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Revista Científica do ISCTAC, Volume 3, Número 7, 2016

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Academic year: 2020

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INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA ALBERTO CHIPANDE

Rua Correia de Brito n˚ 952, Tel. +25823320794

Cidade da Beira - Moçambique

REVISTA CIENTÍFICA DO ISCTAC

Propriedade do ISCTAC

Vol. 03 Ano III, Edição Nº 07, Janeiro - Março de 2016 Registo: Nº 82/GABINFO-DEC/2014

www.isctac.org Email: revistaisctac@isctac.org

DESTAQUES:

Minoritocracia: Conceito Legítimo da Actual Democracia Constitucional

Educação, Racionalidade e Acção

Linguística Forense: Um Desafio Para a Investigação Criminal no Séc.

XXI

Química Forense: Papel e Desafios na Investigação Criminal

África Ocidental: Histórico de Golpes de Estado, Instabilidade Política e

Paz Precária

Nº 07

ISSN: 2519-7207

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Director da Revista Msc. Júlio Taimira Chibemo

jtchibemo@gmail.com Editor da Revista Msc. Emílio J. Zeca emiliojovando@gmail.com Registo Nº 82/GABINFO-DEC/2014 Propriedade:

Instituto Superior de Ciências e Tecnologia Alberto Chipande Rua Correia de Brito, Nº 952

Cidade da Beira - Moçambique revistacientífica@isctac.org

www.isctac.org

REVISTA CIENTÍFICA DO ISCTAC

Volume 03 Número 07 Janeiro - Março de 2016 Ano III

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Ficha Técnica:

Propriedade: ISCTAC

Director: Msc. Júlio Taimira Chibemo Editor: Msc. Emílio J. Zeca

Redacção: Prof. Dr. Rizuane Mubarak,

Prof. Dr. Alexandre Timbana, Msc. José Júlio, Dr. João de Deus, Dr. Nélio Banze, Dra. Iracema Carvalho, Dra. Alfália Roce, Dra. Imerene Matos, Dr. Agostinho Fernando Maluque e Emílio J. Zeca.

Distribuição: ISCTAC Beira, Abril de 2015

REVISTA CIENTÍFICA DO ISCTAC

Vol. 02, Ano II, Edição Nº 07

Vol. 3, Nº 07, Ano II, Janeiro - Março de 2016

ISSN: 2519-7207

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NOTA EDITORIAL

A

Revista Científica do ISCTAC começa o presente ano de 2016 com a publicação de um conjunto de textos de carácter interdisciplinar, tendo como centro das análises as questões relacionadas com a democracia, filosofia da educação, ciências forenses e paz e segurança. Os artigos relacionados com as Ciências Forenses fizeram parte do segundo painel do III Congresso Internacional sobre Criminalística, organizado pelo ISTAC, na Cidade de Maputo, entre os dias 28 e 30 de Outubro de 2015 e que discutiu sobre “a investigação criminal e a legali-dade da prática forense”.

O primeiro artigo desta edição versa sobre a minorito-cracia, enquanto um conceito legítimo da actual democra-cia constitucional e faz um conjunto de análises da utopia da democracia no mundo. Partindo de discussões sobre a democracia grega, o autor faz uma reflexão que culmina com a problematização da democracia moçambicana.

O segundo artigo discute a relação filosófica e episte-mológica entre educação, racionalidade e acção, centran-do-se na questão da qualidade de educação. O autor constata que a qualidade de educação não pode ser medida apenas pelo resultado dos que estão terminando a classe, mas vendo se existe uma correspondência entre os meios, recursos e processos usados para atingir a finalidade previamente definida, e a intervenção positiva dos que ter-minam a sua formação na sociedade e que a educação, enquanto instrumento de transformação do Homem e da sociedade não pode deixar-se oprimida nem ofuscada pelas políticas separatistas; a sua função é de participar na mudança de tudo quanto não contribui para a persecução da felicidade do Homem e do direito a liberdade de expres-são.

O terceiro artigo discute a questão das técnicas de investigação criminal com o auxílio das ciências forenses nos crimes de homicídio, propondo-se fazer uma explanação, de forma objectiva, das técnicas aplicadas nas cenas de crime, no âmbito da investigação criminal, demonstrar a importância da sua utilização no local do crime na oitiva, do autor e das testemunhas e, por fim, apresentar a relevância

Vol. 03, Nº 07, Ano II, Janeiro - Março de 2015

ISSN: 2519-7207

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de realizar esses procedimentos num ambiente (físico) propício para alcançar êxito no objectivo da busca da verdade real.

O quarto artigo versa sobre a questão da linguística forense: um desafio para a investigação criminal no Século XXI. O presente artigo visa discutir teorias linguístico-forenses sob ponto de vista investigativo-criminal e demonstrar algumas intervenções práticas na área forense, uma vez que aplica os conhecimentos da linguística para fins legais. Utilizando o método bibliográfico debateu-se teorias e concluiu-se que esta área tem trazido evidências criminais que ajudam no esclarecimento de crimes e no julgamento final no mundo, pelo que, é necessário introduzir a linguística forense como disciplina nos cursos de direito e de formação policial em Moçambique.

O quinto artigo aborda sobre papel e desafios da química forense na investigação criminal e constata-se que esse campo desempenha um papel fundamental na investigação criminal, com recurso a química analíti-ca e toxicológianalíti-ca. Todavia, o grande desafio da quími-ca forense reside na separação, identifiquími-cação e quanti-ficação dos componentes de misturas complexas de substâncias de natureza tóxicas ou venenosas e desven-dar todos os crimes de natureza química.

O sexto, e último artigo desta edição, discute a questão da história dos golpes de Estado e a situação de paz e segurança na região da África Ocidental. O estudo consta que os golpes de Estado e a instabilidade política na região são questões endémicas e que a paz pode ser classificada como sendo instável, condicional e precária, porque a insegurança é um fenómeno dominante em quase todos os Estados.

Por último, gostaria de reiterar aos nossos leitores e colaborados que continuamos a aguardar dos prezados leitores a vossa estimada colaboração com críticas, sugestões e contribuições positivas e oportunas para a renovação da Revista Científica do ISCTAC.

O Editor Emílio J. Zeca

PhD. Candidate em Estudos Estratégicos Internacionais

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MINORITOCRACIA:

Um Conceito Legítimo da Actual Democracia

Constitucional – Análises da Utopia da

Democra-cia no Mundo

Autor: Rizuane Mubarak - Reitor do ISCTAC PhD em Ciências de Educação: Inovação e Currículo,

rizuanemubarak@isctac.org

No mundo em geral, após o término da guerra - fria, entraram em colapso algumas ideologias que visam

tomar poder mundial, onde destacamos a URSS e EUA, a URSS pregava o Socialismo e os EUA pregavam

o Capitalismo, aliada a ideologias liberais, dentre elas a democracia, a liberdade de expressão entre outros. A

democracia não é um facto político-social recente, ela tem sido objecto de reflexão desde os gregos, pois ela

significa poder do povo (demo = povo e cracia = poder), entretanto, vários pensadores reflectem a democracia

como instrumento de coesão social visando o bem comum. Para Platão na sua obra “A República”, considera

que a democracia é um instrumento governativo aliada a política visando estabelecer um estado de origem

convencional, por sua vez, a democracia na visão de Aristóteles na sua obra “ A Política” é um governo

cor-rupto pois não cria condições de igualdade de oportunidades, para o filósofo grego na democracia todos são

iguais e o povo é soberano, pois peca pelo facto de delimitar as liberdades individuais em prol dos órgãos

deli-berativos pois estes são expressos em uma constituição e não exige competência técnica, a segunda limitação é

o dever de obrigatoriedade na lei. Na visão dos contratualistas, a política deve estar aliada a vontade geral

do povo visando manter o poder constitucional com vista a garantir a coesão social. Hobbes na sua obra

Leviatã

” compreende que o homem esteve no estado natural vestido de carneiro tornando-se lobo do outro

homem razão pela qual o egoísmo que move o homem no estado natural cria luta de todos contra todos.

Como solução hà delegação de poder com vista a evitar o caos social gerando assim o estado civil que se

orienta no contracto social pregado por Rousseau a partir da observação da sua obra inicial a “Origem das

desigualdades sociais” mostrando que o homem é desigual naturalmente e socialmente e para controlar os

vícios há necessidade do contracto social movido por uma relação de interdependência entre o súbdito e o

soberano, por sua vez, na opinião de Montesquieu não basta o contracto social para que haja coesão sócial

mas se é necessário a divisão de poderes (legislativo, executivo e judicial), facto que Ngoenha na sua obra a

“Terceira Questão compreende que é necessário também associar o poder económico”. Diante dessas

aborda-gens será que podemos estar diante de uma democracia visando a liberdade e coesão social? Pois para Sartre

o homem está condenado a ser livre, razão pela qual sempre está sujeito a autoridades e limites da sua

liber-dade. Contrariamente a Sartre Schopenhauer diz que não se deve esperar uma liberdade no mundo e que o

livre - arbítrio é uma utopia. Ele nega categoricamente a existência de livre - arbítrio nas acções humanas, na

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sua obra “Sobre a liberdade da Vontade” ele mostra como todas as nossas acções são determinadas por

moti-vos do mesmo modo como no mundo físico e o efeito é determinado pela causa. Ao longo da história evoluiu

vários tipos de governos que seguiam a linha de abordagem de Maquiavel “O Princípio” o fim justifica os

meios, facto que fez emergir governos ditatoriais. Aliada a estas abordagens, é legítimo questionar se em

Moçambique temos a democracia? Em termos legais e constitucionais não é de questionar a presença de

democracia pois passamos de um contexto de mono partidarismo para o multipartidarismo, facto que hoje

não deve ser objecto de analise em termos da democracia. O que se pretende actualmente é de ver a presença

de uma democracia participativa para construção de cidadania tal como Popper escreve na sua obra “A

Sociedade aberta”. Assim como as velhas democracias como a grega, nos faz entender que é acompanhada

por uma evolução que só chega a nos no segundo estágio, onde logo a prior tivemos a presença de democracia

directa, momento em que a população participava em termos de decisão de forma directa, passando neste

estágio, temos a democracia representativa onde a minoria é obrigada a representar interesses da maioria,

pois na nossa realidade não se percebe se realmente estamos perante uma representatividade ou perante um

veículo para objectivos individuais, de que poder de povo se pode referir hoje? Um dos preceitos da

democra-cia representativa é de consulta pública, se em Moçambique os nossos representantes não fazem consultas, de

que instrumento usam para decidir sobre alguns aspectos da nação? A democracia, para Norberto Bobbio,

caracteriza-se pela constituição pactuada de um conjunto de regras fundamentais que estabelecem quem está

autorizado a tomar decisões colectivas e com quais procedimentos. Tais regras são universais processuais.

Portanto é necessário compreender que a democracia moçambicana é uma abordagem mais teórica e em

ter-mos práticos leva-nos a questionar a legalidade pragmática da mesma. Para Ngoenha (2015), a nossa

demo-cracia é de poucos e esses poucos são os que tem posse económica.

1.1. Debate em Torno Da Democracia

nos Países Democráticos

N

a primeira metade do século XX, o debate centrou-se em torno da democracia (Weber, 1919; Sch-mitt, 1926; Kelsen, 1929; Michels, 1949; Schumpeter, 1942). Se, por um lado, tal debate foi resolvido em favor do desejo da democracia como forma de governo, por outro lado, a proposta que se tornou hege-mónica no final das duas guerras mundiais implicou uma restrição das formas de partici-pação e soberania ampliadas em favor de um consenso em torno de um procedimento eleitoral para a formação de governos (Schumpeter, 1942). Essa foi a forma hege-mónica de prática da democracia no pós-guerra, em particular nos países que se torna-ram democráticos após a segunda onda de democratização.

No período pós segunda guerra mundial,

debate acerca das condições estruturais da democracia foi também um debate sobre a compatibilidade ou incompatibilidade entre a democracia e o capitalismo (Wood, 1996). Barrington Moore inaugurou esse debate nos anos 1960 através da introdução de uma tipologia de acordo com a qual se poderia indicar os países com propensão democráti-ca e os países sem propensão democrátidemocráti-ca. Para Moore, um conjunto de característi-cas estruturais explicariam a baixa densidade democrática na segunda metade do Século XX: o papel do Estado no processo de modernização e sua relação com as classes agrárias; a relação entre os sectores agrários e os sectores urbanos e o nível de ruptura provocado pelo campesinato ao longo do processo de modernização (Moore, 1966). O objectivo de Moore era explicar por que a maior parte dos países não eram democráti-cos nem poderiam vir a sê-lo senão pela mudança das condições que neles

prevale-Vol. 03, Nº 07, Ano II, Janeiro - Março de 2016

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ciam.

A discussão democrática da última década do século XX mudou os termos do debate democrático do pós-guerra. Pare-cem pouco actuais as perspectivas sobre a democracia da segunda metade do Século XX, com as suas discussões sobre os impedi-mentos estruturais da democracia, na medi-da em que passamos a ter muitas dezenas de países em processo de democratização, que incluem maioritariamente ases africanos, países esses com enormes variações no papel do campesinato e nos seus respectivos processos de urbanização. Amartya Sem, na sua obra liberdade como desenvolvimento, é um dos que celebra a perda de credibili-dade da ideia das condições estruturais quando afirma que a questão não é a de saber se um dado país está preparado para a democracia, mas antes partir da ideia que qualquer país se prepara através da demo-cracia (Sen, 1999, p. 4).

Os principais elementos dessa concep-ção seriam a tão apontada contradiconcep-ção entre mobilização e institucionalização (Huntington, 1969; Germani, 1971); a valoriza-ção positiva da apatia política (Downs, 1956), uma ideia muito salientada por Schumpeter para quem o cidadão comum não tinha capacidade ou interesse político senão para escolher os líderes a quem incumbiria tomar as decisões (1942: 269); a concentração do debate democrático na questão dos desenhos eleitorais das demo-cracias (Lijphart, 1984).

A experiencia de muitos países em volta da democracia consiste no multipartidaris-mo, onde o tratamento do pluralismo como forma de incorporação partidária e disputa entre as elites (Dahl, 1956; 1971) e a solução minimalista ao problema da participação pela via da discussão das escalas e da com-plexidade (Bobbio, 1986; Dahl, 1991). Todos esses elementos que poderiam ser aponta-dos como constituintes de uma concepção hegemónica da democracia não conse-guem enfrentar adequadamente o proble-ma da qualidade da democracia que voltou à superfície com a chamada “terceira onda de democratização”.

Quanto mais se insiste na fórmula clássi-ca da democracia de baixa intensidade,

menos se consegue explicar o paradoxo de a extensão da democracia ter trazido consi-go uma enorme degradação das práticas democráticas. Alias, a expansão global da democracia liberal coincidiu com uma crise grave desta nos países centrais onde mais se tinha consolidado, uma crise que ficou conhecida como a dupla patologia: a pato-logia da participação, sobretudo em vista do aumento dramático do abstencionismo; e a patologia da representação, o facto dos cidadãos se considerarem cada vez menos representados por aqueles que elegeram. Ao mesmo tempo, o fim da guerra fria e a inten-sificação dos processos de globalização implicaram uma reavaliação do problema da homogeneidade da prática democráti-ca.

A variação na prática democrática é vista com maior interesse no debate demo-crático actual rompendo com as adjectiva-ções próprias do debate político do período da guerra fria - democracias populares ver-sus democracias liberais. O processo de glo-balização suscita uma nova ênfase na democracia local e nas variações da forma democrática no interior do Estado nacional, permitindo a recuperação de tradições par-ticipativas.

1.2. A Democracia e a Hegemonia

no Século XX.

O debate democrático da primeira metade do século XX foi marcado pelo enfrentamento entre duas concepções de mundo e sua relação com o processo de modernização do Ocidente. De um lado, a concepção que Macpherson concebeu de liberal-democracia e de outro uma concep-ção marxista de democracia que entendia a autodeterminação no mundo do trabalho como o centro do processo de exercício da soberania por parte de cidadãos entendidos como indivíduos-produtores (Pateman, 1970). Diante desta realidade, surgiram as con-cepções hegemónicas no interior da teoria democrática que passaram a vigorar na segunda metade do século XX. Essas con-cepções estão relacionadas com a resposta dada a três questões: a da relação entre

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procedimento e forma; a do papel da buro-cracia na vida democrática; e a inevitabili-dade da representação nas democracias de grande escala. Permitam-nos examinar em detalhes cada uma dessas respostas.

A questão da democracia como forma e não como substância foi a resposta dada pela teoria democrática hegemónica às crí-ticas feitas pela teoria marxista à democra-cia (Marx, 1871; Lenin, 1917). Hans Kelsen, jurisfilosofo, formulou essa questão em termos neo-kantianos ainda na primeira metade do século XX. Para ele, o central era criticar a ideia de que a democracia poderia corres-ponder um conjunto preciso de valores e uma forma única de organização política:

Quem considera inacessíveis ao conheci-mento humano a verdade absoluta e os valores absolutos deve considerar possível não apenas a própria opinião, mas tam-bém a opinião alheia. Por isso, o relativis-mo é a concepção do mundo suposta pela ideia de democracia; e a democra-cia dá a cada convicção política a mes-ma possibilidade de exprimir-se e de bus-car o ânimo dos homens através da livre concorrência. Por isso, o procedimento dialéctico adoptado pela assembleia popular ou pelo parlamento na criação de normas, procedimento esse que se desenvolve através de discursos e répli-cas, foi oportunamente conhecido como democrático (Kelsen, 1929, p.104-6). Na sua primeira formulação, o procedi-mento kelsiano tentou articular relativismo moral com métodos para solução de diver-gências, métodos que passavam pelo parla-mento, assim como por formas mais directas de expressão (Kelsen, 1929, p. 142). Para Bob-bio, Na medida em que as sociedades pas-saram de uma economia familiar para uma economia de mercado, de uma economia de mercado para uma economia protegida, regulada e planificada, aumentaram os pro-blemas políticos que requerem competên-cias técnicas.

Tecnocracia e democracia são antitéti-cas: se o protagonista da sociedade indus-trial é o especialista, impossível que venha a ser o cidadão comum, (Bobbio, 1986: 33-34). Ou seja, Bobbio radicaliza o argumento weberiano ao afirmar que o cidadão, ao fazer a opção pela sociedade de consumo

de massas e pelo Estado de bem-estar social, sabe que está a abrir mão do controle sobre as actividades políticas e económicas por ele exercidas em favor de burocracias priva-das e públicas.

No entanto, uma questão não parece resolvida pelos teóricos que argumentam pela substituição dos mecanismos de exercí-cio da soberania por parte dos cidadãos pelo aumento do controle da burocracia sobre a política. Trata-se do cepticismo sobre a capacidade das formas burocráticas de gestão de lidarem com a criatividade e de absorverem o conjunto das informações envolvidas na gestão pública (Domingues, 1997; Fung e Wright, 2002).

As formas burocráticas descritas por Weber e Bobbio são monocráticas na forma como gerem o pessoal administrativo e na forma como advogam uma solução homo-geneizante para cada problema enfrentado em cada jurisdição. Ou seja, a concepção tradicional de gestão burocrática advoga uma solução homogénea para cada proble-ma, a cada nível da gestão administrativa, no interior de uma jurisdição administrativa. No entanto, os problemas administrativos exi-gem cada vez mais soluções plurais, nas quais a coordenação de grupos distintos e soluções diferentes ocorrem no interior de uma mesma jurisdição (Sabel e Zeitlin, 1997).

O conhecimento detido pelos actores sociais passa, assim, a ser um elemento cen-tral não apropriável pelas burocracias para a solução de problemas de gestão. Ao mesmo tempo, torna-se cada vez mais claro que as burocracias centralizadas não têm condição de agregar ou lidar com o conjunto das infor-mações necessárias para a execução de políticas complexas nas áreas sociais, ambiental ou cultural (Sabel e Karrkainen, 2000).

O terceiro elemento que faz parte da concepção hegemónica da democracia que é a percepção de que a representativi-dade constitui a única solução possível nas democracias de grande escala para o pro-blema da autorização. Robert foi, entre os autores do pós-guerra, o que defendeu essa posição com maior ênfase. Para ele, Quanto menor for uma unidade democrática, maior será o potencial para a participação cidadã

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e menor será a necessidade para os cida-dãos de delegar as decisões de governo para os seus representantes. Quanto maior for a unidade, maior será a capacidade para lidar com problemas relevantes para os cidadãos e maior será a necessidade dos cidadãos de delegar decisões para os seus representantes (Dahl, 1998, p.110).

1.3. As Concepções Contra

Hegemo-nias da Democracia no Século XX

As políticas hegemónicas com o fim das grandes guerras mundiais, não assistiram apenas à formação e à consolidação do elitismo democrático. Ao largo da formação de uma concepção hegemónica da demo-cracia enquanto prática restrita de legitima-ção de governos, surgiu também, no período do pós-guerra, um conjunto de concepções alternativas que poderíamos denominar de contra-hegemónicas. A maioria destas con-cepções não rompeu com o procedimenta-lismo kelseniano, mantiveram a resposta pro-cedimental ao problema da democracia, vinculando procedimento como forma de vida e entendendo a democracia como for-ma de aperfeiçoamento da convivência humana.

De acordo com essa concepção, que pode ser encontrada na obra de autores como Lefort, Castoriadis e Habermas, nos países do Norte, (Lefort, 1986; Castoriadis, 1986; Habermas, 1984; Habermas, 1995) e Lechner, Nun e Bóron nos países do Sul (Lechner, 1988; Bóron, 1994; Nun, 2000), a democracia é uma gramática de organiza-ção da sociedade e da relaorganiza-ção entre o Esta-do e a sociedade:

A democracia revela, assim, a socieda-de histórica, por excelência, a sociedasocieda-de que por sua forma acolhe e preserva a inde-terminação em contraste notável com o totalitarismo que, edificando-se sob o signo da criação do novo homem, na realidade agencia-se contra essa indeterminação (Lefort, 1986: 31).

É possível, portanto, perceber que a preocupação que está na origem das con-cepções não hegemónicas de democracia é a mesma que está na origem da

concep-ção hegemónica mas que recebe uma res-posta diferente. Trata-se de negar as con-cepções substantivas de razão e as formas homogeneizadoras de organização da sociedade, reconhecendo a pluralidade humana. No entanto, o reconhecimento da pluralidade humana dá-se não apenas a partir da suspensão da ideia de bem comum, tal como propõem Schumpeter, Downs e Bobbio, mas a partir de dois critérios distintos:

A ênfase na criação de uma nova gramáti-ca social e cultural e o entendimento da inovação social articulada com a inova-ção institucional; Desenvolvemos seguida-mente ambos os aspectos.

O problema da democracia nas concep-ções não hegemónicas está estreitamente ligado ao reconhecimento de que a demo-cracia não constitui um mero acidente ou uma simples obra de engenharia institucional. A democracia constitui uma nova gramática histórica. Não se trata nesse caso, como em Barrington Moore, de pensar as determinações estruturais para a constituição dessa nova gra-mática. Trata-se, sim, de perceber que a democracia é uma forma sócio-histórica e que tais formas não são determinadas por quaisquer tipos de leis naturais.

A democracia, neste sentido, implica sempre ruptura com tradições estabelecidas e, portanto, a tentativa de instituição de novas determinações, novas normas e novas leis. Pensar a democracia como ruptura posi-tiva na trajectória de uma sociedade implica abordar os elementos culturais dessa mesma sociedade. Neste âmbito, abre-se aqui o espaço para discutir o procedimentalismo e as suas dimensões societárias. No interior das teorias contra-hegemónicas, Jürgen Haber-mas foi o autor que abriu o espaço para que o procedimentalismo passasse a ser pensado como prática societária e não como méto-do de constituição de governos.

1.4. Democracia Participativa no

Sul no Século XXI

A reinvenção de democracia participati-va nos países do Sul está intimamente ligada

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aos processos recentes de democratização pelos quais passaram estes países. Estamos tratando, portanto, de países que, dentro da lógica hegemónica da pós-segunda guerra mundial, não estiveram no chamado campo democrático. Apesar de a segunda guerra mundial ter terminado com a derrota do fas-cismo, esse sistema de governo continuou predominando no Sul da Europa até os anos 1970, nomeadamente em Portugal, onde vigorou durante 48 anos. Até 1975, Moçambi-que viveu sob o jugo colonial e a África do Sul, até ao final da década de 1980, sob o regime do apartheid.

Países como Brasil e Colômbia são paí-ses que estiveram, ainda que muito ambi-guamente, por algum tempo no campo democrático: o Brasil, alternando períodos autoritários e períodos democráticos até 1985 e a Colômbia, vivendo, desde os anos 1960, uma democracia truncada por sucessi-vos estados de emergência e pela guerra civil.

Em todos os casos, juntamente com a ampliação da democracia ou sua restaura-ção houve também um processo de redefini-ção do seu significado cultural ou da gramá-tica societária vigente. Assim, todos os casos de democracia participativa estudados se iniciam com uma tentativa de disputa pelo significado de determinadas práticas políti-cas, por uma tentativa de ampliação da gramática social e de incorporação de novos actores ou de novos temas na política. Para Buhlungu, cada movimento eman-cipatório "inspira uma visão de liberdade ou de liberação que contém, por sua vez, a pro-messa de uma forma de democracia partici-pativa e inclusiva". No caso de Moçambique a institucionalização da democracia liberal ocorreu nos escombros de uma experiência revolucionária dominada pelos ideais de par-ticipação, ainda que, na prática, muitas vezes são confrontados pelo autoritarismo revolucionário e pela dominação.

Assim, um traço comum aos movimentos pós-coloniais é a importância da democra-cia participativa. Ela é importante, porque como nos diz Castoriadis, ela cria uma nor-matividade pós-colonial imaginária na qual a democracia enquanto um projecto de inclu-são social e de inovação cultural se coloca

como tentativa de instituição de uma nova soberania democrática.

Em volta da democracia participativa e democracia representativa. A solução dada pela teoria hegemónica da democracia ao problema da relação entre democracia representativa e democracia participativa - a solução das escalas - não é uma solução adequada. As experiências estudadas neste projecto oferecem uma resposta alternativa ao problema democrático. Elas mostram que a capacidade de lidar com a complexidade cultural e administrativa não aumenta com o aumento das escalas. E mostram, sobretudo, que existe um processo de pluralização cul-tural e de reconhecimento de novas identi-dades que tem como consequência profun-das redefinições da prática democrática, redefinições essas que estão além do proces-so agregativo próprio à democracia repre-sentativa.

A democracia representativa a nível nacional (domínio exclusivo a nível da consti-tuição de governos; a aceitação da forma vertical burocrática como forma exclusiva da administração pública) coexiste com a democracia participativa a nível local, acen-tuando determinadas características partici-pativas já existentes em algumas democra-cias dos países centrais (Mansbridge, 1990).

1.5. Fundamentos da Democracia

Participativa

A democracia participativa é abordada diante de três ditames como o fortalecimen-to da demodiversidade. Nesta abordagem, implica reconhecer que não existe nenhum motivo para a democracia assumir uma só forma. Pelo contrário, o multiculturalismo e as experiências recentes de participação apon-tam no sentido da deliberação pública ampliada e para o adensamento da partici-pação; o fortalecimento da articulação con-tra-hegemónica entre o local e o global. Neste contexto, experiências democráticas precisam do apoio de actores democráticos transnacionais nos casos em que a democra-cia é fraca entretanto, a passagem do con-tra-hegemónico do plano local para o glo-bal é fundamental para o fortalecimento da

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democracia participativa; e a ampliação do experimentalismo democrático, neste aspec-to, é necessário para a pluralização cultural, racial, e distributiva da democracia que se multipliquem experiências em todas estas direcções.

1.5.1. Democracia Grega: Democracia e Cidadania: Da Grécia Antiga à Atualidade

A Grécia é apontada como mentora da democracia, o nascimento da democracia, por volta do século VI a.C., foi caracterizado por profundas transformações políticas, sociais e económicas que criaram expectati-vas para o melhoramento da qualidade de vida da população e uma maior participa-ção dos cidadãos na vida política. A demo-cracia originada na Grécia clássica serviu como alicerce para o atual estatuto demo-crático, que, assim como seu antecessor, tem como princípio básico a igualdade de todos perante a lei.

O termo “democracia” que utilizamos hoje para definir o tipo de governo do nosso país, tem sua origem na Antiguidade, mais precisamente na cidade de Atenas, na Gré-cia Antiga e significa (demo = povo e kraGré-cia = governo), ou seja, “governo do povo”. No entanto, o conceito de democracia dos anti-gos greanti-gos não é o mesmo que se tem nos dias contemporâneos, pois, a democracia ateniense não atendia às necessidades que hoje são consideradas como basilares no processo democrático.

O regime democrático amplia o direito à participação na vida política a todos os cidadãos de uma nação. O termo “cidadão” é oriundo da palavra “cidadania” do latim “civitas” (cidade) que significa um conjunto de direitos dados a uma pessoa que lhe permite participar da vida e do governo de seu povo. Contudo, a expressão “cidadania”, assim como a democracia, tem seu significado actual diverso daquele utiliza-do em Atenas. Antes, a cidadania grega era compreendida apenas por direitos políticos, hoje, define-se pelo exercício de vários outros direitos que dão ao ser humano a possibilida-de possibilida-de uma vida digna, como por exemplo, o direito à saúde, à liberdade, à segurança, à educação etc.

1.5.2. O Surgimento da Democracia Ate-niense

Anterior ao século VI a.C., Atenas era administrada por um regime monárquico, porém, uma série de conflitos possibilitou à tomada do poder pelos grandes latifundiá-rios (aristocratas). A aristocracia ligeiramente evolveu para uma oligarquia, pois, os ricos comerciantes também passaram a fazer par-te do governo, o que provocou uma enorme instabilidade social. Na tentativa de atenuar os problemas sociais e aspirando por mudan-ças para que também pudessem participar das decisões políticas, uma classe de novos proprietários de terras e de grandes riquezas, acumuladas a partir do crescimento do comércio marítimo na zona do Mediterrâneo e que não faziam parte da nobreza, rompe-ram o domínio aristocrático e instituírompe-ram um novo poder: a tirania. Contudo, as dificulda-des sociais não se amenizaram.

Por volta de 621 a.C., Drácon, um dos membros das assembleias aristocráticas, recebeu poderes dos atenienses para criar um código de leis escritas - até então eram apenas orais - com a finalidade de por fim nos conflitos sociais. No entanto, essas leis eram insuficientes, pois não contemplavam os problemas sociais e económicos. Em 594 a.C., por ser um grande conhecedor das leis, Sólon (638 a.C. – 558 a.C.) - jurista e poeta grego – foi convocado como novo legislador e iniciou uma série de reformas nas estruturas económica, social e política da cidade ate-niense, porém, não obteve grandes resulta-dos com suas inovações.

Em 508 a.C., Clístenes (565 a.C. - 492 a.C.) realizou uma profunda transformação política que proporcionou aos gregos, inde-pendentemente de sua renda, o direito ao voto e ocupação dos mais diversos cargos, dando início ao regime democrático, no qual todos os cidadãos tornaram-se integran-tes da Eclésia (Assembleia Popular). Por fim, a democracia é solidificada por Péricles (495/492 a.C. - 429 a.C), após constituir, defi-nitivamente, as condições que viabilizaram a participação dos cidadãos no governo da cidade e, por fim, contribuíram com a melhoria substancial da qualidade de vida, tanto para os que viviam nos campos

quan-Vol. 03, Nº 07, Ano II, Janeiro - Março de 2016

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to para os integrantes da polis.

1.5.3. A cidadania na Grécia Clássica

A democracia grega era restrita a pou-cos, apenas os homens nascidos de pais e mães atenienses, adultos, livres e cumprido-res de suas obrigações militacumprido-res eram consi-derados cidadãos. As mulheres eram inferiori-zadas, não sendo consideradas cidadãs, apenas exerciam papéis secundários como o trabalho doméstico e a educação das crianças. As crianças eram consideradas demasiadamente jovens para exercerem a cidadania, sendo, portanto, cidadãs incom-pletas.

Os anciãos, por sua vez, eram dispensa-dos das suas funções cívicas, ou seja, eram cidadãos aposentados. Os estrangeiros, ape-sar de habitarem na cidade (polis) e usufruí-rem alguns benefícios, não eram considera-dos cidadãos. Da mesma forma, os escravos também não eram incluídos no conceito de cidadão. Podemos verificar essa distinção entre os antigos habitantes atenienses nas palavras de Aristóteles quando refere que:

Deixando de parte os que se tornam políti-cos a título excepcional, como aparece com os políticos naturalizados, diremos que nenhum indivíduo é político só porque habita num determinado lugar, pois, tal como os políticos, também os metecos e os escravos possuem um local para habi-tar. (...) De tais casos poder-se-á afirmar que são políticos de modo imperfeito, tal como crianças demasiado jovens para se inscrever como político, e os anciãos já dispensados de exercer funções cívicas. Uns e outros podem ser considerados cida-dãos de algum modo, mas não no sentido absoluto do termo (Aristóteles. Política. I, 2, 1275a 05-19, citado por Anzolin, 2009). Para Aristóteles, ser político, era ser cida-dão, e para isto, era necessário ter direitos e não apenas querer tomar parte das decisões políticas da cidade. Para Platão, assim como Aristóteles, dentre as condições de opinar sobre os rumos da sociedade estava a de que o cidadão fosse um homem completa-mente livre, ou melhor, não ter a obrigação de trabalhar para sobreviver, visto que, para ingressar na vida política, o cidadão deveria

dedicar-se integralmente a ela. Em suma, “A cidadania era para os gregos um bem inesti-mável. Para eles a plena realização do homem se fazia na sua participação integral na vida social e política da Cidade-Estado” (Bernardes, 1995, p. 23, citado por Silva, 2009). A cidadania era muito importan-te para um aimportan-teniense. Para eles, nenhum infortúnio podia ser pior do que a restrição dos seus direitos de cidadão.

1.5.4. Peculiaridades da Democracia Grega

Durante o período da Antiguidade Clás-sica, a democracia grega era exercida de maneira direta. Os cidadãos iam a uma espécie de praça central (Ágora) e discu-tiam as propostas para o bem-estar da polis. Essa assembleia, chamada de Eclésia, era realizada ao menos uma vez por mês e era considerada como “O órgão máximo de poder na democracia atenien-se” (SANTOS,2009).

Além da Eclésia, havia ainda a Bulé, também conhecida como “Conselho dos Quinhentos”, por ser composta por 50 mem-bros de cada tribo. Esse conselho era respon-sável, dentre várias outras obrigações, pela elaboração dos projectos de lei para a assembleia, recepcionar as embaixadas e conduzir as celebrações do culto. Outra par-ticularidade da democracia grega era o poder judiciário. Em Atenas, havia dois pode-res, o primeiro era composto pelos Arcontes e julgava os crimes religiosos, os homicídios e os de incêndio.

Santos, (2009), atribui o alicerce do pro-cesso democrático a três grandes princípios: A Isonomia, que definia a Igualdade de todos os cidadãos perante a lei; a Isegoria, a qual deliberava sobre a Igualdade de todos no falar, liberdade de expressão e a Isocra-cia, que estabelecia o critério da Igualdade de todos ao poder.

1.6. Da Democracia Clássica à Contemporâ-nea

Podemos observar que a democracia foi solidificada através de um processo histórico que se deu através das experiências gover-namentais ocorridas em Atenas e arraigadas

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por toda a Grécia, e que consistia em uma forma de poder em que o povo – embora esse direito fosse restrito a poucos - era o res-ponsável directo pelas decisões políticas, sociais e económicas de toda a colectivida-de.

No entanto, a democracia da cidade ateniense de Platão e Aristóteles se difere bastante da que vivemos nos dias actuais, pois, com o passar dos tempos, a organiza-ção social se tornava cada vez mais compli-cada, tendo em vista o aumento populacio-nal e uma série de outros factores que invia-bilizavam a democracia directa, obrigando assim, à busca por métodos mais eficientes que pudessem atender aos anseios da socie-dade.

Hoje, a democracia é exercida de forma indirecta, ou seja, as propostas são elabora-das, discutidas e decididas por um pequeno grupo de pessoas, que, por sua vez, são escolhidas através do voto, pelo povo, como seu representante. Além disso, notamos que no regime democrático actual, diferente-mente do grego, as mulheres possuem os mesmos direitos políticos que os homens, e os estrangeiros, que se tornam naturalizados, também são considerados cidadãos, pos-suindo todos os direitos e deveres do cida-dão nato. Porém, vale ressaltar que tais mudanças não foram fáceis nem rápidas de serem conquistadas.

1.7. Democracia Nos EUA:

Princípio da Soberania do Povo na

América

É pelo dogma da soberania do povo que se deve começar a falar das leis políti-cas dos Estados Unidos. Na América, o princí-pio da soberania popular jamais está oculto ou estéril, como em outras nações; ele é reconhecido nos costumes e proclamado nas leis; estende-se com toda liberdade, e alcança sem obstáculos as suas últimas con-sequências.

Em nossos dias, o princípio da soberania do povo passou, nos Estados Unidos, por todos os desenvolvimentos práticos que a imaginação poderia conceber. Ora o povo em seu conjunto faz as leis, como em Atenas;

ora deputados eleitos pelo sufrágio universal o representam e agem em seu nome, sob a sua vigilância quase imediata.

O povo participa da composição das leis, pela escolha dos legisladores, e da sua aplicação, através da eleição dos agentes do poder executivo; pode-se dizer que o pró-prio povo governa, já que é frágil e restrito o que é deixado à administração. Esta se res-sente da sua origem popular e obedece ao poder de que emana. O povo reina sobre o mundo político americano como Deus sobre o universo. Ele é a causa e o fim de todas as coisas, tudo sai do seu seio, e tudo se absor-ve nele.

Nos Estados Unidos, o povo não tem nenhum ódio às classes elevadas da socie-dade; mas sente pouca benevolência para com elas e mantém-nas com cuidado fora do poder; não receia de modo algum os grandes talentos, mas aprecia-os pouco. Em geral, nota-se que tudo o que se faz sem o seu apoio dificilmente obtém o seu agrado. Descobri que aqueles que encaram o voto universal como uma garantia da justiça das escolhas padecem de ilusão completa. O voto universal tem outras vantagens, mas não essa.

1.7.1. A “Concepção Processual” de Demo-cracia:

A “concepção processual”, ou “teoria das regras constitutivas da democracia”, são pontos centrais do pensamento de Bobbio. Para iniciar nossa análise, vale a pena obser-var o que o autor nos diz antes de estabele-cer uma “definição mínima” de democracia:

Afirmo preliminarmente que o único modo de se chegar a um acordo quando se fala de democracia, entendida como contraposta a todas as formas de governo autocrático, é o de considerá-la caracterizada por um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar deci-sões colectivas e com quais procedi-mentos. Todo grupo social está obri-gado a tomar decisões vinculatórias para todos os seus membros com o objectivo de prover a própria sobrevi-vência, tanto interna como

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mente (Bobbio, 2009, p. 30).

Partindo desse pressuposto, podemos adentrar neste aspecto do pensamento democrático bobbiano a partir daquilo que ele chamou de “significado formal de cracia”, segundo o qual, por regime demo-crático entende-se primariamente “um con-junto de regras de procedimento para a for-mação de decisões coletivas, em que está prevista e facilitada a participação mais ampla possível dos interessados” (Bobbio, 2009, p. 22).

De acordo com Bobbio, é inerente a qualquer regime democrático a instituição de normas e leis que regulem o “jogo” das disputas políticas. Com o advento do Estado moderno e, consequentemente, a ascensão da democracia representativa, passou-se a estabelecer previamente em constituições um conjunto de regras que tratassem da for-ma de como o poder político seria disputado e exercido em um dado país. Na visão do autor, a existência de tais regras caracteriza um regime como “democrático”, visto que num estado “autocrático”, o poder nunca está em disputa, e o povo jamais é chamado para tomar alguma decisão. Nesta perspec-tiva, as “regras do jogo” valem como condi-ção da democracia. No intuito de reforçar as diferenças entre as formas democráticas e não democráticas de governo, o pensador italiano nos diz que é possível perceber alguns requisitos essenciais que caracterizam e são inerentes às primeiras.

Não basta apenas termos em mente a institucionalização de leis e regras de jogos políticos, mais sim todo sistema político ade-quado tais como a separação de poderes, estabelecimento de um contrato social, o quadro jurídico necessário e com princípios de justiça, assim como instrumentos de anali-se de uns sociedade que visa minimizar aspectos relativos a representatividade.

Segundo Fukuyama (1992, p. 12), “a democracia liberal continuaria como a úni-ca aspiração polítiúni-ca corrente que constitui o ponto de união entre regiões e cultura diversas do mundo todo”. Não haveria pre-cedente para os níveis de desenvolvimento proporcionados, tanto para os países indus-trializados quanto para os países pobres.

Estes últimos receberiam uma série de investi-mentos sociais visando uma igualdade de oportunidades a todos os cidadãos do mun-do.

Para Fukuyama (1992, p. 70), “o direito de participar do poder político pode ser con-siderado como outro direito liberal, na verda-de, o mais importante, e é por isto que o libe-ralismo tem sido historicamente associado à democracia”. Portanto, é bastante provável que países como a China, a Correia do Norte ou, ainda, as teocracias islâmicas, não resis-tam por muito tempo. O mundo caminha através da globalização para uma econo-mia liberal.

Esta transformação pode ocorrer de for-ma pacífica ou por imposição dos países ricos, que precisam de países pobres liberais, democráticos e globalizados para manter suas economias e seu nível de desenvolvi-mento. Dos diferentes tipos de regimes surgi-dos no curso da história da humanidade, desde monarquias e aristocracias até as teo-cracias religiosas e as ditaduras fascistas e comunistas deste século, a única forma de governo que sobreviveu intacta até o fim do século XX foi a democracia liberal (Fukuyama, 1992, p. 80).

Não haveria hoje nenhuma ideologia apta a desafiar a democracia liberal nem princípio liberal de legitimidade que não seja a soberania do povo. Kant sugeria que a his-tória teria um ponto final, um objectivo que estava implícito nas potencialidades do homem. Tal ponto final seria a conquista da liberdade do homem. Em se tratando de um pensador liberal, tal liberdade existiria a partir da constituição perfeita de uma sociedade justa e liberal.

Considerações Finais

Terminada a pesquisa em volta deste artigo, é possível compreender que a ques-tão da democracia hoje constitui um instru-mento de pós-politica, tal como fala o filoso-fo moçambicano severino Ngoenha (2015), o qual considera a democracia como instru-mento de luta de aparatos políticos e a maior aparatocracia em termos financeiros saem bem-sucedidos, portanto, se realmente a democracia serve aos que tem posse

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nómica a nível internacional, ela não consti-tui um instrumento de emancipação da politica em termos do quadro constitucio-nal, mais sim como um instrumento de esta-belecimento de uma minoritocracia consti-tucional oculta, portanto, é legitimo criticar-mos a democracia como instrumento de emancipação do homem na sociedade pois desde a sua institucionalização ela caracteriza-se como veiculo de desigualda-des, de injustiças e falta de respeito das liberdades individuais sujeitando-se a con-cepção de Rousseau que é de Vontade Geral.

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Politica, S. Paulo, Martins Fontes.

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EDUCAÇÃO, RACIONALIDADE E ACÇÃO

Reflexão Filosófica sobre a Qualidade de Educação

Autor: José Júlio Doutorando em Educação Universidade Jean-Piaget de Moçambique

A qualidade de educação não pode ser medida apenas pelo resultado dos que estão terminando a classe, mas

vendo se existe uma correspondência entre os meios, recursos e processos usados para atingir a finalidade

pre-viamente definida, e a intervenção positiva dos que terminam a sua formação na sociedade. A educação,

instrumento de transformação do Homem e da sociedade enquanto agregado de pessoas, organizadas numa

estrutura sociopolítica e socioeconómica, com a finalidade de juntos perseguirem o bem comum, deve ser luz

do exercício crítico da razão. Ela não pode deixar-se oprimida nem ofuscada pelas políticas separatistas; a

sua função é de participar na mudança de tudo quanto não contribui para a persecução da felicidade do

Homem e do direito a liberdade de expressão. Todo e qualquer processo educativo devem visar a felicidade,

desta forma, esta educação classificar-se-á de educação de qualidade.

Introdução

M

uitos pensam que, para não terem complicações com outras pessoas ou mesmo ideologias políticas ou religio-sas, a melhor maneira de sobreviver é lar-gar as próprias convicções ou entrar no relativismo, onde tudo deve ser permitido, tudo tem de ser pronunciado e tudo tem igual valor. Penso que por aí, não vamos longe e não conseguiremos libertar-nos a nós mesmos, à nossa cultura e à nossa sociedade que, à custa do relativismo absoluto, perde a sua identidade, se des-faz e se desmorone; perde o rumo para o desenvolvimento. É preciso uma entrega decisiva para promover uma educação de qualidade e inovadora. É preciso mor-rer em defesa do direito à Educação de qualidade para todos.

O presente artigo pretende fazer uma aproximação significativa do

concei-to de educação e de «qualidade e

inova-ção»1 que tanto se falam em todos os

dis-cursos políticos sobre a educação. Fazer esta aproximação lógica a partir da refle-xão filosófica da educação, acreditando que a filosofia é um dos saberes que busca a verdade e a essência das coisas, e ilumi-na as mentes ilumi-na busca de propostas deci-sivas para resolução de problemas existen-ciais, pode ser um grande desafio para quem acha que a melhor forma de resol-ver os problemas da vida é a reflexão ou pensar sobre eles de forma mais rigorosa.

A razão desta abordagem provém da inquietação da sociedade que clama sobre a qualidade da educação para os seus filhos. E há várias reflexões de carácter sociopolítico, por parte de certos intelec-tuais ou académicos, à volta do conceito de qualidade de educação e do ensino, mas pouco e talvez nunca se fez uma reflexão rigorosa, para apurar as razões que permitem a inexistência desta qualida-de da educação.

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Assim, nesta reflexão, vamos procurar, não apenas reflectir, mas também identifi-car algumas razões e propor certos ele-mentos para responder o problema inquie-tante da nossa educação escolar. Eis algu-mas questões que orientarão esta reflexão:

O que é educação de qualidade? Quem deve ser o promotor da educação para a qualidade? Porquê pensar em educação de qualidade para Moçambique?

Quando olhamos com suspeita filosó-fica2 para a nossa sociedade, descobrimos

que alguns profissionais da educação, ain-da têm dificulain-dades de compreender o conceito de «Educação» e a respectiva importância na sociedade. Às vezes con-fundem a educação com o ensino. Para isso, vamos tentar definir o conceito de «Educação», partindo do ponto vista, não apenas filosófico, mas também social, para aproximar da verdadeira definição e seu valor na vida humana.

Podemos também procurar saber por que é que a actual educação escolar não vai ao encontro das expectativas da socie-dade? Por que é que a filosofia, funda-mento básico de todo saber humano, não faz reflexões sérias sobre a qualidade do ensino aqui e agora?

O problema da qualidade da edu-cação, não é apenas de interesse de sociólogos, antropólogos e de políticos, mas antes de mais, sobretudo, de filósofos da educação. A tarefa da reflexão rigoro-sa ou a actividade de fazer uma econo-mia da razão, de tal forma que o fruto des-ta reflexão seja a promoção do verdadeiro bem-estar de todos, a transformação da consciência pré-lógica em consciência lógica, pertence à filosofia e não à psico-pedagogia. A razão é uma, a filosofia tem a tarefa de produzir e clarificar conceitos. No nosso caso, uma vez que a reflexão sobre a qualidade de educação exige a compreensão linguística, a etimologia do conceito da Educação é indispensável.

Etimologia da “Educação” e Sua

Com-preensão

Antes de responder à pergunta «o

que é a Educação?» no sentido filosófico,

importa recorrer a sua definição etimológi-ca. De princípio, o termo educação vem do latim «Educatio» que significa, «criação» ou «formação do espírito»; espírito visto no sentido do princípio racional através do qual o homem é capaz de conhecer e de agir; o espírito considerado inteligência transformadora, inovadora ou essência do conhecimento e da acção. Nesta etimoló-gica da educação, subjaz a ideia da capacidade de fazer adquirir conheci-mentos ou competências, o que os gregos chamam de «Paideia», formação e instru-ção.

Há aqui, uma necessidade de saber que nesta definição temos duas persona-gens (o educador e o educando) e um objecto (o conteúdo). Os conceitos «conhecimento» e «competências» são fundamentais no processo educativo. Não se educa ninguém mantendo-o ignorante, mas educa-se para libertá-lo do estado da natureza em que se encontra; do estado da ignorância e da falta do exercício da razão. O uso da razão é resultado da edu-cação, se não há educação então não é possível o exercício da razão. Diz Jaspers (1950, p.7): «a razão se entende, gera-se e

fortalece-se, ela é produto de polémica intrínseca do seu manifestar-se.». A razão é

produto da educação. Um homem educa-do está disposto a fazer uso da sua razão. A sua razão é princípio da liberdade e da vontade. O exercício da razão é produto de educação que, segundo Aristóteles (Política, Livro V/I) deve ser única para todos e administrada em comum.

Não estamos a falar, só da educação escolar que é o principal motor da mudan-ça social, mas da educação em geral que o homem recebe desde que ele faz parte da sociedade, se relaciona com os outros e se torna verdadeiramente Homem3,

ani-mal racional e social.

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A educação pode ser assim vista como uma «criação» real do homem, não no sentido teológico da criação, mas da criação como «co-criação» e criatividade como explica Kant na sua afirmação, segundo a qual pela educação: “a

espé-cie humana é obrigada a extrair de si mes-ma pouco a pouco, com suas próprias for-ças, todas as qualidades naturais, que per-tencem à humanidade” Kant (1996, p.12),

isto é, pela educação o ser humano apro-pria-se de todas as qualidades e se torna verdadeiramente homem. O homem, segundo Kant, é, por natureza, o animal mais vulnerável, desprovido de tudo, incluindo o exercício da inteligência; a úni-ca coisa que ele possui é a «estrutura

edu-canda», isto é, uma estrutura, em potência

e que precisa de ser posta em acto; na linguagem aristotélica de «acto e

potên-cia». Trata-se de restituir ao Homem, tudo

aquilo que a natureza lhe negou, a

Cultu-ra, através da educação, pois esta torna o

homem verdadeiro Homem, animal racio-nal e cultural.

Desde os gregos até Kant, a educa-ção era distinguida em duas espécies, a saber: educação como disciplina, isto é a formação do carácter é, o saber-ser e

saber-estar, e a educação como

instru-ção, isto é aquisição e desenvolvimento das competências teórico-práticas, de outro modo, o saber-fazer. A formação do carácter começa na família pelos mais velhos e na academia pelos professores. Assim, trata-se de uma instrução.

Quando nos apoiamos destas defini-ções e esclarecimentos, podemos questio-nar sobre o tipo de educação escolar que os nossos jovens recebem. Pretendemos, na mesma linha de ideias de REBOUL (2000, p.29), uma Educação que tem por função formar a criança, por meio estético a fim de amar o Bem e odiar o Mal, muito antes de ser capaz de raciocinar e de com-preender. Se for assim, precisamos de per-ceber porquê é que muitos estudantes ter-minam o ensino secundário e outros ingres-sam no ensino superior com grandes

difi-culdades técnico-científicas, ou ainda, são deficientes no exercício da sua razão e incapazes de participar rigorosamente num debate de carácter cultural e de escrever correctamente. Qual é a razão

desta deficiência? Às vezes, ouve-se pelos

corredores da escola, entre os professores e trabalhadores a seguinte justificação: os nossos alunos ou jovens são fracos ou não tem vontade de estudar; e entretanto, nin-guém se preocupa em saber porquê é fra-co e de onde lhes vem esta falta de vonta-de?

É verdade que estas questões são complicadíssimas de responder. Mas isso não impede nunca a possibilidade de uma reflexão razoável (da razão) e rigorosa. É preciso uma decisão, tal como fez o filóso-fo Catalão, Fernando Savater (2006, p.20), ao tentar responder a questão segundo a qual: «deverá a educação formar,

simples-mente, homens capazes do mercado ou formar homem completo?» Uma

educa-ção que só favorece aprendizagem teóri-ca é pobre não tem futuro. É preciso que se passe da teoria passe para prática. Mes-mo alguns pensamentos filosóficos são sus-ceptíveis a essa tradução à prática, basta pensar em conceitos de justiça e de paz. A justiça e a paz são realidade e necessida-de humanas. Todo o Homem tem o necessida-dever de os promover e praticar. Portanto, o Homem educado deve possuir competên-cia teórica e práticos, e deve ser Homem capaz de levar o seu saber ao mercado de trabalho. Isto para responder a questão colocada pelo filósofo.

Mas para voltarmos as nossas ques-tões, propomos que se busque as razões da fraqueza do ensino, em todos os níveis, administrativo e pedagógicos que consti-tuem o cerne da educação que visa a qualidade. Tanto os pais e encarregados de educação, querem ver os seus filhos educados, isto é, formados e instruídos. A fraqueza da organização das políticas administrativas como princípio orientador e a fraca formação de professores são tam-bém a causa principal da desqualificação

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da educação no nosso país.

Uma administração escolar que permi-te o nepotismo ou corrupção, nunca pode contribuir para o desenvolvimento das competências cognitivas dos alunos. Alguns alunos não estudam porque sabem que podem passar, corrompendo o profes-sor ou o pedagógico. Neste caso, nunca se pode pensar em educação de qualida-de. Veremos mais adiante estas questões.

Educação Para o Exercício da Razão

De princípio, a exigência da ção, de acordo com as políticas educa-cionais e os fundamentos filosóficos, é de adequar-se a um determinado contexto social ser capaz de transformar positiva-mente esse contexto. A educação não pode estar alheia a esse contexto na medida em que a sua função justifica-se pelas respostas que ela fornece às necessi-dades económicas, políticas e culturais da sociedade. Na mesma forma Aristóteles podia ter dito quer a cidade é virtuosa, não por causa do acaso, porém, da ciên-cia e da vontade. Contudo, uma Repúbli-ca apenas pode ser virtuosa quando os próprios cidadãos que participam do governo são cheios de virtudes. Ora, todos os cidadãos participam do governo; por isso, é preciso formar nas virtudes todos os Homens concomitantemente, sem pôr de parte cidadão por cidadão.

A filosofia da educação e políticas educativas implantadas nesta sociedade devem ser modificadas senão estiverem ao alcance da transformação do ambien-te social do povo; isto porque a função da educação é a transformação da socieda-de em reino da verdasocieda-de, da liberdasocieda-de, da justiça e da paz para todos os homens e/ ou em reino de homens livres onde o inte-resse comum é visto como sendo a virtude

de bom cidadão.

Em vez de luta e de conquista do poder, as sociedades deveriam antes mais lutar pela conquista de uma verdadeira educação, isto é, de uma educação

rigo-rosa e de qualidade, capaz de promover o bem-estar de todos. A educação que per-mita a libertação do homem das ideolo-gias políticas e religiosas alienantes e que ofuscam a razão, mantendo-a cada vez mais sem dinamismo.

A análise crítica da qualidade de edu-cação exige novas categorias: morais, políticas e estéticas. Essas categorias defi-nem aquilo que deve ser a educação.

As várias críticas feitas à qualidade de educação são, na sua maioria, conse-quência da impossibilidade da educação mudar o comportamento das pessoas e da sociedade; de formar e instruir os cida-dãos de modo que ele sejam capazes de assumir as suas responsabilidades; isto é, usando a linguagem de Jaspers, de recu-sar drogar-se com frases embelezadoras e consoladoras, tais como: «Não vale a pena pensar nisso, «é a vida» e «tudo o que acontece, tinha de acontecer» ou ainda «as coisas não podiam passar-se de outro modo». Estas palavras são fruto do uso ina-dequado da razão que conduz ao confor-mismo total.

Podemos apontar aqui uma outra questão: como é que a filosofia tem sido ensinada e praticada? Será que ela tem realizado a sua função libertadora? Será que tem sido luz que ilumina os prisioneiros da caverna, tal como fez com os homens da caverna platónica? Será que tem sido formadora e instrutora dos guardiões da cidade? Essas questões são fundamentais para descobrir o fracasso do nosso ensino e da educação. O resultado de má edu-cação é a guerra, a injustiça, o ódio socio-político e outros aspectos negativos que deturpam a vida de pessoas.

Precisamos de repensar a nossa políti-ca edupolíti-cativa e compreender a razão de ser da Educação na sociedade. Convêm também repensar a metodologia de ensi-no da Filosofia nas escolas secundárias e nas universidades. Se a educação filosófi-ca não suscita certas inquietações na juventude ou se o seu ensino não é capaz de levantar conflitos racionais, pondo em

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causa as ideologias políticas, religiosas e todas as alienações culturais; se os estu-dantes continuam na ignorância e se com-portam como «uma Maria que vai com

outras», deixando-se levar por tudo e por

nada, então, deve-se promover uma

revo-lução copernicana, intelectual à maneira

de Kant, nas metodologias de ensino da Filosofia e de outros saberes humanos. Vol-taremos brevemente para este assunto. Entretanto, ficamos com a seguinte ques-tão: Porquê razão a qualidade da educa-ção é fraca?

O Problema da Qualidade

da Educação

Antes de falarmos das razões da des-qualificação da educação, convém res-pondermos à questão: Que significado tem a expressão «qualidade da

ção» e quais são os indicadores da

educa-ção de qualidade?

A «qualidade» é uma categoria fun-damental do pensamento, ela é geral e dinâmica, usada em cada área do saber técnico-científico ou teórico-prático. Esta categoria diz respeito à propriedade, maneira ou o modo de ser «bom ou mau» de um determinado objecto. A qualidade implica sempre a dimensão ética e espiri-tual, o valor de um ser. Portanto, falar da qualidade da educação seria falar do valor da educação e o seu modo de ser, estar na vida das pessoas e na sociedade. As questões que deveriam ser colocadas seriam de saber se a educação em Moçambique é de qualidade e que valor tem a educação nos nossos dias?

Anteriormente, nós discutíamos da função da educação e dizíamos que a educação tinha como função a

transfor-mação social através de uma fortransfor-mação e instrução do homem que segundo REBOUL

(2000, p.18), é a preparação do indivíduo para a função social. A primeira resposta à pergunta relativa às características da qualidade da educação tem a ver com a condição humana; isto é receber a

edu-cação é aprender a ser homem e depois o domínio conceptual que um aluno deve ter durante e depois dos estudos. É saben-do usar devidamente os conceitos que se pode falar de uma pessoa formada e ins-truída. Uma sociedade constituída de homens livres de pensamento, capazes de agir com competências e orientados para o futuro, esta sociedade possui uma edu-cação de qualidade.

A educação de qualidade, do ponto de vista filosófico, é aquela que permite a aquisição de competências cognitivas e linguísticas; isto é, pensar e

saber-dizer. Não se pode falar de uma

educa-ção de qualidade, se os educandos não são capazes de pensar por si- mesmos e de agir de forma rigorosa e técnica; se não forem capazes de dizer não à tudo aquilo que os afasta da ciência e da racionalida-de. Pontua Reboul (2000, p.7) que: «um ensino verdadeiro tem por finalidade, seja como for o seu conteúdo, de formar os seres adultos, seres capazes de tomarem as suas responsabilidades e de sustentar e a segurar os seus compromissos, de pensar por si-mesmos, de respeitar os feitos mesmo quando eles vão contra a sua vontade, e de escutar os outros, mesmo quando o contradizem.» Com uma educação de qualidade, os estudantes terminam os seus estudos, sendo capazes de produzir argu-mentos em defesa da sua tese, de proble-matizar qualquer resposta à uma determi-nada questão e de conceptualizar as noções vagas ou sem substância científica. E, do ponto de vista científico, os alunos devem ter o domínio dos conceitos refe-rentes ao tema da sua pesquisa ou investi-gação. Essa é uma educação de qualida-de, e é essa que se deve propor aos países envia do desenvolvimento, sobretudo o nosso Moçambique.

Como dizíamos anteriormente, a educação é um assunto de todos. Não diz respeito somente à transmissão dos conhe-cimentos científicos, mas também interessa -se com a mudança do comportamento pessoal e transformação social. Os

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Figura 1: Sete pontos usados na comparação das impres- impres-sões digitais e alguns tipos de impresimpres-sões digitais

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