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Os modos de representação de leitura do discurso outro na escrita acadêmica

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM

OS MODOS DE REPRESENTAÇÃO DE LEITURA DO DISCURSO OUTRO NA ESCRITA ACADÊMICA

NATAL

2017

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OS MODOS DE REPRESENTAÇÃO DE LEITURA DO DISCURSO OUTRO NA ESCRITA ACADÊMICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem - PPgEL, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), para obtenção do título de mestre em Estudos da Linguagem, com área de concentração em Estudos de Linguística Teórica e Descritiva.

Orientadora: Profa. Dra. Sulemi Fabiano Campos

NATAL 2017

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MARIA CLAUDIANE SILVA DE SOUZA

OS MODOS DE REPRESENTAÇÃO DE LEITURA DO DISCURSO OUTRO NA ESCRITA ACADÊMICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem - PPgEL, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), para obtenção do título de mestre em Estudos da Linguagem, com área de concentração em Estudos de Linguística Teórica e Descritiva.

Orientadora: Profa. Dra. Sulemi Fabiano Campos

Aprovada em 04 /12 / 2017

Banca examinadora

______________________________________________________ Profa. Dra. Sulemi Fabiano Campos

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Presidente

______________________________________________________ Profa. Dra. Maria das Graças Soares Rodrigues

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Examinadora Interna

______________________________________________________ Profa. Dra. Mariana Aparecida de Oliveira Ribeiro (UFMA)

Examinadora Externa

NATAL- RN 2017

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Dedico esta dissertação as minhas filhas: Heloísa Gomes da Silva e Sofhia Clara da Silva Gomes; a minha mãe, Marlúcia Silva de Souza, e, a todos aqueles que, pelas injustiças humanas, foram excluídos do acesso ao mundo da escrita; ao meu Deus, senhor de todas as coisas.

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AGRADECIMENTOS

A DEUS, por ser força, leveza e luz em meu caminho.

De forma especial, a minha mãe, Marlúcia, por andar sempre comigo.

As minhas filhas, Heloísa Gomes e Sofhia Clara, pelo amor incondicional e a companhia de todas as horas.

Aos meus irmãos, Calbi, Ailton e Cleoneide, pelo estímulo constante. Aos meus sobrinhos Antonio, Alisson, Alícia e Cauê, por anunciarem o amanhã.

A minha orientadora, professora Dra. Sulemi Fabiano Campos, pelo olhar compreensivo, pela força, pelo refúgio e pelos ensinamentos.

A minha amiga Kátia França, pelas visitas e companhia nas horas de agonia e pela confiança que sempre depositou em mim.

À professora Dra. Mariana Aparecida de Oliveira Ribeiro, por, gentilmente, colaborar com a qualificação deste trabalho.

Aos meus companheiros do Grupo de Estudos do Texto e do Discurso – GETED, Aparecida Miranda, Elza Alves, Janima Ribeiro, José Antônio, Joil, Japonaíra Calderon, pelas discussões e apoio, e, em especial, a Valnecy Corrêa pela leitura e olhar para os movimentos e os deslocamentos deste escrito.

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[...] o outro é sempre onipresente e está em toda a parte.

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RESUMO

Esta pesquisa aborda a escrita acadêmica e busca analisar as maneiras de representação de leitura dadas por pesquisadores em formação, em referência aos conceitos de Mikhail Bakhtin, na escrita de dissertações de mestrado. Para tanto, propõe-se as seguintes perguntas: a) quais são os conceitos teóricos recorrentes nas dissertações analisadas? b) de qual maneira encontram-se, linguisticamente, representados os conceitos teóricos na escrita de pesquisadores em formação? e c) como são construídas as representações discursivas de leituras em determinadas comunidades de leitura científica? O objetivo geral é analisar em que medida é possível relacionar as influências recebidas em comunidades de leituras partilhadas às posições enunciativas, assumidas por pesquisadores frente ao dizer de uma teoria, na escrita de dissertações de mestrado. Os objetivos específicos são: a) descrever o modo como o dizer do outro encontra-se linguisticamente representado na escrita dos pesquisadores em formação; b) examinar o posicionamento de leitor assumido frente aos teóricos mobilizados; e c) analisar o modo como as comunidades leitoras, no contexto da universidade, fazem uso de conceitos teóricos mobilizados na escrita das dissertações. Nosso corpus é composto por dez dissertações de Programas de Pós-Graduação em Letras de uma universidade pública e uma universidade privada. Esses trabalhos foram produzidos entre os anos 2000 a 2015. Tomamos como fundamentação teórica as reflexões de Santos (1997; 2008) e Chauí (2001; 2014), que pontuam sobre os diversos desafios e crises vivenciadas pela universidade contemporânea; os estudos sobre a heterogeneidade enunciativa e a representação do discurso outro, propostos por Authier-Revuz (1998; 2004); e o conceito de representação cultural apresentado por Chartier (1998; 2010; 2002; 2003). As análises apontam que, na escrita da fundamentação teórica das pesquisas analisadas, as formas de representação, em referência ao discurso outro, constituem-se pela predominância de citações em discurso relatado, em que o dizer do outro está discursivamente representado pela voz de comentadores do teórico fonte.

Palavras-chave: Universidade. Escrita acadêmica. Representação do discurso outro. Heterogeneidade enunciativa.

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ABSTRACT

This search talks about academic thematic and finds to analyse how is done the representation of teoric readings by Mikhail Bakhtin used for researchers in building. We proposed some questions: a) what are the teoric concept showed in analysed dissertations? b) what´s the manner are represented linguisticaly the teoric concepts in wrinting of researchers in building and c) how are built the speech´s representations of readings in some academic readings comunity. Our general objective is analyse the statement positions developed by researchers in bilding to defend their theory; and the specific objectives are: a) describe the way the other says is found in linguistic representation of writings of researchers in building and examine the position of reader during the theoryzed works and b) analyse the way the academic reader comunity use the teoric concepts in writings of disseetations. Our corpus is composed by ten (10) dissetations of programs in post graduation in a course of Letter of a public university and a private university during in a period between 2000 and 2015. Our theoric reflexion is based in Santos (1997; 2008) e Chauí (2001; 2014) where they show many challenges and crisis alived in contemporary university, the studies about the state heterogenity and the representation of discussing of the other discussed by Authier-Revuz (1998; 2004) and the concept of cultural representation presented by Chartier (1998; 2010; 2002; 2003). The analysis show that in writing of theory developed in analysed researchs, the form of representation of Reading in a discussing of other refers to the predominance of citations in discussing represented where the say of other is represented by discussing of the voice of acountants of original theoric.

Keywords: University. Academic writing. Representation of the other discourse. Enunciative heterogeneity.

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LISTA DE QUADROS

LISTA SIGLAS E ABREVIAÇÕES

CPUF – Comunidade de Pesquisadores da Universidade Federal CPUP – Comunidade de Pesquisadores da Universidade Particular DI – Discurso Indireto

DD – Discurso Direto

DDL – Discurso Direto Livre DIL – Discurso Indireto Livre DO – Discurso Outro

RDO – Modos de representação do discurso outro

Quadro 1 – Os conceitos teóricos mobilizados nas comunidades científicas de leitura CPUP... 71

Quadro 2 – Estatística de conceitos mobilizados na CPUP... 71 Quadro 3 – Os conceitos teóricos mobilizados nas comunidades científicas

de leitura CPUF... 72

Quadro 4 – Estatística de conceitos mobilizados na CPUF... 73 Quadro 5 – Resumo dos conceitos partilhados pelas comunidades CPUP e

CPUF... 74

Quadro 6 – Fontes bibliográficas de inserção do discurso outro em CPUP e CPUF... 92

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 12

1 A FORMAÇÃO E OS MODOS DE PRODUÇÃO DE PESQUISAS NA UNIVERSIDADE... 17

1.1 O imaginário de uma formação acadêmica... 17

1.2 A Universidade e o processo formativo: uma ideia de ensino... 19

1.3 A universidade: a democratização, a modernização e a operacionalização do ensino da pesquisa... 24

1.4 Fases das reformas universitárias no Brasil... 27

1.5 A universidade: crises e contradições no ensino da pesquisa... 30

2 COMUNIDADES LEITORAS NA UNIVERSIDADE: REPRESENTAÇÕES DE LEITURAS... 33

2.1 O conceito de representação cultural... 35

2.2 Modos de representação de leitura... 38

2.3 As maneiras de realização de leitura... 40

2.4 Protocolos de leitura... 43

3 MARCAS DO EU E DO OUTRO NA ESCRITA... 47

3.1 As não-coincidências enunciativas ou as heterogeneidades da linguagem... 50

3.2 A metaenunciação: o outro e a minha maneira de dizer... 55

3.3 Modos de representação do discurso: a metaenunciação na escrita acadêmica... 55

4 OS DADOS COMO POSSIBILIDADES DE CONSTRUÇÃO DE UMA LEITURA ANALÍTICA DE UMA REALIDADE... 59

4.1 Metodologia da pesquisa... 59

4.2 O discurso representativo de uma teoria na escrita acadêmica... 61

4.3 Composição e critérios obedecidos para constituição do corpus... 63

4.4 As dissertações em seu contexto de produção... 63

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4.5.1 Resumos das dissertações produzidas pela comunidade de

pesquisadores da CPUP... 64

4.5.2 Resumos das dissertações realizadas pela comunidade de pesquisadores da CPUF... 66

4.6 Procedimentos de análise... 68

5 OS MODOS DE REPRESENTAÇÃO DO DISCURSO OUTRO NA ESCRITA DOS PESQUISADORES... 70

5.1 Protocolos conceituais de leitura que orientam as pesquisas das comunidades CPUP e CPUF... 70

5.2 Os conceitos teóricos mobilizados na comunidade científica de leitura CPUP... 70

5.3 Os conceitos teóricos mobilizados na comunidade científica de leitura CPUF... 72

5.4 O repertório de leitura das comunidades de leitura CPUP e CPUF... 73

5.5 Representação linguística do discurso outro na escrita das comunidades de leitura CPUP e CPUF... 74

5.5.1 Representação do conceito de enunciado em 2P-2010... 75

5.5.2 Representação do conceito de enunciado em 5F-2012... 78

5.5.3 Representação do conceito de gênero em 5P-2008... 81

5.5.4 Representação do conceito de gênero dada por 4F-2015... 83

5.6 Representações da escrita de conceitos menos recorrentes nas dissertações das comunidades CPUP e CPUF... 86

5.6.1 Representação do discurso de outrem em 1P-2008... 86

5.6.2 Representação do conceito de dialogismo em 2F-2012... 89

5.7 Representação de leitura dos conceitos utilizados nas comunidades CPUF e CPUP... 92

5.7.1 Análise das representações de leitura da comunidade CPUP... 93

5.7.2 Análise das representações de leitura da comunidade CPUF... 95

5.7.3 Modos de realização de leitura do discurso outro... 99

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5.7.3.2 Quanto ao modo de realização de leitura da comunidade CPUF... 101

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 103 REFERÊNCIAS... 107

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa é parte dos estudos desenvolvidos pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem – PPgEL/UFRN e integra, especificamente, as investigações realizadas pelo Grupo de Estudos do Texto e do Discurso – GETED, sobre os modos de produção e circulação do conhecimento na universidade. Trata-se de um trabalho que investiga a escrita em dissertações de mestrado, no âmbito de duas comunidades de leitura científicas, inseridas no interior de duas universidades brasileiras.

Compreendendo, sobretudo, a escrita acadêmica como um produto científico que demonstra a produção de conhecimento na universidade contemporânea, o foco investigativo deste trabalho volta-se para análise dos modos de utilização de conceitos teóricos, para as maneiras de apropriação desses discursos. Por entender que essas maneiras de apropriação se dão, empiricamente, a partir da realização de leituras orientadas, que obedecem a critérios legitimados, que regem os parâmetros orientadores dos modos de fazer e produzir pesquisas na universidade, nossa investigação focaliza as formas de representação de leitura, apresentadas por mestrandos, frente ao dizer das teorias mobilizadas na escrita da parte denominada de fundamentação teórica. Em específico, analisaremos as formas de representação de leitura dadas a conceitos teóricos bakhtinianos, utilizados pelos pesquisares nas dissertações que compõem o corpus de nossa pesquisa.

Para tanto propomos as seguintes perguntas: a) quais são os conceitos teóricos recorrentes nas dissertações analisadas? b) de qual maneira encontram-se, linguisticamente representados os conceitos teóricos na escrita de pesquisadores em formação? e c) como são construídas as representações discursivas de leituras em determinadas comunidades de leitura científica?

Partimos da hipótese de que o modo como o pesquisador mobiliza discursivamente o dizer das teorias, na escrita de textos, produz efeitos de respostas às leituras realizadas e, portanto, demarca, nesses escritos, as formas de recepção e direcionamentos interpretativos a discursos de outros, apreendidas por meio das orientações recebidas no interior da comunidade de leitura científica, na qual está inserido.

Desse modo, temos como objetivo geral, analisar em que medida é possível relacionar as influências recebidas em comunidades de leituras partilhadas às posições enunciativas, assumidas por pesquisadores frente ao dizer de uma teoria, na escrita de

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dissertações de mestrado. Nossos objetivos específicos consistem em: a) descrever o modo como o dizer do outro encontra-se linguisticamente representado na escrita dos pesquisadores em formação; b) examinar o posicionamento de leitor assumido frente aos teóricos mobilizados; e c) analisar o modo como as comunidades leitoras, no contexto da universidade, fazem uso de conceitos teóricos mobilizados na escrita das dissertações.

No processo de formação acadêmica, a leitura de teorias é uma atividade constante, isto porque é por meio da realização de diversas atividades de leitura, que os pesquisadores se apropriam das distintas concepções teóricas de sua área de estudo. Contudo, quando se trata de textos científicos, as maneiras como são feitas as apropriações desses discursos dependem, diretamente, das atribuições de sentido e das relações de legitimação que o campo intelectual responsável pelo processo de transmissão, distribuição e usos desses discursos estabelecem para com esses textos.

Nesse sentido, depreende-se que ler e escrever na universidade, no nível de pós-graduação stricto sensu, é produzir uma leitura/escrita que apresenta posicionamentos ideológicos de comunidades de leitura científicas, de modo a responder às valorações que essas comunidades atribuem aos textos que leem e pesquisam.

Destarte, como tanto as atividades de leitura quanto as atividades de escrita realizadas por pesquisadores em nível de pós-graduação se desenvolvem no interior de grupos de pesquisas, ou seja, de comunidades leitoras científicas, entendemos, desse modo, que essas produções científicas materializam, linguística e discursivamente, efeitos de sentidos em consonância com os posicionamentos ideológicos relativos aos valores e às visões de mundo que estruturam e regulamentam as formas de produção de pesquisas, nessa instituição.

As perguntas as quais nos propomos responder foram instigadas a partir das indagações e dos estudos acerca dos modos de produção e circulação de conhecimento na universidade, temática que orienta as pesquisas desenvolvidas pelo Grupo de Estudos do Texto e do Discurso – GETED, do qual fazemos parte.

Dentro desta discussão, realizamos nossa investigação a partir da verificação de quais conceitos são mais recorrentes nas dissertações em análise. Elencamos os conceitos com a finalidade de verificar os repertórios de leitura que balizam a circulação e a apropriação de conhecimento nessas comunidades científicas e, assim, observar os diferentes efeitos de sentidos discursivamente atribuídos a esses discursos, nas construções enunciativas elaboradas pelos pesquisadores, na escrita de suas dissertações.

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Assim sendo, a temática específica desta pesquisa volta-se para a análise, a partir das marcas linguísticas que se dão a vê nos escritos, as formas de inserção de discursos outros no dizer do pesquisador, assim como, o modo como são discursivamente construídas, as representações de leitura de conceitos bakhtinianos, mobilizados por esses pesquisadores na escrita da fundamentação teórica de suas pesquisas.

Nosso corpus é composto por dez dissertações produzidas e defendidas por duas comunidades de leitura científicas de Programas de Pós-Graduação em Linguística, em duas universidades brasileiras. Selecionamos cinco dissertações produzidas em uma universidade privada, situada na região Sul, e cinco dissertações produzidas em uma universidade federal, situada na região Nordeste do Brasil. Todas as pesquisas foram produzidas no recorte temporal compreendido entre os anos de 2000 a 2015.

Focalizamos a investigação na análise dos modos de inserção e uso de um discurso teórico específico, no caso, conceitos bakhtinianos, na escrita de dissertações de mestrado, compreendendo essas formas de inserção do dizer de outro como maneiras de representação de leitura, de um produto científico cultural. Justificamos nossa escolha por analisar os modos de uso e apropriação de conceitos elaborados por um teórico específico, por trata-se de um discurso científico que dá embasamento a uma vasta produção de pesquisa na universidade. Desse modo, analisar os modos como comunidades de leitura científicas fazem uso e se apropriam de conceitos bakhtinianos é uma maneira direta de observar, pela forma como essa teoria é mobilizada na fundamentação teórica dessas pesquisas, os modos como se dão, no contexto atual da universidade, as formas de conduzir e produzir ciência nessa instituição. Sabemos que a universidade, pelos modos de fazer ciência, ou seja, de produzir pesquisas, deixa a mostra o lugar em que os saberes já produzidos ocupam na sua forma de transmissão de conhecimento, como também, que tipo de saber está sendo produzido e legitimado nessa instituição.

Do ponto de vista teórico, realizamos um estudo interdisciplinar realizando um diálogo entre a Linguística, a Sociologia e a História. Dividimos, assim, o nosso trabalho em cinco capítulos, nos quais apresentamos: as discussões teóricas e metodológicas e o trabalho de análise de dados, obedecendo aos seguintes modos de organização.

No capítulo um, apresentamos uma reflexão acerca das transformações ocorridas nos modos de realização de pesquisas, a partir das reformas de reordenação do ensino universitário, no contexto da democratização do ensino superior. Tomamos por lente os estudos sociológicos realizados por Santos (1997, 2008) e Chauí (2001, 2003) que

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questionam o lugar que a universidade contemporânea ocupa na produção de conhecimento, como também, refletem sobre as crises vivenciadas por esta instituição, a partir do momento em que passou a ser encarada como uma organização social.

No capítulo dois, destacamos os estudos culturais realizados sobre as maneiras de realização e apropriação de leitura em comunidades leitoras, empreendidos pelo historiador Chartier (1988, 2010, 2013). Contemplaremos as temáticas envolvidas nas maneiras de transmissão, de apropriação e de usos de discursos. Respaldamo-nos nos conceitos de representação cultural e de apropriação. Trata-se de conceitos sociológicos que postulam sobre a leitura e a escrita, compreendendo-as como práticas que refletem formas de apropriação e de uso de discursos, que, por sua vez, se apresentam nos escritos como modos resultantes da construção interpretativa de leituras e apresentam efeitos de sentidos atribuídos socialmente a esses textos.

No capítulo três, explicitamos o enfoque teórico que dá embasamento aos fatos linguísticos e enunciativos relativos às formas de representação do discurso outro, inseridas nas mensagens enunciativas, em referência ao dizer da teoria. O percurso analítico se norteará pela teoria das heterogeneidades enunciativas, elaborada por Authier-Revuz (1998, 2004). A linguista entende que as atividades linguageiras apresentam constitutivamente dizeres de sentidos sempre “não-coincidentes” com eles mesmos. Esse entendimento se justifica pelo fato de falarmos sempre a partir de discursos Outros/outros, da permanente presença da alteridade no discurso e do dizer do outro ocupar sempre um lugar em nosso dizer. Sendo, portanto, a partir das formas de representação do discurso outro que a alteridade discursiva, ou seja, que o discurso outro segundo o qual se fala, aparece de forma explícita no dizer. Tornando-se, portanto, possível perceber a sua inserção em um dizer, por meio das marcas linguísticas de discurso indireto, discurso direto, discurso indireto livre, as ilhotas textuais e as derivações de discurso segundo. Guiamo-nos pelo uso das marcas linguísticas para identificar e descrever de qual maneira e feita as formas de inserção dos conceitos teóricos bakhtinianos nas dissertações analisadas.

No capítulo quatro, apresentamos a metodologia utilizada para a análise da pesquisa, descrevemos o percurso realizado e os critérios adotados para a escolha do corpus. Na sequência, descrevemos as categorias adotadas para a análise das marcas linguísticas e das maneiras de realização de leitura. Em linhas gerais, apresentamos o ponto de vista adotado pelo paradigma indiciário de Ginzburg (1986), metodologia a qual embasamos esta pesquisa.

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No capítulo cinco, realizamos a descrição e a análise do corpus selecionado. Para tanto, exibimos quadros que demonstram os conceitos teóricos mais mobilizados nas dissertações. Na sequência, realizamos a análise linguística das formas de representação do discurso outro, inseridas nos escritos dos pesquisadores. Além disso, apresentamos uma análise das maneiras de realização de leitura e das formas de apropriação da teoria bakhtiniana, presentes no escrito das duas comunidades de leitura científicas.

Por fim, apresentamos algumas considerações a respeito dos resultados encontrados nas dissertações analisadas, correlacionando, os modos de apropriação e as formas de representação dadas à teoria bakhtiniana, verificadas nestes escritos, com os modos de produzir conhecimento na universidade.

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1 A FORMAÇÃO E OS MODOS DE PRODUÇÃO DE PESQUISAS NA UNIVERSIDADE

Neste capítulo, objetivamos tematizar os modos como são produzidas as pesquisas na universidade. Para tanto, engendramos uma reflexão sobre as formas de realização de pesquisa na universidade. Discutimos sobre as transformações ocorridas nos modos de realização de pesquisas e de produzir e transmitir conhecimento nessa instituição, no contexto da democratização e modernização do ensino superior.

1.1 O imaginário de uma formação acadêmica

O ingresso no ensino superior é tido como um objetivo a ser alcançado na vida de muitos jovens. Milhões de estudantes, todos os anos, se submetem aos exames oficiais classificatórios de acesso ao ensino superior, na tentativa de conseguir uma vaga que lhes possibilitem cursar uma formação universitária. Do ponto de vista do senso comum, ter acesso ao universo acadêmico é torna-se um sujeito do saber. É, portanto, torna-se “alguém na vida” que, por meio do conhecimento adquirido no período de formação, consegue alcançar as condições necessárias para ascender socialmente.

Levando em consideração o ponto de vista do senso comum, podemos observar que a sociedade atribui ao ensino universitário uma função social, a função de transmitir um conhecimento consistente que contribua não só com a ciência e com a cultura, mas também para o aprimoramento da vida dos sujeitos universitários. Desse modo, o discurso que versa sobre o ensino superior é sustentado no imaginário social, como sendo um aprendizado que oferece uma formação plena de saberes que ultrapassam os conhecimentos ordinários.

Chauí (2003) considera que, dentre as várias expectativas relacionadas ao aprendizado adquirido no ensino superior, está a possibilidade de que a formação universitária seja capaz de desenvolver, de alguma forma, a capacidade intelectual e intersubjetiva de compreensão dos sujeitos. É, portanto, a partir do aprendizado intelectualmente adquirido que os sujeitos tornam-se capazes de realizar reflexões acerca dos saberes instituídos socialmente. Competência que o torna capaz de correlacionar e situar historicamente, os saberes no tempo e no espaço, enquanto fatos exteriores do mundo. Tal visão é possível, porque, conforme Chauí (2003, p.11), toda formação acadêmica está atrelada à compreensão ideológica de que todo processo educativo, partilha da concepção de que, o saber “significa um movimento de

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transformação interna daquele que passa de um suposto saber (ou da ignorância) ao saber propriamente dito (ou à compreensão de si, dos outros, da realidade, da cultura acumulada e da cultura no seu presente ou se fazendo)”.

Em vista desse pensamento, pode-se perceber que há, em torno de uma formação universitária, um discurso legitimado e sustentado por valores sociais positivos. Valores que agregam a formação universitária como fator que possibilita uma autotransformação na vida dos sujeitos. Há, portanto, um discurso representativo que atribui à universidade a função social de capacitar intelectualmente seus educandos de forma a dotá-los com os saberes necessários, para que esses alunos consigam ascender tanto em sua vida pessoal quanto profissional.

O desenvolvimento da economia capitalista constituiu um marco importante para a evolução do pensamento científico, como também desse imaginário social acerca da formação acadêmica, uma vez à formação juntou-se a ideia de produtividade. Concomitantemente, atrelada as evoluções industriais, empresariais e do mercado financeiro, o sistema monetário capitalista transformou todos os aspectos da sociedade. É perceptível, sobretudo, a influência das formas de agir capitalista, em relação a sua forma de gerir a produção de mercadorias, preponderando na modelização dos modos de organização da vida social, como também nos princípios que regem as instâncias educacionais.

Não é objetivo desta pesquisa proceder uma análise histórica das mudanças ocorridas na universidade. Interessa-nos, apenas, desenvolver uma reflexão sobre as maneiras de produções de pesquisas na universidade, a partir das reformas ocorridas no ensino superior. Essa contextualização, todavia, nos é importante, porque ajuda a compreender a relação entre o social e a universidade e entre esta e a produção acadêmica, ou seja, não há como dissociar a universidade do contexto social mais amplo.

Dessa forma, trazemos para o foco da discussão, as transformações acarretadas para a produção do conhecimento na universidade, a partir incorporação de ideias que pertencem a um campo de conhecimento outro, qual seja, o campo econômico, nos modos de produção da pesquisa.

Por realizarmos uma pesquisa que analisa a escrita acadêmica, tendo por objeto dissertações de mestrado, realizadas em comunidades de leitura científicas, sobreleva-se a necessidade de contextualizarmos este lugar de produção de conhecimento. Visto que, as técnicas intelectuais apreendidas para a realização das leituras teóricas, as quais estão

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materializadas nos escritos das dissertações em estudo, evidenciam as concepções que balizam e direcionam os modos de produzir pesquisas nessas instituições.

Entendemos que as formas como são feitas as inserções do discurso da teoria, nas mensagens conceituais mobilizadas nas dissertações de mestrado em análise, refletem o entendimento discursivo compreendido em relação aos dizeres das teorias mobilizadas pelos pesquisadores. Os modos de inserção do dizer da teoria nesses escritos são produto das maneiras de realização de leitura e resultam dos modos de atribuir sentido a esses conhecimentos pelas comunidades de leitura, em que essas pesquisas foram produzidas. Esses escritos indiciam, desse modo, as concepções de ensino e os métodos de fazer pesquisa adotados pelas comunidades de leituras científicas em que os pesquisadores estão inseridos.

1.2 A Universidade e o processo formativo: uma ideia de ensino

Tomamos por lente, para desenvolvermos está reflexão, os estudos realizados pelo sociólogo português Boaventura de Souza Santos (1997, 2008), nos escritos denominados: Da ideia da universidade a universidade de ideias (1997), e, A Universidade do século XXI: para uma universidade nova” (2008) e, nas reflexões desenvolvidas pela filósofa Marilena Chauí, nos textos: Escritos sobre a Universidade (2001) e Contra a universidade operacional (2003, 2010).

Nesses escritos, os autores discutem, analisam e pontuam os diversos desafios e as crises vivenciadas pela universidade contemporânea, em decorrência das exigências advindas das políticas de transformações estruturais e culturais, impostas pelo mundo globalizado para a adesão de novos modelos destinados ao ensino de produção de pesquisas. São, portanto, estudos que corroboram para nossa compreensão em relação à produção de conhecimentos validados pelos modelos de produção de pesquisas, adotados pelas universidades, a partir da reordenação democrática do ensino superior.

Tanto as reflexões desenvolvidas por Santos (1997, 2008) quanto as considerações elaboradas por Chauí (2001, 2003, 2010), estão voltadas para discutir as reformas realizadas nas universidades, mais precisamente, no contexto da América Latina e do Brasil.

Na visão desses estudiosos, a realização das reformas ocorridas nas maneiras de conduzir o ensino de pesquisas nas universidades, mais precisamente, a partir da década de 1970, aconteceram em decorrência de exigências feitas, principalmente, pelas demandas do mercado de trabalho que precisava de mão de obra qualificada. Em vista

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dessas exigências, as crenças que guiam o sistema econômico capitalista neoliberal acabaram influenciando os parâmetros orientadores dos novos modelos de realização do ensino de pesquisas na universidade. Diante de um contexto social que reivindicava mudança nas formas de produzir conhecimento, a universidade optou pela adoção de maneiras diferenciadas de formação, realizando ajustes e exclusão de conteúdos em alguns cursos, tomando por base, o público visado.

Nas ponderações desses autores, os novos modos de realização de um ensino acadêmico, obedecendo a um crivo curricular de acordo com o público visado e enfatizando, sobretudo, as especificidades formativas com fins voltados para técnicas de trabalho, contraditoriamente, extinguiram, de certo modo, o conteúdo humanístico e a prática da pesquisa como meio por meio do qual se dava a formação e a aquisição do conhecimento.

Os estudos empreendidos por Santos (1997) revelam que, desde os primórdios, o enfoque de difusão do ensino e da produção de conhecimento, no contexto da universidade, pautava-se em concepções de caráter filosófico e teológico, visando à formação intelectual e espiritual humana. A formação universitária constituía-se, assim, em um espaço que objetivava o ensino e a reflexão de saberes. Buscava-se, então, formar pensadores dotados de conhecimentos universais, com competência e capacidade intelectual desenvolvida, de forma a lhes conferir discernimento para saber compreender e debater, adequadamente, sobre qualquer assunto.

De acordo com o sociólogo, por se tratar de uma instituição inserida na sociedade, ao longo de sua trajetória, a universidade acompanhou e incorporou fundamentos epistemológicos, pensamentos e ideias de contextos socioculturais diversos. Como também, elaborou novos modelos acadêmicos de base para transmissão e produção de saberes, assim como novas formas de pensar e atribuir sentido aos conhecimentos produzidos.

Embora tenha passado por diversas modificações em relação a modelos de ensino, Santos (1997,164) enfatiza que “a notável continuidade institucional da universidade, sobretudo no mundo ocidental sugere que seus objetivos sejam permanentes”. Para o autor, talvez seja, justamente, em razão dessa inflexibilidade a mudanças, um dos motivos pelos quais, a universidade manteve sua permanência e conservação institucional ao longo dos séculos de sua existência.

Para registrar um conceito do que seria a missão da universidade, Santos (1997) convoca a voz de Karl Jaspers, em reflexão desenvolvida sobre como podemos definir o principal objetivo da universidade:

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A missão eterna da universidade: é o lugar onde por concessão do Estado e da sociedade uma determinada época pode cultivar a mais lúcida consciência de si própria. Os seus membros congregam-se nela com o único objetivo de procurar, incondicionalmente, a verdade e apenas por amor à verdade (Jaspers, 1965, p. 19). Daqui decorreriam, por ordem decrescente de importância, os três grandes objetivos da universidade: porque a verdade só é acessível a quem procura sistematicamente, a investigação é o principal objetivo da universidade; porque o âmbito da verdade é maior que o da ciência, a universidade deve ser o centro da cultura, disponível para a educação do homem em seu todo; finalmente, porque a verdade deve ser transmitida, a universidade ensina e mesmo o ensino das aptidões profissionais deve ser orientado para a formação integral (19-51) (Apud SANTOS, 1997, p. 163, 164).

Ao lançarmos um olhar interpretativo para a conjuntura de objetivos descritos acima, podemos depreender, em um plano geral, os valores fundamentais que permeavam e direcionavam o ensino na universidade. Pelo conteúdo das ideias expressas, observamos que a prioridade principal da universidade era a formação integral dos indivíduos, com intuito de dotá-los de altos conhecimentos culturais, sobretudo, os conhecimentos considerados como verdadeiros, sendo esses saberes transmitidos sistematicamente por intermédio da investigação. Logo, a procura, ou seja, a investigação científica seria a única forma do sujeito de encontrar a verdade sobre as coisas, sobre os fatos culturais e científicos do mundo, e, desse modo, atingir uma formação plena.

Tinha-se, portanto, como fundamento uno, imbricado na busca pela verdade, a realização da pesquisa. O ensino da investigação seria, então, o foco principal da transmissão do conhecimento na universidade, sendo o modo pelo qual o educando obtinha o saber e o aprimoramento necessário à sua formação. Materializam-se, nessas formulações, o objetivo maior da universidade, qual seja, a realização da investigação, da pesquisa como forma de levar o sujeito a atingir a verdade, ou seja, a obter o conhecimento. Esse fundamento, inculcado sob “uma ideia una porque vinculada à unidade do conhecimento” (Santos, 1997, p. 164), a priori, apresenta o alicerce do caminho investigativo, pelo qual, os pesquisadores deveriam percorrer para construir uma basede saberes acumulados.

Logo, seria a partir do conhecimento construído empiricamente, através da realização de pesquisas, que os indivíduos desenvolveriam a capacidade de realizar reflexões diversas ancoradas em saberes racionais intelectivos.

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De acordo com Santos, mesmo que perenemente, esses objetivos mantiveram-se norteando a formação universitária até meados da década de setenta. Contudo, nas observações do estudioso, em virtude das sucessivas fases vivenciadas pela economia capitalista neoliberal e a modernização ocorrida nos processos de produção de produtos industrializados e, sobretudo, com a democratização do ensino público, como um direito acessível para todos os cidadãos, pôde-se observar, uma maior exigência por parte da sociedade, para que a universidade adotasse novos modelos de formação.

As exigências para a elaboração de novas maneiras de transmissão do saber respondeu a convocações de setores distintos. De acordo com Santos (2008, p. 25), partiam convocações advindas, por exemplo, de grupos sociais que reivindicavam o acesso ao ensino superior, como um “direito à educação, traduzida na exigência da democratização do acesso à universidade, e, por outro lado, nos imperativos da economia que exigia uma maior qualificação da mão-de-obra nos sectores chave da indústria”. As convocações de mudanças, advindas do setor econômico, assentavam-se em ideias difundidas pelo setor empresarial e visavam, entre outros objetivos, que a universidade oferecesse cursos com uma formação sustentada em princípios formadores de mão de obra para o setor terciário.

De acordo com Chauí (2001. p. 9), um outro discurso que também reivindicou mudanças no processo de ensino foi o discurso advindo do “interior da própria universidade”. Representando vozes de movimentos organizados por órgãos, como as agências de fomento às pesquisas, e por dirigentes (reitores, vice-reitores) de algumas instituições universitárias. Esses discursos exigiam o que se denominou de modernização da universidade. Chauí (2010. p. 90) salienta que esses discursos amparavam-se, em um primeiro momento, no argumento de que modernizar a universidade seria uma maneira de “superar a defasagem em relação aos outros países” e “romper a rotina que embrutece à docência e garantir aos professores o direito a intervir nas decisões universitárias”.

Contudo, na compreensão de Chauí, se pararmos para realizar uma análise mais aprofundada dos princípios contextuais, que balizavam todas as propostas de defesa da modernização da universidade, um fundamento em comum sustentava todos elas: “a distinção entre ensino e pesquisa” (CHAUÍ, 2010, p. 98).

Em relação às convocações concernentes à formação de mão de obra, uma das respostas elaboradas pela universidade, segundo Santos (1997), foi traduzida em ações como: a reestruturação da grade curricular de alguns cursos; a criação de novos cursos separados por áreas; ajustes em modelos teóricos; e a elaboração de novos métodos de

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ensino. Tratava-se, portanto, da universidade agregar a suas funções, a função de promover, para além do ensino e da investigação voltados para o aprendizado intelectual, o ensino de rotinas instrumentais para o trabalho. Ou seja, o ensino de regras de comportamentos e orientações sobre o saber fazer para a prestação de “serviços”.

A realização de pesquisas embasadas nesse modelo de ensino adaptou-se às matizes exigidas pelo sistema econômico, forma de adequação organizacional frente às interferências do mercado. Em face da necessidade de formar pessoas com conhecimentos específicos, os cursos superiores diminuíram, assim, a quantidade do conteúdo formativo voltado para a parte cultural ou humanística, a pesquisa adquiriu, nos cursos voltados para essas especificidades, um caráter científico, tecnológico e utilitário.

Para Chauí, a produção de pesquisas voltadas para a aprendizagem de conteúdos com fins utilitários, com vista a adquirir um saber para ser usado e aplicado na resolução de problemas concretos, que responde à finalidade de resolver problemas reais. As pesquisas produzidas nesses parâmetros se configuram, basicamente, em “um cálculo de meios para soluções parciais e locais para problemas e obstáculos locais” (CHAUÍ, 2003, p.7), sem, contudo, levar o aluno a realizar uma reflexão consistente e aprofundada sobre o assunto pesquisado. Não há, por parte do pesquisador, questionamentos sobre quais foram os possíveis motivos que ocasionaram o surgimento do problema, suas ações assumem estatuto de intervenção, orientando-se, basicamente, somente para a resolução.

No entendimento de Santos (1997, p.170), a realização de pesquisas com intuitos utilitários, agregados ao ensino profissionalizante, resultou para universidade “numa multiplicidade de funções por vezes contraditórias entre si”. Se de um lado, a universidade reconhecia como processo de formação um projeto que visava à formação intelectual dos indivíduos, de outro, ter de assumir uma perspectiva de ensino, também, direcionada para uma formação com especificidade profissionalizante, se configurou em dilemas, de certa forma, incompatíveis e contrários às funções tradicionais e ao papel formativo, os quais, a universidade idealizava e considerava ser uma formação acadêmica.

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1.3 A universidade: a democratização, a modernização e a operacionalização do ensino da pesquisa

“Modernizar” é criar a “universidade de serviços”1.

Marilena Chauí

O acesso à educação para todos, reconhecido como um direito adquirido, de forma a agregar, principalmente, a população oriunda das classes sociais economicamente menos favorecidas, respondeu a lutas de várias vertentes, por exemplo, aos protestos realizados pelos movimentos estudantis que reivindicaram por igualdade de oportunidade e a ampliação de vagas para todos os cidadãos nas universidades públicas.

De acordo com Santos (1997), com a democratização do ensino público superior, processo ocorrido a partir da década de 1960, o ensino universitário adquiriu, de certa forma, aspectos mais democratizantes. Havendo, sobretudo, a abertura de novos cursos e a ampliação de vagas nos cursos já existentes. A universidade passava, assim, a oferecer uma educação dita, assegurada a todos, ofertada de forma gratuita pelo estado, não importando a origem social das pessoas, amparando-se no discurso meritocrático de que o esforço individual feito pelos sujeitos lhes capacitaria para adquirir sua vaga no curso que almejasse.

Contudo, uma implicação segregadora pôs em xeque o discurso difundido pela representação da educação tida como democrática e meritocrática. A primeira discrepância encontrada ocorreu na dicotomia apresentada entre o nível de conhecimento apresentado pelos alunos advindos da escola pública e o nível de conhecimento apresentado pelos os alunos que frequentaram a escola privada. Essa disparidade desfavorece a entrada da população da escola pública, impedindo-lhe de competir em igualdade de condições nos processos seletivos para a entrada na universidade. Chauí (2001. p. 57), em texto que promove uma discussão sobre o processo de democratização do ensino, incluindo também o Ensino Médio, afirma que durante esse processo, ocorreu uma espécie de massificação e “precarização da escola pública de primeiro e segundo graus”, cujas maneiras de transmitir o saber assumem uma dimensão social baseada na ideologia de classe, isto porque, “a educação no Brasil sempre foi considerada como um privilégio, e, portanto, para poucos”.

1 Grifos da autora.

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Ainda para Chauí (2001), o processo de modernização e democratização da universidade, no contexto do sistema financeiro capitalista, seguiu e segue a racionalidade propagada pela ideologia administrativa da economia neoliberal. Sendo, portanto, um processo marcado pela lógica da competitividade, da produtividade, da eficácia, da autonomia, da competição, da exclusão e da fragmentação da produção de conhecimento. A adoção por matrizes referencias, para o ensino da pesquisa na universidade indicia, sobretudo, a necessidade de se fazer uma reflexão sobre o significado do que se pode entender por ato de ensinar e a ação de aprender, no contexto de uma formação universitária. Tomar conhecimento sobre as implicações, a partir das quais são direcionadas as formas de fazer ciência, no contexto atual da universidade, é uma possibilidade para se entender, de fato, as questões que perpassam a democratização do ensino universitário.

Para a estudiosa, o processo de democratização e de instrumentalização dos saberes na universidade ocorreu de forma simultânea, com vista a atender as demandas advindas, principalmente, do mercado que necessitava de pessoas qualificadas para o setor de serviços. Verificou-se, então, ações, como a expansão do ensino privado superior, adaptações curriculares visando o ensino de procedimentos instrumentais e a criação de cursos que, mesmo sendo superior, basicamente, dedicavam-se, a formação profissionalizante. Nessa modalidade de formação acadêmica mercantilizada, a estrutura curricular referente aos saberes humanísticos foram reduzidos, em detrimento de uma metodologia voltada para a aquisição de saberes técnicos.

Desse modo, a ótica de organização dos critérios que sustentam os projetos de modernização da universidade não se assentam na crença de que se deve investir em práticas que visem a potencializar a aquisição de conhecimento de forma igualitária para toda a população acadêmica, isto porque, para Chauí (2001, p.159), o que fundamenta os parâmetros que dão qualificação a visão democratizante do ensino é “a lógica de mercado”, e, para esse modelo de formação, o conhecimento principal a ser adquirido pelos sujeitos educandos é a capacidade de compreender os processos de instrumentação propagados nos cursos, de modo a saber transformar esses saberes em capital de competição, de acordo com às exigências de sua área profissional.

Para essa lógica de ensino, é imprescindível que o aluno desenvolva competências que lhe possibilite gerenciar, por si próprio, o seu aprendizado, de forma a adquirir hábitos necessários para ter êxito na vida, pois será a sua “capacidade de competir no mercado intelectual, que decidirá quais são os melhores e quais os piores” profissionais (CHAUÍ, 2001, p.160). Dessa forma, ter conhecimento, por esse prisma, é

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ter domínio de modos instrumentais de saber como fazer procedimentos, de saber como se portar diante as situações adversas, de saber que postura profissional adotar, ou seja, ter o domínio das utensilagens instrucionais adquiridas pelos sujeitos no seu percurso formativo, que possibilitará o seu sucesso na vida acadêmica e no mercado de trabalho.

A filósofa alerta ainda que o principal problema de toda fragilidade que perpassa a produção de conhecimento, na universidade contemporânea, reside na “não-percepção da perda de sentido das humanidades e das ciências sociais” pelas pessoas que comandam os debates sobre a educação (CHAUÍ, 2001, p. 160), isto porque, a adesão à práticas da racionalização e da fragmentação do ensino, amparada em bases formativas que obedecem a currículos baseados em informações prescritivas, com vistas ao comprimento de metas produtivistas, é realizada de forma natural pela maioria da comunidade acadêmica, sem nenhum questionamento. Formas incorporadas e consolidadas pelas instituições de modo que a expressão do pensamento, ou:

a simples suposição de que a ciência tem algo a ver com a invenção, com a criação e a instauração de um saber novo é imediatamente descartada e julgada anacronismo improdutivo. O argumento cola-se, portanto, aos dados empíricos e propõe um ajuste entre o trabalho universitário e as exigências do capital, este último nunca designado como tal, mas sob etiquetas como ‘sociedade de massa’, ‘sociedade pós-industrial’, ‘massificação da cultura’, imperativos de eficiência e de rendimento. O argumento e a proposta dele decorrente confundem a situação empírica do trabalho científico e tecnológico e as exigências imanentes da própria ciência e da própria tecnologia (CHAUÍ, 2014, p.104, grifos da autora).

A filósofa aponta a substituição dos parâmetros que regiam a produção científica por meio da criação de novos saberes como algo a ser construído pela reflexão intelectual empírica; em detrimento de modelos para o ensino de pesquisas baseados nos parâmetros que guiam a produção de objetos tecnológicos, fabricados em grande escala e em curtos períodos. Questiona-se, principalmente, a produção de pesquisas assentadas em bases científicas que estão em conformidade com a dinâmica do setor econômico, sobretudo, porque, para Chauí, o que se manifesta com essas inovações é o descarte e o abandono do principal objetivo da realização de pesquisas científicas, qual seja, o aprendizado e a formação intelectual dos indivíduos.

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1.4 Fases das reformas universitárias no Brasil

As reformas ocorridas no sistema universitário brasileiro corresponderam a diversas fases, vivenciadas em momentos históricos e econômicos diferentes. Chauí (2004) discorre sobre três fases distintas, denominadas por: universidade funcional, universidade de resultados e universidade operacional.

A primeira fase, denominada universidade funcional, ocorreu no período em que transcorria, no Brasil, a Ditadura Militar, especificamente, entre os anos de 1964 e 1980. As principais transformações deram-se nas reformulações curriculares dos cursos da área de ciências humanas; a separação dos cursos considerados pela sociedade como sendo de “elite” e a criação de cursos voltados basicamente para a formação profissionalizante. Foram transformações e adequações estruturais atreladas com as exigências do setor político e econômico da época. Do ponto de vista ideológico, as modificações estruturais, ocorridas durante a fase da universidade funcional, responderam a imperativos sociopolíticos, servindo como “prêmio de consolação que a ditadura ofereceu à sua base de sustentação político-ideológica, isto é, a classe média despojada de poder” (CHAUÍ, 2001, p.189).

Nessa fase, a universidade implantou projetos voltados para a qualificação e desenvolvimento de competências profissionais dos sujeitos advindos da classe média. Modelos de formação pautados em operações instrumentais e ajustados para responder aos anseios das pessoas com alto poder aquisitivo que buscavam obter “prestígios e ascensão social por meio do diploma universitário” (CHAUÍ, 2001, p.189), e, desse modo, angariar as vagas de empregos oferecidos pelo mercado de trabalho. Foi, também, nessa fase, que a universidade começou a separar os cursos que manteria a prática da pesquisa como principal meio de aquisição do conhecimento.

A segunda fase, denominada de universidade de resultado, transcorreu entre os anos de 1980 a 1994. Momento em que a economia brasileira vivia o chamado “milagre econômico”. Essa fase apresenta duas novidades.

Em primeiro lugar, a expansão para o ensino superior da presença crescente das escolas privadas, encarregadas de continuar alimentando o sonho social da classe média; em segundo lugar, a introdução da ideia de parceria entre a universidade pública e as empresas privadas. Este segundo aspecto foi decisivo na medida que as empresas não deveriam assegurar o emprego futuro dos profissionais universitários e estágios renumerados aos estudantes, como ainda financiar pesquisas diretamente ligadas a seus interesses. Eram os empregos e a utilidade

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imediata das pesquisas que garantiam à universidade sua apresentação pública como portadora de resultados (CHAUÍ, 2001, p.189-190).

Influenciada pelas mudanças econômicas que exigiam da sociedade mudanças significativas nas formas de profissionalização, a universidade, nessa fase, invertendo o foco do ensino essencialmente voltado para a formação intelectual, adotando parâmetros regulamentadores que balizavam a expansão e a acumulação do capital das empresas privadas, quais sejam, os critérios de “eficácia, produtividade e competitividade” (CHAUÍ, 2001, p.184).

A terceira fase, denominada de universidade operacional, gestada a partir das transformações ocorridas nas fases anteriores, começou a vigorar no ano de 1994 e perdura até os dias atuais. As modificações ocorridas nessa fase, dão continuidade ao projeto de adequação e modernização do ensino universitário, amparado na cultura do ensino pautado na ótica da produtividade e lucratividade. A adesão a racionalidade do ensino acadêmico, entendido como uso e consumo de produtos científicos/culturais, sustentado pelas estratégias de fragmentação e instabilidade, preconizadas pela economia capitalista neoliberal, tornou-se imperativa. Para Chauí (2003), em face a essas transformações metodológicas estruturais, principalmente, por ser o período em que o governo brasileiro estabelece que a educação superior deixaria de ser um serviço ofertado apenas pelo Estado, passando a ser oferecido, também, pelo setor privado. Com essas mudanças, a universidade passou a ser encarada como uma organização social, deixando, portanto, de ser uma instituição social.

A universidade vista e tida como uma instituição social teve sempre o reconhecimento público, por ser uma instituição que produzia e transmitia conhecimentos legítimos, fruto do trabalho intelectual adquirido pela realização de pesquisas, que seguia regras próprias (internas) do campo acadêmico, ou seja, a universidade se tornou conhecida por produzir saberes gerados por normas internas que conduziam a produção de conhecimento. Contudo, como uma organização social, segue um modelo de ensino inverso ao preconizado pela universidade como instituição social. Como organização social, a universidade operacional é:

Regida por contratos de gestão, avaliada por índices de produtividade, calculada para ser flexível, a universidade operacional está estruturada por estratégias e programas de eficácia organizacional e, portanto, pela particularidade e instabilidade dos meios e dos objetivos. Definida e estruturada por normas e padrões inteiramente alheios ao conhecimento e à formação intelectual, está pulverizada em microorganizações que ocupam seus docentes e curvam seus

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estudantes a exigências exteriores ao trabalho intelectual (CHAUÍ, 2013, p.7).

A universidade vista como organização social passa a ser administrada por padrões e regras que orientam o mercado capitalista de produção de mercadorias. É tida como uma empresa situada em um mercado competitivo que deve fabricar/produzir em grande escala e em curtos períodos. Na universidade operacional, a “pesquisa não é conhecimento de alguma coisa, mas posse de instrumentos para intervir e controlar alguma coisa”. A universidade operacional “opera, por isso não questiona seus métodos” (CHAUÍ2, 2014, p.4).

A filósofa salienta que, na universidade operacional, “a pesquisa deixa de ser conhecimento, reflexão sobre os conhecimentos já produzidos, ela passa a ser uma estratégia” (CHAUÍ, 2014, p.7), na qual o conhecimento adquire o estatuto equivalente aos objetos de consumo. Dessa forma, aos moldes da competição de um mercado que fabrica, que compra e que vende produtos, a produção de conhecimento científico na universidade contemporânea, para dar conta da produtividade exigida, também produz em larga escala pesquisas científicas. As teorias, nesse modelo de produzir ciência, por seu turno, adquirem o estatuto dos artigos considerados no mercado consumidor como sendo de “marca”, ou seja, um produto que, por possuir determinada etiqueta, basta que você “use” para ser cientificamente aceito. Dito de outra forma, na produção de uma pesquisa acadêmica, basta que se faça uso de conceitos, ou seja, “tenha posse de um conhecimento” relacionado a um autor legitimado pelo capital científico aceito “no mercado” acadêmico, para ter um “trabalho” considerado como uma pesquisa, uma produção de conhecimento.

Nos moldes adotados pela universidade operacional, o homem culto não tem espaço neste mundo de inovação perpétua, um mundo em que não importa passado nem futuro, só o presente. O ensino visto como sendo uma transmissão rápida e fragmentada de conhecimentos, como se aprender fosse receber “toques mágicos de varinha de condão” é um saber improdutivo para a real produção de conhecimento. Visto que, o saber atrelado, em primeira instância, ao mercado, não é um saber livre. O conhecimento profundo, crítico, livre, não pode ser construído num ambiente em que predominam os interesses econômicos.

2 Palestra proferida em 08 de agosto de 2014 e foi acessada pelo link:

http://adusp.org.br/files/database/2014/tex_chaui.pdf.

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1.5 A universidade: crises e contradições no ensino da pesquisa

Motivado pelas sucessivas reformas ocorridas no sistema de ensino superior, Santos (1987) elenca três crises vivenciadas pela universidade, considerando, sobretudo, as transformações ocorridas nos parâmetros que regem os processos formativos nessa instituição. Vivenciadas em diferentes tempos históricos e influenciadas pelos sistemas econômicos, em grande parte, pelo modelo de produção capitalista neoliberal, as reformulações organizacionais, realizadas nas maneiras de gerir e produzir o ensino e a pesquisa na universidade, resultaram em crises e contradições para a produção de conhecimento. Os novos posicionamentos formativos, adotados pela universidade, desencadearam, de acordo com Santos (1987), as crises denominadas crise de hegemonia; crise de legitimidade e crise institucional.

A crise de hegemonia, de acordo com o sociólogo, resultou, principalmente, da perda da centralidade da universidade, de ser a única instituição habilitada na produção ensino superior, visto que, diante de sua resistência inicial em disseminar saberes considerados contraditórios ao seu ideal de formação, ou seja, de formar pessoas qualificadas apenas para o mercado de trabalho para suprir a necessidade de formação desse público, sugiram as instituições privadas de ensino superior. Atitude que resultou na perda da autonomia do ensino como um bem público e na redução da centralidade da universidade como grande influenciadora da formação acadêmica e cultural da sociedade.

Com o surgimento do novo mercado universitário e a criação, no interior das próprias universidades públicas, de novos cursos científicos com currículos adaptados, a universidade passou a produzir, nas palavras de Santos (2008, p.13), um ensino de “produção de padrões culturais médios e de conhecimentos instrumentais úteis na formação de mão de obra qualificada exigida pelo desenvolvimento capitalista”. Buscou, a seu modo, incorporar essas demandas, sem, em um primeiro momento, abrir mão de projeto de formação centrado no sujeito dotado de uma cultura geral.

Essa lógica de promoção de conhecimento, contudo, pautava-se, no dizer de Santos, em “uma lógica de produção, de distribuição e de consumo completamente distinta e muito mais dinâmica da que é própria da cultura universitária” (Santos, 2008, p.168), oposta à visão centrada na cultura-sujeito, visando uma formação de excelência, defendida, até então, pela universidade.

As tensões geradas pelas resistências apresentadas pela universidade em desempenhar um ensino que abrisse mão de suas referências valorativas, de formar um

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sujeito do saber considerado ideal, em detrimento da formação do sujeito do fazer técnico, competente apenas para tal fazer, resultou, para a instituição, na perda da centralidade de ser a principal produtora de conhecimento científico e de grande influência na formação social e cultural de um povo. Essa perda da centralidade da produção de ensino se traduz na crise de hegemonia vivenciada pela instituição.

A crise de legitimidade foi provocada, de acordo com Santos (1997), mais precisamente, pelo fato de a instituição ter perdido o domínio do campo da produção do ensino superior e de ter adotado alguns modelos de formação com currículos adaptativos de forma a adequá-los a públicos diferenciados. Uma vez que, “há uma crise de legitimidade sempre que uma dada condição social deixa de ser consensualmente aceita” (SANTOS, 1997, p. 166). Ao deixar de ser a única instituição destinada a produção do saber e da pesquisa, concomitantemente, a qualidade de suas produções começou a ser posta em xeque e, por conseguinte, a desvalorização de seus diplomas.

Santos (1997, p. 184) afirma haver uma “implicação mútua da crise de hegemonia e da crise de legitimidade: o tipo de conhecimentos produzidos (questão de hegemonia) tende a modificar-se com a alteração do grupo social a que se destina (questão de legitimidade)”. Podemos perceber que, entra em questão nessa dupla implicação a resistência ideológica que sustenta os valores da universidade, visto que seu ideal de ensino respondia a uma “sociedade de classe”, entendendo ser seu ofício oferecer uma formação considerada ideal para um público determinado.

Nesse raciocínio, no momento em que se viu obrigada, em decorrência da democratização do ensino, a produzir conhecimento para um público de outra origem social, a instituição passou a promover um ensino desigual. Uma estratégia que objetivava a adequação dos conhecimentos que considerava pertinente ao perfil de determinados grupos de estudantes. Esses modelos de fazer ciência, adotados pela universidade, desvelam-se, justamente, na dinâmica de uma atitude concreta frente à tensão de ter que se posicionar entre públicos antagônicos. Descobre-se, portanto, nesse embate ideológico, uma atitude paradoxal que sucumbe ao que dizia ser seu ideal formativo, se entendêssemos que esse ideal seria um direito de todos e não apenas para responder a um público determinado. Em razão de tais atitudes, Santos (1997, p. 184) afirma que a universidade:

procurou desvincular na prática, e à revelia do discurso ideológico, a procura da universidade da procura da democracia e da igualdade de tal modo que a satisfação razoável da primeira não acarretasse a satisfação exagerada da segunda. Isto foi possível contrapondo à

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diferenciação e a estratificação da universidade segundo a origem social do grupo estudantil. Os múltiplos dualismos referidos, entre ensino superior universitário e não universitário, entre universidade de elite e universidade de massa, entre curso de grande prestígio e cursos desvalorizados, entre estudos sérios e cultura geral, definiram-se, entre outras coisas, segundo a composição social da população escolar.

O que se deve considerar, na verdade, no que compete aos questionamentos realizados em relação à desvalorização dos diplomas, é a qualidade da formação, frente a uma ideologia classista que não lança um olhar igualitário para com seus educandos. Se de um lado transmite um conhecimento que reconhece ser adequado e necessário para um público, considerado sob sua ótica ideológica como ideal e preparado para receber tal saber e ter tal formação, de outro, negligência tendo por base essa mesma ideologia classista. Oferta, dessa forma, uma formação diferenciada para o público que considera não ter competência para tal aprendizado ou por acreditar que, para esse público, esses saberes não farão sentido.

A crise institucional resulta da transformação da universidade em organização social. Com isso, a universidade perdeu a autonomia em produzir conhecimentos regidos por regras próprias ao campo do saber. Em virtude de ter aceitado se submeter aos critérios vigentes no campo do setor industrializado, gerou, desse modo, uma contradição entre a reivindicação da autonomia na produção de saberes e a submissão “a critérios de eficácia e produtividade de natureza empresarial ou de responsabilidade social” (SANTOS, 2008, p.10).

No próximo capítulo, apresentamos uma reflexão sobre as maneiras de realização de leitura em comunidades leitoras a partir dos estudos histórico-culturais, empreendidos por Chartier (1988, 2010, 2013) que contemplam as temáticas envolvidas nas maneiras de transmissão, de apropriação e dos usos de discursos, em contextos de comunidades leitoras.

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2 COMUNIDADES LEITORAS NA UNIVERSIDADE: REPRESENTAÇÕES DE LEITURAS

A cada dia, para o pior e para nossa vergonha, a crueldade com que nossas sociedades tratam os excluídos do escrito e aqueles que a miséria do mundo e a brutalidade das leis deixaram sem documentos relembra os desafios éticos e políticos ligados ao acesso à escrita.

Roger Chartier Dialogando com as palavras em epígrafe que tecem os primeiros fios enunciativos deste capítulo que aborda as representações de leitura, percebemos que a entrada no universo da leitura e da escrita não é uma experiência que pode ser vivida, naturalmente, por todas as pessoas da sociedade. As palavras de Chartier (2010) nos mostram que na sociedade, uma parte da população foi e/ou é “excluída” do direito de ter acesso ao conhecimento escrito. O historiador afirma que, por não se enquadrarem nos moldes de pensar e agir consagrado pelo mundo dos letrados e, em decorrência da falta de acesso aos saberes intelectuais, os sujeitos, por não se apropriarem dos saberes preconizados pela cultura escrita, deixam de ter os seus direitos socialmente reconhecidos pela sociedade.

Nesse viés de pensamento, a inserção na cultura escrita é condição discursiva necessária para que todo cidadão tenha “domínio do seu destino”. Não saber ler é, portanto, ficar na dependência da compreensão de leitura realizada por outros. Nesse sentido, é dever da universidade oferecer aos seus educandos um ensino que englobe, nos currículos de suas disciplinas, um repertório variado de leitura, como meio de formar sujeitos com condições de compreender o que ler. Formar leitores competentes trata-se de um, “desafio ético”, sendo, portanto, dever da universidade, como mediadora de saberes na sociedade, oferecer meios para que essa condição de aprendizado se concretize.

A leitura e a escrita são práticas intelectuais que ecoam vozes discursivas das instâncias culturais vivenciadas no mundo social. Há, seja nas informações veiculadas em jornais seja nos saberes materializados nos livros, entrelaçamentos entre o mundo do escrito, as práticas discursivas e as práticas sociais. A escrita acadêmica, em especial, pressupõe, que o sujeito enunciador tenha conhecimento de várias leituras, que esteja capacitado para o exercício de poder ver, “ouvir” e saber interpretar os diversos pontos de vista que sustentam o discurso científico. É, necessário, portanto, que o sujeito acadêmico não tenha sido “excluído” do aprendizado mais amplo, no que compete aos

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