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3 MULHERES AGRICULTORAS FAMILIARES NO PROJETO GENTE

3.1 CONTEXTUALIZAÇÕES DA ÁREA ESTUDADA/PESQUISA

Durante a execução do Projeto Gente de Valor, enquanto assessora de gênero, ficava a me questionar, a partir das observações in loco e dos relatos das mulheres agricultoras familiares que participaram dos encontros de mulheres, das “rodas de conversas” e da sistematização de experiências – realizada entre outubro de 2011 a março de 2012 – se as mulheres agricultoras que estavam participando da maioria das atividades desenvolvidas – de formação, capacitações específicas na área produtiva ou social (pedreiras, gestão de convênio, associativismo e outras) – e, ao mesmo tempo, assumindo cargos à frente das associações ou dos empreendimentos comunitários estavam, de fato, empoderadas e como experimentavam o processo de empoderamento pessoal, social e político. E, ainda, se o preconceito enfrentado no cotidiano das relações de gênero, na sociedade, na família, no trabalho, as levou a perceber que o pessoal é político. Foram estes questionamentos que acabaram me levando ao Mestrado no NEIM. Busco responder a estas dúvidas por meio deste estudo com autobiografias e narrativas de vida, respaldado por reflexões no campo da antropologia.

Entendo História de Vida como um método, dentro da metodologia qualitativa biográfica, que visa apreender as articulações entre a história individual e a história coletiva. A escolha desses dois instrumentos – história de vida e grupo focal – tem relação com a prática pedagógica da pesquisadora, antes educadora popular, e por acreditar na importância e necessidade de proporcionar espaços alternativos para ouvir a voz dessas mulheres rurais que, no seu cotidiano, são tão oprimidas e desprestigiadas. Estes instrumentos nos proporcionaram conhecer a versão delas sobre os grandes e pequenos acontecimentos de suas vidas.

O primeiro passo foi definir a área da pesquisa, já que o PGV abrangeu duas regiões – a Nordeste e a Sudoeste da Bahia. A área de maior abrangência, porém, foi na região Nordeste, com aproximadamente 77% da área total do projeto. Este foi o motivo para delimitar a pesquisa nesta região. Dentre os 26 municípios integrantes da Região Nordeste, todos os seis municípios escolhidos (Novo Triunfo, Fátima, Banzaê, Ribeira do Amparo, Jeremoabo e Santa Brígida) fazem parte do Programa do Governo Federal Território da

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Cidadania Semiárido Nordeste II55. Os cinco escritórios do PGV cobrem esta região Nordeste, com sede em Abaré, Euclides da Cunha, Ribeira do Pombal, Cícero Dantas e Jeremoabo.

No Nordeste da Bahia, predomina o bioma caatinga, região chamada de “sertão”. O clima é tropical semiárido, que alterna um período seco (abril/maio a setembro/outubro) e outro chuvoso (outubro/novembro a março/abril) e se caracteriza por grande irregularidade do período chuvoso e por secas que podem ser rigorosas. O sistema de cultivo agrícola predominante é o de subsistência. As atividades agrícolas são desenvolvidas, predominantemente, em regime de chuvas e são voltadas, principalmente, para lavouras alimentares como mandioca, milho e feijão, com comercialização apenas da produção excedente, muitas vezes incerta. É importante, também, a pecuária extensiva, de bovinos, mas sobretudo de caprinos e/ou ovinos (10 a 40 cabeças por família), para o consumo da casa e reserva para eventualidades, em pequenas propriedades de até 100 ha em área de caatinga.

A área da pesquisa faz parte do Território Semiárido Nordeste II – BA, composto por 18 municípios56, em uma área total de 16.056,70 km². A população do território é de 407.964 habitantes dos quais 224.676 vivem na área rural, o que corresponde a 55,07% do total. O território possui 55.761 agricultores familiares, 668 famílias assentadas da Reforma Agrária, três comunidades quilombolas e três terras indígenas57.

Dentre os 18 municípios que formam o Território Semiárido Nordeste II, estamos focando nossa pesquisa em seis municípios que, juntos, apresentam uma área total de 7.019,925 km². Segundo o IBGE (2013)58, as populações estimadas, para cada um destes municípios são: Santa Brígida – 15.381 habitantes; Jeremoabo – 40.587 habitantes; Novo Triunfo – 15.943 habitantes; Fátima – 18.524 habitantes; Banzaê – 12.534 habitantes e Ribeira do Amparo – 15.186 habitantes.

55 São 120 os Territórios da Cidadania, um Programa do Governo Federal lançado em 2008, que tem como objetivos promover o desenvolvimento econômico e universalizar programas básicos de cidadania por meio de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável. Disponível em: <http://www.territoriosdacidadania.gov.br/dotlrn/clubs/territriosrurais/xowiki/oprograma>. Acesso em: 30 jan. 2014.

56 Santa Brígida, Jeremoabo, Pedro Alexandre, Coronel João Sá, Sítio do Quinto, Euclides da Cunha, Novo Triunfo, Antas, Adustina, Paripiranga, Cícero Dantas, Fátima, Banzaê, Ribeira do Pombal, Heliópolis, Ribeira do Amparo, Cipó e Nova Soure.

57 Fonte: Sistema de Informações Territoriais (HTTP://sit.mda.gov.br). Portal da cidadania. Governo Federal. Disponível em: <http://www.territoriosdacidadania.gov.br/dotlrn/clubs/territriosrurais/ semiaridonordesteiiba/one-community?page_num=0>. Acesso em: 11 jan. 2014.

58 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA ˗˗ IBGE. Estimativas

populacionais para os municípios brasileiros em 01.07.2013. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2013/estimativa_dou.shtm>.

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Segundo os dados do Estudo de Base realizado pelo PGV (PRAXIS, 2009), o universo populacional do projeto está concentrado na região Nordeste, com 26 municípios e 28.204 moradores, dos quais 14.468 homens (51,3% da população) e 13.569 mulheres (48,1%), representando 78,1% do total pesquisado. O Projeto atendeu um total de 282 comunidades, das quais 240 da região Nordeste. Nos municípios selecionados para a pesquisa, foram beneficiadas 9 comunidades em Banzaê, 8 em Fátima, 12 em Jeremoabo, 7 em Novo Triunfo, 11 em Ribeira do Amparo e 10 em Santa Brígida.

As comunidades desses municípios apresentam especificidades socioculturais que as caracterizam como tradicionais59 e negras ou quilombolas. As comunidades tradicionais de agricultura familiar visitadas foram Baixa do Mocó e Canabrava, no município de Santa Brígida; comunidade de Bananeirinha, no município de Jeremoabo; Comunidade Baixa da Roça, em Novo Triunfo; Pedrinha e Raso Pintado, no município de Fátima; e a comunidade Bariri, em Ribeira do Amparo. A única comunidade quilombola visitada foi Maria Preta, localizada no município de Banzaê.

O tamanho médio da população por município beneficiada pelo Projeto Gente de Valor era de 1.062 pessoas. A maioria dos municípios apresenta predominância do contingente masculino, que supera em 6,2% o feminino, situação que se repete na Região Nordeste. Podemos comprovar esta predominância ao analisarmos os dados dos municípios na Tabela 1.

Tabela 1 – População beneficiada dos municípios integrantes do Projeto Gente de Valor selecionados para a pesquisa ˗˗ Estado da Bahia, 2009

Município Beneficiada (nPopulação o) Homens (no) Homens (%) Mulheres (no) Mulheres (%)

Banzaê 1.073 543 50,6 527 49,1 Fátima 1.204 631 52,4 564 46,8 Jeremoabo 1.541 808 52,4 728 47,2 Novo Triunfo 564 292 51,8 266 47,2 Ribeira do Amparo 1.099 593 54,0 502 45,7 Santa Brígida 1.036 557 53,8 475 45,8

Fonte: CAR/ASVG, Cadastro de Domicílio, 2009 – Estudo de Base(PRAXIS, 2009)

59 O PGV decidiu utilizar a expressão “comunidades tradicionais” para aquelas comunidades de agricultores e agricultoras familiares do semiárido, definidas por uma caracterização preliminar dos aspectos socioeconômicos, do uso e posse da terra e da infraestrutura básica. E utilizou outras especificidades culturais para definir as comunidades: negras ou quilombolas, fundo de pasto, indígenas e ribeirinhas.

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O município de Jeremoabo apresenta o maior número de pessoas beneficiadas: 1.541 pessoas. Já o município de Novo Triunfo com 564 pessoas beneficiadas, das quais 292 homens (51,8%) e 266 mulheres (47,2%) é a menor expressão numérica de habitantes encontrada entre os municípios selecionados.

Os indicadores sociais sintéticos permitem ter informações da situação dos municípios selecionados com relação ao IDH60. O IDH médio do Território é de 0,58 e o dos seis municípios pesquisados varia entre 0,579 e 0,512, considerado segundo as classificações oficiais, um IDH médio. O município de Banzaê apresenta o IDH mais alto (0,579) entre esses municípios, enquanto o município de Ribeira do Amparo apresenta o mais baixo (0,512), seguido logo após pelo município de Santa Brígida com IDH de 0,546.

Ao analisar as diferenças de desenvolvimento humano entre os municípios selecionados na pesquisa, observo que a esperança de vida é maior (0,769) em dois municípios, Banzaê e Novo Triunfo, seguidos, logo atrás, por Santa Brígida (0,710), o que significa que, nestes municípios, as pessoas têm uma expectativa de vida mais longa e saudável do que no município de Fátima, que apresenta o índice mais baixo (0,686). O município de Jeremoabo tem a maior renda (0,561) e Ribeira do Amparo, a menor (0,503), quando comparados aos outros municípios.

60 O IDH é constituído por três pilares (saúde, educação e renda), indicando um valor quantitativo para a renda Produto Interno Bruto (PIB) per capita, longevidade (expectativa de vida ao nascer) e educação, referente a cada município. O índice varia de zero (nenhum desenvolvimento humano) a um (desenvolvimento humano total), portanto, quanto mais próximo de um (1) ele é mais alto. Para a avaliação da dimensão longevidade, o IDH municipal considera a esperança de vida ao nascer, mostra o número médio de anos que uma pessoa nascida naquela localidade no ano de referência (no caso, 2000) deve viver. O cálculo do IDH municipal para a dimensão educação considera dois indicadores com pesos diferentes: a taxa de alfabetização de pessoas acima de 15 anos de idade tem peso dois e a taxa bruta de frequência à escola peso um. O primeiro indicador é o percentual de pessoas com mais de 15 anos capaz de ler e escrever um bilhete simples, considerados adultos alfabetizados, por este motivo a medição do analfabetismo se dá a partir dos 15 anos. O segundo indicador é o somatório de pessoas (independentemente da idade) que frequentam os cursos fundamental, secundário e superior e, também, os alunos de cursos supletivos de primeiro e de segundo graus, de classes de aceleração e de pós-graduação universitária; é dividido pela população na faixa etária de 7 a 22 anos do município. No critério usado para a avaliação da dimensão renda municipal per capita, ou seja, a renda média de cada residente no município, soma-se a renda de todos os residentes e divide-se o resultado pelo número de pessoas que moram no município (inclusive crianças ou pessoas com renda igual a zero). Porém, o IDH apresenta imperfeições e limitações, sendo criticado em alguns pontos em seu processo de construção pela natureza distinta de suas variáveis; sua fórmula de cálculo apresenta limites quanto a agregabilidade e desagregabilidade de informações; e à falta de um modelo teórico explícito de causa e efeito que justifique a aglutinação de variáveis de naturezas distintas em um indicador único. (MOURA, SAUER, 2009, p. 115). Disponível em: <http://www.frigoletto.com.br/GeoEcon/idhmcalc.htm>. Acesso em: 20 maio. 2014.

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Na Tabela 2, apresento o índice de desenvolvimento humano dos municípios onde moram as mulheres pesquisadas.

Tabela 2 – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) dos municípios integrantes do Projeto Gente de Valor selecionados para a pesquisa ˗˗ Estado da Bahia, 2010

Município IDHM IDHM Renda Longevidade IDHM Educação IDHM

Banzaê 0,579 0,539 0,769 0,468 Fátima 0,559 0,554 0,686 0,459 Jeremoabo 0,547 0,561 0,689 0,424 Novo Triunfo 0,554 0,513 0,769 0,430 Ribeira do Amparo 0,512 0,503 0,694 0,384 Santa Brígida 0,546 0,533 0,710 0,431

Nota: Dados dos censos 1991, 2000 e 2010

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano Brasil 2013. Disponível em:

<http://www.pnud.org.br/atlas/ranking/Ranking-IDHM-Municipios-2010.aspx>. Acesso em: 11 jan. 2014.

Na perspectiva de auferir o avanço na qualidade de vida das pessoas desses municípios, é preciso considerar outras características sociais, culturais e políticas que influenciam a qualidade da vida humana, além da renda, que é um indicador importante, porém como um dos meios do desenvolvimento e não como seu fim. Já o acesso à educação, ao conhecimento, nos leva a olhar diretamente para as pessoas (homens e mulheres), suas oportunidades e capacidades. Diante do IDHM Educação desses municípios, observo que o acesso à educação é maior em Banzaê (0,468) e menor em Ribeira do Amparo (0,378), quando comparados com os outros municípios. Porém, a diferença numérica do IDH-E entre os seis municípios é muito pequena.

Segundo os dados do Estudo de Base do Projeto Gente de Valor (PRAXIS, 2009), sobre o nível de escolaridade para o conjunto da população beneficiada, 43,8% dos moradores não têm como acessar os canais de informação que lhe permitam maior inclusão social. Dos 9.962 analfabetos recenseados pela pesquisa, na faixa com idade superior a 25 anos, encontra- se a maioria do grupo em questão, totalizando 6.422 pessoas e 64,5% do total. A proporção de analfabetos é elevada, alcançando 27,6% da população (a média brasileira, em 2000, era igual a 16,7%). A este grupo em situação mais precária, seguem os 16,2% que declararam apenas saber ler e escrever, excluídos do grupo seguinte, daqueles que completaram desde a primeira série até a quinta série do Ensino Fundamental. Outro dado importante é que, das pessoas que apenas sabem ler e escrever – um total de 5.843 – a grande maioria (77%) está na faixa de idade superior a 25 anos, representada por 4.500 adultos. Portanto, a concentração neste subgrupo de idade é bem mais expressiva do que no caso do analfabetismo. (Gráfico 1).

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Gráfico 1 – Distribuição percentual da população segundo a escolaridade, PGV, 2009

Fonte: CAR/ASVG, Cadastro de Domicílio, 2009 – Estudo de Base(PRAXIS, 2009)

No Gráfico 1, considerando os moradores que declararam algum nível de escolaridade: 35,1% do universo populacional possuem de 1ª a 5ª série; 10,4% estão na faixa de 6ª a 9ª série; no nível médio são 7,2%, completo ou incompleto; e 0,7%, no nível superior completo ou incompleto. Estes dois grupos com escolaridade mais elevada totalizam apenas 2.874 pessoas em todo o universo populacional. Ao se focar o subgrupo com maior escolaridade (médio e superior, completo ou incompleto), vê-se que essa população reside predominantemente nas comunidades tradicionais (2.027 pessoas) e negras/quilombolas (602 pessoas), representando 91,5% do contingente desta categoria. As comunidades tradicionais e negras/quilombolas acompanham o desempenho regional, devido ao seu elevado peso no universo populacional.

A Região Nordeste do PGV totaliza 5.608 pessoas analfabetas que correspondem a 50,39% do total e apresenta um total de 3.880 pessoas com mais de 14 anos que sabem ler e escrever.

Tabela 3 – Taxa de analfabetismo ampla da população com mais de 14 anos, por município integrante do Projeto Gente de Valor selecionado para a pesquisa ˗˗ Bahia, 2009

Região/Município Analfabetos Sabem ler e escrever Subtotal analfabetismo (%) Taxa de

Banzaê 153 180 333 51,23 Fátima 229 219 448 53,46 Jeremoabo 319 246 565 53,15 Novo Triunfo 152 76 228 64,41 Ribeira do Amparo 200 76 276 40,71 Santa Brígida 208 114 322 45,8

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Na Tabela 3, podemos observar que Novo Triunfo (64,41%) é o município que apresenta taxa mais elevada do que a média regional. Ainda com relação à escolaridade, quase todos os municípios apresentam, pelo menos, 200 pessoas nesta situação de analfabetismo amplo (analfabetismo e apenas saber ler e escrever), merecendo destaque em termos absolutos, Fátima (448) e Jeremoabo (565).