendida como uma oportunidade de “até vou ter melhor perceção como me chegam os alunos do terceiro ciclo” (E5PCG, p. 12). Para tal é assumida, pelo presidente do CG, a necessidade de conhecer a realidade de todas as escolas do agrupamento:

“eu acho que essa tem sido uma das minhas grandes preocupações no conselho geral. Ir às escolas primárias, tentar que os colegas que lá estejam, do primeiro e segundo ciclo, até para termos esta perceção, eventualmente aqui deveríamos aproveitar melhor estas diferenças para perceber melhor, como eu acho que tenho percebido, aquilo que nos antecede” (E5PCG, p. 12).

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Estes sinais de mudança, dados pelos intervenientes, tornam-se visíveis em alguns dos depoimentos. De realçar o facto de “inerente de sermos um agrupamento jovem, ainda acho que há trabalho a fazer para haver uma efetiva interligação entre os diferentes níveis de ensino. Acho que aí podemos melhorar” (E4CP, p. 11). Esta alteração da visão negativa em relação ao funcionamento do agrupamento pode ser aprofundada em trabalhos posteriores, após o necessário período de adaptação que todos estão a passar. Nesse sentido salientamos o facto de “algumas resistências ainda a esta nova realidade do agrupamento. Algumas, muito menos agora, mas às vezes esses ainda causam alguns constrangimentos” (E1CE, p. 12).