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CAPITULO II – A Escola como Organização: a Autonomia e a Burocracia na Avaliação Institucional

1. Traços identitários do agrupamento π

1.1 Ambiente escolar: liberdade, igualdade e democracia

Quem chega à sede do agrupamento depara-se com um edifício moderno, recentemente alvo de profunda remodelação, mas que mantém os principais traços da antiga “escola industrial”153.

Esta escola centenária, com o início das aulas de desenho industrial, no dia 14 de janeiro de 1885, introduziu uma relação de permanente complementaridade e parceria da escola com a região, nomeadamente,

“com as atividades económicas, procurando dar resposta, desde o seu início, à ‘falta de preparação do pessoal operário’, uma missão que tem vindo a ser cumprida e renovada ao longo de mais de cento e vinte e cinco anos. Até aos anos setenta, a Escola, identificada com ensino de forte componente prática, com currículos de menor incidência teórica, tinha objetivos claros de profissionalização e de consequente satisfação das necessidades do mercado de trabalho com operários qualificados ou de quadro médios” (PE, p. 3, aspas no original).

153 Foi-nos dito por um professor que a sede do agrupamento ainda hoje é conhecida por “escola industrial”, principalmente pelas pessoas com mais de quarenta anos. Tal deve-se ao facto de esta escola ter sido uma das três primeiras escolas industriais do país, criada por decreto de 20 de dezembro de 1864. Só depois da guerra, e depois de promulgada a reforma de 1948, sendo Ministro da Educação o Eng.º Leite Pinto, se veio a resolver o problema das instalações. As atuais instalações foram construídas no final de 1959, quando nas instalações já não cabiam os mais de dois mil alunos que a procuravam. Os fins da Escola Industrial, como declaradamente se consigna no Art.º 1.º do Decreto que a criou, eram “ministrar o ensino apropriado às Indústrias predominantes” na cidade e seu concelho. De entre as muitas e variadas atividades produtivas que lá se praticavam, avultam três sectores: o da fiação e tecelagem, o das cutelarias e o do curtimento e aparelho de peles.

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Trata-se de uma escola que recentemente sofreu remodelações profundas e apresenta excelentes infraestruturas. Quem entra nas instalações da sede do agrupamento depara-se com dois blocos com traços arquitetónicos diferentes.

Um dos blocos, construído em 1959, mantém os traços originais e é lá que se encontram os principais serviços de gestão (direção, gabinete dos assessores, sala dos diretores de turma) e vários serviços (biblioteca, serviços administrativos). Neste edifício é bem patente a forte tradição industrial da escola, mantendo um elevado espólio de máquinas e utensílios relacionados com essa atividade. Esta é, aliás, uma marca presente em quase todo o edifício escolar.

O outro bloco de aulas, de arquitetura moderna, é constituído por inúmeras salas de aula, onde imperam grandes janelas e portas de vidro, devidamente apetrechadas com material escolar recente. A escola possui auditório, centro de recursos, gabinete para a associação de estudantes, laboratórios de Biologia, Química, Eletricidade/Eletrónica, Matemática, Fotografia, Informática, Design e Mecânica. A escola apresenta ainda serviços de administração escolar, de ação social, de psicologia e orientação, papelaria, bufete, cantina e gabinetes para receber os encarregados de educação.

Quem circula pelos seus amplos corredores é presenteado com exposições permanentes de adereços e utensílios relacionados com a sua vocação industrial. As salas de aulas estão equipadas com computador, projetor e muitas com quadro interativo.

O agrupamento possui duas bibliotecas, uma na escola sede e outra na escola β (escola básica do 2.º e 3.º ciclos). As bibliotecas escolares têm, no agrupamento, um papel fulcral na dinamização de atividades escolares e na realização de atividades lúdicas pelos alunos, de modo que “as bibliotecas escolares são um importante polo aglutinador de saberes transversais e a sua ação desenvolve-se de modo articulado com os departamentos curriculares” (Relatório de avaliação externa, p. 6). Dota-las de condições é uma preocupação para a Diretora do agrupamento,

“nós remodelamos parte da escola β (escola do agrupamento), aqui da biblioteca. Criamos dois espaços: um de computadores e outro para ver filmes. Os miúdos que quiserem, no tempo livre, podem ver um filme. Criamos uma sala de matemática onde os jogos, em vez de estarem arrumadinhos num armário, estão expostos nas mesas” (E3D, p. 7).

A importância atribuída a este espaço de estudo/lazer é igualmente reconhecida na escola sede do agrupamento. Esse reconhecimento e valorização é realçado pelos docentes, na medida em que,

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“nós temos uma das bibliotecas escolares mais frequentadas do país, dizem os dados daqueles inquéritos que fazem, porque, de facto, além de termos um modelo diferente de gestão, temos um empregado dedicado, temos dois até, muito dedicado, que gere aquilo muito bem e aquilo é um espaço onde se sentem à vontade e que os alunos usam para estudar” (E6P, p. 15).

Esta biblioteca, da escola sede do agrupamento, tem um acervo considerável. Disponibiliza livros de caráter didático e lúdico, revistas, jornais, manuais escolares, dossiês temáticos, vídeos, entre outros. Dispondo de uma área considerável, está organizada em diversas zonas, privilegiando espaços informais, com sofás e revistas, e espaços de trabalho com mesas e cadeiras para estudo. Este espaço, além de ser utilizado pelos alunos, é frequentado igualmente pelos docentes do agrupamento, inclusive para a realização de reuniões.

Tal como referido no capítulo III, este agrupamento, e especialmente a escola sede, mantém uma imagem de uma escola “livre” e democrática, onde imperam os princípios da responsabilidade e da responsabilização. Ao analisarmos o projeto educativo, “documento vértice e ponto de referência,

orientador de toda a atividade escolar, baseado na participação de toda a comunidade educativa” (PE, p. 1), verificamos que estas premissas estão patentes logo na sua apresentação:

“o projeto educativo, documento de referência de toda a atividade educativa, deve sustentar a definição dos seus requisitos essenciais do processo de construção, na ação democrática e participada de todos aqueles a quem este documento se destina, recusando o modelo formatado, inspirado na mais diversificada produção legislativa e académica, facilitadoras dos processos estandardizados; recusa a produção elitista do projeto que, por opção organizacional e, não raro, por necessidade de afirmação de liderança, define e impõe uma determinada dimensão de escola, não tendo em conta a totalidade da instituição” (PE, p.1).

Consagrada no projeto educativo, a missão do agrupamento apresenta vários princípios e valores que são definidos em torno de dois eixos: educar para o conhecimento e educar em cidadania. No primeiro eixo, educar para o conhecimento, são definidas as orientações para atingir o conhecimento por parte dos alunos, conhecimento esse que a maioria dos atores defende que seja rigoroso. Assim,

“O desejo das escolas do agrupamento é fornecer aos alunos uma formação académica de rigor, atualizada e diversificada, para o prosseguimento de estudos e para a inserção no mercado de trabalho; Ambiciona-se uma escola de futuro, independente das alterações das conjunturas políticas e ideológicas, que valorize e afirme a identidade de cada um dos seus diferentes espaços escolares, pugnando pela atualização científica, didática e pedagógica para o desenvolvimento pessoal e profissional ao longo da vida” (PE, p. 7).

No segundo eixo, educar em cidadania, em termos formais, elencam-se os valores e os princípios que devem nortear a ação de todos os agentes educativos. Em termos teóricos,

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“o agrupamento de escolas assume-se como um espaço de permanente construção da cidadania, fundado na solidariedade, autonomia, liberdade e tolerância, promovendo hábitos de vida saudáveis e responsáveis, orientados pelos princípios do desenvolvimento sustentável (PE, p. 7).

De referir que um dos objetivos/metas previstas para este segundo eixo pretende que o agrupamento se consiga “afirmar como um espaço de liberdade e de diálogo permanentes entre as várias correntes de pensamento” (PE, p. 10), ao mesmo tempo que é pretendida a “construção da autonomia e desenvolvimento da personalidade [… através do] fomento dos valores humanistas; promoção da socialização” (PE, p. 10).

Este aspeto da cidadania e da democracia de participação é recorrente nos documentos organizacionais do agrupamento. No RI está previsto que os elementos da comunidade educativa possam “participar, de forma ativa e democrática, na vida educacional, social, cívica e organizativa do AE, de acordo com os mecanismos previstos na lei e no respeito pelos papéis dos diferentes membros da comunidade escolar” (RI, p. 1), assim como “expressar, livremente e com correção, as suas opiniões” (RI, p. 1). O RI e o PE não são os únicos documentos organizacionais onde esses valores são apontados. No regulamento geral de avaliação dos alunos é apontada a “vivência democrática, estimulando e valorizando a autoavaliação dos alunos no processo de avaliação” (RGAA, p.2). No RI são apontados como princípios orientadores da administração e gestão do agrupamento π,

“os princípios da liberdade, da igualdade, da participação e da promoção do espírito e das práticas democráticos, no pleno respeito pelas regras da democraticidade e da representatividade dos organismos de administração e gestão do [nome do AE], garantida pela eleição dos representantes da comunidade educativa” (RI, p. 3).

Quando são questionados sobre a democraticidade do agrupamento, e do sistema de ensino em geral, os atores reconhecem que o atual modelo de organização e gestão das escolas limita a democracia. Nesse sentido, “este modelo de gestão, efetivamente afastou a envolvência dos professores na escola, porque o processo não é democrático e como não é democrático os professores passaram a ser funcionários” (E7CP, p.5), levando-os a assumir que “a escola já viveu tempos mais democráticos” (E6P, p. 4). A organização administrativa dos agrupamentos, e deste em particular, é vista como a responsável por esta crise democrática,

“a escola, a escola para mim, durante muito tempo, foi o último bastião da democracia. Deixou de ser quando inventaram os conselhos gerais e o diretor deixou de ser eleito pelo colégio dos pares e passou a ser eleito por um conjunto de vinte ou vinte e uma pessoas. Para mim a democracia da escola acabou aí” (E6P, p. 7).

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Esta “falta de democraticidade acaba por ser aquilo que mais nos preocupa” (E5PCG, p. 17) ao nível da tomada de decisões levou a que o agrupamento adotasse uma estratégia para a fomentar, em sede de CP, conforme confidenciou um dos entrevistados:

“nós temos aliás uma caraterística nesta escola, muito interessante, tem a ver com o regulamento interno. Por exemplo, os membros do conselho pedagógico são, quase todos eleitos, ao contrário do que acontece na maior parte das escolas em que os membros do conselho pedagógico são designados pelo diretor, nós arranjamos aqui uma solução que foi ter muitos departamentos. Portanto, dentro daquela margem que é possível, temos treze departamentos, é largamente a maioria no conselho pedagógico, que são eleitos e isso dá uma democraticidade que já se perdeu em todos os sítios. Aqui conseguiu-se manter” (E8CG, p. 5).

Apesar de todos os constrangimentos apontados, os intervenientes ouvidos continuam a considerar o agrupamento π como um agrupamento onde o espírito e os valores democráticos permanecem, na medida em que,

“acho que ainda há, aqui nesta escola pessoas com memória, memória de uma escola com valor, uma escola que pode ser importante para a formação das pessoas, uma escola democrática, que aceita as pessoas, que seja inclusiva, que valorize. Esses valores, desta escola, se se conseguirem manter e passarem para as restantes pode ser uma mais valia” (E7CP, p. 15).

Nesse sentido, a escola sede, e o agrupamento, mantêm uma imagem de uma escola de pensamento livre, uma escola onde os seus atores são convidados a opinar sobre diversos temas e onde são incentivados a agir com responsabilidade. Conforme refere um dos interlocutores “liberdade com responsabilidade” (E5PCG, p. 10). Esta imagem de liberdade é tida como uma marca a manter, na medida que,

“É evidente que, como a gente sabe, há sempre pessoas que podem abusar, mas há um histórico, antes de vinte e cinco de abril era diferente, mas o doutor (nome de figura reconhecida na região e ex-diretor), o doutor (nome de figura reconhecida na região e ex-diretor) acabaram por deixar, durante os anos todos que estiveram, essa marca de uma escola livre, uma escola em que os seus profissionais têm liberdade e têm essa responsabilidade” (E5PCG, p. 10).

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