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Happenings, performances e body art: tratamento arquivístico em instituições culturais

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Academic year: 2021

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INSTITUTO DE ARTE E COMUNICAÇÃO SOCIAL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO MESTRADO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO

ANA CLÁUDIA LARA COELHO ARANHA

HAPPENINGS, PERFORMANCES E BODY ART: TRATAMENTO ARQUIVÍSTICO EM

INSTITUIÇÕES CULTURAIS

Niterói 2020

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ANA CLÁUDIA LARA COELHO ARANHA

HAPPENINGS, PERFORMANCES E BODY ART: TRATAMENTO

ARQUIVÍSTICO EM INSTITUIÇÕES CULTURAIS

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal Fluminense (PPGCI/UFF) como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciência da Informação.

Orientador:

Prof. Dr. Vitor Manoel Marques da Fonseca

Niterói 2020

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A662h Aranha, Ana Cláudia Lara Coelho

Happenings, performances e body art: tratamento arquivístico em

instituições culturais/ Ana Cláudia Lara Coelho Aranha – 2020. 195 f. ; il.

Orientador: Vitor Manoel Marques da Fonseca.

Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) –

Universidade Federal Fluminense, Instituto de Arte e Comunicação Social, 2020.

Bibliografia: f. 170-181.

1. Arquivologia. 2. Documento de arquivo. 3. Performance (Arte). 4. Instituição Cultural. 5. Produção intelectual. I. Fonseca, Vitor Manoel Marques da. II. Universidade Federal Fluminense. Instituto de Arte e Comunicação Social. III. Título.

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ANA CLÁUDIA LARA COELHO ARANHA

Happenings, performances e body art: tratamento arquivístico em instituições culturais

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal Fluminense (PPGCI/UFF) como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciência da Informação.

Linha de Pesquisa: Informação, Cultura e Sociedade.

Orientador: Prof. Dr. Vitor Manoel Marques da Fonseca

Aprovada em / /

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________ Prof. Dr. Vitor Manoel Marques da Fonseca (orientador)

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

_________________________________________ Profª. Dra. Elisabete Gonçalves de Souza UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

_________________________________________ Profª. Dra. Giulia Crippa

UNIVERSITÀ DI BOLOGNA

___________________________________________ Prof. Dr. Carlos Henrique Juvêncio da Silva (suplente interno)

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

___________________________________________ Profª. Dra. Aline Lopes de Lacerda (suplente externo)

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por nunca ter desistido de mim, e aos meus pais, Pedro e Sandra, por me apoiarem nas diferentes decisões que tomei ao longo dos anos, sempre acreditando que eu superaria as dificuldades e venceria os obstáculos.

Agradeço ao meu esposo, João Aranha, pelo seu amor, apoio e cuidado diários, durante os momentos tranquilos e as situações complicadas.

Agradeço a meus familiares tia Solange, Patrícia, Luciano, Mariana, João, Marcos, Adriana, Lucas, Rafaela, Dona Solange, Geórgia e Gisela pela torcida.

Agradeço ao meu orientador de longa data, professor Vitor Manoel Marques da Fonseca, por sua generosidade, conselhos, paciência e confiança.

Agradeço à professora Elisabete Gonçalves Souza, pela parceria e por ter enriquecido meu projeto com suas colocações durante a qualificação.

Agradeço à professora Giulia Crippa por sua também rica colaboração na qualificação e por ter aceitado o convite para a defesa, mesmo enfrentando dificuldades relativas à distância e às correrias e percalços da vida.

Agradeço aos professores Carlos Henrique Juvêncio da Silva e Aline Lopes de Lacerda por aceitarem o convite para suplentes da banca examinadora da qualificação e da defesa.

Agradeço aos professores do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal Fluminense por compartilharem seu conhecimento, tempo e experiência.

Envio um agradecimento, em forma de abraço, à Aline Daudt e Raíra Alves, pelas risadas, reclamações, preocupações e esperanças que compartilhamos durante esse período de mestrado. A amizade e ajuda de vocês tornou a caminhada mais leve.

Agradeço às minhas amigas do grupo da igreja (Mariana, Juliana, Raquel, Laila e Maria Otávia), do quarteto (Verônica, Tatiana e Ana Paula) e da vida (Mariana, Andrea, Marcela e Eliane e ao amigo José) pelas orações, torcida e palavras de motivação.

Um muitíssimo obrigada aos entrevistados das instituições visitadas, que separaram um período das suas rotinas de trabalho para me receber, conversar e esclarecer minhas dúvidas acerca da organização dos documentos em suas instituições.

Agradeço, de igual modo, ao Museu de Arte Contemporânea de Niterói, ao Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, ao Museu de Arte do Rio, ao Centro Cultural da Light, ao Museu Histórico Nacional e ao Museu da República por permitirem que tal pesquisa fosse realizada.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. A CAPES, portanto, meu agradecimento.

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[...] nenhuma outra forma de expressão artística tem um programa tão ilimitado, uma vez que cada performer cria a sua própria definição através dos processos e modos de execução (Roselee Goldberg, 2007).

[...] Há tantas opiniões diferentes que é impossível contar. Você poderia estudar essas opiniões por toda a sua vida, ficar cansado de estudar, sem chegar ao fim! (Ec. 12:12, Nova Bíblia Viva).

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RESUMO

O objetivo geral desta pesquisa foi analisar o tratamento dado pelos setores de arquivos de instituições culturais aos arquivos pessoais de artistas e documentos relacionados a

performances, e/ou happenings e/ou body art. Como fundamentação teórica, foram

apresentadas algumas definições de conceitos fundamentais: arquivo, arquivo público, arquivo privado, arquivo institucional, arquivo pessoal, arquivo de museu, arquivo de artista, documento de arquivo, documento museológico, organicidade, informação, performance,

happening e body art. Realizou-se levantamento das instituições culturais localizadas nas

cidades do Rio de Janeiro e de Niterói e pesquisa exploratória nos sites das instituições culturais e na internet. Foram realizadas visitas e entrevistas semiestruturadas para verificação e análise do tratamento documental dado aos documentos relacionados à arte efêmera, em especial a observância da organicidade. A análise desse tratamento permitiu concluir que a organicidade é cumprida em parte, que o tratamento arquivístico na maioria das instituições contatadas é inicial ou inexistente, e que a preservação e a organização dos documentos relativos à obra de arte efêmera é essencial para a permanência das mesmas no tempo.

Palavras-chave: Arquivos de museus. Arquivos de artistas. Organicidade. Happening. Body

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ABSTRACT

The general objective of this research was to analyze the treatment given by the sectors of archives of cultural institutions to the personal archives of artists and documents related to performances, and/or happenings and/or body art. As a theoretical foundation, some definitions of fundamental concepts were presented: archive, public archive, private archive, institutional archive, personal archive, museum archive, artist archive, archival document, museum document, organicity, information, performance, happening and body art. There was a survey of cultural institutions located in the cities of Rio de Janeiro and Niterói and exploratory research on the websites of cultural institutions and on the internet. Visits and semi-structured interviews were carried out to verify and analyze the documentary treatment given to documents related to ephemeral art, especially the observance of organicity. The analysis of this treatment allowed us to conclude that the organicity is partially fulfilled, that the archival treatment in most of the contacted institutions is initial or nonexistent, and that the preservation and organization of the documents related to the ephemeral work of art is essential for its permanence over time.

Keywords: Museum Archives. Artists’ Archives. Organicity. Happening. Body Art. Performance.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Atlas Mnemosyne, Painel 37, [19--?], Aby Warburg... 32

Figura 2 – Métiers, boutiques et étalages de Paris [Ofícios, lojas e vitrines de Paris], Mercado Carmes, Maubert, 1910-1911, Eugène Atget... 33

Figura 3 – Pastry Cook [Confeiteiro], 1928, August Sander...

Figura 4 – Sammelalbum, [1933?], Hannah Höch...

Figura 5 – Análise das sensações, detalhe dos diagramas 9 e 11, 1927, Kazimir Malevich...

34

35

36

Figura 6 – La Boîte-en-Valise, 1936-1941, Marcel Duchamp...

Figura 7 – Série Cicatriz, 1996, Rosângela Rennó...

Figura 8 – Inside & Outside The Tube, 1998, Maurício Dias e Walter Riedweg...

Figura 9 – Marca Registrada, 1975, Letícia Parente...

Figura 10 – How to Change Your Wall Paper Daily, The Art History Archive, 1995- 1996, Calin Dan e Josif Kiraly (subReal) (Instalação)...

Figura 11 – Airmail Paintings, [19--], Eugenio Dittborn...

Figura 12 – Lips of Thomas, 1975, Marina Abramovic...

Figura 13 – Seven Easy Pieces – Lips of Thomas, 2005, Marina Abramovic………….

Figura 14 – 18 happenings in 6 parts (carta-pôster), [1959], Allan Kaprow………….

Figura 15 – 18 happenings in 6 parts (detalhe), [1959], Allan Kaprow……….

Figura 16 – 18 happenings in 6 parts (carta-pôster, cartões numerados, programa e pacote transparente), 1959, Allan Kaprow...

Figura 17 – 18 happenings in 6 parts (vista da sala 2 a partir da sala 1), 1959, Allan Kaprow...

Figura 18 – 18 happenings in 6 parts (parte 5, sala 1: mulher espremendo laranjas – Rosalyn Montague), 1959, Allan Kaprow...

37 42 43 44 50 51 73 73 99 100 101 103 104

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Figura 19 – 18 happenings in 6 parts (parte 4, sala 1: A orquestra – Shirley Prendergast, Rosalyn Montague, Allan Kaprow e Lucas Samaras), 1959, Allan Kaprow...

Figura 20 – Interior Scroll, 1975, Carolee Schneemann (Conjunto de 13 impressões em gelatina de prata)...

Figura 21 – Interior Scroll (programa com o texto constante no papel retirado da vagina da artista), 1975, Carolee Schneemann...

Figura 22 – Coyote: I Like America and America Likes Me, 1974, Joseph Beuys…….

Figura 23 – Coyote: I Like America and America Likes Me (detalhe do programa), 1974, Joseph Beuys...

Figura 24 – Coyote: I Like America and America Likes Me (folder), 1974, Joseph Beuys………...

Figura 25 – Performance “Brilho No Asfalto” (Mery Horta, 2018/2019), detalhe da foto e da descrição da obra na exposição “Percursos” (2019)... Figura 26 – Detalhe das fotos da exposição “Percursos” (2019), com vestígio, vídeo e descrição da performance “Levo sua alma até você” (de Luana Aguiar, 2019)...

Figura 27 – Detalhe de reproduções fotográficas da performance “Verzuimd Brasiel – Brasil Desamoparado”, de Daniel Santiago, e do folder da exposição “Marcantonio Vilaça” (2018)...

Figura 28 – Imagens das Caixas onde a documentação institucional é guardada...

Figura 29 – Detalhe da pasta de ph neutro, Exposição “Jardim das Delícias”, 2006-2007...

Figura 30 – Detalhe do folder, do DVD com gravação das performances e frame do vídeo da performance “Lurdinha/Chá das cinco”, de Luciano Rocha, 2006-2007...

104 110 111 114 114 115 155 156 160 163 164 164

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Aspectos da performance, da body art e do happening segundo cada autor... 95

Quadro 2 – Resumo dos Resultados da Primeira Fase da Pesquisa...

Quadro 3 – Resumo dos Resultados da Segunda Fase da Pesquisa... 123

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ASCOM CNM CCLA CCBB Rio CCL CMAHO CI CONARQ DIBRATE EBA/UFRJ FAN FCRB

Assessoria de Comunicação Social do Museu Histórico Nacional

Cadastro Nacional de Museus

Casa de Cultura Laura Alvim

Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro

Centro Cultural Light

Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica

Ciência da Informação

Conselho Nacional de Arquivos

Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística

Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Fundação de Arte de Niterói

Fundação Casa de Rui Barbosa

GMB Guia dos Museus Brasileiros

Ibram IMS Rio IPHAN IPN MMGV MinC

Instituto Brasileiro de Museus

Instituto Moreira Salles Rio de Janeiro

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos

Memorial Municipal Getúlio Vargas

Ministério da Cultura

MAC Niterói Museu de Arte Contemporânea de Niterói

MAM Rio Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro

MAR

MBRAC

Museu de Arte do Rio

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MCBC/Ibram MUHCAB MHExFC MHN MII CCMJ MNBA MR PCC

Museu Casa de Benjamin Constant

Museu da História e da Cultura Afro-brasileira

Museu Histórico do Exército e Forte de Copacabana

Museu Histórico Nacional

Museu de Imagens do Inconsciente

Museu da Justiça – Centro Cultural do Poder Judiciário

Museu Nacional de Belas Artes

Museu da República

Primeiro Comando da Capital

RM

RJ

Registro de Museus

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 2 VISÕES DA ARTE SOBRE O ARQUIVO...

2.1 ARQUIVO COMO PARADIGMA...

2.1.1 Práticas protoarquivísticas literárias, historiográficas e artísticas...

2.2 ARQUIVO COMO POÉTICA E DISPOSITIVO PERFORMATIVO...

2.2.1 Reencenação, apropriação, espacialização, in/corporação, meta-arquivo....

2.3 ARQUIVO COMO VESTÍGIOS, INSCRIÇÕES, CONTESTAÇÕES E

RECAPITULAÇÕES...

3 DEFINIÇÕES: ARQUIVOLOGIA E CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO...

3.1 CONCEITOS-CHAVE DA ARQUIVOLOGIA... 3.2 CONCEITOS-CHAVE DA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO...

4 DEFINIÇÕES: ARTE...

4.1 PERFORMANCE, BODY ART E HAPPENING... 4.1.1 Diferenças entre performance, happening e body art... 4.1.2 Sistematizando as visões sobre performances, happenings e body art... 4.1.3 18 happenings in 6 parts... 4.1.4 Interior Scroll... 4.1.5 Coyote: I Like America and America Likes Me………...

4.2 PERFORMANCES, HAPPENINGS, BODY ART E DOCUMENTOS…...

5 HAPPENINGS, PERFORMANCES E BODY ART: MAPEAMENTO

DASINSTITUIÇÕES E TRATAMENTO ARQUIVÍSTICO...

5.1 PRIMEIRA FASE: LEVANTAMENTO ONLINE DOS MUSEUS E

INSTITUIÇÕES CULTURAIS DE INTERESSE...

5.1.1 Fontes utilizadas... 5.1.2 Resultados da Primeira Fase da Pesquisa...

5.2 SEGUNDA FASE: PRIMEIROS CONTATOS, PESQUISAS EM 2019 E

2020...

5.2.1 Contatos realizados em 2019... 5.2.2 Contatos realizados em 2020... 5.2.3 Resultados da segunda fase da pesquisa...

5.3 TERCEIRA FASE: VISITAS ÀS INSTITUIÇÕES SELECIONADAS...

5.3.1 Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio)...

5.3.1.1 Dados obtidos sobre o MAM Rio através de entrevista semiestruturada... 5.3.1.2 Análise dos dados apresentados sobre o MAM Rio...

5.3.2 Museu de Arte Contemporânea de Niterói (MAC Niterói)...

5.3.2.1 Dados obtidos sobre o MAC Niterói através de entrevista semiestruturada... 5.3.2.2 Análise dos dados apresentados sobre MAC Niterói...

5.3.3 Museu de Arte do Rio (MAR)...

15 26 26 30 38 40 45 55 55 68 82 82 85 95 98 104 111 115 117 117 118 119 123 123 125 126 128 130 132 138 139 140 145 146 146 151

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5.3.3.1 Dados obtidos sobre o MAR através do questionário respondido por e-mail e da entrevista semiestruturada... 5.3.3.2 Análise dos dados apresentados sobre o MAR...

5.3.4 Centro Cultural Light (CCL)...

5.3.4.1 Dados obtidos sobre o CCL através da entrevista semiestruturada... 5.3.4.2 Análise dos dados apresentados sobre o CCL...

5.3.5 Museu Histórico Nacional (MHN)...

5.3.5.1 Dados obtidos sobre o MHN através da entrevista semiestruturada... 5.3.5.2 Análise dos dados apresentados sobre o MHN...

5.3.6 Museu da República (MR)...

5.3.6.1 Dados obtidos sobre o MR através da entrevista semiestruturada... 5.3.6.2 Análise dos dados apresentados sobre o MR...

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS... REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... REFERÊNCIAS ICONOGRÁFICAS... APÊNDICE A – LISTA DE INSTITUIÇÕES QUE RECEBERAM PERFORMANCES (PESQUISA ONLINE)... APÊNDICE B – QUESTIONÁRIO SOBRE A ORGANIZAÇÃO DOS DOCUMENTOS... APÊNDICE C – LISTA DE INSTITUIÇÕES QUE RECEBERAM PERFORMANCES (PESQUISA ONLINE) E QUE POSSUEM SETOR DE ARQUIVO CONFIRMADO... ANEXO – LISTA DE DOCUMENTOS E OBRAS RELATIVOS À

PERFORMANCE – BANCO DE DADOS MAM RIO... 147 151 152 153 157 158 158 161 162 165 166 167 175 185 187 188 189 190 T

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1 INTRODUÇÃO

O tema desta dissertação é inspirado pelo desejo de encontrar possíveis interseções entre a arte e a arquivologia1 que perpassem questões trabalhadas pela ciência da informação (CI). Esse desejo surgiu a partir da experiência pessoal de ser graduada em Artes e Arquivologia. Informada a respeito de artistas que se utilizam de documentos de arquivo em sua produção e dos desafios dos museus em lidar com a arte contemporânea, pensou-se que uma das possíveis relações entre as áreas seria o tratamento prestado pelos setores de arquivo de instituições culturais aos arquivos pessoais de artistas e documentos relacionados a obras efêmeras.

Ao se analisar a frase anterior, notam-se alguns termos essenciais: setores de arquivo, arquivos pessoais de artistas,2 instituições culturais e obras efêmeras. Com relação à definição de instituição cultural, será utilizada a fornecida pelo “Dicionário Crítico de Política Cultural”. É uma definição sucinta e objetiva, que resume quais tipos de locais foram contemplados pela pesquisa. Instituição cultural é, assim, uma

Estrutura relativamente estável voltada para a regulação das relações de produção, circulação, troca e uso ou consumo da cultura (ministérios e secretarias da cultura, museus, bibliotecas, centros de cultura, etc.). Essa regulação, nas instituições, se faz por meio de códigos de conduta ou de normas jurídicas (COELHO NETO, 1997, p. 219).

A definição de obra, assim como observado sobre outras definições, é variada. De acordo com o modelo conceitual de biblioteconomia (Functional Requirements for

Bibliographic Records), obra é a ideia, realizada pela expressão, corporificada pela

manifestação e exemplificada em item(ns) (International Federation of Library Associations

and Institutions,1998, p. 14). Segundo Richard Pearce-Moses, na publicação “A Glossary of Archival and Records Terminology”, obra é “a manifestação material de atividades ou

esforços individuais ou em grupo, especialmente itens de natureza criativa” (2005, p. 408, tradução nossa).3 Para Baca et al., no “Cataloging Cultural Objects: a guide to describing

cultural Works and their images”, obra é “uma criação intelectual ou artística distinta,

limitada principalmente a objetos e estruturas feitas por seres humanos, incluindo obras

1 Optou-se por padronizar os nomes das áreas em minúsculas – arte, arquivologia e CI –, a fim de evitar

possíveis hierarquizações inconscientes. Esse procedimento não foi seguido em caso de citações.

2 A definição de arquivo de artista será apresentada nesta introdução e aprofundada na terceira seção. A de

arquivo será trabalhada na terceira seção.

3 “The material manifestation of individual or group activities or efforts, especially items of a creative nature”

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construídas, obras de arte visual e artefatos culturais”, onde a performance art se encaixaria na denominação “artes visuais” (2006, p. 4, tradução nossa).4

Cunha e Cavalcanti, no “Dicionário de Biblioteconomia e Arquivologia” apresentam como uma das definições de obra de arte a “criação do espírito, expressa por qualquer meio ou fixada em qualquer suporte, seja tangível ou intangível” (2008, p. 265). Diante dessas diferenças, optou-se por considerar o conceito de obra apresentado no “Glossary of Archival and Records

Terminology”, ou seja, manifestação material de uma atividade, considerando-se o corpo do

artista como suporte, como o material onde as ações artísticas são manifestadas. Esta obra é efêmera, pois “nega a duração e cristalização dos objetos artísticos [...] o que é exibido é o projeto em processo de realização” (ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural, 2020).

Com relação aos arquivos pessoais de artistas, Anna Mcnally (2013) afirma que, em sua maioria, esta documentação chega aos setores de arquivos de museus sem nenhuma ordem aparente, com os documentos acondicionados em caixas etiquetadas, sacolas, ou mesmo antigos pacotes de sabão em pó. Geralmente são doados pela família após a morte do titular e contêm tudo o que pôde ser encontrado nas suas gavetas. Apesar disso, muito da documentação inicial sobre sua vida pessoal e profissional se perde – a maior parte dos registros se refere ao final de sua carreira, quando o artista já está estabilizado financeiramente e possui um lugar próprio onde pode guardar seus documentos. Ademais, é comum que a maioria dos papeis de um artista diga respeito mais às questões financeiras e práticas da sua carreira do que à sua poética.5 Não obstante essas dificuldades, ainda podem ser encontrados entre seus papeis

[...] uma combinação de cartas (recebidas), fotografias (do seu trabalho, deles mesmos, de pessoas não identificadas), esboços, quaisquer escritos que eles possam ter redigido ou publicado (autobiografias, artigos, poesia duvidosa), materiais impressos sobre eles mesmos ou seus interesses. Pode haver ainda papeis relacionados a projetos em que eles estiveram envolvidos [...] ou seus interesses e influências mais amplos (MCNALLY, 2013, p. 99-100, tradução nossa).6

4 “[…] a work is a distinct intellectual or artistic creation limited primarily to objects and structures made by

humans, including built works, visual art works, and cultural artifacts” (BACA et al., 2006, p. 4).

5 “No âmbito das artes visuais, o termo poética vem expressar o devir dos processos de criação, envolvendo

desde pesquisa de fontes, elaboração de arquivos, técnicas, métodos, materiais, assim como a relação com textos e, por vezes, conceitos filosóficos” (ZORDAN, 2014, p. 184). O termo também designa o repertório pessoal do artista, sua maneira de fazer e entender arte.

6 “[...] a combination of letters (received), photographs (of their work, of themselves, of unidentified people),

sketches, any writings they might have drafted or published (autobiographies, articles, dubious poetry), printed materials about themselves or their interests. There might also be papers relating to projects they’ve been involved with [...] or their wider interests and influences” (MCNALLY, 2013, p. 99-100).

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Outra circunstância, mais específica às obras de arte efêmeras, é explicitada por Heike Roms (2013, p. 45-46), que analisa os desafios do arquivo do artista Ian Breakwell (1943-2005). Breakwell trabalhava com várias linguagens, como filmes, instalações,

performances, colagens, pinturas, trabalhos escritos e sonoros etc. Para a autora, a

dificuldade nesse acervo não reside nos diferentes tipos de materiais encontrados, mas na constante reinvenção que Breakwell fazia da sua prática artística. Diante de uma filmagem artística feita de uma performance,7 que depois passa a ser projetada durante as próximas

performances, como definir o que é parte de obra e o que é obra completa? Como diferenciar

a ação artística dos registros que a documentam? Tal diferenciação é importante para garantir quais objetos devem ser enviados às reservas técnicas dos museus e quais devem ser recebidos pelos arquivos. Mas no caso da performance “UNWORD”,8 essas fronteiras não se mostram tão claras para a autora.

Apesar dos desafios apresentados pela arte efêmera, acredita-se que ela pode vir representada em documentos arquivísticos, tanto no arquivo do artista quanto no arquivo das instituições que a recebem. Como destaca McNally (2013), podem existir nesses conjuntos documentos relacionados às ações artísticas (textos, imagens, correspondência com outros artistas etc.) e documentos produzidos como resultado do contato do artista com o museu (projetos submetidos, material de divulgação, e-mails e cartas). Museus e instituições em que tais práticas ocorrem também produziriam/receberiam documentos afins (projetos, correspondência com o artista, contratos).

Tal suposição se baseia na compreensão de que performances, body art e happenings estão no escopo das atividades do artista e também passam a fazer parte das atividades da instituição em que essas formas de arte são apresentadas. A imaterialidade, que pode preocupar a princípio, não é o verdadeiro problema. Algumas atividades, para sua perenidade, necessitam ser registradas obrigatoriamente em documentos, enquanto outras não anseiam pela permanência ou até não a desejam. Instituições são obrigadas por lei a documentar várias de suas ações, mas os artistas podem, deliberadamente, não o fazerem. Apesar disso, acredita-se que os artistas das artes efêmeras acabam por produzir documentos relacionados a essas

7 Performances, body art e happenings, manifestações artísticas de interesse neste trabalho, serão definidas na

quarta seção.

8 Em “UNWORD” Breakwell trabalhou em colaboração com o cineasta Mike Leggett (1945-), que não filmou

passivamente a performance, mas interferiu nas ações do artista. Na performance seguinte a colaboração continuou, sendo que agora a filmagem da primeira performance era reproduzida em um telão. O resultado foi um filme de 47 minutos com todas as versões de “UNWORD” (ROMS, 2013).

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atividades, que auxiliarão na sua consecução, e que podem servir como prova da existência das mesmas. A questão é saber se e como esses documentos são organizados e preservados.

Ryan Evans (2013), arquivista da White Columns,9 explica que a maioria dos trabalhos realizados na galeria nos anos iniciais era relacionada à arte efêmera, e que estes trabalhos eram acompanhados de documentação para garantir a compreensão futura dos mesmos. Evans também afirma que

Os arquivos de uma organização altamente influente, centrada no artista e voltada para o futuro, como as White Columns, podem estar cheios de registros de artistas, incluindo fonte primária ou documentos raros. Estes documentos podem variar de esboços preparatórios ou propostas para uma exposição ou performance a publicações e correspondências de pequenos artistas independentes, ou biografias antigas e declarações de artistas. [...] Enquanto os registros do artista, em geral, fornecem uma visão incomensurável da sua prática e carreira, tais registros dentro de um espaço de arte provavelmente comunicam outro nível de relacionamento relativo aos projetos ou exibições em que um artista estava trabalhando, bem como personalidades e operações da instituição parceira. Além dos registros dos artistas no sentido esperado do termo, traços institucionais, como convites, programações de exibição, pôsteres e documentação, também podem contribuir para uma interpretação mais rica da arte realizada lá (EVANS, 2013, p. 23, tradução nossa).10

Tais documentos merecem um tratamento que leve em consideração o contexto de produção, a vida e obra do artista. No caso dos arquivos das instituições, o contexto se mostra extremamente importante para materializar uma obra que não se apresenta enquanto um produto acabado.

Diante de tais questões, o tema dessa dissertação se volta para duas frentes do arquivo: os arquivos pessoais de artistas da body art, performance e happening (fundos que foram doados e que são considerados arquivos permanentes) e os arquivos da própria instituição (correntes, intermediários e permanentes), que possuam documentos relacionados a esses fundos e a essas manifestações artísticas efêmeras ocorridas na instituição.

O interesse por esses documentos específicos surgiu a partir das próprias características da arte efêmera. Performances, body art e happenings, diferentemente de

9 “White Columns foi fundada em 1970 pelos artistas Jeffrey Lew e Gordon Matta-Clark sob o nome original de

112 Greene Street/112 Workshop, como um espaço cooperativo de artistas” (EVANS, 2011, p. 23, tradução nossa).“White Columns was founded in 1970 by artists Jeffrey Lewand Gordon Matta-Clark under its original name 112 Greene Street/112 Workshop, as a cooperative artist-run space” (EVANS, 2011, p. 23).

10 “The archives of a highly influential, artist-centric, and forward-thinking organization such as White Columns

can be full of artists’ records including primary source or rare documents. These documents can range from preparatory sketches or proposals for an exhibition or performance to small independent artists’ publications and correspondence, or early biographies and artist statements. […] While artists’ records in general provide immeasurable insight into an artist’s practice and career, such records within an art space are likely to communicate another level of relationships relative to the projects or exhibitions an artist was working on, as well as with the personalities and operations of the partnering institution. In addition to artists’ records in the expected sense of the term, institutional traces such as invitations, exhibition schedules, posters, and documentation can also contribute to a richer interpretation of the art realized there” (EVANS, 2013, p. 23).

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pinturas, esculturas e desenhos, não se materializam em um objeto final. Elas se caracterizam pelo processo e pela ação do artista e só existem, em sua totalidade, enquanto estão sendo realizadas. De acordo com Peggy Phelan,

A performance vive apenas no presente. A performance não pode ser salva, gravada, documentada, ou ainda participar na circulação das representações das representações: uma vez que isso ocorra, torna-se algo além da performance. Ao ponto que a tentativa da performance de entrar na economia da reprodução trai e diminui a promessa da sua própria ontologia. O ser da performance [...] torna-se ele mesmo através do desaparecimento (1993, p. 148 apud BORGGREEN E GADE, 2013, p. 14, tradução nossa).11

Tais manifestações podem suscitar as seguintes perguntas: há algo para a instituição guardar? O que seria? E no caso dessas obras efêmeras serem registradas, como organizar esses registros? Se houver vestígios (objetos) remanescentes dessas ações artísticas, como classificá-los? E ainda, onde se devem guardar os registros e os vestígios? Em suma, como os setores de arquivos de instituições culturais lidam com esses acervos?

O objetivo geral da pesquisa é, portanto, analisar o tratamento dado pelos setores de arquivos de museus e de outras instituições culturais aos arquivos de artistas e documentos relacionados à performance, e/ou ao happening e/ou à body art. Pretende-se mapear as instituições culturais existentes nas cidades do Rio de Janeiro e de Niterói que possuam arquivos de artistas dessas formas de arte ou que receberam essas expressões artísticas. Ao analisar os arquivos, será verificado quais materiais mantêm, se essas ações encontram-se representadas nos documentos e como se dá essa representação, e se haveria o emprego dos princípios arquivísticos para tal fim, em especial a observância da organicidade.

Quanto aos objetivos específicos, se buscará:

a) Fazer o levantamento e a revisão de literatura dos conceitos operadores fundamentais – arquivo, arquivo público, arquivo privado, arquivo institucional, arquivo pessoal, arquivo de museu, arquivo de artista, documento de arquivo, documento museológico, organicidade, informação, performance, happening, body art;

b) Realizar o levantamento das instituições culturais nas cidades do Rio de Janeiro e de Niterói que possuam em seus acervos arquivos de artistas que trabalhem com

performances, e/ou happenings e/ou body art, ou que tenham recebido essas artes

efêmeras em seus espaços expositivos;

11 “Performance’s only life is in the present. Performance cannot be saved, recorded, documented, or otherwise

participate in the circulation of representations of representations: once it does, it becomes something other than performance. To the degree that performance attempts to enter the economy of reproduction it betrays and lessens the promise of its own ontology. Performance’s being [...] becomes itself through disappearance” (PHELAN, 1993, p. 148 apud BORGGREEN E GADE, 2013, p. 14).

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c) Identificar, dentre estas instituições, as que possuem setores de arquivo;

d) Verificar a aplicação da teoria arquivística (em especial a organicidade) no tratamento de obras de arte contemporânea, a partir das entrevistas e da análise dos instrumentos de organização do acervo;

A pertinência desta pesquisa reside na verificação da aplicação da teoria arquivística no tratamento de arquivos de artistas dessas artes efêmeras realizado pelo arquivo da instituição. Um dos princípios arquivísticos fundamentais é o de Respeito aos Fundos, que tem como premissa não misturar documentos provenientes de produtores diferentes. Dentro do fundo, outro critério que precisa ser seguido é o da organicidade, que advoga a ligação intrínseca entre os documentos que atestam uma ação ou fato. Considerando a impossibilidade de experimentar, posteriormente, a obra como ela foi realizada durante sua apresentação, o expectador poderia ter uma ideia mais aproximada da intenção do artista, e/ou de como a ação se realizou, por meio das informações obtidas pelo contexto.

Um tratamento documental adequado permite não só a recuperação dos registros das obras efêmeras, mas facilita o acesso às informações relacionadas. De acordo com Borko, a CI é

aquela disciplina que investiga as propriedades e o comportamento da informação, as forças que governam o fluxo da informação, e os meios de processamento da informação para acessibilidade e uso otimizados. Ela se refere a um corpo de conhecimento relativo à origem, coleta, organização, armazenamento, recuperação, interpretação, transmissão, transformação e utilização da informação (BORKO, 1968, p. 3, tradução nossa).12

Assim, além de observar o contexto na organização da documentação, é necessário lidar com a informação em todas as suas fases, incluindo o momento em que ela, enquanto um documento físico ou virtual, é requisitada e acessada pelo usuário, seja ele interno ou externo. Nesse sentido, outro aspecto importante do trabalho é que ele relaciona a arquivologia, a arte, a museologia e a CI, já que analisará a organização e, em consequência, o acesso aos documentos relacionados a performances, body art e happenings. A proposta é entender o funcionamento dos arquivos de museus e de outras instituições culturais, e o tratamento dado a documentos e informações referentes às obras de arte efêmeras. As três áreas são contempladas e os resultados obtidos podem trazer benefícios, esclarecer questões ou ajudar a

12 “Information Science is that discipline that investigates the properties and behavior of information, the forces

governing the flow of information, and the means of processing information for optimum accessibility and usability. It is concerned with that body of knowledge relating to the origination, collection, organization, storage, retrieval, interpretation, transmission, transformation, and utilization of information” (BORKO, 1968, p.3).

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21

entender práticas já realizadas e a maneira como, na realidade concreta de uma instituição, as quatro áreas se relacionam.

Acerca da metodologia empregada, o estudo será exploratório e a pesquisa qualitativa, com o emprego de estudo de caso e entrevistas semiestruturadas com arquivistas, museólogos e outros profissionais que atuam em instituições culturais organizando arquivos de artistas da

performance, body art e happening e lidando com documentação ligada a essas manifestações

artísticas. O levantamento das instituições que receberam essas ações artísticas será feito

online.

Para a pesquisa online, escolheu-se o termo performance como representante da body

art e do happening. Tal foi realizado porque esta palavra é a mais conhecida e utilizada (fato

constatado no contato com as próprias instituições, onde se fez necessário explicar os termos para alguns dos profissionais entrevistados). No que tange ao próprio termo, no entanto, sabe-se o quanto sua definição é variada. Por isso sabe-serão rapidamente apresabe-sentadas algumas definições sobre performance (aprofundadas na quarta seção).

Gonçalves, F., explica que a performance surge

como uma manifestação artística em que o corpo é utilizado como um instrumento de comunicação e arte que se apropria de objetos, situações e lugares - quase sempre naturalizados e socialmente aceitos – para dar-lhes outros usos e significações e propor mudanças nas formas de percepção do que está estabelecido (GONÇALVES, F., 2004, p 88).

Assim, o performer se utiliza do teatro, do circo, da poesia etc. dando-lhes outros usos e significados, e da mesma maneira o faz com manifestações religiosas, étnicas e políticas. Conforme esclarece Gonçalves, F., ao citar Glusberg,

[...] as atividades corporais e o próprio comportamento social estão determinados por convenções que constituem verdadeiros ‘programas gestuais’ a que nos sujeitamos, conforme os tempos e as condições da cultura em que vivemos. Neste sentido, a performance ‘buscaria desenvolver programas criativos, individuais e coletivos, sendo que o que importa é o processo de trabalho, sua seqüência, seus fatores constitutivos e sua relação com o produto artístico’ (GLUSBERG, 1987, p. 53 apud GONÇALVES, F., 2004, p. 89).

Da mesma forma que o corpo e o comportamento social se convencionam em “programas gestuais”, as linguagens teatrais, circenses, poéticas e as tradições culturais e religiosas (como danças e demais rituais) possuem suas próprias convenções. Diante disso, a

performance art propõe um deslocamento, realizando uma intervenção e uma

experimentação. Existe uma intencionalidade neste tipo de performance que não se resume a divulgar uma determinada expressão cultural (carnaval, bumba-meu-boi), uma religião

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específica (rituais cristãos, afro-brasileiros, indígenas, kardecistas, judaicos etc.), uma forma de arte (teatro, dança, circo etc.), mas que procura gerar questionamento. Todas as formas de linguagem e expressões culturais supracitadas, entre outras, podem ser utilizadas por um

performer, desde que com o objetivo de instaurar diferentes formas de percepção:

É justamente este caráter de instauração que a torna nitidamente intencional, o que nos permitiria propor a noção de performance como uma arte de ‘intervenção’. Trata-se de uma ação consciente de questionamento através da arte. Mas, ao mesmo tempo, é possível dizer que, em princípio, a noção de intervenção não definiria inteiramente o caráter do qual está imbuída a performance. A performance propõe novas experiências perceptivas e questiona aspectos de nosso cotidiano, da comunicação e da cultura, o que também lhe conferiria um caráter de ‘experimentação’ com fins de mudança [...] A performance potencializaria, assim, o instante, engajando-o num processo de ‘descentramento estético’, em que os componentes de expressão e elementos retirados do cotidiano sofreriam ‘extrações intensivas’ e passariam por uma desconstrução de suas estruturas e códigos para propiciar uma recomposição, uma recriação destes elementos. A performance seria, portanto, ao mesmo tempo, um questionamento do natural e uma proposta artística (GONÇALVES, F., 2004, p. 90-91).

Com tais afirmações não se pretende dizer que a própria performance art não tenha suas convenções ou afirmar que ela se localiza fora da cultura. A arte da performance pertence à cultura e, ao mesmo tempo, a analisa, questiona e instaura novas maneiras de percebê-la a partir de seu interior.

No que concerne às instituições alvo da pesquisa online, elas foram escolhidas a partir do Guia dos Museus Brasileiros (GMB), da plataforma MuseusBr e do portal Museus do Rio. Os dados presentes no GMB foram coletados por envio de questionário às instituições e através de coleta de informações por profissionais contratados e treinados pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) e pelo Ministério da Cultura (MinC). Na plataforma MuseusBr, os dados, verificados pelas equipes do Cadastro Nacional de Museus (CNM) e do Registro de Museus (RM), são inseridos por usuários cadastrados, que precisam ter vinculação profissional com o museu que desejam inserir. As demais pessoas são orientadas, no link “Como participar”,13

a entrar em contato com o CNM e o RM via telefone ou e-mail para informar instituições não cadastradas. O portal Museus do Rio adiciona informações prestadas por pesquisadores e profissionais da área da museologia e de demais instituições voltadas para a memória e a cultura.

Sabe-se que tais ferramentas possuem limitações, como datas de atualização, modo de obtenção dos dados e possíveis erros de inserção. Ainda assim, pela afirmação de que as informações constantes nesses meios são verificadas, considerou-se que eram fontes úteis,

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empregadas de maneira a se complementarem, atualizando e corrigindo possíveis defasagens e erros.

Após o mapeamento online das instituições existentes no Rio de Janeiro e em Niterói, verificou-se o tipo de acervo que continham, através da tipologia de acervo e temática presentes no GMB e na plataforma MuseusBr. Quando esses dados não foram encontrados nestas fontes, consultou-se o portal Museus do Rio. Como último recurso, recorreu-se à própria internet, através do site de pesquisas Google a fim de se obter mais informações sobre os acervos dos museus e saber se neles existiriam conjuntos documentais relativos ao

happening, à performance e à body art. A partir dessa busca, foram utilizados ainda, como

fonte de consulta para a “tipologia do acervo”, os sites CNM e Rio e Cultura, quando estes apresentavam dados a mais ou diferentes dos contidos nas fontes principais.

O GMB trabalha com onze tipologias de acervo: “Antropologia e Etnografia”, “Arqueologia”, “Artes Visuais”, “Ciências Naturais e História Natural”, “Ciência e Tecnologia”, “História”, “Imagem e Som”, “Virtual”, “Biblioteconômico”, “Documental” e “Arquivístico”. A plataforma MuseusBr disponibiliza dez tipologias: “Antropologia e Etnografia”, “Arqueologia”, “Arquivístico”, “Artes Visuais”, “Ciência e Tecnologia”, “Ciências Naturais e História Natural”, “História”, “Imagem e Som”, “Outros” e “Virtual”, e oito temáticas de acervo: “Artes, Arquitetura e Linguística”, “Antropologia e Arqueologia”, Ciências Exatas, da Terra, Biológicas e da Saúde”, “História”, “Educação, Esporte e Lazer”, “Meios de Comunicação e Transporte”, “Produção de Bens e Serviços” e “Defesa e Segurança Pública”. O CNM14 apresenta doze categorias para “tipologia do acervo”: “Arquivístico”, “Antropologia e Etnografia”, “Arqueologia”, “Artes Visuais”, “Biblioteconômico”, “Ciência e Tecnologia”, “Ciências Naturais e História Natural”, “Documental”, “História”, “Imagem e Som”, “Virtual” e “Outros”. O site Rio e Cultura15

não possui termos para “tipologia do acervo”, mas apresenta essas informações dependendo da instituição pesquisada.

A seleção das instituições para a segunda fase da pesquisa online, referente àquelas que receberam performances, se deu, primeiramente, através da tipologia e temática de acervo. No entanto, percebeu-se que este uso excluiria locais não relacionados às áreas escolhidas que poderiam ter recebido essas manifestações artísticas. Por esse motivo, todas as instituições retiradas do GMB, do Museus do Rio e da plataforma MuseusBr foram

14

Site de Pesquisa Avançada do CNM. Disponível em: http://sistemas.museus.gov.br/cnm/pesquisa/avancada.

Acesso em: 31 jan. 2020.

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pesquisadas. Posteriormente à seleção das instituições que supostamente receberam

performances, foi realizado contato telefônico e por e-mail, a fim de confirmar essa

informação e agendar visita, durante a qual materiais foram observados e realizaram-se entrevistas semiestruturadas, gravadas em áudio.

Sobre a divisão de assuntos ao longo da dissertação, na segunda seção serão abordados os principais conceitos desenvolvidos por teóricos do campo da arte e artistas a respeito dos arquivos, a fim de mostrar como a arte compreende os arquivos. As subseções 2.1, 2.2 e 2.3 apresentam o arquivo como paradigma, poética e dispositivo performativo e vestígios, inscrições, contestações e recapitulações. Considerou-se importante identificar algumas dessas definições, ou formas de compreensão, pois ao longo do levantamento bibliográfico percebeu-se que a visão dos artistas/pesquisadores e teóricos da arte acerca dos arquivos era diferente da preconizada pela teoria arquivística, em especial a dita clássica – nem tudo que é chamado “arquivo” em arte é considerado de tal forma pela arquivologia.

A terceira seção analisará os conceitos-chave da arquivologia na subseção 3.1, e da CI na subseção 3.2. Para a arquivologia será apresentada a visão que a mesma possui sobre arquivos, documentos de arquivo, arquivos públicos, arquivos privados, arquivos institucionais, arquivos de museu, arquivos pessoais, arquivos de artista, organicidade e documento museológico.16 O propósito é destacar as diferenças de compreensão entre arquivologia e a arte, além de introduzir a área da arquivologia para os possíveis leitores que não a conhecem, já que esta dissertação lida com campos diferentes. No que se refere à CI, objetiva-se demonstrar como a teoria e a definição proposta por Buckland acerca da informação podem auxiliar na compreensão e classificação das artes efêmeras.

Na quarta seção, subseção 4.1 serão apresentadas e analisadas algumas definições sobre performance, body art e happening. A subsubseção 4.1.1 elencará algumas diferenças entre as ações artísticas. A 4.1.2 sistematizará as visões de diversos teóricos sobre essas manifestações efêmeras. As subsubseções 4.1.3 a 4.1.5 trarão um exemplo de happening, de

body art e de performance, respectivamente. A subsubseção 4.1.6 relacionará os documentos

às ações artísticas citadas. Um dos propósitos desta seção é ampliar o conhecimento sobre a obra efêmera objeto de estudo, delimitando melhor os conceitos citados, em especial a

performance, geralmente utilizada para denominar eventos diversos. Nesta dissertação, a

ênfase se dará para a “arte da performance” (performance art). Outra finalidade é mostrar

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25

que, apesar de efêmeras, as manifestações artísticas citadas são usualmente acompanhadas por alguma espécie de registro e por objetos.

A quinta seção trará os resultados do levantamento online das instituições localizadas na cidade do Rio de Janeiro e em Niterói que: a) possuem arquivos de artistas que realizaram

performances, body art e happenings; b) receberam essas atividades em seu espaço

expositivo, nas subseções 5.1 e 5.2 e suas divisões. Também serão apresentados e analisados os dados coletados a partir da visita presencial e da aplicação das entrevistas semiestruturadas aos profissionais das instituições culturais previamente selecionadas através do levantamento

online. As informações obtidas acerca do tratamento documental empregado aos arquivos de

artistas e aos documentos relacionados a performances, happenings e body art serão analisadas na subseção 5.3.

Por fim serão apresentadas as considerações finais sobre a pesquisa teórica e empírica, reapresentando os propósitos e as conclusões alcançadas, relacionando-as ao objetivo geral e aos objetivos específicos, tendo como base o marco teórico-conceitual.

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2 VISÕES DA ARTE SOBRE O ARQUIVO

Nesta segunda seção serão apresentadas algumas das interpretações que estudiosos e pesquisadores da arte possuem acerca dos arquivos, a fim de identificar diferenças entre as áreas. Tal identificação se dará por meio da literatura e não pretende ser exaustiva, mas citar tendências indicadas pelos teóricos.

Considerou-se importante conhecer algumas dessas definições, ou formas de compreensão, pois ao longo do levantamento bibliográfico percebeu-se que a visão dos artistas, pesquisadores e teóricos da arte acerca dos arquivos era, em sua maioria, distinta da preconizada pela teoria arquivística, em especial a considerada clássica.17

A presente seção será organizada, então, em três eixos: a) arquivo como paradigma, b) arquivo como poética e dispositivo performativo, e c) arquivo como traços, inscrições, contestações e recapitulações. Essas acepções foram propostas ou aprofundadas por Anna Maria Guasch (2011), Priscila Arantes (2015) e Charles Merewether (2006).

2.1 ARQUIVO COMO PARADIGMA

Guasch (2011, p. 7), no estudo que resultou no livro “Arte y archivo, 1920-2010,

genealogías, tipologías y discontinuidades”, visa identificar “as relações, às vezes lineares,

porém mais comumente descontínuas, paradoxais e contra-discursivas, entre a arte e o arquivo”18

nos séculos XX e XXI. Para delimitar melhor o tema, a autora define epistemologicamente o campo que vai estudar, ou seja, o tipo de arquivo abordado, e a perspectiva empregada. A fim de produzir tal história das práticas do arquivo nas artes, Guasch utiliza como recorte o trabalho de artistas que se enquadram no paradigma do arquivo, entendido segundo o protocolo de consignação, conceito que será abordado em breve.

O paradigma do arquivo foi identificado primeiramente por Benjamin Buchloh, como sendo aquele em que a criação artística se baseia “em uma sequência mecânica, em uma repetitiva lentidão sem fim da reprodução que desenvolve, com estrito rigor formal e absoluta coerência estrutural, uma ‘estética de organização legal-administrativa’” (1999, p. 32 apud GUASCH, 2011, p. 9, tradução nossa).19

17 As diferenças entre a arquivologia tradicional e a pós-moderna serão sumariadas na terceira seção.

18 “[...] las relaciones, a veces lineales pero por lo común discontinuas, paradójicas y contradiscursivas, entre el

arte y el archivo” (GUASCH, 2011, p. 7).

19

“[...] en uma secuencia mecánica, en una repetitiva letanía sin fin de la reproducción que desarrolla con estricto rigor formal y absoluta coherencia estructural una ‘estética de organización legal-administrativa’” (BUCHLOH, 1999, p. 32 apud GUASCH, 2011, p. 9).

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27

A fim de compreender melhor esse paradigma, que se desloca “do objeto ao suporte da informação, e da lógica do museu-mausoléu para a lógica do arquivo” (GUASCH, 2011, p. 10, tradução nossa),20 Guasch se baseia no protocolo de consignação. Tal protocolo não se refere, para a autora, às práticas de armazenar, colecionar e acumular em si mesmas, mas à capacidade da memória em lembrar. Essa capacidade é o que concede ao arquivo seu status de apoio à memória, de instrumento que a preserva (GUASCH, 2011, p. 13). Se não fosse possível ao ser humano lembrar, não haveria noção de passado, vivendo-se em um eterno presente.

Para entender melhor essa aproximação entre arquivo e memória, é preciso compreender o uso que Guasch faz da leitura de Jacques Derrida sobre a noção de inconsciente de Sigmund Freud. A autora afirma que Derrida interpreta a teoria psicanalítica como sendo baseada na noção de arquivo, “segundo a qual, o que é escrito e colecionado pela percepção tanto a nível consciente como inconsciente é sistematizado de acordo com experiências reconhecíveis, que podem ser lembradas e, finalmente, arquivadas” (1994 apud GUASCH, 2011, p. 18, tradução nossa).21 Guasch afirma ainda que Freud procurou apresentar uma “descrição precisa da psique enquanto arquivo, baseada no princípio de que os traços de memória das percepções [...] não se acumulam de maneira permanente no sistema perceptivo, mas em sistemas de memórias subjacentes” (2011, p. 17-18, tradução nossa),22

o inconsciente. Para Derrida, esses dois tipos de memória se encaixam com a definição de arquivo, já que “não há arquivo sem um lugar de consignação, sem uma técnica de repetição e sem uma certa exterioridade. Não há arquivo sem exterior” (2001, p. 22). Existiria assim a mneme ou

anamnesis (memória viva, instantânea), e a hupomnema (o arquivo da primeira, exterior a ela)

(DERRIDA, 2001, p. 31). Freud, entretanto, introduz, em sua teoria, a pulsão de morte, que parece contradizer a ligação entre o arquivo e a teoria psicanalítica.

Freud, em “A Note up on the Mystic Writing-Pad”, escrito em 1925, dá a entender que a mente é o melhor suporte para as memórias, pois, diferentemente dos equipamentos externos que são limitados, ela “tem uma capacidade receptiva ilimitada para novas percepções e, mesmo assim, estabelece – ainda que não de maneira inalterável – traços de

20 “[...] del objeto al soporte de la información, y de la lógica del museo-mausoleo a la lógica del archivo”

(GUASCH, 2011, p. 10).

21 “[...] según la cual lo que es escrito y coleccionado por la percepción tanto a nivel consciente como

inconsciente es sistematizado según experiencias reconocibles, que pueden ser recordadas y, en último término, archivadas” (DERRIDA, 1994 apud GUASCH, 2011, p. 18).

22

“[...] precisa descripción de la psique en tanto que archivo, basada en el principio de que las trazas de memoria de las percepciones [...] no se acumulan de manera permanente en el sistema perceptivo, sino en sistemas de memoria subyacentes” (GUASCH, 2011, p. 17-18).

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28

memória permanentes” (FREUD, 2006, p. 21, tradução nossa).23

Porém o mesmo autor, na obra “O mal-estar da civilização” (1930), defende que a mente padece de uma pulsão de morte, um instinto de destruição. Derrida entende que essa pulsão é paradoxal, pois

[...] trabalha em silêncio, [e] não deixa nunca nenhum arquivo que lhe seja próprio. Ela destrói seu próprio arquivo antecipadamente, como se ali estivesse, na verdade, a motivação mesma de seu movimento mais característico. Ela trabalha para destruir

o arquivo: com a condição de apagar mas também com vistas a apagar seus

próprios traços – que já não podem desde então serem chamados ‘próprios’. Ela devora seu arquivo, antes mesmo de tê-lo produzido externamente. Esta pulsão, portanto [...] é, acima de tudo, anarquivística, poderíamos dizer, arquiviolítica (DERRIDA, 2001, p. 21, grifo do autor).

Se a memória arquivística, ou hupomnema deseja se autodestruir, então o arquivo trabalha contra si próprio. Se o arquivo é apagado antes de se exteriorizar, ele está a priori lutando contra si (DERRIDA, 2001, p. 23) e, talvez nunca tenha chegado a existir, já que o arquivo vive na repetição e na exterioridade.

Independente de tal paradoxo, Derrida compreende a desconstrução que a psicanálise pode trazer para o arquivo e, em consequência, para a própria historiografia (2001, p. 15). Para o filósofo, o poder do arquivo não está só na sua aproximação com as autoridades, mas se garante pelo princípio da consignação, que não se resume a “1 Assinalar por escrito; documentar; registrar. 2 Fazer mencionar; assinalar, aludir, notar. 3 Entregar, sob confiança, algo a outra pessoa; passar o controle de algo a alguém” (DICIONÁRIO Michaelis Online, 2019), mas “tende a coordenar um único corpus em um sistema em sincronia na qual todos os elementos articulam a unidade de uma configuração ideal” (DERRIDA, 2001, p. 14). O impulso destruidor absoluto da teoria psicanalítica de Freud nega, para Derrida, o princípio de consignação do arquivo, o funcionamento do mesmo enquanto um sistema harmonioso. Isso pode gerar

graves consequências, tanto para a teoria do arquivo, como para sua realização institucional. Uma ciência do arquivo deve incluir a teoria da institucionalização, isto é, ao mesmo tempo, da lei que aí se inscreve e do direito que a autoriza. Esse direito põe ou supõe um conjunto de limites que têm uma história, uma história desconstrutível e a cuja desconstrução a psicanálise, no mínimo, não terá ficado alheia. Essa desconstrução em curso diz respeito, como sempre, à instituição de limites declarados intransponíveis, seja o direito das famílias ou do Estado, sejam as relações entre o secreto e o não-secreto, ou, o que é outra coisa, entre o privado e o público, sejam os direitos de propriedade ou de acesso, de publicação ou de reprodução, sejam a classificação ou a ordenação [...]. Em todos esses casos, os limites, as fronteiras, as distinções terão sido sacudidas por um sismo que não poupa nenhum conceito classificatório e nenhuma organização do arquivo. A ordem não está mais garantida (DERRIDA, 2001, p. 14-15).

23 “[...] it has an unlimited receptive capacity for new perceptions and nevertheless lays down permanent–even

(31)

29

Por fim, “com Freud, sem Freud, às vezes contra Freud” (DERRIDA, 2001, p. 9), Derrida associa o arquivo à visão da psicanálise, mostrando-o voltado tanto para a lembrança quanto para o esquecimento, um arquivo incongruente, marcado pela visão pós-moderna. E Guasch (2011, p. 15), na sua análise do paradigma do arquivo, identifica dois modus operandi na crítica de Derrida, os quais relaciona às práticas artísticas voltadas ao arquivo a partir do final do século XIX ao início do século XXI: 1) o princípio regulador de normas (da lei) e da ordem topográfica;24 2) e o que acentua as ações contraditórias de lembrar e guardar e, ao mesmo tempo, esquecer e destruir. Um arquivo com lei, e um arquivo descontínuo, anômico,25 sem lei. Esses modus operandi também se aplicam ao que Guasch denomina “duas máquinas do arquivo”, relacionadas ao seu caráter físico: o modo operativo de procedência e lei se refere ao arquivo da cultura objetual (apegada ao objeto) e à lógica dos sistemas de memória material; e o modo operativo do arquivo sem lei, que se assemelha ao arquivo “baseado na informação virtual, que segue uma racionalidade mais próxima ao flexível e não-estável, não ordenado linearmente e à margem de toda hierarquização” (2011, p. 15).

Além de se referir a Freud, Derrida e Buchloh, a autora, no intuito de reforçar a diferença entre arquivo e coleção artificial, cita o princípio da proveniência (Provenienzprinzip), que privilegia a origem sobre o conteúdo dos documentos e prevê que eles sejam mantidos com a ordenação que receberam antes de serem recolhidos pela instituição arquivística. Tal princípio, segundo Guasch (2011, p. 16-17), define o arquivo para os historiadores como um lugar neutro e inerte, que preserva o documento nas condições ideais para permitir a reconstrução do passado e, portanto, a existência do presente e a construção do futuro. A autora esclarece, porém, que os documentos não representam a totalidade, são fragmentos. Assim, a insistência em entender o presente através dos pedaços do passado teve como consequência a compreensão de que tudo podia ser arquivado, desde que fosse um material remanescente, incompleto ou fragmentado.

24 Derrida afirma que o arquivo é arcôntico, ou seja, está ligado ao local de poder e a quem detém a autoridade

sobre os documentos - “princípio da lei ali onde os homens e os deuses comandam, ali onde se exerce a autoridade, a ordem social, nesse lugar a partir do qual a ordem é dada – princípio nomológico” (2001, p. 11).

25 “Anomia: 1 Ausência de lei ou regra; anarquia. 2 Estado da sociedade no qual os padrões normativos de

conduta e crença têm enfraquecido ou desaparecido. 3 Condição de um indivíduo comumente caracterizada por desorientação pessoal, ansiedade e isolamento social. 4 MED Perda da faculdade de dar nome aos objetos ou de reconhecer e lembrar seus nomes. 5 TEOL Desobediência às leis divinas” (DICIONÁRIO Michaelis Online, 2019).

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2.1.1 Práticas protoarquivísticas literárias, historiográficas e artísticas26

Guasch (2011) situa o início da aproximação entre arte e arquivo a partir de 1920, apesar de considerar alguns trabalhos realizados no final do século XIX. A autora nomeia esse primeiro momento “protoarquivo” e o identifica em práticas literárias, historiográficas e artísticas do período. Para as práticas protoarquivísticas literárias, é escolhido como exemplo o escritor e filósofo Walter Benjamin (1892-1940), em especial seu livro “Passagens” (1927-1940). Nesta obra, Benjamin quer “ler a experiência do presente através de flashs, fragmentos ou gotas do passado” (GUASCH, 2011, p. 22, tradução nossa).27

Ele realiza tal leitura evitando a escrita linear por meio da técnica da montagem, unindo textos, comentários, citações e fragmentos manuscritos sobre a cidade de Paris no século XIX (FERRARI, 1997, p. 69). De acordo com Tiedemann (apud FERRARI, 1997, p. 69) as notas feitas por Benjamin não eram ordenadas segundo a data de criação, e um arquivo (konvolut) era aberto sempre que Benjamin começava a tratar sobre um novo tema.

A respeito da montagem por meio da acumulação de citações, Guasch (2011, p. 22) afirma que essa técnica pode ter sido inspirada no documentário “Berlin, Symphonie einer

Grossstadt” (1927), filmado por Walther Ruttmann (1887-1941). A influência do cinema é

reforçada por Arantes (2015, p. 60), para quem a noção de montagem em Benjamin foi emprestada da sétima arte “como método estratégico para se pensar a escritura historiográfica”. Guasch explica ainda que o livro “Passagens” faz do armazenamento e da acumulação sua razão de ser

A história de Benjamin é fragmentada e arquivada em anotações, rascunhos e listas de questões semelhantes a ‘sessões fotográficas’ e organizadas em 36 categorias com títulos descritivos como ‘Moda’, ‘Tédio’, ‘Cidade dos Sonhos’, ‘Fotografia’, ‘Catacumbas’, ‘Publicidade’, ‘Prostituição’, ‘Baudelaire’, ‘Teoria do progresso’, ‘Flâneur’, com seus códigos de reconhecimento identificados por cores; algumas séries dominadas pela cor azul, outras por laranja, vermelho, verde, preto, marrom, rosa, roxo e amarelo (2011, p. 23, tradução nossa).28

26 A fim de exemplificar o paradigma de arquivo, serão citados alguns artistas, historiadores e literatos que

Guasch escolheu para representá-lo. Como não é possível cobrir todo o escopo do livro, foram escolhidos personagens identificados pela autora como sendo os primeiros a inserirem as questões do arquivo em suas obras.

27 “[...] leer la experiencia del presente a través de destellos, fragmentos o gotas del passado” (GUASCH, 2011,

p. 22).

28 “La historia de Benjamin queda fragmentada y archivada em anotaciones, borradores y listas de cuestiones

similares a ‘tomas fotográficas’ y organizadas en 36 categorías con títulos descriptivos como ‘Moda’, ‘Aburrimiento’, ‘Ciudad de sueño’, ‘Fotografía’, ‘Catacumbas’, ‘Publicidad’, ‘Prostitución’, ‘Baudelaire’, ‘Teoría del progreso’, ‘Flâneur’, con sus códigos de reconocimiento identificados con colores; unas series dominadas por el color azul, otras por el naranja, el rojo, el verde, el negro, el marrón, el rosa, el púrpura y el amarillo.” (GUASCH, 2011, p. 23).

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