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A universidade: crises e contradições no ensino da pesquisa

1 A FORMAÇÃO E OS MODOS DE PRODUÇÃO DE

1.5 A universidade: crises e contradições no ensino da pesquisa

Motivado pelas sucessivas reformas ocorridas no sistema de ensino superior, Santos (1987) elenca três crises vivenciadas pela universidade, considerando, sobretudo, as transformações ocorridas nos parâmetros que regem os processos formativos nessa instituição. Vivenciadas em diferentes tempos históricos e influenciadas pelos sistemas econômicos, em grande parte, pelo modelo de produção capitalista neoliberal, as reformulações organizacionais, realizadas nas maneiras de gerir e produzir o ensino e a pesquisa na universidade, resultaram em crises e contradições para a produção de conhecimento. Os novos posicionamentos formativos, adotados pela universidade, desencadearam, de acordo com Santos (1987), as crises denominadas crise de hegemonia; crise de legitimidade e crise institucional.

A crise de hegemonia, de acordo com o sociólogo, resultou, principalmente, da perda da centralidade da universidade, de ser a única instituição habilitada na produção ensino superior, visto que, diante de sua resistência inicial em disseminar saberes considerados contraditórios ao seu ideal de formação, ou seja, de formar pessoas qualificadas apenas para o mercado de trabalho para suprir a necessidade de formação desse público, sugiram as instituições privadas de ensino superior. Atitude que resultou na perda da autonomia do ensino como um bem público e na redução da centralidade da universidade como grande influenciadora da formação acadêmica e cultural da sociedade.

Com o surgimento do novo mercado universitário e a criação, no interior das próprias universidades públicas, de novos cursos científicos com currículos adaptados, a universidade passou a produzir, nas palavras de Santos (2008, p.13), um ensino de “produção de padrões culturais médios e de conhecimentos instrumentais úteis na formação de mão de obra qualificada exigida pelo desenvolvimento capitalista”. Buscou, a seu modo, incorporar essas demandas, sem, em um primeiro momento, abrir mão de projeto de formação centrado no sujeito dotado de uma cultura geral.

Essa lógica de promoção de conhecimento, contudo, pautava-se, no dizer de Santos, em “uma lógica de produção, de distribuição e de consumo completamente distinta e muito mais dinâmica da que é própria da cultura universitária” (Santos, 2008, p.168), oposta à visão centrada na cultura-sujeito, visando uma formação de excelência, defendida, até então, pela universidade.

As tensões geradas pelas resistências apresentadas pela universidade em desempenhar um ensino que abrisse mão de suas referências valorativas, de formar um

sujeito do saber considerado ideal, em detrimento da formação do sujeito do fazer técnico, competente apenas para tal fazer, resultou, para a instituição, na perda da centralidade de ser a principal produtora de conhecimento científico e de grande influência na formação social e cultural de um povo. Essa perda da centralidade da produção de ensino se traduz na crise de hegemonia vivenciada pela instituição.

A crise de legitimidade foi provocada, de acordo com Santos (1997), mais precisamente, pelo fato de a instituição ter perdido o domínio do campo da produção do ensino superior e de ter adotado alguns modelos de formação com currículos adaptativos de forma a adequá-los a públicos diferenciados. Uma vez que, “há uma crise de legitimidade sempre que uma dada condição social deixa de ser consensualmente aceita” (SANTOS, 1997, p. 166). Ao deixar de ser a única instituição destinada a produção do saber e da pesquisa, concomitantemente, a qualidade de suas produções começou a ser posta em xeque e, por conseguinte, a desvalorização de seus diplomas.

Santos (1997, p. 184) afirma haver uma “implicação mútua da crise de hegemonia e da crise de legitimidade: o tipo de conhecimentos produzidos (questão de hegemonia) tende a modificar-se com a alteração do grupo social a que se destina (questão de legitimidade)”. Podemos perceber que, entra em questão nessa dupla implicação a resistência ideológica que sustenta os valores da universidade, visto que seu ideal de ensino respondia a uma “sociedade de classe”, entendendo ser seu ofício oferecer uma formação considerada ideal para um público determinado.

Nesse raciocínio, no momento em que se viu obrigada, em decorrência da democratização do ensino, a produzir conhecimento para um público de outra origem social, a instituição passou a promover um ensino desigual. Uma estratégia que objetivava a adequação dos conhecimentos que considerava pertinente ao perfil de determinados grupos de estudantes. Esses modelos de fazer ciência, adotados pela universidade, desvelam-se, justamente, na dinâmica de uma atitude concreta frente à tensão de ter que se posicionar entre públicos antagônicos. Descobre-se, portanto, nesse embate ideológico, uma atitude paradoxal que sucumbe ao que dizia ser seu ideal formativo, se entendêssemos que esse ideal seria um direito de todos e não apenas para responder a um público determinado. Em razão de tais atitudes, Santos (1997, p. 184) afirma que a universidade:

procurou desvincular na prática, e à revelia do discurso ideológico, a procura da universidade da procura da democracia e da igualdade de tal modo que a satisfação razoável da primeira não acarretasse a satisfação exagerada da segunda. Isto foi possível contrapondo à

diferenciação e a estratificação da universidade segundo a origem social do grupo estudantil. Os múltiplos dualismos referidos, entre ensino superior universitário e não universitário, entre universidade de elite e universidade de massa, entre curso de grande prestígio e cursos desvalorizados, entre estudos sérios e cultura geral, definiram-se, entre outras coisas, segundo a composição social da população escolar.

O que se deve considerar, na verdade, no que compete aos questionamentos realizados em relação à desvalorização dos diplomas, é a qualidade da formação, frente a uma ideologia classista que não lança um olhar igualitário para com seus educandos. Se de um lado transmite um conhecimento que reconhece ser adequado e necessário para um público, considerado sob sua ótica ideológica como ideal e preparado para receber tal saber e ter tal formação, de outro, negligência tendo por base essa mesma ideologia classista. Oferta, dessa forma, uma formação diferenciada para o público que considera não ter competência para tal aprendizado ou por acreditar que, para esse público, esses saberes não farão sentido.

A crise institucional resulta da transformação da universidade em organização social. Com isso, a universidade perdeu a autonomia em produzir conhecimentos regidos por regras próprias ao campo do saber. Em virtude de ter aceitado se submeter aos critérios vigentes no campo do setor industrializado, gerou, desse modo, uma contradição entre a reivindicação da autonomia na produção de saberes e a submissão “a critérios de eficácia e produtividade de natureza empresarial ou de responsabilidade social” (SANTOS, 2008, p.10).

No próximo capítulo, apresentamos uma reflexão sobre as maneiras de realização de leitura em comunidades leitoras a partir dos estudos histórico-culturais, empreendidos por Chartier (1988, 2010, 2013) que contemplam as temáticas envolvidas nas maneiras de transmissão, de apropriação e dos usos de discursos, em contextos de comunidades leitoras.

2 COMUNIDADES LEITORAS NA UNIVERSIDADE: REPRESENTAÇÕES DE